Language of document : ECLI:EU:C:2013:571

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

19 de setembro de 2013 (*)

«Política social — Diretiva 92/85/CEE — Proteção da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho — Artigo 8.° — Licença de maternidade — Diretiva 76/207/CEE — Igualdade de tratamento entre trabalhadores masculinos e femininos — Artigo 2.°, n.os 1 e 3 — Direito a uma licença a favor das mães trabalhadoras por conta de outrem na sequência do nascimento de um filho — Possibilidade de utilização pela mãe ou pelo pai, ambos trabalhadores por conta de outrem — Mãe trabalhadora independente e não inscrita num regime público de segurança social — Exclusão do direito a uma licença a favor do pai trabalhador por conta de outrem — Pai biológico e pai adotivo — Princípio da igualdade de tratamento»

No processo C‑5/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Juzgado de lo Social n.° 1 de Lleida (Espanha), por decisão de 21 de dezembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 3 de janeiro de 2012, no processo

Marc Betriu Montull

contra

Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, U. Lõhmus, M. Safjan (relator) e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 21 de fevereiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação do Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS), por P. García Perea e A. R. Trillo García, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, J. Faldyga e A. Siwek, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek, C. Gheorghiu e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de abril de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), da Diretiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de junho de 1996, relativa ao Acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO L 145, p. 4), conforme alterada pela Diretiva 97/75/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997 (JO 1998, L 10, p. 24, a seguir «Diretiva 96/34»), e do princípio da igualdade de tratamento consagrado no direito da União.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Betriu Montull ao Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) (Instituto Nacional da Segurança Social) a propósito da recusa de lhe atribuírem um subsídio de maternidade devido à não inscrição da mãe do seu filho num regime público de segurança social.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        Nos termos do artigo 10.°, n.° 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembleia‑Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, que entrou em vigor em 3 de janeiro de 1976:

«Uma proteção especial deve ser dada às mães durante um período de tempo razoável antes e depois do nascimento das crianças. Durante este mesmo período as mães trabalhadoras devem beneficiar de licença paga ou de licença acompanhada de serviços de segurança social adequados.»

 Direito da União

 Diretiva 76/207

4        A Diretiva 76/207, conforme alterada pela Diretiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002 (JO L 269, p. 15), foi revogada, com efeitos a partir de 15 de agosto de 2009, pela Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO L 204, p. 23). Porém, atendendo à data dos factos do litígio no processo principal, este continua a ser regido pela Diretiva 76/207 na sua versão inicial.

5        O artigo 1.°, n.° 1, da diretiva 76/207 enunciava:

«A presente diretiva tem em vista a realização, nos Estados‑Membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, incluindo a promoção, e à formação profissional, assim como no que se refere às condições, de trabalho e, nas condições previstas no n.° 2, à segurança social. Este princípio será a seguir denominado por ‘princípio da igualdade de tratamento’.»

6        O artigo 2.°, n.os 1 e 3, desta diretiva tinha a seguinte redação:

«1.      O princípio da igualdade de tratamento, na aceção das disposições adiante referidas, implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta, quer indiretamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar.

[...]

3.      A presente diretiva não constitui obstáculo às disposições relativas à proteção da mulher, nomeadamente no que se refere à gravidez e à maternidade.»

7        O artigo 5.° da referida diretiva previa:

«1.      A aplicação do princípio da igualdade de tratamento no que se refere às condições de trabalho, incluindo as condições de despedimento, implica que sejam asseguradas aos homens e às mulheres as mesmas condições, sem discriminação em razão do sexo.

2.      Para esse efeito, os Estados‑Membros adotarão as medidas necessárias a fim de que:

a)      Sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento;

b)      Sejam nulas, anuláveis ou possam ser revistas as disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento que figurem em convenções coletivas ou em contratos individuais de trabalho, em regulamentos internos das empresas, bem como nos estatutos das profissões independentes;

c)      Sejam revistas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento quando a preocupação de proteção que as inspirou na origem tenha deixado de ter fundamento; e que, no que se refere às disposições convencionais da mesma natureza, os parceiros sociais sejam convidados a proceder às desejáveis revisões.»

 Diretiva 92/85/CEE

8        O artigo 8.° da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (décima diretiva especial na aceção do n.° 1 do artigo 16.° da Diretiva 89/391/CEE) (JO L 348, p. 1), relativo à licença de maternidade, prevê:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que as trabalhadoras referidas no artigo 2.° beneficiem de uma licença de maternidade de, pelo menos, 14 semanas consecutivas, a gozar antes e/ou depois do parto em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.

2.      A licença de maternidade prevista no n.° 1 deve incluir uma licença de maternidade obrigatória de, pelo menos, duas semanas, repartidas antes e/ou depois do parto, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.»

