Language of document : ECLI:EU:C:2007:511

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de Setembro de 2007 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Direitos antidumping – Artigo 239.° do código aduaneiro – Dispensa de pagamento de direitos de importação – Artigo 907.°, primeiro parágrafo, do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 – Interpretação – Legalidade – Decisão da Comissão – Grupo de peritos reunidos no quadro do comité do código aduaneiro – Entidade distinta no plano funcional – Artigos 2.° e 5.°, n.° 2, da Decisão 1999/468/CE do Conselho – Artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro – Condições de aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro – Inexistência de negligência manifesta»

No processo C‑443/05 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 8 de Dezembro de 2005,

Common Market Fertilizers SA, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por A. Sutton, barrister, e N. Flandin, avocat,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por X. Lewis, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J. Klučka, J. Makarczyk, G. Arestis e L. Bay Larsen (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Outubro de 2006,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de Março de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Common Market Fertilizers SA (a seguir «CMF») pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 27 de Setembro de 2005, Common Market Fertilizers/Comissão (T‑134/03 e T‑135/03, Colect., p. II‑3923, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este último negou provimento aos seus recursos com vista à anulação das Decisões C(2002) 5217 final e C(2002) 5218 final da Comissão, de 20 de Dezembro de 2002 (a seguir «decisões controvertidas»), que declaram que a dispensa de pagamento de direitos de importação pedida pela CMF não é justificada.

 Quadro jurídico

2        O artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 3319/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que cria um direito antidumping definitivo sobre as importações de solução de ureia e nitrato de amónio originária da Bulgária e da Polónia, e que procede à cobrança definitiva do direito provisório da referida mercadoria exportada por empresas não isentas do respectivo direito (JO L 350, p. 20), cria o seguinte direito antidumping específico:

«No que respeita às importações introduzidas em livre prática que não são facturadas directamente ao importador não ligado por um dos exportadores ou produtores acima referidos estabelecidos na Polónia, é instituído o seguinte direito específico:

Para o produto originário da Polónia […] produzido pela empresa Zaklady Azotowe Pulawy […] um direito específico de 19 ecus por tonelada de produto […]»

3        O artigo 239.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro de 2000 (JO L 311, p. 17, a seguir «código aduaneiro»), dispõe:

«1.      Pode‑se proceder ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação em situações especiais, distintas das referidas nos artigos 236.°, 237.° e 238.°:

–        a determinar pelo procedimento do comité;

–        decorrentes de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado. As situações em que pode ser aplicada esta disposição, bem como as modalidades processuais a observar para esse efeito são definidas de acordo com o procedimento do comité. O reembolso ou a dispensa do pagamento pode ficar subordinado a condições especiais.

2.      O reembolso ou a dispensa do pagamento dos direitos pelos motivos indicados no n.° 1 será concedido mediante requerimento apresentado na estância aduaneira respectiva […]»

4        O artigo 4.° do código aduaneiro estabelece:

«Na acepção do presente código, entende‑se por:

[…]

24)       Procedimento do comité: o procedimento previsto nos artigos 247.° e 247.°‑A ou nos artigos 248.° e 248.°‑A.»

5        O artigo 247.° do código aduaneiro prevê:

«As medidas necessárias à aplicação do presente regulamento [...] são aprovadas pelo procedimento a que se refere o n.° 2 do artigo 247.°‑A […]»

6        O artigo 247.°‑A do código aduaneiro dispõe:

«1.      A Comissão é assistida pelo Comité do Código Aduaneiro, adiante designado por ‘comité’.

2.      Sempre que se faça referência ao presente número, são aplicáveis os artigos 5.° e 7.° da Decisão 1999/468/CE [do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23, a seguir ‘decisão comitologia’)] […]

[...]

3.      O comité aprovará o seu regulamento interno.»

7        O artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro dispõe:

«1.      A convocação, a ordem de trabalhos, os projectos de medidas relativamente aos quais é pedido o parecer do comité, assim como qualquer outro documento de trabalho, são transmitidos pelo presidente às representações permanentes e aos membros do comité, em conformidade com o n.° 2 do artigo 14.°, regra geral, o mais tardar, 14 dias antes data da reunião.

2.      Em casos urgentes e quando as medidas a adoptar devam ser aplicadas de imediato, o presidente pode, a pedido de um membro do comité ou por sua própria iniciativa, abreviar o prazo de transmissão referido no número anterior até cinco dias antes da data da reunião.

3.      Em caso de extrema urgência, o presidente pode alterar os prazos fixados nos n.os 1 e 2. Se se propuser acrescentar um assunto à ordem de trabalhos de uma reunião durante a realização da mesma, é necessária a aprovação da maioria simples dos membros do comité.»

8        O artigo 905.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.° 2913/92 (JO L 253, p. 1), alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1677/98 da Comissão, de 29 de Julho de 1998 (JO L 212, p. 18, a seguir «regulamento de aplicação»), estabelece:

«Sempre que a autoridade aduaneira decisória, à qual foi apresentado o pedido de reembolso ou de dispensa do pagamento em conformidade com o n.° 2 do artigo 239.° do código, não puder decidir com base no artigo 899.° e o pedido se apresentar acompanhado de justificações susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado, o Estado‑Membro a que pertence esta autoridade transmitirá o caso à Comissão para que seja tratado de acordo com o procedimento previsto nos artigos 906.° a 909.°

Todavia, excepto em caso de dúvida por parte da referida autoridade aduaneira decisória, esta última pode decidir ela própria proceder ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos sempre que considere que estão preenchidas as condições previstas no n.° 1 do artigo 239.° do código e desde que o montante em causa para um operador na sequência de uma mesma situação especial, referente, se for caso disso, a diversas operações de importação ou de exportação, seja inferior a 50 000 ecus.

O termo ‘interessado’ deve ser interpretado no sentido que lhe é conferido no artigo 899.°

Em todos os outros casos, a autoridade aduaneira decisória indeferirá o pedido.»

9        O artigo 906.° do regulamento de aplicação dispõe:

«Nos 15 dias subsequentes à data da recepção do processo referido no n.° 2 do artigo 905.°, a Comissão enviará cópia do mesmo aos Estados‑Membros.

O exame do processo será inscrito, logo que possível, na ordem de trabalhos de uma reunião do comité previsto no artigo 247.° do código.»

10      Posteriormente aos factos do caso em apreço, o artigo 906.°, segundo parágrafo, do regulamento de aplicação foi alterado como se segue pelo Regulamento (CE) n.° 1335/2003 da Comissão, de 25 de Julho de 2003, que altera o Regulamento n.° 2454/93 (JO L 187, p. 16), da seguinte forma:

«O exame desse processo é inscrito, logo que possível, na ordem de trabalhos de uma reunião do grupo de peritos previsto no artigo 907.°»

11      O artigo 906.°‑A do regulamento de aplicação prevê:

«Em qualquer momento do procedimento previsto nos artigos 906.° e 907.° e sempre que a Comissão tencione tomar uma decisão desfavorável ao requerente do reembolso ou da dispensa do pagamento, deverá comunicar‑lhe as suas objecções por escrito, bem como todos os documentos em que se fundamentam as referidas objecções. O requerente do reembolso ou da dispensa do pagamento deverá apresentar as suas observações por escrito no prazo de um mês a contar da data de envio das referidas objecções. Caso não tenha apresentado as suas observações no referido prazo, considera‑se que renunciou à possibilidade de manifestar a sua posição.»

