Language of document : ECLI:EU:C:2003:459

Conclusions

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
ANTONIO TIZZANO
apresentadas em 11 de Setembro de 2003 (1)



Processo C-112/02



Kohlpharma GmbH

contra

República Federal da Alemanha


[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein-Westfalen (Alemanha)]


«Artigos 28.° CE e 30.° CE – Medicamentos – Autorização de colocação no mercado – Importação paralela»






1.       Por despacho de 14 de Março de 2002, o Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Land da Renânia do Norte‑Vestefália) (a seguir «Oberverwaltungsgericht») submeteu ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio refere a hipótese em que uma especialidade farmacêutica importada por um Estado‑Membro, no qual esta beneficia de uma autorização de colocação no mercado (a seguir «ACM»), seja fabricada com base no mesmo princípio activo com que é fabricada uma especialidade farmacêutica que beneficia de uma ACM no Estado‑Membro de importação. Em relação a essa hipótese, o Oberverwaltungsgericht pergunta se a autoridade competente deste Estado‑Membro pode recusar‑se a tornar extensiva à especialidade farmacêutica importada a ACM concedida à outra pela simples razão de ambas as especialidades farmacêuticas não terem uma origem comum, ou se, na acepção dos artigos 28.° CE e 30.° CE, essa autoridade pode negar semelhante ACM apenas quando, após as verificações oportunas, subsistam dúvidas fundadas de que essas especialidades farmacêuticas têm efeitos terapêuticos diferentes ou não apresentam as mesmas garantias de inocuidade para a saúde.

I – Enquadramento legal

2.       O artigo 28.° CE proíbe, como se sabe, as restrições quantitativas à importação entre Estados‑Membros e qualquer medida de efeito equivalente. Todavia, na acepção do artigo 30.° CE, essas restrições são permitidas quando justificadas por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas e não constituam um meio de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros.

3.       O artigo 3.° da Directiva 65/65/CEE  (2) (a seguir «Directiva 65/65») estabelece que nenhuma especialidade farmacêutica pode ser colocada no mercado de um Estado‑Membro sem que uma autorização tenha sido previamente concedida pela autoridade competente deste Estado‑Membro.

4.       O artigo 4.° da mesma directiva define detalhadamente o procedimento, os documentos e as informações necessárias para efeitos da concessão de uma ACM.

5.       A Directiva 65/65 foi posteriormente revogada e substituída pela Directiva 2001/83  (3) (a seguir «Directiva 2001/83»).

6.       O artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 estabelece, de modo análogo ao artigo 3.° da Directiva 65/65, que nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado num Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma autorização de introdução no mercado, ou sem que tenha sido concedida uma autorização nos termos do Regulamento (CEE) n.° 2309/93  (4) .

7.       Os artigos 8.° a 11.° da Directiva 2001/83 definem, de modo análogo ao artigo 4.° da Directiva 65/65, o procedimento, os documentos e as informações necessárias para efeitos da concessão de uma ACM.

8.       O artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 prevê, em especial, que, em derrogação do artigo 8.°, n.° 3, alínea i), da mesma directiva, o requerente de uma ACM «não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios toxicológicos, farmacológicos e clínicos se puder demonstrar [...] que o medicamento é essencialmente similar a um medicamento autorizado na Comunidade há pelo menos seis anos segundo disposições comunitárias em vigor e comercializado no Estado‑Membro a que o pedido se refere [...]»

II – Matéria de facto e questão prejudicial

9.       A Chiesi Farmaceutici SpA (a seguir «Chiesi») comercializa em Itália o medicamento «Jumex», que é fabricado com o mesmo princípio activo, o «hidrocloreto de selegilina», com que é fabricado o «Movergan», um medicamento comercializado na Alemanha pela empresa alemã Orion Pharma GmbH (a seguir «Orion»). Em ambos os casos o princípio activo provém da mesma empresa: a empresa húngara Chinoin. Todavia, enquanto a Orion se abastece desse princípio activo (directamente ou através da empresa finlandesa Orion Corp.) por força de um simples acordo de fornecimento com a Chinoin, a Chiesi abastece‑se do mesmo por força de um contrato de licença com a Chinoin.

10.     Dada a identidade do princípio activo contido nos referidos medicamentos, a Kohlpharma GmbH (a seguir «Kohlpharma»), que pretende importar para a Alemanha o «Jumex», pediu ao Bundesinstitut für Arzneimittel und Medizinprodukte (Instituto Federal para os Medicamentos e Especialidades Farmacêuticas, a seguir «Bundesinstitut») para tornar extensiva a esse produto a ACM já concedida por este ao «Movergan» relativamente ao território da República Federal da Alemanha.

11.     O Bundesinstitut, todavia, indeferiu esse pedido invocando o acórdão Smith & Nephew e Primecrown  (5) que referirei longamente em seguida. Desse acórdão, em sua opinião, decorre que a condição para a extensão a uma especialidade farmacêutica importada de uma ACM já concedida a outra especialidade farmacêutica no Estado de importação é que as duas especialidades farmacêuticas tenham uma origem comum, ou seja, que os produtores dessas especialidades façam parte do mesmo grupo de empresas, ou, pelo menos, as fabriquem com base em acordos com um mesmo licenciante. Não seria assim no caso vertente, porque as empresas Chiesi e Orion não fazem parte do mesmo grupo de empresas e porque apenas a primeira empresa está vinculada à Chinoin por um contrato de licença.

12.     A Kohlpharma interpôs recurso desta decisão para o Oberverwaltungsgericht, sustentando que o requisito da origem comum não é condição necessária para efeitos da extensão, em benefício de uma especialidade farmacêutica importada por um Estado‑Membro, de uma ACM já concedida no Estado de importação a uma especialidade farmacêutica substancialmente idêntica.