 Diretiva 96/34

9        A Diretiva 96/34, revogada pela Diretiva 2010/18/UE do Conselho, de 8 de março de 2010, que aplica o Acordo‑Quadro revisto sobre licença parental celebrado entre a BUSINESSEUROPE, a UEAPME, o CEEP e a CES e que revoga a Diretiva 96/34/CE (JO L 68, p. 13), destinava‑se a aplicar o acordo‑quadro sobre a licença parental, celebrado pelas organizações interprofissionais de vocação geral, a saber, a União das Confederações da Indústria e do Patronato da Europa (UNICE), o Centro Europeu das Empresas Públicas (CEEP) e a Confederação Europeia dos Sindicatos (CES).

10      O acordo‑quadro sobre a licença parental, celebrado em 14 de dezembro de 1995, que figura no anexo da Diretiva 96/34 (a seguir «acordo‑quadro sobre a licença parental»), enunciava prescrições mínimas para facilitar a conciliação das responsabilidades profissionais e familiares dos trabalhadores com filhos.

11      O ponto 9 das considerações gerais deste acordo‑quadro tinha a seguinte redação:

«Considerando que o presente acordo é um acordo‑quadro que enuncia prescrições mínimas e disposições sobre licença parental, distinta da licença de maternidade [...]».

12      A cláusula 2, ponto 1, do referido acordo‑quadro estabelecia o seguinte:

«Por força do presente acordo, e sob reserva do n.° 2 da presente cláusula, é concedido aos trabalhadores de ambos os sexos um direito individual à licença parental, com fundamento no nascimento ou na adoção de um filho, para dele poderem cuidar durante pelo menos três meses até uma determinada idade, que poderá ir até aos oito anos de idade, a definir pelos Estados‑Membros e/ou pelos parceiros sociais»

 Direito espanhol

13      O estatuto dos trabalhadores, na sua versão resultante do Real Decreto Legislativo 1/1995, que aprova o texto consolidado da Lei relativa ao Estatuto dos trabalhadores (Real Decreto Legislativo 1/1995 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores), de 24 de março de 1995 (BOE n.° 75, de 29 de março de 1995, p. 9654), foi alterado pela Lei 39/1999, que visa promover a conciliação entre a vida familiar e a vida profissional dos trabalhadores (Ley 39/1999 para promover la conciliacion de la vida familiar y laboral de las personas trabajadoras), de 5 de novembro de 1999 (BOE n.° 266, de 6 de novembro de 1999, p. 38934, a seguir «estatuto dos trabalhadores»).

14      Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, o referido estatuto é aplicável aos trabalhadores que prestam voluntariamente os seus serviços, mediante remuneração, por conta de outrem, no quadro da organização e sob a direção de uma outra pessoa singular ou coletiva, denominada «entidade patronal».

15      O artigo 1.°, n.° 3, do estatuto dos trabalhadores esclarece que qualquer atividade exercida no âmbito de uma relação diferente da definida no artigo 1.°, n.° 1, está excluída do âmbito de aplicação deste estatuto.

16      O artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores prevê:

«Em caso de parto, o contrato é suspenso por um período ininterrupto de dezasseis semanas, que pode ser prorrogado, em caso de nascimentos múltiplos, por duas semanas por cada filho a partir do segundo. O período de suspensão será distribuído à escolha da interessada, sendo obrigatório o gozo das seis semanas imediatamente a seguir ao parto. Em caso de morte da mãe, o outro progenitor poderá gozar a totalidade ou, sendo caso disso, a parte remanescente do período de suspensão.

Não obstante as disposições precedentes e sem prejuízo do gozo das seis semanas de descanso obrigatório para a mãe imediatamente a seguir ao parto, no caso de ambos os progenitores trabalharem, a mãe poderá, no início do período de licença de maternidade, optar por ser o outro progenitor a gozar uma parte determinada e ininterrupta do período de descanso posterior ao parto, simultaneamente ou depois do período da sua licença, a não ser que, no momento da sua efetivação, o regresso da mãe ao trabalho implique um risco para a sua saúde.

[...]

No caso de adoção e de acolhimento de menores de seis anos, quer se trate de acolhimento pré‑adotivo ou permanente, a suspensão terá uma duração de dezasseis semanas ininterruptas, prorrogável em caso de adoção ou acolhimento múltiplos, à razão de duas semanas por cada filho menor a partir do segundo. Esta suspensão terá efeito, à escolha do trabalhador, quer a partir da decisão judicial constitutiva da adoção, quer a partir da decisão administrativa ou judicial de acolhimento, provisória ou definitiva. O contrato será igualmente suspenso por dezasseis semanas no caso de adoção ou de acolhimento de menores com mais de seis anos de idade quando se trate de menores com deficiência ou menores que, devido à sua situação e experiência pessoais ou que, por serem provenientes do estrangeiro, tenham especiais dificuldades de inserção social e familiar devidamente comprovadas pelos serviços sociais competentes. No caso de ambos os progenitores trabalharem, o período de suspensão será distribuído à escolha dos interessados, que poderão gozá‑lo ao mesmo tempo ou sucessivamente, sempre em períodos ininterruptos e dentro dos limites definidos.