12      O artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação estabelece:

«Após consulta de um grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados‑Membros, reunidos no âmbito do comité para análise do caso em apreço, a Comissão adoptará uma decisão que estabeleça que a situação especial analisada justifica, ou não, a concessão do reembolso ou a dispensa do pagamento.»

13      O artigo 5.° da decisão comitologia, sob a epígrafe «Procedimento de regulamentação», dispõe:

«1.      A Comissão é assistida por um comité de regulamentação composto por representantes dos Estados‑Membros e presidido pelo representante da Comissão.

2.      O representante da Comissão apresenta ao comité um projecto das medidas a tomar. O comité dá parecer sobre esse projecto num prazo que o presidente pode fixar em função da urgência da questão. O parecer será emitido pela maioria prevista no n.° 2 do artigo 205.° [CE] para a adopção das decisões que o Conselho deve tomar sob proposta da Comissão. Os votos dos representantes dos Estados‑Membros no comité são ponderados nos termos desse artigo. O presidente não vota.

3.      Sem prejuízo do artigo 8.°, a Comissão aprovará as medidas projectadas se forem conformes com o parecer do comité.

4.      Se as medidas projectadas não forem conformes com o parecer do comité, ou na falta de parecer, a Comissão apresentará imediatamente ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar e informará o Parlamento Europeu.

[…]»

 Factos na origem do litígio

14      A CMF, sociedade com sede na Bélgica, exerce uma actividade de grossista em produtos químicos, nomeadamente em soluções azotadas (ureia e nitrato de amónio). O seu grupo compreende, nomeadamente, as sociedades Rellmann GmbH (a seguir «Rellmann»), com sede em Hamburgo (Alemanha), filial a 100% da CMF, e Agro Baltic GmbH (a seguir «Agro Baltic»), com sede em Rostock (Alemanha), filial a 100% da Rellmann. Em 1989, a CMF adquiriu a sociedade Champagne Fertilisants, que é o seu representante fiscal para as suas operações em França.

15      A empresa polaca Zaklady Azotowe Pulawy (a seguir «ZAP») exporta produtos e vende‑os à Agro Baltic. No seio do grupo da recorrente, a Agro Baltic revende os produtos à Rellmann, que os revende, por sua vez, à CMF. As facturas correspondentes a estas operações estão provadas.

16      No tocante ao processo T‑134/03, a Agro Baltic comprou à ZAP, entre Março e Setembro de 1997, três carregamentos de solução de ureia e de nitrato de amónio. Esses carregamentos seguiram o circuito comercial descrito no número precedente.

17      A Cogema, despachante aduaneiro oficial, foi mandatada para proceder à introdução em livre prática dos produtos em nome da Agro Baltic e à sua introdução no consumo em nome da CMF.

18      As mercadorias foram assim, numa primeira fase, introduzidas em livre prática em nome da Agro Baltic, sob a declaração EU0 a que foram juntas as facturas passadas pela ZAP à Agro Baltic e os certificados EUR.1, que atestam a origem polaca das mercadorias. As mercadorias foram concomitantemente colocadas sob o regime de entreposto, de que saíram alguns minutos mais tarde com vista à sua introdução no consumo em nome da Champagne Fertilisants.

19      Relativamente ao processo T‑135/03, a Agro Baltic comprou à ZAP um carregamento no decurso do mês de Janeiro de 1995, que seguiu depois o circuito comercial descrito no n.° 15 do presente acórdão.

20      A Agro Baltic mandatou a sociedade SCAC Rouen, despachante aduaneiro oficial, para proceder à introdução em livre prática das mercadorias em nome da Agro Baltic e à sua introdução no consumo em nome da CMF. Tratava‑se, relativamente à mesma mercadoria, de entregar duas declarações aduaneiras de importação na mesma estância aduaneira, com menção de dois destinatários diferentes, de modo a dissociar o pagamento dos direitos aduaneiros do pagamento do imposto sobre o valor acrescentado.

21      A SCAC Rouen utilizou um procedimento de desalfandegamento simplificado de introdução em livre prática e de introdução no consumo unicamente em nome da CMF. Para esse efeito, entregou uma declaração IM4 em nome da CMF, à qual juntou a factura da Rellmann e um certificado EUR.1 atestando a origem polaca das mercadorias.

22      Nos dois processos T‑134/03 e T‑135/03, as autoridades francesas competentes aceitaram, em primeiro lugar, as declarações, concederam a isenção de direitos aduaneiros de importação com base nos certificados EUR.1 e não exigiram o pagamento de direitos antidumping.

23      Na sequência de um controlo a posteriori, as autoridades francesas consideraram que o direito específico de 19 ecus por tonelada previsto no artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 deveria ter sido aplicado a todos os carregamentos. Com efeito, em sua opinião, o importador real das mercadorias era a CMF, que não era destinatária de uma factura directa da ZAP, e isto, mesmo que os produtos em causa fossem produzidos por esta última.

24      No que se refere aos carregamentos em causa no processo T‑134/03, as autoridades francesas competentes consideraram que a colocação intermédia em entreposto das mercadorias constituía uma ficção jurídica, devido à sua duração extremamente breve, e que a CMF já tinha adquirido as mercadorias nas três operações mesmo antes da entrega das declarações de introdução em livre prática em nome da Agro Baltic. Por conseguinte, as referidas autoridades impuseram à CMF direitos e impostos no montante de 3 911 497 FRF (564 855 euros).

25      Quanto aos carregamentos em causa no processo T‑135/03, salientaram que tinha sido efectuada uma única declaração de introdução em livre prática e de introdução no consumo em nome da CMF. Nestas condições, aplicaram à CMF direitos e impostos no montante de 840 271 FRF (128 098 euros).

26      Em Novembro e Dezembro de 1999, a CMF apresentou pedidos de dispensa de pagamento de direitos na Administração das Alfândegas francesa, com fundamento no artigo 239.° do código aduaneiro. Em 14 de Fevereiro de 2002, esta última transmitiu os referidos pedidos à Comissão.

27      Por cartas de 9 e 10 de Setembro de 2002, a Comissão comunicou à recorrente que tinha a intenção de tomar uma decisão negativa em cada um dos dois processos.

28      Em Novembro de 2002, o grupo de peritos REM/REC reuniu‑se no quadro do comité do código aduaneiro, secção de reembolsos. A votação final a que procedeu redundou no seguinte resultado nos dois processos: «seis delegações votam a favor da proposta da Comissão, quatro delegações abstêm‑se e cinco delegações votam contra a proposta da Comissão».

29      Em 20 de Dezembro de 2002, a Comissão, considerando que havia negligência manifesta por parte da CMF e não existia situação especial e que, portanto, as condições de aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro não estavam preenchidas, adoptou as decisões controvertidas. A Comissão notificou essas decisões à Administração das Alfândegas francesa que, por seu turno, as transmitiu à CMF em 10 de Fevereiro de 2003.

 Tramitação processual e acórdão recorrido

30      Por petições entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Abril de 2003, registadas sob os números T‑134/03 e T‑135/03, a CMF pediu a anulação das decisões controvertidas.

31      Em apoio dos seus recursos, invocou três fundamentos.

32      O primeiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa, está subdividido em cinco partes:

–        violação do artigo 7.° CE e do artigo 5.° da decisão comitologia;

–        violação do artigo 906.°, n.° 1, do regulamento de aplicação;

–        violação do artigo 4.°, n.° 1, do regulamento interno do comité do código aduaneiro;

–        violação do artigo 3.° do Regulamento n.° 1 do Conselho, de 15 de Abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385; EE 01 F1 p. 8);

–        violação dos direitos de defesa.