13.     O Oberverwaltungsgericht, entendendo que não é claro se, nas circunstâncias do caso em apreço, o Bundesinstitut pode negar a extensão ao Jumex da ACM de que beneficia, no território da República Federal da Alemanha, o «Movergan», suspendeu a instância para perguntar ao Tribunal de Justiça a título prejudicial:

14.     «Será justificado ao abrigo do artigo 30.° CE ou de outra legislação comunitária, o facto de as autoridades alemãs competentes, violando o artigo 28.° CE, impedirem a importação paralela de um medicamento através da recusa de autorização em processo simplificado, embora considerem, por um lado, que o medicamento a importar (‘Jumex’), produzido em Itália pela empresa Chiesi Farmaceutici SpA, é idêntico, quanto ao princípio activo ‘hidrocloreto de selegilina’, ao medicamento actualmente em circulação na Alemanha (‘Movergan’), com autorização emitida a favor da empresa alemã Orion Pharma GmbH, sendo o princípio activo do fabricante, sediado na Hungria, fornecido à empresa italiana por força dum contrato de licença e à empresa alemã mediante um simples acordo de fornecimento (supply agreement) com a Orion Corp. Finland – seja directamente, seja por intermédio da Finlândia –, e que as autoridades alemãs, por outro lado, não alegam de modo convincente, nem quanto ao princípio activo, nem quanto aos excipientes – que, no entendimento das autoridades, divergem qualitativa e quantitativamente no caso apresentado – que ambos os medicamentos não são iguais, não sendo, em especial, fabricados com base na mesma fórmula e mediante utilização do mesmo princípio activo, ou que não têm resultados terapêuticos idênticos?»

III – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

15.     Apresentaram alegações escritas no Tribunal de Justiça a Kohlpharma e a Comissão. Estas partes, além do Governo alemão, participaram na audiência de 13 de Março de 2003.

IV – Análise jurídica

16.     Com a questão prejudicial em análise, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se, quando uma especialidade farmacêutica importada por um Estado‑Membro, e que aí beneficia de uma ACM, seja fabricada com base no mesmo princípio activo com que é fabricada uma especialidade farmacêutica que beneficia de uma ACM no Estado‑Membro de importação, a autoridade competente deste Estado‑Membro pode recusar‑se a tornar extensiva à primeira a ACM de que beneficia a segunda pela simples razão de as referidas especialidades farmacêuticas não terem uma origem comum.

A – A jurisprudência relevante do Tribunal de Justiça

17.     Quer o órgão jurisdicional de reenvio, ao fundamentar a questão prejudicial, quer as partes interessadas, no processo principal e nas alegações apresentadas no Tribunal de Justiça, invocaram longamente a jurisprudência relevante do Tribunal de Justiça. Entendo, portanto, que é oportuno, a título preliminar, resumir essa jurisprudência.

18.     Para os efeitos do presente processo, em especial, desempenham um papel central o acórdão Smith & Nephew e Primecrown e o acórdão Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker  (6) . Em ambos os acórdãos, o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre as condições exigidas pelo direito comunitário para a emissão da ACM no contexto das importações paralelas de medicamentos.

19.     No processo Smith & Nephew e Primecrown, o órgão jurisdicional de reenvio tinha pedido ao Tribunal de Justiça para esclarecer quais as condições para que uma especialidade farmacêutica que beneficia de uma ACM emitida na acepção da Directiva 65/65 num Estado‑Membro possa beneficiar, noutro Estado‑Membro, da ACM concedida, neste Estado‑Membro, a outra especialidade farmacêutica.

20.     O Tribunal de Justiça afirmou, em primeiro lugar, que, uma vez que o objectivo essencial da Directiva 65/65 é o de «garantir que, quando da colocação no mercado de uma especialidade farmacêutica, a protecção da saúde pública seja assegurada por meios que não possam entravar o desenvolvimento da indústria farmacêutica e as trocas de produtos farmacêuticos na Comunidade», a apresentação de todos os documentos e de todas as informações exigidas por essa directiva para a emissão de uma ACM só é justificada, para efeitos de protecção da saúde pública, «em relação a especialidades farmacêuticas colocadas pela primeira vez no mercado» (n.os 19 e 20 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown).

21.     Não pode considerar‑se colocada pela primeira vez no mercado, segundo o Tribunal de Justiça, «uma especialidade farmacêutica que beneficia de uma ACM num Estado‑Membro e cuja importação noutro Estado‑Membro constitui uma importação paralela relativamente a uma especialidade farmacêutica que beneficia já de uma ACM nesse segundo Estado‑Membro» (n.° 21 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown).

22.     O Tribunal de Justiça recordou, em seguida, que já afirmara anteriormente no acórdão De Peijper  (7) que as autoridades competentes de um Estado‑Membro não podem exigir de um importador de um medicamento regularmente introduzido noutro Estado‑Membro todas as indicações necessárias para o controlo da eficácia e da inocuidade desses medicamentos, quando disponham desses dados relativamente a um medicamento «a todos os níveis idêntico» ao medicamento importado «ou cujas diferenças [em relação a este último] não tenham incidência terapêutica» (n.° 22 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown).

23.     O Tribunal de Justiça salientou, portanto, que embora «as especialidades farmacêuticas em causa [no acórdão De Peijper] [fossem] fabricadas pelo mesmo grupo de sociedades e [tivessem], portanto, uma origem comum», os princípios afirmados nesse acórdão são aplicáveis igualmente numa situação «em que sociedades independentes produzem especialidades farmacêuticas que têm como origem comum o facto de serem fabricadas na sequência de acordos concluídos com um mesmo licenciante» (n.os 24 e 25 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown).

