Language of document : ECLI:EU:C:2017:118

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

15 de fevereiro de 2017 (1)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.° 2201/2003 — Artigos 8.° a 15.° — Competência em matéria de obrigações de alimentos — Regulamento (CE) n.° 4/2009 — Artigo 3.°, alínea d) — Decisões opostas proferidas por órgãos jurisdicionais de diferentes Estados‑Membros — Menor que reside habitualmente no Estado‑Membro de residência da mãe — Competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de residência do pai para alterar uma decisão transitada em julgado que anteriormente adotaram relativamente à residência do menor, às obrigações de alimentos e ao exercício do direito de visita — Inexistência»

No processo C‑499/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius, Lituânia), por decisão de 16 de setembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de setembro de 2015, no processo

W,

V

contra

X,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, E. Regan, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e C. G. Fernlund (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de novembro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de W e V por P. Markevičius,

–        em representação de X, por R. de Falco, advokatas,

–        em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas e J. Nasutavičienė, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de dezembro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe W e V (a seguir «menor V») a X, em matéria de responsabilidade parental e de obrigação de alimentos.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.° 2201/2003

3        O considerando 12 do Regulamento n.° 2201/2003 tem a seguinte redação:

«As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.»

4        O artigo 2.° deste regulamento, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

7)      ‘Responsabilidade parental’, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita.

[…]»

5        O artigo 8.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Competência geral», prevê:

«1.      Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

2.      O n.° 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.°, 10.° e 12.°»

6        O artigo 12.° do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Extensão da competência», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.°, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:

[…]

b)      A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.

2.      A competência exercida nos termos do n.° 1 cessa:

a)      Quando a decisão de procedência ou improcedência do pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento transite em julgado; ou

b)      Se, à data referida na alínea a), ainda estiver pendente uma ação relativa à responsabilidade parental, logo que a decisão deste processo transite em julgado; ou

c)      Nos casos referidos nas alíneas a) e b), logo que o processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.»

7        O artigo 14.° do Regulamento n.° 2201/2003, sob a epígrafe «Competências residuais», e tem a seguinte redação:

«Se nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente, por força dos artigos 8.° a 13.°, a competência é, em cada Estado‑Membro, regulada pela lei desse Estado.»

 Regulamento (CE) n.° 4/2009

8        Sob a epígrafe «Disposições gerais», o artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1), prevê:

«São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

a)      O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou

b)      O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou

c)      O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes; ou

d)      O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes.»

 Factos do litígio no processo principal e questão prejudicial

9        W, de nacionalidade lituana, e X, de nacionalidades neerlandesa e argentina, casaram‑se em 9 de dezembro de 2003, nos Estados Unidos. São, respetivamente, o pai e a mãe do menor V, nascido em 20 de abril de 2006, nos Países Baixos. Este último tem as nacionalidades lituana e italiana. Nunca residiu nem visitou a Lituânia.

10      W, X e o menor V viveram nos Países Baixos entre 2004 e 2006. Após uma breve permanência em Itália, mudaram‑se para o Canadá em 2007. W e X estão separados desde dezembro de 2010.

11      Em julho de 2011, X mudou‑se com o menor V para Itália antes de ir, com ele, no mês de novembro de 2011, para os Países Baixos onde se situa a residência habitual de ambos.

12      Por seu lado, W tem a sua residência habitual na Lituânia.

13      X apresentou um pedido de divórcio num tribunal canadiano. Esse tribunal proferiu várias decisões a partir de maio de 2011, entre as quais uma decisão de 17 de abril de 2012 que decretou o divórcio entre os cônjuges W e X e que atribuiu a guarda exclusiva do menor V a X.

14      Todavia, nem os órgãos jurisdicionais lituanos nem os órgãos jurisdicionais neerlandeses chamados a pronunciarem‑se reconheceram as decisões do tribunal canadiano.