33      O segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação na aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro, está articulado em três partes:

–        recusa de a Comissão reconhecer a existência de uma situação especial;

–        inexistência de artifícios por parte da CMF;

–        recusa de a Comissão concluir pela inexistência de negligência manifesta da CMF.

34      O terceiro fundamento era relativo à violação do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE.

35      Os dois processos T‑134/03 e T‑135/03 foram apensos para efeitos de fase oral do processo e do acórdão.

36      No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento aos recursos e condenou a recorrente nas despesas.

 Pedidos das partes

37      A CMF conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        dar provimento aos pedidos apresentados em primeira instância;

–        condenar a Comissão nas despesas tanto do recurso para o Tribunal de Justiça como do processo na primeira instância.

38      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

39      A CMF invoca quatro fundamentos de anulação do acórdão recorrido:

–        apresentação incompleta do quadro jurídico;

–        desvirtuação do quadro factual;

–        interpretação errada do conceito de violação de formalidades essenciais;

–        aplicação errada do artigo 239.° do código aduaneiro.

 Quanto ao fundamento relativo a uma apresentação incompleta do quadro jurídico

 Argumentos das partes

–       Argumentos da recorrente

40      Subdividindo o seu fundamento em duas partes, a recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por não ter mencionado, na apresentação do quadro jurídico do processo:

–        o trigésimo nono considerando do Regulamento n.° 3319/94, nos termos do qual, «[...] [dada] a existência de vários canais de importação através de empresas de países terceiros, considera‑se adequado criar, por um lado, um direito variável, a uma taxa que permita à indústria comunitária aumentar os seus preços para níveis rentáveis, no que respeita às importações facturadas directamente por produtores búlgaros ou polacos ou por partes que tenham exportado o produto em questão durante o período de inquérito, e, por outro, um direito específico calculado numa base idêntica para todas as outras importações a fim de evitar a evasão das medidas antidumping»;

–        o artigo 2.° da decisão comitologia, que dispõe:

«A escolha das regras processuais para a aprovação das medidas de execução orienta‑se pelos seguintes critérios:

a)      As medidas de gestão, como as relativas à execução da política agrícola comum e da política comum da pesca, ou à execução de programas com incidências orçamentais significativas, devem ser adoptadas pelo procedimento de gestão;

b)      As medidas de âmbito geral que visam a aplicação de disposições essenciais de um acto de base, incluindo as medidas relativas à protecção da saúde ou à segurança das pessoas, animais ou plantas, devem ser aprovadas pelo procedimento de regulamentação;

Sempre que um acto de base preveja que certos elementos não essenciais desse acto podem ser adaptados ou actualizados por procedimentos de execução, essas medidas devem ser adoptadas pelo procedimento de regulamentação;

c)      Sem prejuízo das alíneas a) e b), o procedimento consultivo será utilizado nos casos em que for considerado o mais adequado.»

41      Ao não referir o trigésimo nono considerando do Regulamento n.° 3319/94, o Tribunal de Primeira Instância não terá relacionado, como deveria ter feito, com o referido considerando a sua interpretação do artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do mesmo regulamento. Se o tivesse feito, teria chegado à conclusão de que, quando, como no caso em apreço, a legislação antidumping não foi de facto contornada, não pode ser imposto um direito específico.

42      Ao não mencionar o artigo 2.° da decisão comitologia, disposição que prevê critérios de carácter não obrigatório quanto à escolha das modalidades processuais a seguir, o Tribunal de Primeira Instância declarou sem razão, no n.° 55 do acórdão recorrido, que o procedimento de regulamentação só pode ser utilizado para medidas de carácter geral.

–       Argumentos da Comissão

43      A Comissão considera que o recurso ao trigésimo nono considerando do Regulamento n.° 3319/94 não é pertinente para efeitos da interpretação do artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, desse regulamento, que prevê um direito específico quando estiverem reunidos requisitos objectivos, concretamente, uma situação de facturação indirecta e a importação de um produto da ZAP.

44      No tocante ao artigo 2.° da decisão comitologia, contesta a alegação da CMF segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância declarou que o procedimento de regulamentação só pode ser utilizado para medidas de carácter geral.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

45      As duas partes do fundamento examinado, e, portanto, o próprio fundamento, não têm existência autónoma.

46      Com efeito, através das duas partes, que consistem aparentemente em censurar a simples não menção formal, na apresentação do quadro jurídico do acórdão recorrido, de um considerando de um regulamento e de um artigo de uma decisão, a recorrente invoca, na realidade, a não tomada em consideração dessas disposições pelo Tribunal de Primeira Instância na fase da interpretação do direito em causa, isto é, na fase da análise jurídica.

47      Ora, como salienta o advogado‑geral no n.° 41 das suas conclusões, as duas partes do fundamento examinado são invocadas de maneira mais específica no quadro, respectivamente, do quarto e terceiro fundamentos do presente recurso, pelos quais é contestada a análise propriamente jurídica do Tribunal de Primeira Instância.

48      Confundem‑se, portanto, com esses fundamentos.

49      Por conseguinte, não há que examiná‑las separadamente.

 Quanto ao fundamento relativo à desvirtuação do quadro factual

 Argumentos das partes

–       Argumentos da recorrente

50      A CMF sustenta que o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 14 a 28 do acórdão recorrido consagrados à evocação do contexto factual do processo, adoptou a construção jurídica completamente fictícia das autoridades nacionais competentes quanto à existência de uma facturação indirecta.

51      Essa apresentação é incompleta e errada, implicando uma desvirtuação dos factos. Esta conduziu o Tribunal de Primeira Instância a considerar, sem razão, que existia efectivamente uma situação de facturação indirecta e a aplicar de forma errada o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94.

–       Argumentos da Comissão

52      A Comissão considera que o fundamento invocado, desprovido de pertinência, é inoperante.

53      Com efeito, o contencioso entre a CMF e a Comissão não é relativo nem poderia mesmo ser relativo à questão de saber se os direitos eram realmente devidos. Esse contencioso incide apenas sobre a questão de saber se as condições de dispensa de pagamento da dívida estavam preenchidas.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

54      Contrariamente à alegação da recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não se pronunciou sobre a existência, no caso em apreço, de uma situação de facturação indirecta e, portanto, sobre a existência da dívida aduaneira.

55      As decisões controvertidas implicavam indeferimento de pedidos de dispensa de pagamento de dívidas aduaneiras eventualmente existentes, pedidos que se baseavam no artigo 239.° do código aduaneiro.

56      Foi submetido ao Tribunal de Primeira Instância um fundamento relativo a um erro manifesto de apreciação na aplicação desse artigo, que examinou nos n.os 135 a 150 do acórdão recorrido.

57      No quadro da sua apreciação, analisou uma das condições cumulativas exigidas pelo referido artigo, isto é, a inexistência de negligência manifesta por parte do interessado.

58      Chegando à conclusão de que a referida condição não estava preenchida, rejeitou o referido fundamento.

59      O fundamento examinado do presente recurso deve ser, portanto, julgado improcedente.

 Quanto ao fundamento relativo à interpretação errada do conceito de violação de formalidades essenciais


 Argumentos das partes

–       Argumentos da recorrente

60      A CMF critica o Tribunal de Primeira Instância por ter procedido a uma interpretação errada do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação ao declarar que esse artigo permite à Comissão decidir só em matéria de dispensa de pagamento e de reembolso de direitos aduaneiros.

61      Considera que tal interpretação implica a ilegalidade da disposição em causa.

62      A recorrente alega que o artigo 907.°, primeiro parágrafo, faz parte de um regulamento de aplicação do regulamento de base que é o código aduaneiro.