24.     Isso não invalida, acrescentou o Tribunal de Justiça, «que a autoridade competente do Estado‑Membro de importação deve ainda verificar que as duas especialidades, sem serem idênticas em todos os aspectos, foram pelo menos fabricadas segundo a mesma fórmula e utilizando a mesma substância activa e que além disso têm os mesmos efeitos terapêuticos» (n.° 26 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown).

25.     Se – concluiu o Tribunal de Justiça – na sequência «do exame realizado, a autoridade competente do Estado‑Membro de importação verificar que estão satisfeitos todos os critérios anteriormente enunciados, a especialidade farmacêutica a importar deve ser considerada como tendo sido já colocada no mercado no Estado‑Membro de importação e, por conseguinte, deve poder beneficiar da ACM concedida para a especialidade farmacêutica já existente no mercado, a não ser que a tal se oponham considerações atinentes à protecção eficaz da vida e da saúde das pessoas» (n.° 29 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown).

26.     Pelo contrário, «no caso de a autoridade competente concluir que a especialidade farmacêutica a importar não satisfaz todos os critérios já referidos e que não pode, por conseguinte, ser considerada como tendo sido já colocada no mercado no Estado‑Membro de importação, só poderia conceder a nova ACM exigida para a comercialização da especialidade a importar no respeito das condições enumeradas na Directiva 65/65, na redacção dada pela Directiva 87/21» (n.° 30 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown).

27.     Por fim, quanto ao acórdão Rhône‑Poulenc e May & Baker, recordo, para o que aqui interessa, que, depois de ter afirmado – referindo os n.os 25 e 26 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown – que «para saber se as importações de uma especialidade farmacêutica constituem importações paralelas, a autoridade competente do Estado‑Membro de importação deve [designadamente] verificar que as duas especialidades têm uma origem comum [...]» (n.° 28), o Tribunal de Justiça concluiu que no caso concreto a existência dessa circunstância não era controvertida (n.° 29).

28.     É à luz da jurisprudência que acabo de referir que serão apreciadas as considerações do órgão jurisdicional de reenvio e os argumentos das partes que passo a expor em seguida.

B – Considerações do órgão jurisdicional de reenvio

29.     O Oberverwaltungsgericht duvida que, em circunstâncias como as do caso vertente, a autoridade competente possa negar a extensão, em benefício de um medicamento importado por um Estado‑Membro, da ACM concedida a um outro medicamento no Estado de importação pelo simples facto de aí não existir um contrato de licença entre o fabricante do medicamento e o fornecedor do princípio activo e de, portanto, não se verificar a «origem comum» desses medicamentos. Para o órgão jurisdicional de reenvio, com efeito, não é claro porque é que esta extensão pode ser decidida, como sustenta o Bundesinstitut, apenas na hipótese de os dois medicamentos serem produzidos por empresas independentes com base em contratos de licença com o mesmo licenciante e não na hipótese de as referidas empresas independentes produzirem os medicamentos com base num contrato de fornecimento do princípio activo com a mesma empresa.

30.     Nas circunstâncias referidas – sustenta o Oberverwaltungsgericht, citando o n.° 26 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown (v., supra, n.° 24), bem como as conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo C‑172/00  (8) ─, a autoridade nacional competente, ao invés, deveria verificar, eventualmente consultando as autoridades competentes do Estado‑Membro de exportação, se o medicamento importado e o medicamento já no mercado no Estado‑Membro de importação, apesar de não serem idênticos em todos os aspectos, são, no entanto, fabricados com base na mesma fórmula e utilizando os mesmos princípios activos e têm os mesmos efeitos terapêuticos. Quando verifique a existência desses elementos, afirma o órgão jurisdicional de reenvio, a referida autoridade deverá autorizar a colocação do produto no mercado; caso contrário, deverá, no entanto, expor os motivos pelos quais nega a autorização.

C – Síntese dos argumentos das partes

31.     A Kohlpharma sustenta, antes de mais, que o critério da origem comum, invocado nos acórdãos Smith & Nephew e Primecrown, e Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker, não constitui um condição necessária para tornar extensiva a um medicamento importado uma ACM já concedida a outro medicamento no Estado de importação.

32.     Na opinião da Kohlpharma, com efeito, a referência que esses acórdãos fazem à origem comum do medicamento importado e do medicamento já autorizado no Estado de importação pode explicar‑se tendo em consideração o facto de em ambos os casos existir essa circunstância e, portanto, o Tribunal de Justiça mencionou‑a como mero argumento acessório.

33.     Essa interpretação é, na opinião da Kohlpharma, a única defensável à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, se se entendesse que a origem comum constitui uma condição autónoma e essencial, um medicamento idêntico, mas que não tenha uma origem comum relativamente a um medicamento que beneficia de uma ACM no Estado de importação só poderia ser importado após uma análise completa pela autoridade competente. Uma vez, todavia, que esta dispõe já de todos os dados relativos a esse medicamento, a referida análise não é justificada, na acepção do artigo 30.° CE, para assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas  (9) .

34.     Em qualquer caso, segundo a Kohlpharma, o conceito de origem comum na acepção do acórdão Smith & Nephew e Primecrown deveria incluir a hipótese em que, como no caso vertente, duas empresas independentes entre si produzem um medicamento com base num princípio activo proveniente do mesmo fornecedor.