No caso de os períodos de descanso serem gozados simultaneamente, a sua soma não poderá exceder as dezasseis semanas previstas nos números anteriores ou as que correspondam aos casos de parto, de adoção ou de acolhimento múltiplos.

Os períodos previstos no presente número poderão ser gozados em regime de dia completo ou a tempo parcial, após acordo entre o chefe de empresa e os trabalhadores em causa, em conformidade com a regulamentação.

[...]»

17      O artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores foi alterado posteriormente à data dos factos do litígio no processo principal pela Lei orgânica 3/2007 para a igualdade efetiva entre mulheres e homens (Ley orgánica 3/2007 para la igualdad efectiva de mujeres y hombres), de 22 de março de 2007 (BOE n.° 71, de 23 de março de 2007, p. 12611). Esta disposição foi, nomeadamente, alterada da seguinte forma:

«[...]

Não obstante as disposições precedentes e sem prejuízo das seis semanas de descanso obrigatório para a mãe imediatamente subsequentes ao parto, no caso de ambos os progenitores trabalharem, a mãe poderá, no início do período da licença de maternidade, optar por ser o outro progenitor a gozar uma parte determinada e ininterrupta do período de descanso posterior ao parto, ao mesmo tempo ou sucessivamente em relação ao da mãe.

O outro progenitor poderá continuar a gozar o período de licença de maternidade inicialmente concedido, mesmo que, no momento previsto para a reintegração da mãe no trabalho, esta última se encontre em situação de incapacidade temporária.

No caso de a mãe não ter direito a suspender a sua atividade profissional com direito a certas prestações de acordo com as normas que regulam a referida atividade, o outro progenitor poderá suspender o seu contrato de trabalho pelo período que deveria ter sido da mãe, o que é compatível com o exercício do direito reconhecido no artigo seguinte.

[...]»

18      A Lei geral da segurança social (Ley General de la Seguridad Social) foi adotada pelo Real Decreto Legislativo 1/1994, de 20 de junho de 1994 (BOE n.° 154, de 29 de junho de 1994, p. 20658), e alterada pela Lei 39/1999 (a seguir «Lei geral da segurança social»). O artigo 133.°‑A desta lei tem a seguinte redação:

«Para efeitos do subsídio de maternidade, consideram‑se situações protegidas a maternidade, a adoção e o acolhimento, tanto pré‑adotivo como permanente, durante os períodos de descanso gozados em razão de tais situações, nos termos do disposto no artigo 48.°, n.° 4, do texto consolidado do estatuto dos trabalhadores, adotado pelo Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de março de 1995, e do disposto no n.° 3 do artigo 30.° da Lei relativa às medidas para a reforma da função pública [Ley de Medidas para la Reforma de la Función Pública].»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      Decorre da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que M. Betriu Montull é trabalhador por conta de outrem, inscrito no regime geral da segurança social, que faz parte do sistema público de segurança social espanhol. A Sr.a Macarena Ollé é Procuradora de los Tribunales (mandatária judicial). A profissão de Procurador de los Tribunales, exercida a título independente, consiste em representar os clientes num processo judicial nos casos em que a lei o exige.

20      À data dos factos do litígio no processo principal, um Procurador de los Tribunales podia, nomeadamente, optar por estar inscrito no regime especial dos trabalhadores autónomos (Régimen Especial de Trabajadores Autónomos), integrado no sistema público da segurança social, ou na mutualidade geral dos mandatários judiciais (Mutualidad General de los Procuradores), regime de previdência profissional alheio ao sistema público de segurança social. O regime especial dos trabalhadores autónomos previa uma licença de maternidade, o que não sucedia com a mutualidade geral dos mandatários judiciais, que apenas previa um subsídio. M. Ollé tinha optado pela inscrição nessa mutualidade.

21      Após o nascimento do filho de M. Ollé e de M. Betriu Montull em Lleida, em 20 de abril de 2004, M. Betriu Montull requereu o subsídio de maternidade previsto no artigo 133.°‑A da Lei geral da segurança social, que se destina a compensar a perda de rendimentos salariais do progenitor causada pela suspensão do seu contrato de trabalho no quadro da licença de maternidade com uma duração de dezasseis semanas. O pedido de M. Betriu Montull visava o período de dez semanas subsequentes às seis semanas de descanso obrigatório que a mãe deve gozar imediatamente após o parto, previsto no artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores.