 Decisões dos órgãos jurisdicionais lituanos anteriores ao processo principal

15      Em 18 de abril de 2011, W. pediu ao Vilniaus miesto 1 apylinkės teismas (Tribunal do 1.° Distrito de Vílnius, Lituânia) que decretasse o divórcio, alegando culpa de X, e a fixação da residência do menor V consigo.

16      Em 28 de abril de 2011, o Vilniaus miesto 1 apylinkės teismas (Tribunal do 1.° Distrito de Vílnius), a pedido de W, proferiu um despacho de medidas provisórias que fixou a residência do menor V com W na pendência do processo.

17      Com base nesta decisão, em 3 de julho de 2012, W pediu ao Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius), no âmbito de uma ação por subtração de menor, que fosse ordenado o regresso da menor V. Esse pedido foi indeferido.

18      Em seguida, o despacho de medidas provisórias de 28 de abril de 2011 foi anulado por uma decisão imediatamente executória do Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius). Essa decisão foi confirmada em sede de recurso. W interpôs recurso de revista desse despacho, mas o seu recurso foi declarado inadmissível.

19      Por decisão de 8 de outubro de 2013, o Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius) decretou o divórcio de W e X. Fixou igualmente a residência do menor V com X e o regime de exercício por W de um direito de visita e o montante das obrigações de alimentos devidas por este último ao menor V.

20      Essa decisão foi confirmada por decisão de 30 de maio de 2014 do Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius, Lituânia). Por despacho de 8 de setembro de 2014, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia) declarou inadmissível o recurso de revista interposto por W.

 Decisões dos órgãos jurisdicionais neerlandeses anteriores ao processo principal

21      Por decisão de 29 de janeiro de 2014, o rechtbank Overijssel (Tribunal de Overijssel, Países Baixos) fixou as obrigações de alimentos devidas por W a X num montante mensal de 4 323 euros exigível a partir de 18 de maio de 2012 e, ao menor V, num montante mensal de 567 euros relativamente ao período compreendido entre 27 de junho e 1 de novembro de 2011, depois de 790 euros a partir de 2 de novembro de 2011, sendo estes montantes passíveis de revisão anualmente e devendo a primeira revisão ocorrer em 1 de janeiro de 2013.

22      Por decisão de 22 de agosto de 2014, esse órgão jurisdicional atribuiu a X a guarda exclusiva do menor V.

23      O referido órgão jurisdicional indicou que, no direito neerlandês, a guarda exclusiva de um menor pode ser atribuída a um dos seus progenitores quando exista um risco inaceitável de o menor sofrer em resultado do desacordo dos pais, na medida em que seja pouco provável que essa situação melhore num futuro próximo, ou quando seja necessária, por outros motivos, uma alteração do regime de guarda, tendo em conta o superior interesse do menor.

 Reconhecimento e execução das decisões proferidas

24      Por decisão de 31 de outubro de 21014, o rechtbank Overijssel (Tribunal de Overijssel) recusou reconhecer e declarar a executoriedade da decisão de 8 de outubro de 2013 do Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius), na parte em que decretava o divórcio com culpa partilhada dos dois cônjuges, fixava a residência habitual do menor V com a sua mãe, as obrigações de alimentos devidos por W ao menor V e ordenava a compensação das despesas. Reconheceu e declarou a executoriedade nos Países Baixos das disposições dessa decisão que fixavam o direito de visita do pai.

25      Por decisão de 2 de fevereiro de 2015, o Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de Recurso da Lituânia), chamado a pronunciar‑se por W, recusou declarar a executoriedade da decisão de 29 de janeiro de 2014 do rechtbank Overijssel (Tribunal de Overijssel) que fixou as obrigações de alimentos devidas por W a X e ao menor V, recusou reconhecer e declarar a executoriedade da decisão desse órgão jurisdicional de 22 de agosto de 2014 que atribuiu a guarda exclusiva do menor V a X e pôs termo ao processo, no que respeita ao não reconhecimento na Lituânia da decisão do referido órgão jurisdicional de 31 de outubro de 2014.