35.     Se se excluísse, continua a Kohlpharma, que o «Movergan» e o «Jumex» têm origem comum pelo simples facto de entre a empresa Chinoin e o grupo Orion haver um contrato de fornecimento em vez de um contrato de licença, as empresas farmacêuticas disporiam de um instrumento fácil de compartimentação dos mercados nacionais. Estas empresas poderiam, com efeito, limitar‑se a substituir os contratos de licença para o fabrico e a comercialização dos seus medicamentos por simples contratos de fornecimento.

36.     A Kohlpharma observa, em seguida, que a matéria de facto do caso vertente não difere substancialmente da do processo Smith & Nephew e Primecrown. É verdade, com efeito, que no presente processo é só o princípio activo com base no qual são fabricados o «Movergan» e o «Jumex» que tem uma origem comum. Todavia, também no processo Smith & Nephew e Primecrown, o licenciante da licença relativa aos dois medicamentos em questão declarou que se limitava a fornecer apenas o princípio activo ao fabricante de um deles e que, portanto, não podia garantir que os dois medicamentos fossem idênticos  (10) .

37.     Por seu lado, a Comissão concorda com a Kohlpharma quanto à exigência de incluir casos como o vertente no conceito de origem comum. O que conta verdadeiramente, com efeito, na opinião da Comissão, é que as duas especialidades farmacêuticas são essencialmente idênticas e que as eventuais diferenças não são significativas em termos de segurança e eficácia para a saúde das pessoas.

38.     Por fim, o Governo alemão, que interveio apenas na audiência, invocando os acórdãos já referidos De Peijper e Smith & Nephew e Primecrown, e designadamente os n.os 24 e 25 deste último (v., supra, n.° 23), sustenta que a origem comum do medicamento importado e do medicamento já autorizado no Estado de importação constitui um requisito essencial para que o primeiro beneficie da ACM emitida para o segundo. Esse requisito deve entender‑se no sentido de que os referidos medicamentos devem ser fabricados por empresas pertencentes ao mesmo grupo ou por empresas vinculadas por um contrato de licença com o mesmo licenciante.

D – Apreciação

1.     Introdução

39.     Antes de entrar no mérito da questão em análise, devo antes de mais recordar que a Directiva 65/65 foi revogada, tal como as directivas que a alteraram e outras directivas em matéria de medicamentos de uso humano, pela Directiva 2001/83.

40.     Esta directiva, longe de alterar na substância as directivas revogadas, procedeu, para efeitos de racionalidade e clareza, à codificação das mesmas mediante a sua reunião num único diploma  (11) . Confirmando isto mesmo, o artigo 128.° desta directiva estabelece que «as referências feitas às directivas revogadas devem entender‑se como feitas à presente directiva e ser lidas de acordo com o quadro de correspondência que consta do anexo III».

41.     À luz da exposição precedente, portanto, os princípios enunciados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente à Directiva 65/65 devem entender‑se agora como fazendo referência, mutatis mutandis, à Directiva 2001/83. Por essas razões, na sequência destas conclusões farei referência apenas a esta directiva.

42.     Posto isto, observo que das considerações do Oberverwaltungsgericht e das observações das partes resulta, em substância, que com a presente questão prejudicial se pede ao Tribunal de Justiça que esclareça duas questões em matéria de importação paralela de medicamentos.

43.     A primeira é se a autoridade competente de um Estado‑Membro pode recusar‑se a tornar extensiva a uma especialidade farmacêutica importada por outro Estado‑Membro uma ACM já concedida no primeiro Estado‑Membro a uma especialidade farmacêutica pela simples razão de as referidas especialidades farmacêuticas não terem uma origem comum.

44.     A segunda – discutida sobretudo e longamente na audiência – é se o importador paralelo é obrigado a fornecer a prova da identidade substancial das referidas especialidades farmacêuticas perante a autoridade competente do Estado de importação ou se pode limitar‑se a fornecer indícios a esse respeito, indícios esses em presença dos quais a referida autoridade, antes de poder adoptar qualquer decisão, é obrigada a efectuar as investigações oportunas.

45.     Embora as questões referidas sejam estreitamente conexas entre si, por razões de clareza de exposição tratá‑las‑ei em separado.

2.     Quanto à origem comum

46.     Relativamente a esta questão, recordo mais um vez que, na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2001/83, qualquer especialidade farmacêutica, para poder ser colocada no mercado de um Estado‑Membro, deve beneficiar de uma ACM emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro com observância das condições fixadas pela directiva.

47.     Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, todavia, esta condição não se impõe necessariamente em caso de importação paralela de medicamentos entre Estados‑Membros  (12) . Nesse caso, com efeito, a especialidade farmacêutica importada pode – em determinadas condições – beneficiar no Estado‑Membro de importação da ACM já concedida neste Estado a outra especialidade farmacêutica (v., supra, n.° 25).

48.     Posto isto, resta, no entanto, esclarecer – e é este o cerne da questão – quais são as referidas condições e qual o seu alcance.

49.     Sublinho desde logo que quanto a duas dessas condições as partes e o órgão jurisdicional de reenvio não parecem ter dúvidas.

50.     A primeira é que a especialidade farmacêutica que é objecto de importação paralela deve já beneficiar de uma ACM emitida pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de proveniência (v., supra, n.° 21).

51.     A segunda é que essa especialidade, mesmo não sendo idêntica sob todos os aspectos a uma especialidade farmacêutica já autorizada no Estado‑Membro de importação, é de tal modo semelhante a esta que pode considerar‑se essencialmente idêntica (v., também, supra, n.os 24 e 25). Isto acontece, em especial, quando as referidas especialidades farmacêuticas contenham qualitativa e quantitativamente os mesmos princípios activos, possuam a mesma forma farmacêutica  (13) , sejam bioequivalentes  (14) e não pareçam, com referência aos conhecimentos científicos, apresentar diferenças significativas no que respeita à sua segurança e eficácia  (15) .