22      Por decisões de 28 de julho e 8 de agosto de 2004, o INSS negou a M. Betriu Montull a atribuição desse subsídio de maternidade, dado que, nos termos do artigo 133.°‑A da Lei geral da segurança social, lido em conjugação com o artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores, o direito à licença é um direito da mãe quando está inscrita num regime público de segurança social, e que, no caso de maternidade biológica, o pai não dispõe de um direito próprio, autónomo e independente do direito da mãe, mas apenas de um direito necessariamente derivado daquele. Neste caso, uma vez que não está inscrita em nenhum regime público de segurança social, M. Ollé não é titular do direito originário à licença de maternidade, com a consequência de que M. Betriu Montull não pode beneficiar de uma licença e, portanto, do subsídio de maternidade que a acompanha.

23      M. Betriu Montull interpôs recurso dessas decisões do INSS no Juzgado de lo Social n.° 1 de Lleida pedindo o reconhecimento do seu direito ao subsídio de maternidade. Invocou, nomeadamente, a violação do princípio da igualdade de tratamento na medida em que, no caso de adoção ou de acolhimento de menores de seis anos, o artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores prevê que o direito ao subsídio de maternidade é um direito originário de ambos os progenitores.

24      Por despacho de 20 de abril de 2005, o Juzgado de lo Social n.° 1 de Lleida submeteu ao Tribunal Constitucional a questão da conformidade do artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores com a Constituição espanhola.

25      Por acórdão de 19 de maio de 2011, o Tribunal Constitucional declarou que o artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores não violava o artigo 14.° da Constituição espanhola, que proclama o princípio da igualdade de tratamento perante a lei, nem o seu artigo 39.°, que consagra a proteção da família e das crianças, nem o seu artigo 41.°, relativo à segurança social.

26      Contudo, o Juzgado de lo Social n.° 1 de Lleida tem dúvidas quanto à conformidade do artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores com o direito da União.

27      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio assinala que esta disposição prevê um período de descanso obrigatório de seis semanas para a mãe após o parto, período durante o qual o pai não pode gozar a licença de maternidade, e que esta diferença de tratamento entre o pai e a mãe, não contestada pelas partes no âmbito do processo principal, se justifica pela proteção da mãe em virtude do parto.

28      Em contrapartida, no que se refere ao período de dez semanas subsequentes a essas seis semanas de descanso obrigatório para a mãe, quando a situação do pai e da mãe trabalhadores por conta de outrem é comparável, os mesmos estão sujeitos a um tratamento diferenciado já que o direito do pai é concebido como sendo derivado do direito da mãe. A este respeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, este período de dez semanas deve ser entendido como uma licença parental e uma medida de conciliação da vida familiar e profissional, dado que o facto biológico da gravidez e do parto, que diz exclusivamente respeito à mulher, está coberto pelo período de descanso obrigatório da mãe. Por este motivo, a licença em causa no âmbito do litígio no processo principal deve poder ser gozada indistintamente pela mãe e pelo pai, no caso em que ambos sejam trabalhadores por conta de outrem e em virtude da sua qualidade de progenitores da criança.

29      Por outro lado, o artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores trata de forma diferenciada o pai biológico e o pai adotivo. Com efeito, em caso de adoção, esta disposição permite ao pai e à mãe distribuírem como entenderem o período de licença subsequente ao parto, não sendo tal direito um direito originário da mãe. Assim, em caso de adoção, o pai trabalhador por conta de outrem inscrito num regime público de segurança social pode gozar a licença de maternidade na sua totalidade e receber o correspondente subsídio, mesmo que a mãe não seja trabalhadora por conta de outrem inscrita num regime público de segurança social, enquanto, no caso de parto, o pai biológico trabalhador por conta de outrem não pode gozar nenhuma licença quando a mãe da criança não esteja inscrita num regime público de segurança social.

30      Foi nestas circunstâncias que o Juzgado de lo Social n.° 1 de Lleida decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A Diretiva 76/207[…] e a Diretiva 96/34[…] opõem‑se a uma lei nacional, em concreto o artigo 48.°, n.° 4, do [e]statuto dos [t]rabalhadores, que reconhece a titularidade do direito à licença de maternidade em caso de parto, depois de decorrido o período de seis semanas subsequente ao parto e sem prejuízo das situações de perigo para a saúde da mãe, como um direito originário e autónomo das mães trabalhadoras, e como um direito derivado dos pais […] trabalhadores por conta de outrem, que só podem gozar a referida licença quando a mãe dessa criança também é trabalhadora e opte por ser o pai a gozar uma parte determinada dessa mesma licença?