63      Sublinha que o artigo 247.° do código aduaneiro dispõe que as medidas necessárias à aplicação do referido código são aprovadas pelo procedimento de regulamentação previsto no artigo 247.°‑A, n.° 2, do referido código.

64      O regulamento de aplicação só pode, portanto, compreender medidas de execução.

65      Ora, a competência exclusiva que a Comissão dispõe para decidir em matéria de dispensa de pagamento e de reembolso de direitos aduaneiros e para criar ex nihilo um grupo de peritos não faz parte de uma medida de execução do regulamento de base.

66      O artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação não pode, portanto, constituir a base jurídica dessa atribuição de competência. Por isso, o Tribunal de Primeira Instância não poderia ter concluído que a Comissão agiu no quadro das suas competências com fundamento nessa disposição.

67      A competência em causa também não está explicitamente prevista pelo Tratado CE.

68      O artigo 7.° CE, por força do qual cada instituição actua nos limites das atribuições e competências que lhe são conferidas pelo Tratado, teria assim sido violado.

69      A CMF alega que suscitou no Tribunal de Primeira Instância uma excepção de ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação.

70      Censura o Tribunal de Primeira Instância por, no n.° 51 do acórdão recorrido, ter julgado no sentido de que essa excepção de ilegalidade era inadmissível, por ter sido apresentada na fase da réplica, sem se basear num elemento de direito ou de facto que se tenha revelado no decurso do processo nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

71      Admite que foi a interpretação do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação dada pela Comissão na sua contestação, segundo a qual o grupo de peritos referido nessa disposição não é um comité regido pela decisão comitologia, que provocou o debate sobre a ilegalidade desse artigo.

72      No entanto, considera que essa interpretação da Comissão constituía um elemento de direito revelado no decurso do processo.

73      A recorrente censura o Tribunal de Primeira Instância por ter em seguida julgado, no n.° 52 do acórdão recorrido, no sentido de que não era obrigado, pela razão, errada segundo a mesma, de que esse fundamento não é de ordem pública, a invocar oficiosamente a ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação.

74      A CMF sustenta, por outro lado, que, para efeitos da determinação da natureza jurídica do comité consultado pela Comissão, o Tribunal de Primeira Instância procedeu, no n.° 55 do acórdão recorrido, a uma interpretação errada dos critérios de escolha entre o procedimento de gestão e o procedimento de regulamentação previstos no artigo 2.° da decisão comitologia (v. n.° 40 do presente acórdão), considerando que o procedimento de regulamentação é utilizado para as medidas de carácter geral que têm por objecto aplicar os elementos essenciais de um acto de base.

75      Em sua opinião, o critério de «medidas de âmbito geral» não é o único critério do recurso ao procedimento de regulamentação.

76      Além disso, os critérios previstos no artigo 2.° da decisão comitologia não são vinculativos. Por isso, o Conselho estava no direito de prever que, para as medidas de dispensa de pagamento ou de reembolso de direitos aduaneiros, devia ser observado o procedimento de regulamentação.

77      Além disso, a interpretação do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 56 do acórdão recorrido, segundo a qual as decisões controvertidas são decisões individuais desprovidas de carácter geral, é ela própria errada. Com efeito, essas decisões têm igualmente um carácter geral, na medida em que, no que respeita a uma dívida aduaneira, envolvem directamente os recursos próprios da Comunidade Europeia.

78      A CMF afirma que a intenção do legislador comunitário era, no artigo 239.°, n.° 1, do código aduaneiro, impor o procedimento do comité de regulamentação para a adopção de decisões em matéria de reembolso ou dispensa de pagamento de direitos aduaneiros.

79      Salienta que o artigo 239.°, n.° 1, se refere por duas vezes ao «procedimento do comité», a primeira vez, quando refere as «situações especiais [...] a determinar pelo procedimento do comité» e, seguidamente, a segunda vez, quando prevê que «as situações em que pode ser aplicada esta disposição bem como as modalidades processuais a observar para esse efeito são definidas de acordo com o procedimento do comité».

80      A primeira referência diz respeito à tomada de decisão, quanto ao fundo, em matéria de reembolso ou de dispensa de pagamento. A segunda reporta‑se às disposições de aplicação do artigo 239.°, n.° 1, do código aduaneiro que devem ser adoptadas e definidas no regulamento de aplicação. Qualquer outra explicação dessa dupla referência redundaria em concluir que o legislador comunitário se repetiu sem qualquer razão.

81      A recorrente censura o Tribunal de Primeira Instância por não ter retido no acórdão recorrido que, como tinha sublinhado, o grupo de peritos consultado funcionara de facto durante anos fora de qualquer rubrica orçamental. Em sua opinião, as decisões controvertidas foram, assim, tomadas em violação directa do direito orçamental comunitário. Essa violação acresce à inexistência de base jurídica das decisões controvertidas e reforça o contexto de completa ilegalidade em que estas foram tomadas.

82      A CMF critica ainda o Tribunal de Primeira Instância por ter declarado, no n.° 59 do acórdão recorrido, que o grupo de peritos referido no artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação é uma entidade distinta no plano funcional do comité do código aduaneiro, sem precisar a natureza exacta dessa entidade. O Tribunal de Primeira Instância, ao afastar, assim, a questão de saber em que base jurídica fora criado o grupo de peritos, cometeu um erro de direito.

83      Finalmente, a recorrente censura o Tribunal de Primeira Instância por ter julgado, nos n.os 78 e 79 do acórdão recorrido, no sentido de que as pessoas singulares ou colectivas não podem prevalecer‑se de uma alegada violação do artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro.

84      Em sua opinião, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter tido em conta a jurisprudência decorrente dos acórdãos de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555), e de 10 de Fevereiro de 1998, Alemanha/Comissão (C‑263/95, Colect., p. I‑441, n.os 31 e 32), que ela referira.

85      A CMF considera que o respeito do prazo de catorze dias previsto no artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro era particularmente importante. Tendo o Tribunal de Primeira Instância salientado, no n.° 77 do acórdão recorrido, que os membros do grupo de peritos dispuseram de treze dias para tomar conhecimento da resposta da recorrente, deveria ter reconhecido a violação de formalidades essenciais.

–       Argumentos da Comissão

86      A Comissão alega que o artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação deve ser interpretado no sentido de que o grupo de peritos referido nessa disposição não é um comité de regulamentação, na acepção do artigo 5.° da decisão comitologia. O seu estatuto jurídico não decorre de uma competência delegada pelo Conselho, mas de uma disposição, o artigo 907.° do regulamento de aplicação, adoptada pela Comissão.

87      A Comissão era, assim, competente para tomar as decisões controvertidas com base nesta última disposição.

88      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro de direito ao considerar que o artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação conferia competência à Comissão para adoptar as decisões controvertidas.

89      No tocante à excepção de ilegalidade dessa disposição, suscitada perante o Tribunal de Primeira Instância, esta não é distinta do fundamento invocado inicialmente na petição. O Tribunal de Primeira Instância julgou, com razão, no sentido de que, tendo sido invocada na fase da réplica, era inadmissível e que, na medida em que a ilegalidade alegada não é de ordem pública, a questão em causa não tinha de ser suscitada oficiosamente.

90      Quanto ao fundo, a Comissão sublinha que as decisões controvertidas são decisões individuais, não obstante as suas consequências orçamentais.

91      Segundo a mesma, era o próprio artigo 907.° do regulamento de aplicação que, em execução do artigo 239.° do código aduaneiro, devia ser e foi adoptado após parecer do comité do código aduaneiro e não as decisões individuais tomadas em seguida com base no referido artigo 907.° Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 239.° do código aduaneiro.