52.     Ora, enquanto a Kohlpharma e a Comissão entendem que as referidas circunstâncias são, por si sós, suficientes para qualificar uma importação de medicamentos como importação paralela não abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 2001/83, o Governo alemão, pelo contrário, sustenta que a qualificação deve ser outra. Na opinião desse Governo, como se disse, seria igualmente necessário que a especialidade farmacêutica importada e a que está no mercado do Estado‑Membro de importação tenham uma «origem comum», isto é, sejam fabricadas no mesmo grupo de empresas ou por empresas independentes, mas com base em acordos com o mesmo licenciante.

53.     Em apoio da sua tese, o Governo alemão invoca essencialmente a jurisprudência já referida do Tribunal de Justiça que, em sua opinião, impõe precisamente a condição em questão.

54.     Todavia, não posso partilhar essa tese. É verdade que, no acórdão Smith & Nephew e Primecrown, o Tribunal de Justiça salientou a circunstância de a especialidade farmacêutica importada e a de referência no Estado de importação terem uma origem comum (v., supra, n.° 23).

55.     Isso não significa, todavia, como notou com razão a Kohlpharma, que o Tribunal de Justiça tenha considerado essa circunstância como sendo determinante para efeitos de estabelecer se a importação é uma importação paralela não abrangida no âmbito de aplicação da Directiva 2001/83.

56.     Vendo bem, com efeito, no acórdão referido, o Tribunal de Justiça fez referência à origem comum dos medicamentos antes de mais porque esta circunstância existia quer no processo que estava em análise quer no caso do acórdão De Peijper. Isso facilitou que o Tribunal de Justiça afirmasse que os princípios enunciados neste último acórdão eram extensíveis ao processo Smith & Nephew e Primecrown (v., supra, n.° 23).

57.     Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça fez‑lhe referência porque a origem comum do medicamento importado e do «nacional» é sempre um indício sério da identidade substancial entre os dois produtos, que o importador paralelo pode invocar perante a autoridade competente do Estado‑Membro de importação para fugir à aplicação da Directiva 2001/83 (v., infra, n.° 82).

58.     Mas que a origem comum não constitui um requisito essencial para os presentes efeitos parece‑me resultar até do próprio texto do acórdão Smith & Nephew e Primecrown. Nos n.os 21 a 24 desse acórdão, com efeito, depois de ter afirmado que «as disposições da Directiva [2001/83] que dizem respeito ao procedimento de concessão de uma ACM não se podem aplicar» a casos como o que estava em análise no acórdão De Peijper, em que a especialidade farmacêutica objecto de importação paralela «era sob todos os aspectos idêntica»  (16) à especialidade farmacêutica de referência no Estado de importação (n.os 21 a 23), o Tribunal de Justiça acrescenta que, «por outro lado, as especialidades farmacêuticas em causa nesse acórdão tinham sido fabricadas pelo mesmo grupo de sociedades e tinham, portanto, uma origem comum»  (17) (n.° 24).

59.     Parece‑me, com efeito, que essa frase, e em especial o uso da expressão «por outro lado», corresponde à ideia de que a origem comum constitui uma circunstância com certeza importante, mas sempre ulterior e acrescida relativamente à – essa sim decisiva – da identidade ou da identidade substancial das mesmas.

60.     Semelhantes considerações valem também, em minha opinião, relativamente ao n.° 28 do acórdão Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker citado supra (v. n.° 27), que poderia igualmente ser interpretado como uma prova do facto de o Tribunal de Justiça considerar determinante a condição da origem comum do medicamento importado e do que já está no mercado no Estado de importação.

61.     Parece‑me, com efeito, que esta passagem tem um significado diferente. Aí, como observou a Kohlpharma, o Tribunal de Justiça limita‑se a invocar o acórdão Smith & Nephew e Primecrown para poder declarar logo de seguida (n.° 29) que algumas das circunstâncias que tinham levado à prolação daquele acórdão existiam também no caso em apreço. Deste modo, o Tribunal de Justiça evitou ter de analisar as consequências daí decorrentes em caso de insubsistência de algumas das referidas circunstâncias, entre as quais justamente a origem comum dos medicamentos em questão.

62.     Pelas razões que acabei de expor, portanto, não creio que a jurisprudência do Tribunal de Justiça imponha unívoca e seguramente a condição em questão e que possa, por conseguinte, constituir um apoio decisivo da tese sustentada pelo Governo alemão.

63.     Pelo contrário, há argumentos, em minha opinião, que depõem em sentido contrário a essa tese e que podem ser deduzidos da própria jurisprudência do Tribunal de Justiça aqui várias vezes invocada.

64.     Como já recordei, com efeito, essa jurisprudência salienta com insistência que o objectivo essencial da Directiva 2001/83 é «garantir que, quando da colocação no mercado de uma especialidade farmacêutica, a protecção da saúde pública seja assegurada por meios que não possam entravar o desenvolvimento da indústria farmacêutica e as trocas de produtos farmacêuticos na Comunidade»  (18) .

65.     Da jurisprudência referida resulta, portanto, antes de mais, que o objectivo principal da legislação comunitária relevante é a protecção da saúde pública. É, com efeito, por este motivo que a produção de todos os documentos e de todas as informações necessárias para a emissão de uma ACM só se justifica «em relação a especialidades farmacêuticas colocadas pela primeira vez no mercado» (n.os 19 e 20 do acórdão Smith & Nephew e Primecrown), tal como a colocação no mercado num Estado‑Membro de especialidades farmacêuticas objecto de importação paralela sem obedecer aos requisitos impostos pela referida regulamentação apenas pode ocorrer na condição de essas especialidades não apresentarem nenhum risco para a saúde e a vida das pessoas (v., supra, n.os 23 e 24).