2)      O princípio da igualdade de tratamento que impede qualquer discriminação em razão do sexo opõe‑se a uma lei nacional, em concreto o artigo 48.°, n.° 4, do [e]statuto dos [t]rabalhadores, que reconhece a suspensão do contrato de trabalho com manutenção do posto de trabalho e retribuída pela segurança social, em caso de parto, como um direito originário da mãe, e não do pai, mesmo depois de decorrido o período de seis semanas subsequente ao parto e sem prejuízo das situações de perigo para a saúde mãe, de modo que a licença [só pode se concedida ao pai] trabalhador por conta de outrem [se] a mãe da criança […] também [for] trabalhadora por conta de outrem?

3)      O princípio da igualdade de tratamento, que impede qualquer discriminação, opõe‑se a uma lei nacional, em concreto o artigo 48.°, n.° 4, do[e]statuto dos [t]rabalhadores, que reconhece a titularidade originária do direito a uma suspensão do contrato de trabalho com manutenção do posto de trabalho, e retribuída pela segurança social, aos pais que trabalham por conta de outrem quando adotam um filho e, […] em contrapartida, não reconhece um direito a essa suspensão próprio, autónomo e independente do direito da mãe aos pais que trabalham por conta de outrem quando têm um filho biológico, mas apenas um direito derivado do [direito] da mãe?»

 Quanto à admissibilidade do pedido prejudicial

31      O Governo espanhol sustenta que as questões são hipotéticas e, por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado inadmissível. Com efeito, decorre da decisão de reenvio que a recusa do subsídio de maternidade requerido por M. Betriu Montull teve por base o artigo 133.°‑A da Lei geral da segurança social, que pressupõe que o trabalhador possa ter direito à licença prevista no artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores no âmbito do seu contrato de trabalho. Ora, a decisão de reenvio não dá indicações sobre se M. Betriu Montull gozou essa licença ou, pelo menos, se a requereu à sua entidade patronal. Pelo contrário, decorre dessa decisão que M. Betriu Montull não obteve a referida licença no âmbito do seu contrato de trabalho por o direito à licença ser um direito originário da mãe da criança.

32      Por outro lado, na audiência, o INSS alegou que as questões prejudiciais são inadmissíveis uma vez que de nada vale ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta passados nove anos sobre o parto, dado que deixou de ser possível a atribuição da licença prevista no artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores e do subsídio de maternidade.

33      A este respeito, importa recordar desde logo que, no quadro de um processo nos termos do artigo 267.° TFUE, fundado numa separação nítida de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, cabe exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., designadamente, acórdãos de 18 de julho de 2007, Lucchini, C‑119/05, Colet., p. I‑6199, n.° 43, e de 30 de maio de 2013, Arslan, C‑534/11, n.° 33).

34      Com efeito, a recusa do Tribunal de Justiça de se pronunciar sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (v., designadamente, acórdãos Lucchini, já referido, n.° 44, e de 11 de abril de 2013, Della Rocca, C‑290/12, n.° 29).

35      No presente caso, decorre claramente do pedido de decisão prejudicial que a interpretação do direito da União é necessária para a resolução do litígio no processo principal.

36      Com efeito, o artigo 133.°‑A da Lei geral da segurança social enuncia que, para efeitos do subsídio de maternidade, são consideradas situações protegidas a maternidade, a adoção e o acolhimento, durante os períodos de descanso gozados em razão de tais situações, nos termos do disposto no artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores, que define as condições nas quais pode ser suspenso o contrato de trabalho da mãe ou do pai. Por conseguinte, como de resto assinala o Governo espanhol, para ter direito ao subsídio de maternidade, o trabalhador deve poder gozar a licença prevista no artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores.

37      M. Betriu Montull não pôde beneficiar do subsídio de maternidade previsto no artigo 133.°‑A da Lei geral da segurança social porque, nos termos do artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores, não dispunha de um direito próprio à licença de maternidade e porque, visto que M. Ollé não estava inscrita num regime público de segurança social, não dispunha de um direito derivado a essa licença.

38      Assim, importa apreciar em que medida, numa situação como a do processo principal, o direito da União poderia, precisamente, permitir ao pai da criança beneficiar de toda ou parte da licença de maternidade prevista no artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores, o que, em caso de resposta afirmativa, lhe conferiria o direito de receber o correspondente subsídio de maternidade.

39      Nestas condições, o pedido de decisão prejudicial deve ser considerado admissível.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

 Observações preliminares

40      No âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.° TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram apresentadas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir dos litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (v., designadamente, acórdãos de 14 de outubro de 2010, Fuß, C‑243/09, Colet., p. I‑9849, n.° 39, e de 30 de maio de 2013, Worten, C‑342/12, n.° 30).

41      Consequentemente, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado as suas questões à interpretação das disposições das Diretivas 76/207 e 96/34, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v. acórdãos, já referidos, Fuß, n.° 40, e Worten n.° 31).

42      No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio precisa de determinar se M. Betriu Montull tem o direito de receber um subsídio de maternidade pelo nascimento do seu filho. Ora, como indicado no n.° 38 do presente acórdão, esta questão pressupõe que se verifique se M. Betriu Montull tem direito à licença de maternidade prevista no artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores.