92      No que respeita ao funcionamento do grupo de peritos durante vários anos sem rubrica orçamental própria, a Comissão especifica que foi ela mesma que forneceu essa informação em resposta a questões escritas colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância com vista à audiência.

93      No decurso da audiência, a recorrente suscitou então a questão da rubrica orçamental como elemento superabundante de molde a reforçar o seu fundamento principal, segundo o qual o grupo de peritos era, na realidade, um comité de regulamentação.

94      A Comissão alega que, embora a CMF considere actualmente que a alegada inexistência de rubrica orçamental é um fundamento distinto, este deverá ser considerado inadmissível, dado que não foi invocado nas petições apresentadas em primeira instância.

95      Além disso, desprovido de pertinência, esse fundamento é inoperante. As decisões controvertidas não dizem respeito a despesas efectuadas pela Comissão após consulta do grupo de peritos. No que respeita ao argumento relativo ao facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter precisado a natureza exacta do grupo de peritos após ter indicado que se tratava de uma entidade distinta, a Comissão afirma que tal precisão não era necessária, devendo o Tribunal de Primeira Instância decidir apenas quanto à questão de saber se o grupo de peritos era ou não um comité de regulamentação.

96      Quanto à alegada violação do artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro, considera que o acórdão Comissão/BASF e o., já referido, não é pertinente, tendo o Tribunal de Justiça salientado nesse processo que a formalidade de autenticação em causa prosseguia a finalidade precisa e específica de garantir a segurança jurídica para o destinatário do acto.

97      Ora, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância examinou a natureza da formalidade imposta pelo artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro, dado que concluiu que essa formalidade tinha por objectivo assegurar o funcionamento interno do comité e não proteger os interesses do destinatário do acto a adoptar.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

98      O fundamento examinado está dividido em cinco partes:

–        interpretação errada do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância admitiu que, em aplicação dessa disposição, a Comissão adoptou ela própria as decisões controvertidas sem ter de obter previamente um parecer do comité do código aduaneiro emitido pela maioria prevista no artigo 5.°, n.° 2, da decisão comitologia, que remete para a maioria prevista no artigo 205.°, n.° 2, CE;

–        violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância julgou inadmissível a excepção de ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação suscitada pela recorrente;

–        não tomada em consideração do carácter de ordem pública da excepção de ilegalidade suscitada pela recorrente, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não reconheceu oficiosamente a ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação;

–        violação do direito orçamental comunitário, na medida em que as decisões controvertidas foram adoptadas após consulta de um grupo de peritos que funcionou fora de qualquer rubrica orçamental;

–        violação do artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância julgou no sentido de que uma inobservância dessa disposição não pode ser invocada por particulares;

que devem ser examinadas por essa ordem de apresentação.

–       Quanto à primeira parte, relativa a uma interpretação errada do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação

99      O artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação prevê a consulta «de um grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados‑Membros, reunidos no âmbito do comité».

100    À luz deste texto, o Tribunal de Primeira Instância julgou, com razão, no n.° 59 do acórdão recorrido, no sentido de que «[a] expressão ‘no âmbito do comité’ reflecte o facto de o grupo de peritos referido no artigo 907.° ser evidentemente uma entidade distinta, no plano funcional, do comité do código aduaneiro».

101    Essa interpretação não é contrariada pelo artigo 906.°, segundo parágrafo, do regulamento de aplicação, nos termos do qual «o exame do processo será inscrito, logo que possível, na ordem de trabalhos de uma reunião do comité previsto no artigo 247.° do código».

102    Com efeito, o referido artigo 906.°, segundo parágrafo, deve ser interpretado no sentido de que o comité do código aduaneiro é solicitado a intervir não enquanto tal, para efeitos da emissão de um parecer por ele próprio, mas enquanto instância no âmbito da qual o grupo de peritos, distinto da referida instância, formulará o seu parecer.

103    A recorrente, portanto, censura, sem razão, o Tribunal de Primeira Instância por não ter julgado no sentido de que as decisões controvertidas deveriam ter sido adoptadas após parecer do comité do código aduaneiro.

104    A recorrente não pode censurar utilmente o Tribunal de Primeira Instância por não ter precisado a natureza exacta do grupo de peritos. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância devia somente decidir a questão de saber se o grupo de peritos era ou não um comité de regulamentação.

105    Por conseguinte, a primeira parte do fundamento examinado deve ser rejeitada.

–       Quanto à segunda parte, relativa a uma violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância

106    Nos termos do artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, «é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo».

107    Não é contestado que, perante o Tribunal de Primeira Instância, a recorrente invocou a ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação a seguir à contestação da Comissão.

108    Contrariamente ao que sustenta, a simples interpretação desta última disposição dada pela Comissão nesse articulado não constituía um elemento de direito revelado durante o processo, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

109    O Tribunal de Primeira Instância considerou, com razão, nos n.os 51 e 53 do acórdão recorrido, que a excepção de ilegalidade suscitada era inadmissível.

110    Por isso, a segunda parte do fundamento examinado deve ser rejeitada.

–       Quanto à terceira parte, relativa à não tomada em consideração do carácter de ordem pública da excepção de ilegalidade suscitada pela recorrente, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não reconheceu oficiosamente a ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação

111    No n.° 52 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância, na verdade, considerou que a eventual ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação não é de ordem pública, acrescentando em seguida que não resulta da jurisprudência que deve examinar oficiosamente a questão de saber se, ao adoptar o conteúdo do referido artigo, base jurídica das decisões controvertidas, a Comissão ultrapassou as suas competências.

112    No entanto, no mesmo número do acórdão recorrido, sublinhou:

«[…] não há qualquer dúvida de que no caso em apreço a Comissão agiu no âmbito das suas competências ao adoptar as decisões controvertidas. Com efeito, estas foram adoptadas com base no artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, que foi adoptado segundo o parecer do comité do código aduaneiro […]».

113    Ora, decidindo assim, julgou com razão no sentido de que o artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação não estava afectado pela alegada ilegalidade, considerando implicitamente, mas necessariamente, que, só por si, a adopção dessa disposição, e não a adopção, em seguida, de decisões individuais pela Comissão, estava sujeita ao procedimento do comité de regulamentação.

114    A esse propósito, deve recordar‑se que o artigo 202.°, terceiro travessão, CE habilita o Conselho a conferir à Comissão, nos actos que adopta, as competências de execução das normas que estabelece, sendo esse o caso, submetendo o exercício dessas competências a certas modalidades ou reservando‑se, em casos específicos, o direito de exercer directamente competências de execução.

115    O conceito de «execução», na acepção desse artigo, compreende simultaneamente a elaboração das normas de aplicação e a aplicação de normas a casos particulares por meio de actos de carácter individual (acórdão de 23 de Fevereiro de 2006, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑122/04, Colect., p. I‑2001, n.° 37 e jurisprudência referida).

116    Com base no artigo 202.°, terceiro travessão, CE, o Conselho adoptou a decisão comitologia que fixa as modalidades do exercício das competências de execução conferidas à Comissão.

117    O artigo 2.° dessa decisão (v. n.° 40 do presente acórdão) estabelece critérios em que se deve inspirar a escolha entre três tipos de procedimento, concretamente, o procedimento de gestão, o procedimento de regulamentação e o procedimento consultivo.