66.     Mas se o ponto de referência deve ser antes de mais a protecção da saúde pública, não creio que a origem comum possa ser determinante para os presentes efeitos.

67.     Por um lado, com efeito, parece‑me que pode considerar‑se largamente suficiente para excluir que a colocação no mercado de uma especialidade farmacêutica implica um risco para a saúde pública no Estado‑Membro de importação o facto de essa especialidade já ter sido autorizada no Estado‑Membro de exportação e, sobretudo, de ser idêntica ou essencialmente idêntica, no sentido acima referido (v. n.° 51), a uma especialidade farmacêutica igualmente autorizada no Estado‑Membro de importação.

68.     Por outro lado, mesmo que a especialidade farmacêutica importada e a especialidade autorizada no Estado de importação tivessem uma «origem comum», em minha opinião isso não seria suficiente para excluir eventuais riscos para a saúde pública. Com efeito, pode acontecer que, mesmo tendo origem comum, a especialidade farmacêutica importada e a autorizada no Estado‑Membro de importação sejam fabricadas a partir de substâncias diferentes e através de procedimentos diversos e que, portanto, a primeira seja diferente da segunda não apenas do ponto de vista das propriedades terapêuticas mas também da segurança para a saúde das pessoas.

69.     Acrescento que também a outra exigência sublinhada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, ou seja, a exigência de não entravar «o desenvolvimento da indústria farmacêutica e as trocas de produtos farmacêuticos na Comunidade» (v., supra, n.° 20), parece‑me mais bem defendida pela tese que não exige a condição da origem comum. Em geral, de resto, essa tese apresenta‑se claramente como sendo mais conforme aos princípios em matéria de livre circulação de mercadorias, bem como aos segundo e terceiro considerandos da Directiva 2001/83, que são aqui a expressão específica desses princípios  (19) .

70.     Uma vez que, com efeito, as condições impostas pela Directiva 2001/83 para a emissão de uma ACM representam potenciais entraves à livre circulação dos medicamentos entre Estados‑Membros na acepção do artigo 28.° CE, esses entraves não podem ser justificados na acepção do artigo 30.° CE, a não ser na medida em que sejam destinados à protecção da saúde pública.

71.     Ora, como uma vez reunidas as duas condições referidas acima (v. n.os 50 e 51) essa protecção pode considerar‑se assegurada, a exigência da condição posterior da origem comum constitui uma restrição injustificada à livre circulação dos produtos em causa.

72.     Parece‑me, portanto, poder concluir, relativamente ao caso vertente, que a circunstância de as duas especialidades farmacêuticas em causa terem sido fabricadas com base num contrato de licença ou num contrato de fornecimento com a mesma empresa não pode ser considerada determinante para efeitos da colocação no mercado do medicamento objecto de importação paralela na República Federal da Alemanha.

73.     À luz das considerações precedentes, proponho, portanto, responder à questão prejudicial no sentido de que o artigo 28.° CE obsta a que uma autoridade nacional entrave a importação paralela de uma especialidade farmacêutica que beneficia de uma ACM no Estado‑Membro de exportação e que, embora não sendo idêntica a uma especialidade farmacêutica autorizada no Estado‑Membro de importação e mesmo não tendo com esta uma origem comum, contém qualitativa e quantitativamente os mesmos princípios activos, possui a mesma forma farmacêutica, é bioequivalente e não parece, à luz dos conhecimentos científicos, apresentar diferenças significativas no que respeita à segurança e eficácia.

3.     Quanto ao ónus da prova

74.     Posto isto, resta ainda esclarecer, em relação ao debate que surgiu a esse propósito na audiência, se compete ao importador fazer a prova da identidade substancial dos produtos em causa ou se, em face de indícios suficientes a esse respeito, compete à autoridade competente do Estado de importação efectuar as investigações eventualmente necessárias a fim de adoptar uma decisão quanto ao pedido de extensão da ACM à especialidade farmacêutica importada.

75.     A Kohlpharma defende esta última tese. Na opinião desta empresa, com efeito, dos acórdãos De Peijper e Smith & Nephew e Primecrown deveria deduzir‑se que só quando, prevalecendo‑se de todos os meios à sua disposição e eventualmente consultando as autoridades competentes do Estado de exportação, a autoridade do Estado de importação verifique – ou pelo menos não possa excluir – que os dois medicamentos não têm efeitos terapêuticos iguais ou inocuidade igual para a saúde humana, a referida autoridade pode recusar‑se a conceder ao medicamento importado a ACM já concedida ao outro.

76.     A Comissão e o Governo alemão, pelo contrário, sustentam que incumbe, em princípio, ao importador o ónus da prova perante a autoridade competente de que estão reunidas todas as condições para que um medicamento importado por um Estado‑Membro beneficie, no Estado‑Membro de importação, da ACM já concedida a outro medicamento. Em especial, quando, como no caso vertente, o medicamento importado e o já autorizado no Estado de importação contenham excipientes diferentes, incumbiria ao importador um ónus da prova semelhante ao que incumbe aos produtores – como, por exemplo, os produtores de medicamentos genéricos – que pretendam prevalecer‑se do procedimento do artigo 10.° da Directiva 2001/83, isto é, o ónus da prova, através de estudos de biodisponibilidade, de que os medicamentos que pretendem colocar no mercado são bioequivalentes a medicamentos já em circulação nesse mercado.