 Processo no órgão jurisdicional de reenvio e questão prejudicial

26      Em 28 de agosto de 2014, deu entrada no Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius) a ação de W contra X, destinada à alteração do local de residência do menor V, do montante das obrigações de alimentos e do regime do direito de visita, conforme fixados pela sua decisão de 8 de outubro de 2013.

27      Por decisão de 25 de setembro de 2014, este órgão jurisdicional declarou esses pedidos inadmissíveis pelo facto de W não demonstrar uma alteração das circunstâncias ocorridas depois da prolação da decisão de 8 de outubro de 2013.

28      Na decisão de 16 de dezembro de 2014, o Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) foi chamado a pronunciar‑se sobre um recurso interposto por W da decisão do Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius) de 25 de setembro de 2014, anulando parcialmente essa decisão e devolvendo o processo a este último órgão jurisdicional para reapreciação.

29      Por decisão de 23 de dezembro de 2014, este órgão jurisdicional declarou‑se incompetente para conhecer dos pedidos de W pelo facto de haver que dar prevalência às regras de competência que figuram no Regulamento n.° 2201/2003 sobre as disposições do código de processo civil lituano. De acordo com esse órgão jurisdicional, exceto em determinados casos de alteração de residência do menor ou na sequência de um acordo celebrado entre os titulares da responsabilidade parental, cabe aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que o menor tem a sua residência habitual, a saber, no caso em apreço, o Reino dos Países Baixos, conhecer desses pedidos. O referido órgão jurisdicional informou W de que podia intentar a ação no órgão jurisdicional competente dos Países Baixos.

30      Em 31 de março de 2015, o Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius), decidindo em sede de recurso interposto por W da decisão do Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius) de 23 de dezembro de 2014, anulou essa decisão e devolveu o processo a este último órgão jurisdicional para que este se pronunciasse novamente sobre a admissibilidade dos pedidos de W. Considerou que o referido órgão jurisdicional se declarou erradamente incompetente para conhecer desses pedidos quando os referidos pedidos se destinavam a obter a alteração da decisão do Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius), de 8 de outubro de 2013, transitada em julgado, que visava, nomeadamente, a residência do menor V, o regime do direito de visita e as obrigações de alimentos. Tal alteração apenas poderia resultar de outra decisão judicial transitada em julgado. Ora, no caso em apreço, na medida em que os órgãos jurisdicionais neerlandeses recusam reconhecer a decisão de 8 de outubro de 2013, seria impossível para W apresentar nos órgãos jurisdicionais neerlandeses o seu pedido de alteração dos direitos e das obrigações que dela constam.

31      Nestas circunstâncias, o Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Nos termos dos artigos 8.° a 14.° do Regulamento […] n.° 2201/2003 […] qual o Estado‑Membro — a República da Lituânia ou o Reino dos Países Baixos — competente para decidir sobre a alteração da residência, da obrigação de alimentos e do direito de visita a respeito do menor V., que reside habitualmente no Reino dos Países Baixos?»

 Quanto ao requerimento de reabertura da fase oral do processo

32      Por requerimento apresentado em 20 de dezembro de 2016, W pediu, com base no artigo 83.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a reabertura da fase oral e a submissão, pelo Tribunal de Justiça, de uma questão prejudicial ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

33      Em primeiro lugar, no que respeita à submissão de um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, há que sublinhar que o Tribunal de Justiça de modo algum é competente, nos termos do artigo 83.° do seu Regulamento de Processo ou de outra disposição deste regulamento, para o fazer.