118    Os três procedimentos previstos são definidos nos artigos 3.° a 5.° da mesma decisão.

119    A redacção do artigo 2.° da decisão comitologia revela que os critérios aplicáveis à escolha do procedimento de comité não são de carácter obrigatório, o que expressamente confirma o quinto considerando da referida decisão.

120    Assim, sem prejuízo de um eventual recurso ao procedimento de consulta, as medidas de carácter geral são susceptíveis de entrar no âmbito de aplicação do artigo 2.°, alíneas a) ou b), da decisão comitologia (v. acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 38).

121    Podem fazer parte do procedimento de gestão quando estiverem estreitamente ligadas a medidas de carácter individual e estiverem inseridas num quadro suficientemente desenvolvido pelo próprio acto de base (v. acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 41).

122    Em contrapartida, sem prejuízo, também, de um eventual recurso ao procedimento de consulta, as medidas de carácter individual podem unicamente decorrer do artigo 2.°, alínea a), da decisão comitologia (acórdão Comissão/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 38).

123    No presente processo, há que reconhecer que o artigo 239.° do código aduaneiro está contido num acto do Conselho.

124    Nessa disposição, o Conselho conferiu à Comissão, em conformidade com o artigo 202.°, terceiro travessão, CE, competências de execução para o efeito de determinar, por um lado, as situações em que pode proceder‑se ao reembolso ou à dispensa de pagamento dos direitos aduaneiros e, por outro, as modalidades processuais a observar para esse efeito.

125    À luz dos artigos 4.°, ponto 24, 247.° e 247.°‑A do código aduaneiro, a remissão para o procedimento do comité a que procede o artigo 239.° do código aduaneiro implica o recurso ao procedimento de regulamentação, aplicável às medidas de carácter geral.

126    Contrariamente à afirmação da recorrente, uma decisão da Comissão em matéria de reembolso ou de dispensa de pagamento de direitos aduaneiros não tem carácter geral, não obstante a circunstância de produzir efeitos sobre os recursos próprios da Comunidade.

127    Da mesma forma que uma decisão da Comissão que impõe coimas em matéria de concorrência, que produz igualmente tais efeitos, constitui uma decisão individual.

128    Por conseguinte, a sua adopção só poderia ter sido submetida pelo Conselho ao procedimento de gestão, possibilidade que não utilizou nos artigos 239.°, 247.° e 247.°‑A do código aduaneiro.

129    Portanto, a recorrente sustenta, sem razão, por um lado, que o Conselho podia impor o recurso ao procedimento de regulamentação para a adopção de decisões respeitantes a operadores particulares e, por outro, que o Tribunal de Primeira Instância fez uma interpretação errada dos critérios de escolha entre o procedimento de gestão e o procedimento de regulamentação previstos no artigo 2.° da decisão comitologia.

130    No quadro de uma interpretação tanto literal como sistemática do artigo 239.°, n.° 1, do código aduaneiro, deve considerar‑se que o termo «situações» visa, nas suas duas ocorrências, situações definidas de maneira abstracta e não situações de operadores particulares apreciadas concretamente no quadro de decisões individuais.

131    Essa conclusão é corroborada pela justaposição no mesmo plano, na segunda frase do mesmo artigo, das «situações em que pode ser aplicada esta disposição» e das «modalidades processuais a observar para esse efeito», que fazem parte, elas próprias, de medidas de carácter geral.

132    Ao adoptar a medida de carácter geral que o artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação constitui, a Comissão exerceu a competência de execução delegada pelo artigo 239.° do código aduaneiro no que se refere às modalidades processuais a observar.

133    Está apurado que, para esse efeito, obteve regularmente o parecer do comité do código aduaneiro.

134    Não lhe sendo imposto pelo artigo 239.° do código aduaneiro o recurso a um procedimento particular para efeitos do exame concreto dos pedidos de reembolso ou de dispensa de pagamento de direitos aduaneiros, pôde legalmente:

–        atribuir‑se um poder de decisão precedido de um parecer consultivo de um grupo de peritos distinto no plano funcional do comité do código aduaneiro, da mesma forma que poderia reconhecer‑se o mesmo poder exercido sem a participação de tal grupo, e da mesma forma que pôde prever, por outro lado, no artigo 905.°, n.° 1, segundo parágrafo, do regulamento de aplicação, que a própria autoridade aduaneira pode decidir proceder ao reembolso ou à dispensa de pagamento dos direitos quando o pedido for inferior a um certo montante;

–        não submeter o parecer do grupo de peritos a uma maioria qualificada.

135    O artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação não infringe, portanto, o artigo 239.° do código aduaneiro, ele mesmo adoptado em conformidade com o disposto no artigo 202.°, terceiro travessão, CE.

136    Por conseguinte, também não viola o artigo 7.° CE.

137    Decorre do que precede que a crítica formulada pela recorrente contra o fundamento do acórdão recorrido segundo o qual a eventual ilegalidade do artigo 907.°, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação não é de ordem pública é dirigida contra um fundamento supérfluo do referido acórdão, que não pode conduzir à sua anulação e que é, portanto, inoperante (v., nomeadamente, acórdãos de 28 de Outubro de 2004, Van den Berg/Conselho e Comissão, C‑164/01 P, Colect., p. I‑10225, n.° 60, bem como de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 148).

138    Com efeito, a questão do carácter de ordem pública de uma ilegalidade não é pertinente quando o Tribunal de Primeira Instância, com toda a razão, considera que o acto não está afectado de ilegalidade e não suscita oficiosamente uma excepção de ilegalidade.

139    A terceira parte do fundamento examinado deve ser, portanto, rejeitada.

–       Quanto à quarta parte, relativa à violação do direito orçamental comunitário

140    Sem que seja necessário examinar a questão de saber se a recorrente invocou efectivamente perante o Tribunal de Primeira Instância, a título de fundamento de anulação das decisões controvertidas, a violação do direito orçamental comunitário, basta salientar que o presente processo é estranho a qualquer despesa efectuada pela Comissão por causa do funcionamento do grupo de peritos.

141    Nestas condições, a existência ou inexistência de uma rubrica orçamental não afecta a legalidade das decisões controvertidas que são relativas a pedidos de dispensa de pagamento de direitos aduaneiros.

142    Assim, a quarta parte do fundamento examinado, de qualquer forma inoperante, deve ser rejeitada.

–       Quanto à quinta parte, relativa à violação do artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro

143    O artigo 4.° do regulamento interno do comité do código aduaneiro prevê que, nomeadamente, os projectos de medidas relativamente aos quais é pedido o parecer do comité assim como qualquer outro documento de trabalho são transmitidos aos membros do comité, regra geral, catorze dias antes da data da reunião, prazo que pode ser abreviado para cinco dias em caso de urgência e, mais ainda, em caso de extrema urgência.

144    O Tribunal de Primeira Instância julgou com razão, no n.° 79 do acórdão recorrido, no sentido de que a regra prevista por essa disposição tem por objectivo assegurar o funcionamento interno do comité do código aduaneiro no pleno respeito das prerrogativas dos seus membros.

145    Salientou, em seguida, que as pessoas singulares ou colectivas não poderão prevalecer‑se de uma alegada violação dessa norma, que não é destinada a assegurar a protecção dos particulares (v., neste sentido, acórdão de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C‑69/89, Colect., p. I‑2069, n.os 49 e 50).

146    Sobretudo, tendo reconhecido, por outro lado, que o grupo de peritos não era um comité de regulamentação e que, além disso, a recorrente era um terceiro, o Tribunal de Primeira Instância afastou com razão a aplicação da jurisprudência resultante do acórdão Alemanha/Comissão, já referido, que, proferido a pedido de um Estado‑Membro a propósito de um comité permanente da construção que compreende representantes designados por cada Estado‑Membro, anulou a decisão impugnada devido ao desrespeito do prazo estabelecido pelo regulamento interno do referido comité para o envio dos documentos aos seus membros.