43      A este respeito, importa assinalar que esta disposição prevê, por um lado, a suspensão do contrato de trabalho da mãe durante dezasseis semanas consecutivas, sendo esse período de suspensão distribuído ao critério da interessada, desde que sejam obrigatoriamente gozadas seis semanas imediatamente após o parto. Por outro lado, o artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores permite à mãe, caso ambos os progenitores trabalhem, optar por ser o pai quem beneficie, no todo ou em parte, de um máximo de dez semanas das dezasseis semanas correspondentes à licença de maternidade, salvo se, no momento da sua efetivação, o regresso da mãe ao trabalho implicar um risco para a sua saúde.

44      Nestas condições, a fim de responder de forma útil ao órgão jurisdicional de reenvio e como sustenta o Governo espanhol, importa ter em conta a Diretiva 92/85, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho, ainda que a decisão de reenvio não mencione explicitamente esta diretiva.

45      Com efeito, a licença em causa no processo principal deve ser gozada no momento do nascimento da criança. Ora, a Diretiva 92/85 garante precisamente, no seu artigo 8.°, o direito à licença de maternidade de, pelo menos, catorze semanas consecutivas, incluindo um período obrigatório de, pelo menos, duas semanas distribuídas antes e/ou após o parto, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais. Além disso, o facto de determinada legislação conceder às mulheres uma licença de maternidade superior a catorze semanas não impede que esta última possa, apesar disso, ser considerada uma licença de maternidade prevista no artigo 8.° da Diretiva 92/85 (v. acórdão de 18 de novembro de 2004, Sass, C‑284/02, Colet., p. I‑11143, n.° 44).

46      Por outro lado, embora o órgão jurisdicional de reenvio pareça considerar que o período de licença subsequente às seis semanas que a mãe deve obrigatoriamente gozar após o parto é uma licença parental na aceção da Diretiva 96/34, a decisão de reenvio não contém elementos sobre o conteúdo da regulamentação nacional em matéria de licença parental suscetíveis de permitirem responder às questões colocadas à luz desta diretiva. A este respeito, como indicam o INSS e o Governo espanhol, o artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores, objeto exclusivo das três questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não diz respeito à licença parental na aceção da Diretiva 96/34.

47      Nestas condições, há que considerar que a primeira e segunda questões submetidas se destinam, no essencial, a saber se as Diretivas 92/85 e 76/207 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma medida nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o pai de uma criança, com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, pode, com o acordo da mãe, igualmente com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, beneficiar de uma licença de maternidade no período subsequente às seis semanas após o parto de descanso obrigatório da mãe, com exceção dos casos em que haja perigo para a saúde da mãe, ao passo que um pai com o estatuto de trabalhador por conta de outrem não pode beneficiar dessa licença se a mãe do seu filho não dispuser do estatuto de trabalhador por conta de outrem e não estiver inscrita num regime público de segurança social.

 Quanto ao mérito

48      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito a uma licença de maternidade reconhecido às trabalhadoras grávidas deve ser considerado um meio de proteção de direito social que reveste uma importância particular. O legislador da União considerou, assim, que as alterações essenciais nas condições de existência das interessadas durante o período limitado de, pelo menos, catorze semanas que precede e se segue ao parto constituíam um motivo legítimo de suspender o exercício da sua atividade profissional, sem que a legitimidade desse motivo possa ser posto em causa, de qualquer maneira, pelas autoridades públicas ou pelos empregadores (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Kiiski, C‑116/06, Colet., p. I‑7643, n.° 49).

49      Com efeito, a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante encontra‑se numa situação específica de vulnerabilidade que necessita que lhe seja concedido o direito a uma licença de maternidade, mas que, especialmente durante esta licença, não pode ser equiparada à de um homem nem à de uma mulher que beneficie de uma licença por doença (acórdão de 27 de outubro de 1998, Boyle e o., C‑411/96, Colet., p. I‑6401, n.° 40).

50      Essa licença de maternidade de que beneficia a trabalhadora destina‑se a assegurar, por um lado, a proteção da condição biológica da mulher durante e após a sua gravidez e, por outro, a proteção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período subsequente à gravidez e ao parto, evitando que essas relações sejam perturbadas pela acumulação de encargos resultantes do exercício simultâneo de uma atividade profissional (v., designadamente, acórdãos de 12 de julho de 1984, Hofmann, 184/83, Recueil, p. 3047, n.° 25, e Kiiski, já referido, n.° 46).

51      Importa analisar se a Diretiva 92/85 se opõe a que uma mãe com o estatuto de trabalhadora por conta de outrem possa optar por que seja o pai, igualmente com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, a gozar em parte ou totalmente a licença de maternidade no período subsequente às semanas após o parto de descanso obrigatório da mãe.