34      Em segundo, no que respeita ao pedido de reabertura da fase oral, W alega um facto que considera novo e que não deu origem a debate no Tribunal de Justiça, a saber, que, através de uma decisão de 20 de maio de 2016, o rechtbank Overijssel (Tribunal de Overijssel) declarou que os órgãos jurisdicionais neerlandeses não se podem pronunciar quanto à alteração da decisão do Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius), de 8 de outubro de 2013, e decidiu não reconhecer nem declarar a executoriedade dessa decisão na parte relativa ao direito de visita. W alega igualmente que a descrição dos factos nas conclusões do advogado‑geral não é conforme à realidade.

35      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou sob proposta do advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral, em conformidade com o disposto no artigo 83.° do seu Regulamento de Processo, nomeadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor, C‑310/09, EU:C:2011:581, n.° 19 e jurisprudência referida). Em contrapartida, o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (acórdão de 16 de dezembro de 2010, Stichting Natuur en Milieu e o., C‑266/09, EU:C:2010:779, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

36      No que respeita ao caráter novo do facto invocado por W, basta sublinhar que a decisão de 20 de maio do rechtbank Overijssel (Tribunal de Overijssel) não constitui um facto novo, uma vez que, à semelhança da decisão de 31 de outubro de 2014 desse mesmo órgão jurisdicional, essa decisão recusa, em substância, o reconhecimento da decisão de 8 de outubro de 2013.

37      No que respeita às observações de W relativas à argumentação constante das conclusões do advogado‑geral no presente processo, há que salientar que se destinam a criticar as conclusões. Ora, decorre da jurisprudência referida no n.° 35 do presente acórdão que a apresentação de tais observações não está prevista pelos textos que regem o processo no Tribunal de Justiça.

38      Nestas condições, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que, no caso em apreço, dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e que todos os argumentos necessários para decidir o processo em causa foram debatidos pelos interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto de Tribunal de Justiça da União Europeia.

39      Por conseguinte, indefere‑se o requerimento de reabertura da fase oral do processo.

 Quanto à questão prejudicial

40      A título preliminar, em primeiro lugar, há que afastar os argumentos de W e da Comissão Europeia destinados a pôr em causa a competência do Tribunal de Justiça. W e a Comissão alegam nas suas observações escritas que o juiz de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que designe nominalmente o Estado‑Membro cujos órgãos jurisdicionais são competentes para se pronunciarem quanto ao litígio no processo principal. Ora, esta tarefa incumbe ao juiz de reenvio, na medida em que o Tribunal de Justiça é competente unicamente para interpretar as regras do direito da União e não para decidir sobre o mérito das questões que são submetidas aos órgãos jurisdicionais nacionais.

41      A este respeito, no âmbito de um processo referido no artigo 267.° TFUE, sem dúvida que o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade de um diploma da União (acórdão de 10 de novembro de 2011, X e X BV, C‑319/10 e C‑320/10, não publicado, EU:C:2011:720, n.° 29). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir a causa que é chamado a julgar, levando em conta a resposta do Tribunal de Justiça (acórdão de 4 de fevereiro de 2010, Genc, C‑14/09, EU:C:2010:57, n.° 31).

42      Todavia, no caso em apreço, resulta claramente da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio procura saber como deve ser interpretado o Regulamento n.° 2201/2003 para determinar o órgão jurisdicional competente.

43      Por conseguinte, a mera referência aos Estados‑Membros cujos órgãos jurisdicionais podem ser competente, de resto, apenas entre travessões, no texto da questão prejudicial, não pode tornar o Tribunal de Justiça incompetente para responder à questão submetida.

44      Em segundo lugar, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio apenas submete a sua questão à luz do Regulamento n.° 2201/2003 enquanto resulta desta questão como da decisão de reenvio que o processo principal não só respeita à responsabilidade parental mas também às obrigações de alimentos, as quais não estão abrangidas pelo referido regulamento.

45      A este respeito, o facto de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado o seu pedido prejudicial referindo‑se a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis à decisão do processo que lhe foi submetido, tenha ele ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões (v., nomeadamente, acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium, C‑492/14, EU:C:2016:732, n.° 43).