147    Foi igualmente sem cometer erro de direito que o Tribunal de Primeira Instância não aplicou por analogia a jurisprudência decorrente do acórdão Comissão/BASF e o., já referido, proferido a propósito do artigo 12.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno da Comissão então em vigor, por força do qual os actos adoptados pela Comissão em sessão ou pelo procedimento escrito deviam ser autenticados, na ou nas línguas que fazem fé, pelas assinaturas do presidente e do secretário executivo.

148    Com efeito, nos n.os 75 a 78 desse acórdão, o Tribunal de Justiça acolheu um fundamento deduzido por uma pessoa colectiva relativo à violação do artigo 12.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno pelas razões, não transponíveis para o presente processo, de que a autenticação dos actos prevista nessa disposição tinha por finalidade garantir a segurança jurídica fixando, nas línguas que fazem fé, o texto adoptado pelo colégio e que, por isso, a referida autenticação constituía uma formalidade essencial.

149    Nestas condições, a quinta parte do fundamento examinado deve ser rejeitada.

150    Resulta do que precede que o próprio fundamento deve ser rejeitado na totalidade.

 Quanto ao fundamento relativo à aplicação errada do artigo 239.° do código aduaneiro

 Argumentos das partes

–       Argumentos da recorrente

151    A recorrente considera que o Tribunal de Primeira Instância procedeu a uma interpretação errada do artigo 239.° do código aduaneiro ao julgar no sentido de que o requisito de inexistência de negligência manifesta não estava preenchido.

152    O seu fundamento subdivide‑se em três partes.

153    Com a primeira parte desse fundamento, a CMF censura o Tribunal de Primeira Instância por ter, sem razão, através de remissão para o acórdão de 21 de Setembro de 2004, Gondrand Frères/Comissão (T‑104/02, Colect., p. II‑3211, n.° 66), considerado que o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 não apresentava grande dificuldade de interpretação, tendo a referida disposição sido criada com a finalidade de afastar o risco de evasão às medidas antidumping através do recurso a circuitos de importação triangulares e que implicam uma presunção de risco de evasão quando as importações não forem directamente facturadas pelo produtor ou pelo exportador ao importador não ligado.

154    Ora, o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 não impõe um direito específico em caso de risco de evasão. Se o Tribunal de Primeira Instância o tivesse interpretado em conjugação com o trigésimo nono considerando do mesmo regulamento (v. n.° 40 do presente acórdão), teria chegado à conclusão de que um direito específico é devido apenas em casos de evasão incontestável.

155    A interpretação do Tribunal de Primeira Instância mostra que a disposição em causa era de interpretação complexa.

156    Na segunda parte do fundamento, a recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por ter considerado que não podia exonerar‑se da sua responsabilidade devido a erros cometidos pelos seus despachantes aduaneiros e que dispunha de experiência profissional suficiente no sector em causa.

157    Alega que a responsabilidade profissional dos despachantes aduaneiros foi reconhecida no direito comunitário (acórdão de 13 de Novembro de 1984, Van Gend & Loos e Expeditiebedrijf Wim Bosman/Comissão, 98/83 e 230/83, Recueil, p. 3763, n.° 16).

158    Sustenta, por outro lado, no tocante à sua experiência profissional, que exerce a actividade de grossista em produtos químicos e em fornecimentos para a agricultura, nomeadamente em soluções azotadas, e que, por conseguinte, compra frequentemente os produtos referidos pelo Regulamento n.° 3319/94, muitas vezes provenientes da Polónia e da Lituânia.

159    No entanto, isso não implica que seja especializada em procedimentos de desalfandegamento desses produtos em França. Por esta razão, recorre a peritos aduaneiros franceses para executar formalidades de desalfandegamento complexas.

160    Assim, pode ser qualificada de operador económico experimentado em matéria de importações e de exportações de soluções azotadas, mas não de operador experimentado em matéria de operações de desalfandegamento.

161    Os erros cometidos pelos despachantes aduaneiros não envolvem, portanto, a sua responsabilidade.

162    Na terceira parte do fundamento, a CMF sustenta que, com base numa interpretação incorrecta dos factos, o Tribunal de Primeira Instância considerou sem razão que o comportamento da recorrente não fora suficientemente diligente.

163    Nos n.os 143 e 144 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou, sem razão, que não tinha de forma alguma solicitado os conselhos dos seus despachantes aduaneiros e que cometera erros na elaboração das suas facturas.

164    A recorrente sublinha que, por carta de 7 de Março de 2000, pediu à Administração das Alfândegas francesa esclarecimentos sobre o Regulamento n.° 3319/94.

165    Por outro lado, os erros de facturação referidos na fórmula geral do Tribunal de Primeira Instância disseram respeito, de facto, apenas ao processo T‑134/03 e, além disso, a um só dos três carregamentos a que ele dizia respeito.

166    Um dos dois erros cometidos, rapidamente rectificados, consistira numa facturação em francos franceses em vez de dólares, o outro, numa omissão de contabilização das despesas com o agente no carregamento.

167    Tais erros fazem parte das contingências comerciais normais desse género de operações. Não podem caracterizar uma falta de diligência da recorrente.

–       Argumentos da Comissão

168    A Comissão considera que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu erro de apreciação ao julgar no sentido de que o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 não tinha grande dificuldade de interpretação. Com efeito, essa disposição não contém elementos subjectivos que impliquem um exame da vontade do operador em causa. A sua aplicação necessita apenas da reunião das duas condições objectivas que estabelece.

169    No que diz respeito aos erros imputados pela recorrente aos seus despachantes aduaneiros, a Comissão alega que a sua eventual responsabilidade não exclui a da recorrente, à qual compete apurar, sendo o caso, a referida responsabilidade.

170    No tocante à experiência profissional do operador, a Comissão afirma que deve ser avaliada em função não da sua experiência nos procedimentos de desalfandegamento, mas da sua experiência nas actividades comerciais de importação e de exportação (acórdão de 11 de Novembro de 1999, Söhl & Söhlke, C‑48/98, Colect., p. I‑7877, n.° 57).

171    Quanto à questão da diligência da CMF, salienta, em primeiro lugar, que esta solicitou esclarecimentos junto da Administração nacional posteriormente aos factos do presente processo.

172    Sustenta, em seguida, que a contestação da apreciação pelo Tribunal de Primeira Instância dos erros de facturação é inadmissível, uma vez que põe em causa a apreciação dos factos que, sob reserva de uma desvirtuação dos elementos apresentados, não constitui uma questão de direito submetida, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no quadro de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância.

173    De qualquer forma, a contestação diz respeito apenas a uma parte dos factos examinados pelo Tribunal de Primeira Instância. Por outro lado, também é um facto que a recorrente deu aos seus despachantes aduaneiros instruções precisas, mas inviáveis, e que solicitou tardiamente esclarecimentos junto da Administração nacional.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

174    O Tribunal de Primeira Instância lembrou exactamente, no n.° 135 do acórdão recorrido, que, para apreciar se há negligência manifesta, na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro, deve ter‑se em conta, nomeadamente, a complexidade das disposições cuja inexecução gerou a dívida aduaneira, bem como a experiência profissional e a diligência do operador (acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.° 56, e acórdão de 13 de Março de 2003, Países Baixos/Comissão, C‑156/00, Colect., p. I‑2527, n.° 92).