52      A este respeito, importa assinalar que o artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 92/85 enuncia que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que as trabalhadoras beneficiem de uma licença de maternidade de, «pelo menos», catorze semanas consecutivas, a gozar antes e/ou depois do parto, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.

53      Neste caso, o artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores, ao prever uma licença de maternidade a favor da mãe com uma duração de dezasseis semanas consecutivas, vai além das imposições mínimas desse artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 92/85.

54      Por outro lado, segundo o artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 92/85, a licença de maternidade deve incluir uma licença de maternidade obrigatória de, «pelo menos», duas semanas, repartidas antes e/ou depois do parto, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.

55      O artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores, que prevê que a mãe deve gozar obrigatoriamente um descanso de seis semanas imediatamente após o parto, também vai além dessas imposições mínimas.

56      Como resulta da jurisprudência referida no n.° 48 do presente acórdão, importa acrescentar que a legitimidade das mulheres para suspenderem a sua atividade profissional durante esse período limitado de, pelo menos, catorze semanas anterior e subsequente ao parto não pode ser questionada, de que maneira for, pelas autoridades públicas ou pelas entidades patronais. Por conseguinte, a licença de maternidade prevista no artigo 8.° da Diretiva 92/85 não pode ser retirada à mãe contra a vontade desta para ser atribuída, em parte ou totalmente, ao pai da criança.

57      Em contrapartida, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora os Estados‑Membros devam, por força do artigo 8.° da referida diretiva, adotar as medidas necessárias para que as trabalhadoras beneficiem de uma licença de maternidade de, pelo menos, catorze semanas, trata‑se para elas de um direito a que podem renunciar, com exceção das duas semanas de licença de maternidade obrigatória, previstas no n.° 2 deste artigo (v. acórdão Boyle e o., já referido, n.° 58).

58      Por conseguinte, a Diretiva 92/85 não se opõe a que a mãe da criança, com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, decida que seja o pai da criança, com o mesmo estatuto, a gozar em parte ou totalmente a licença de maternidade no período subsequente ao período de descanso obrigatório.

59      Esta diretiva tão‑pouco se opõe a que esse pai não possa gozar tal licença no caso de a mãe da criança exercer uma profissão independente, isto é, não ser trabalhadora por conta de outrem, e tiver optado por não estar inscrita num regime público de segurança social que lhe assegure tal licença. Com efeito, essa situação não está abrangida pela Diretiva 92/85, a qual visa apenas as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes cuja atividade profissional é exercida sob a direção de uma entidade patronal.

60      No que se refere à Diretiva 76/207, importa assinalar que a medida em causa no processo principal estabelece uma diferença de tratamento em razão do sexo, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva, entre as mães com o estatuto de trabalhador por conta de outrem e os pais com o mesmo estatuto. Com efeito, esta medida reserva o direito à licença de maternidade em causa no processo principal às mães com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, sendo certo que o pai de uma criança apenas pode beneficiar desta licença se tiver igualmente o estatuto de trabalhador por conta de outrem e se a mãe lhe ceder toda ou parte da licença disponível, desde que o regresso ao trabalho desta última não implique um risco para a sua saúde.

61      Quanto à justificação de uma diferença de tratamento como esta, o artigo 2.°, n.° 3, da Diretiva 76/207 precisa que esta não constitui obstáculo às disposições relativas à proteção da mulher, nomeadamente no que se refere à gravidez e à maternidade (v. acórdão de 30 de setembro de 2010, Roca Álvarez, C‑104/09, Colet., p. I‑8661, n.° 26).

62      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que, ao reservar aos Estados‑Membros o direito de manterem ou adotarem disposições destinadas a proteger a gravidez e a maternidade, o artigo 2.°, n.° 3, da Diretiva 76/207 reconhece a legitimidade, à luz do princípio da igualdade de tratamento entre os sexos, por um lado, da proteção da condição biológica da mulher no decurso da sua gravidez e na sequência desta e, por outro, da proteção das relações especiais entre a mulher e o seu filho no decurso do período que se segue ao parto (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Hofmann, n.° 2, e Roca Álvarez, n.° 27).

63      Ora, afigura‑se que uma medida como a que está em causa no processo principal é, em todo o caso, destinada a proteger a condição biológica da mulher no decurso da sua gravidez e na sequência desta.

64      Além disso, num processo como o processo principal, a mãe da criança, enquanto trabalhadora independente não inscrita num regime público de segurança social, não é titular de um direito originário à licença de maternidade. Por conseguinte, a mãe da criança não dispõe de nenhum direito a tal licença que pudesse ceder ao pai dessa criança.

65      Daqui decorre que, nestas condições, a Diretiva 76/207 não se opõe a uma medida como a que está em causa no processo principal.