77.     Segundo a Comissão, além disso, quanto menor for a origem comum de dois medicamentos, ou seja, a intensidade da ligação existente entre os titulares das ACM emitidas para esses medicamentos nos dois Estados‑Membros, tanto maior deveria ser o ónus que incumbe ao importador de provar que os referidos medicamentos são de tal modo semelhantes que não justificam, em caso de importação de um deles num ou noutro desses Estados, a aplicação da Directiva 2001/83.

78.     Por minha parte, devo antes de mais observar que o paralelismo invocado entre um importador paralelo e um produtor de medicamentos genéricos parece‑me discutível. O primeiro, com efeito, limita‑se a adquirir um medicamento que, estando no mercado no Estado‑Membro de proveniência já goza de uma ACM concedida pela autoridade competente desse Estado, para o colocar no mercado de outro Estado‑Membro onde uma especialidade farmacêutica idêntica, ou essencialmente idêntica, é comercializada a um preço mais elevado. Enquanto mero importador, ele não dispõe por norma de todos os dados relativos à eficácia e segurança do medicamento importado, mas é presumível que esses dados já tenham sido fornecidos pelo titular da ACM no Estado de exportação à autoridade competente desse Estado.

79.     Pelo contrário, o produtor de medicamentos genéricos coloca, em princípio, no mercado de um ou mais Estados‑Membros, medicamentos que não gozam ainda de uma ACM em nenhum Estado‑Membro e sobre cuja segurança e eficácia, portanto, ele é o único a possuir informações. Parece‑me, portanto, óbvio exigir desse produtor, quando queira prevalecer‑se do procedimento abreviado previsto pelo artigo 10.° da Directiva 2001/83, a observância de todas as condições impostas por essa directiva  (20) .

80.     O mesmo ónus não pode, ao invés, em minha opinião, incumbir a um importador paralelo, a não ser nos limites que tento indicar em seguida.

81.     Em primeiro lugar, há que ter em conta que numerosos indícios quanto à falta de diferenças significativas, em termos de segurança e eficácia, entre a especialidade farmacêutica importada e a de referência no Estado de importação são desde logo dedutíveis das bulas das referidas especialidades. Nessas bulas, com efeito, deve indicar‑se, nos termos do artigo 59.° da Directiva 2001/83: a composição qualitativa completa, em termos de substâncias activas e de excipientes do medicamento; a sua composição quantitativa em termos de princípios activos; a forma farmacêutica; as indicações terapêuticas; as informações necessárias à utilização (contra‑indicações, precauções de utilização e advertências especiais); a posologia, o modo e a frequência da administração e os efeitos secundários negativos.

82.     Além desses indícios, em seguida, o importador paralelo pode eventualmente fornecer outras indicações úteis à autoridade competente. Pode salientar, por exemplo, a circunstância de as referidas especialidades serem vendidas com a mesma denominação nos dois Estados interessados, ou de terem uma origem comum porque são fabricadas por empresas pertencentes ao mesmo grupo ou com base em contratos de licença com o mesmo licenciante ou de, como no caso vertente, o seu princípio activo ser idêntico e provir da mesma empresa.

83.     Por outras palavras, o importador paralelo deve fornecer, no acto do pedido, todos os elementos úteis na sua posse ou que lhe sejam acessíveis. Em contrapartida, entendo que eventuais informações posteriores necessárias para verificar a segurança e eficácia da especialidade farmacêutica importada deverão ser investigadas antes de mais pela autoridade competente do Estado‑Membro de importação prevalecendo‑se, como observa a Kohlpharma, de todos os meios à sua disposição e, em especial, consultando a autoridade competente do Estado de exportação  (21) .

84.     Recordo a esse propósito que a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça afirmou que «[a]dmitindo que é indispensável impor ao importador paralelo a prova desta conformidade, em todo o caso não se justificaria, face ao artigo [30.° CE], obrigá‑lo a fazer tal prova mediante documentos que lhe são inacessíveis, quando a administração ou, se for caso disso, o juiz verifique que a prova pode ser feita com outros meios»  (22) .

85.     Isto até porque, sempre segundo o Tribunal de Justiça, «uma simples colaboração entre as autoridades dos Estados‑Membros permitir‑lhes‑ia obter reciprocamente os necessários documentos de verificação» da segurança e de eficácia do medicamento importado  (23) .

86.     Nestas condições, portanto, e tendo igualmente em consideração os princípios em matéria de livre circulação de mercadorias, entendo que se existirem sérios indícios sobre a insubsistência de diferenças significativas entre uma especialidade farmacêutica importada por um Estado‑Membro, onde beneficia de uma ACM, e uma especialidade farmacêutica que beneficia de uma ACM no Estado‑Membro de importação, a autoridade competente deste Estado‑Membro não pode indeferir um pedido de extensão à primeira da ACM concedida à segunda limitando‑se a invocar eventuais dúvidas quanto à eficácia e à segurança da especialidade farmacêutica importada.

87.     Se tem semelhantes dúvidas, essa autoridade deve antes de mais prevalecer‑se de todos os meios à sua disposição para tentar obter elementos posteriores, sobretudo dirigindo‑se à autoridade competente do Estado‑Membro de exportação.

88.     Só quando, efectuadas as investigações oportunas, permaneçam dúvidas sobre a segurança e a eficácia da especialidade farmacêutica em questão, a referida autoridade poderá exigir que o importador forneça provas adequadas para esclarecer aquelas dúvidas e, portanto, evitar que a colocação no mercado da especialidade importada seja vinculada à observância das condições fixadas pela Directiva 2001/83.