175    Lembrou igualmente, com razão, no n.° 136 do mesmo acórdão, que o reembolso ou a dispensa de pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação, que só podem ser concedidos em certas condições e em casos especificamente previstos, constituem uma excepção ao regime normal das importações e das exportações e, por conseguinte, que as disposições que prevêem esse reembolso ou essa dispensa de pagamento são de interpretação estrita (acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.° 52).

–       Quanto à primeira parte, relativa à complexidade do artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94

176    No n.° 137 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou, referindo‑se ao seu acórdão Gondrand Frères/Comissão, já referido (n.° 66), que o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 não tinha grande dificuldade de interpretação.

177    Ao fazê‑lo, fez uma qualificação jurídica dos factos a fim de determinar se a regulamentação aduaneira em causa podia ser considerada «complexa» para efeitos da aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro (v., por analogia, acórdão de 3 de Março de 2005, Biegi Nahrungsmittel e Commonfood/Comissão, C‑499/03 P, Colect., p. I‑1751, n.os 42 e 43).

178    A esse propósito, deve ser observado que o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 refere, como únicos requisitos da imposição do direito específico, a existência de uma facturação indirecta e a importação de um produto da ZAP.

179    Não exige, para além disso, a prova da vontade do operador de se evadir ao direito antidumping.

180    O trigésimo nono considerando do Regulamento n.° 3319/94 não põe em causa esta última conclusão. Prevê o objectivo de «evitar» a evasão às medidas antidumping. Essa intenção é claramente um objectivo geral de prevenção e não de tributação de situações de evasão reconhecidas.

181    Ao julgar no sentido de que o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94, na medida em que devia ser interpretado como tendo em vista «afastar o risco de evasão», não tinha grande dificuldade de interpretação, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu, portanto, erro de qualificação jurídica dos elementos susceptíveis de constituir um dos requisitos de aplicação do artigo 239.° do código aduaneiro.

182    Assim, a primeira parte do fundamento examinado deve ser rejeitada.

–       Quanto à segunda parte, relativa, por um lado, à exclusão da responsabilidade devido aos erros cometidos pelos despachantes aduaneiros, bem como, por outro, à tomada em conta de uma experiência profissional suficiente da recorrente no sector em causa

183    No n.° 139 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou no sentido de que a recorrente não pode isentar‑se da sua própria responsabilidade invocando o erro, real ou não, dos seus despachantes.

184    A este propósito, deve recordar‑se que, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, do código aduaneiro, para efeitos do cumprimento dos actos e formalidades previstos pela regulamentação aduaneira, a representação de um operador pode ser ou directa, quando o representante age em nome e por conta deste, ou indirecta, quando o representante age em nome próprio, mas por conta de outrem.

185    Há que salientar, por outro lado, que:

–        nos termos do artigo 4.°, ponto 18, do código aduaneiro, o declarante é a pessoa que faz a declaração aduaneira em seu nome ou a pessoa em nome de quem a declaração é feita;

–        em aplicação do artigo 201.°, n.° 3, do mesmo código, o devedor da dívida aduaneira é o declarante e, em caso de representação indirecta, igualmente a pessoa por conta de quem a declaração aduaneira é feita.

186    Decorre das disposições assim recordadas que o operador que recorre a um despachante aduaneiro, seja no quadro da representação directa ou indirecta, é, de qualquer forma, devedor da dívida face às autoridades aduaneiras.

187    Por isso, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ao excluir qualquer isenção de responsabilidade da recorrente devido a eventuais erros cometidos pelos seus despachantes aduaneiros, dado que a responsabilidade eventual desses despachantes face à CMF apenas diz respeito às relações contratuais com esta última.

188    No tocante à condição ligada à experiência profissional do operador, o Tribunal de Primeira Instância lembrou com toda a razão, no n.° 140 do acórdão recorrido, que deve investigar‑se se se trata ou não de um operador económico cuja actividade profissional consiste, no essencial, em operações de importação e exportação, e se tinha adquirido já uma certa experiência no exercício dessas operações (acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.° 57).

189    Tendo declarado, em seguida, no n.° 141 do mesmo acórdão, que a própria recorrente admitia ter uma certa experiência nas operações de importação dos produtos azotados referidos no Regulamento n.° 3319/94, o que a recorrente confirma de resto no seu recurso para o Tribunal de Justiça (v. n.° 160 do presente acórdão), concluiu, assim, com toda a razão, que a Comissão pôde considerar que a recorrente dispunha da experiência profissional exigida.

190    Assim, a segunda parte, do fundamento examinado deve ser rejeitada.

–       Quanto à terceira parte, relativa a um erro cometido na apreciação da condição ligada à diligência do operador

191    No n.° 142 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância lembrou a título principal que incumbe ao operador, desde que tenha dúvidas quanto à aplicação exacta das disposições cuja inexecução pode gerar uma dívida aduaneira, informar‑se e procurar todos os esclarecimentos possíveis para não violar as referidas disposições (acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.° 58).

192    Sublinhou, em seguida, no n.° 143 do mesmo acórdão, que a recorrente, apesar da sua alegação de dificuldades inerentes à aplicação do Regulamento n.° 3319/94, não só não tinha de forma alguma solicitado os conselhos dos seus despachantes aduaneiros mas tinha‑lhes ainda transmitido instruções muito precisas.

193    No n.° 144 do acórdão recorrido, acrescentou: «Além disso, os erros da recorrente na elaboração das suas facturas militam também a favor de uma falta de diligência da sua parte».

194    No n.° 146 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que o comportamento da recorrente durante o desenrolar das operações em causa não podia ser considerado suficientemente diligente.

195    A este propósito, deve em primeiro lugar salientar‑se que, agindo assim, procedeu a uma qualificação jurídica dos factos a fim de decidir se a condição de «diligência» estava preenchida (v., por analogia, acórdão Biegi Nahrungsmittel e Commonfood/Comissão, já referido, n.os 42 e 43). Por isso, contrariamente à afirmação da Comissão, a contestação da recorrente relativa aos erros de facturação é admissível.

196    No entanto, há que observar que a conclusão formulada está já suficientemente justificada pelo reconhecimento de que a CMF não solicitou qualquer informação e qualquer esclarecimento úteis para as operações de desalfandegamento em causa, não obstante a sua alegação de «complexidade» do Regulamento n.° 3319/94.

197    Com efeito, tendo em consideração a redacção do artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, desse regulamento, a recorrente não podia deixar de ter dúvidas quanto à eventual aplicação do direito específico num esquema de importação, por ela escolhido, que fazia intervir duas sociedades entre o exportador polaco e ela mesma.

198    Nestas condições, se a CMF considerava que o trigésimo nono considerando do Regulamento n.° 3319/94 exprimia, em vez de um objectivo geral de prevenção, uma condição de prova de evasão efectiva que acresce aos dois únicos requisitos previstos no artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do mesmo regulamento, deveria evidentemente informar‑se e procurar todos os esclarecimentos possíveis antes das operações de desalfandegamento em causa, e não durante 2000, como alegou no presente processo.

199    Segue‑se que, mesmo pressupondo‑a fundada, a crítica da recorrente relativa aos erros de facturação, que o Tribunal de Primeira Instância teve em consideração mais a título de elementos suplementares de análise, não é susceptível de afectar de erro de direito a conclusão do acórdão recorrido no que respeita à condição ligada à diligência do operador.

200    Concluindo, não sendo nenhum dos fundamentos do presente recurso procedente, deve negar‑se provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

201    Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos nesse sentido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Common Market Fertilizers SA é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.