66      Atendendo às considerações precedentes, importa responder à primeira e segunda questões conforme reformuladas que as Diretivas 92/85 e 76/207 devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma medida nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o pai de uma criança, com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, possa, com o acordo da mãe, igualmente com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, beneficiar de uma licença de maternidade no período subsequente às seis semanas após o parto de descanso obrigatório da mãe, com exceção dos casos em que haja perigo para a sua saúde, ao passo que um pai com o estatuto de trabalhador por conta de outrem não pode beneficiar dessa licença se a mãe do seu filho não dispuser do estatuto de trabalhador por conta de outrem e não estiver inscrita num regime público de segurança social.

 Quanto à terceira questão

67      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o princípio da igualdade de tratamento consagrado no direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida nacional como a que está em causa no processo principal que prevê que um trabalhador por conta de outrem tem o direito de beneficiar de uma licença de maternidade quando adota uma criança, mesmo que a mãe adotiva não tenha o estatuto de trabalhador por conta de outrem, quando um trabalhador por conta de outrem, pai biológico de uma criança, apenas pode beneficiar dessa licença se a mãe da referida criança tiver igualmente esse mesmo estatuto.

68      Importa recordar que, no âmbito de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça apenas pode interpretar o direito da União nos limites das competências que lhe são atribuídas (v. acórdão de 5 de outubro de 2010, McB., C‑400/10 PPU, Colet., p. I‑8965, n.° 51, e despacho de 6 de julho de 2012, Hermes Hitel és Faktor, C‑16/12, n.° 13).

69      Segundo jurisprudência constante, quando uma regulamentação nacional está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, o Tribunal de Justiça deve fornecer, no quadro de processos prejudiciais, todos os elementos interpretativos necessários à apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, da conformidade dessa regulamentação com o direito da União, cuja observância assegura. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça não tem essa competência quando, por um lado, o objeto do litígio no processo principal não apresenta nenhum elemento de conexão com o direito da União e, por outro, a regulamentação cuja interpretação é requerida não se situa no quadro do direito da União (v. acórdão de 29 de maio de 1997, Kremzow, C‑299/95, Colet., p. I‑2629, n.° 15, e despacho Hermes Hitel és Faktor, já referido, n.° 14).

70      No que se refere às exigências decorrentes dos princípios gerais do direito da União e à proteção dos direitos fundamentais, segundo jurisprudência constante, tais exigências vinculam os Estados‑Membros em todos os casos em que tiverem de aplicar o direito da União (v. acórdão de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci, C‑555/07, Colet., p. I‑365, n.° 23, e despacho Hermes Hitel és Faktor, já referido, n.° 15).

71      No caso vertente, a terceira questão tem por objeto a aplicação do princípio da igualdade de tratamento consagrado no direito da União aos pais biológicos e aos pais adotivos em relação a uma licença de maternidade como a prevista no artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores.

72      Ora, importa referir que a regulamentação aplicável ao litígio no processo principal diz respeito a uma situação que não é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

73      Com efeito, como assinalou o advogado‑geral no n.° 82 das suas conclusões, à data dos factos do litígio no processo principal, nem o Tratado CE, nem as diretivas da União, nem qualquer outra disposição do direito da União proibia as discriminações entre o pai adotivo e o pai biológico relativamente à licença de maternidade.

74      Por outro lado, embora, nos termos da cláusula 2, ponto 1, do acordo‑quadro sobre a licença parental, seja concedido aos trabalhadores de ambos os sexos um direito individual à licença parental, com fundamento no nascimento ou na adoção de um filho, importa recordar que, conforme indicado no n.° 46 do presente acórdão, a decisão de reenvio não contém elementos sobre o conteúdo da regulamentação nacional em matéria de licença parental suscetíveis de permitirem responder às questões submetidas relacionadas com a Diretiva 96/34, e que o artigo 48.°, n.° 4, do estatuto dos trabalhadores não diz respeito à licença parental na aceção da mesma diretiva.

75      Nestas condições, o Tribunal de Justiça não é competente para responder à terceira questão.

 Quanto às despesas

76      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

As Diretivas 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (décima diretiva especial na aceção do n.° 1 do artigo 16.° da Diretiva 89/391/CEE), e 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma medida nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o pai de uma criança, com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, possa, com o acordo da mãe, igualmente com o estatuto de trabalhador por conta de outrem, beneficiar de uma licença de maternidade no período subsequente às seis semanas após o parto de descanso obrigatório da mãe, com exceção dos casos em que haja perigo para a saúde da mãe, ao passo que um pai com o estatuto de trabalhador por conta de outrem não pode beneficiar dessa licença se a mãe do seu filho não dispuser do estatuto de trabalhador por conta de outrem e não estiver inscrita num regime público de segurança social.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.