89.     À luz das considerações precedentes, proponho, portanto, que se responda ao órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que, quando, apesar das indicações fornecidas pelo importador, permaneçam sérias dúvidas sobre a subsistência de diferenças significativas entre uma especialidade farmacêutica importada por um Estado‑Membro, no qual esta especialidade farmacêutica é legalmente comercializada com base numa ACM emitida pela autoridade competente desse Estado, e uma especialidade farmacêutica colocada no mercado no Estado‑Membro de importação, a autoridade competente deste Estado só pode exigir que a colocação no mercado da especialidade farmacêutica importada seja efectuada com observância das condições fixadas pela Directiva 2001/83 depois de ela própria ter efectuado todas as investigações oportunas, igualmente em colaboração com as autoridades competentes do Estado‑Membro de exportação.

V – Conclusões

90.     À luz das considerações precedentes, proponho, portanto, que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão suscitada pelo Oberverwaltungsgericht:

«1)
O artigo 28.° CE obsta a que uma autoridade nacional entrave a importação paralela de uma especialidade farmacêutica que beneficia de uma autorização de colocação no mercado no Estado‑Membro de exportação e que, embora não sendo idêntica a uma especialidade farmacêutica autorizada no Estado‑Membro de importação e mesmo não tendo com esta uma origem comum, contém qualitativa e quantitativamente os mesmos princípios activos, possui a mesma forma farmacêutica, é bioequivalente e não parece, à luz dos conhecimentos científicos, apresentar diferenças significativas no que respeita à segurança e eficácia.

2)
Quando, apesar das indicações fornecidas pelo importador, permaneçam sérias dúvidas sobre a subsistência de diferenças significativas entre uma especialidade farmacêutica importada por um Estado‑Membro, no qual esta especialidade farmacêutica é legalmente comercializada com base numa autorização de colocação no mercado emitida pela autoridade competente desse Estado, e uma especialidade farmacêutica colocada no mercado no Estado‑Membro de importação, a autoridade competente deste Estado só pode exigir que a colocação no mercado da especialidade farmacêutica importada seja efectuada com observância das condições fixadas pela Directiva 2001/83 depois de ela própria ter efectuado todas as investigações oportunas, igualmente em colaboração com as autoridades competentes do Estado‑Membro de exportação.»


1
Língua original: italiano.


2
Directiva do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18).


3
Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67). V., em especial, artigo 128.° desta directiva.


4
Regulamento do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1).


5
Acórdão de 12 de Novembro de 1996 (C‑201/94, Colect., p. I‑5819).


6
Acórdão de 16 de Dezembro de 1999 (C‑94/98, Colect., p. I‑8789).


7
Acórdão de 20 de Maio de 1976 (104/75, Colect., p. 263).


8
Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral L. A. Geelhoed em 7 de Fevereiro de 2002 no processo C‑172/00, Ferring (Colect. 2002, p. I‑6891, n.os 37 a 40).


9
Em apoio dessa tese, a Kohlpharma invoca as conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed de 7 de Fevereiro de 2002, no processo C‑172/00, Ferring, já referido, n.os 37 a 40).


10
V. acórdão de 12 de Novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, já referido, n.os 11 e 14.


11
V. primeiro considerando da directiva em questão.


12
V. acórdão de 12 de Novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, já referido, n.os 19 e 20, citados nos n.os 20 e 21 das presentes conclusões. V., no mesmo sentido, as conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 12 de Dezembro de 2002, no processo Paranova Läkemedel, C‑15/01 (Colect. 2003, p. I‑0000, n.° 6, com outras citações).


13
Por forma farmacêutica de um medicamento entende‑se o modo como se apresenta (cápsulas, gotas orais em solução, injecções, etc.) e como é administrado (via oral, via rectal, visa nasal, via cutânea, etc.). V., a esse propósito, n.° 37 das conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Generics, acórdão de 3 de Dezembro de 1998 (C‑368/96, Colect., p. I‑7967).


14
«Dois medicamentos são bioequivalentes se se tratar de produtos farmacêuticos equivalentes ou alternativos e se a sua biodisponibilidade (grau e velocidade) após administração, na mesma dose molar, for de tal forma similar que os seus efeitos, tanto do ponto de vista da sua eficácia como da sua segurança, sejam essencialmente os mesmos» (acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Generics, já referido, n.° 31).


15
V., nesse sentido, acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Generics, já referido, n.° 36.


16
Sublinhado nosso.


17
Sublinhado nosso.


18
Acórdão de 12 de Novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, já referido, n.° 19. No mesmo sentido, v. acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Generics, já referido, n.° 22.


19
Segundo esses considerandos, «toda a regulamentação em matéria de produção, de distribuição ou de utilização de medicamentos deve ter por objectivo essencial garantir a protecção da saúde pública [...] por meios que não possam travar [o comércio] de medicamentos na Comunidade».


20
Quando, pelo contrário, um produtor de medicamentos genéricos pretender colocar no mercado de um Estado‑Membro um medicamento relativamente ao qual já obteve uma ACM noutro Estado‑Membro, poderá prevalecer‑se do procedimento relativo ao reconhecimento mútuo das ACM previsto no capítulo 4 da Directiva 2001/83.


21
Pense‑se, por exemplo, em eventuais estudos de biodisponibilidade que poderiam ter sido apresentados junto dessa autoridade. O anexo I da Directiva 2001/83 prevê, com efeito, na parte 4, E, que «[a] avaliação da biodisponibilidade deve efectuar‑se sempre que necessário (por exemplo, caso a dose terapêutica seja próxima da dose tóxica ou caso testes prévios tenham revelado anomalias que possam estar relacionadas com propriedades farmacodinâmicas, como a absorção irregular)».


22
Acórdão de 20 de Maio de 1976, De Peijper, já referido, n.° 29.


23
Acórdão de 12 de Novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, já referido, n.° 28.