46      Por conseguinte, há que reformular a questão submetida, abrangendo as disposições úteis do Regulamento n.° 4/2009.

47      Assim, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.° do Regulamento n.° 2201/2003 e o artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009 devem ser interpretados no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro que adotaram uma decisão transitada em julgado em matéria de responsabilidade parental e de obrigações de alimentos devidas a um menor continuam competentes para se pronunciarem quanto a um pedido de alteração das disposições decretadas por essa decisão, mesmo quando a residência habitual desse menor se situa no território de outro Estado‑Membro.

48      Para responder a esta questão, há que precisar, antes de mais, que, nos termos do artigo 3.°, alínea d), do Regulamento n.° 4/2009, são competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros os tribunais que, nos termos do Regulamento n.° 2201/2003, tenham competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar seja acessório dessa ação.

49      Em seguida, há que recordar o mecanismo instituído pelo Regulamento n.° 2201/2003 e os objetivos que prossegue.

50      O Regulamento n.° 2201/2003 baseia‑se na cooperação e na confiança mútua entre os tribunais (acórdão de 9 de novembro de 2010, Purrucker, C‑296/10, EU:C:2010:665, n.° 81), que devem conduzir ao reconhecimento mútuo das decisões judiciais, pedra angular da criação de um verdadeiro espaço judiciário (acórdão de 15 de julho de 2010, Purrucker, C‑256/09, EU:C:2010:437, n.° 70).

51      Como resulta do considerando 12 do Regulamento n.° 2201/2003, este último foi concebido com o objetivo de responder ao interesse superior do menor e, para esse efeito, privilegia o critério de proximidade. Com efeito, o legislador considerou que o órgão jurisdicional geograficamente próximo da residência habitual do menor é o mais bem colocado para apreciar as medidas a adotar no interesse do menor (acórdão de 15 de julho de 2010, Purrucker, C‑256/09, EU:C:2010:437, n.° 91). Nos termos deste considerando, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída ao Estado‑Membro de residência habitual do menor, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

52      O artigo 8.° do Regulamento n.° 2201/2003 traduz este objetivo ao instituir uma competência geral dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de residência habitual do menor.

53      Nos termos do n.° 1 deste artigo 8.°, a competência de um tribunal deve ser determinada «à data em que o processo seja instaurado no tribunal», ou seja, na data de apresentação a esse tribunal do ato introdutório da instância, nos termos do artigo 16.° desse regulamento (v., neste sentido, acórdão de 1 de outubro de 2014, E., C‑436/13, EU:C:2014:2246, n.° 38).

54      Além disso, como o advogado‑geral salientou no n.° 45 das suas conclusões, referindo‑se ao n.° 40 do acórdão de 1 de outubro de 2014, E. (C‑436/13, EU:C:2014:2246), esta competência deve ser verificada e determinada em cada caso específico, quando um processo é instaurado num tribunal, o que implica que não se mantém após a conclusão de um processo.

55      Em derrogação ao artigo 8.° do Regulamento n.° 2201/2003, o seu artigo 9.° prevê, no caso de deslocação do menor e sob certas condições, a manutenção da competência dos tribunais do Estado‑Membro da sua anterior residência habitual, ao passo que o artigo 12.°, n.° 1, desse regulamento prevê, sob certas condições e no caso de acordo entre os titulares da responsabilidade parental, a extensão da competência do tribunal competente para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, que não é o do Estado‑Membro da residência habitual do menor.

56      Além disso, o Regulamento n.° 2201/2003 prevê regras particulares aplicáveis em caso de subtração ou de não regresso ilícito de um menor (artigos 10.° e 11.°), quando a residência habitual do menor, presente num Estado‑Membro, não puder ser determinada nem for possível determinar a competência com base no seu artigo 12.° (artigo 13.°), quando nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente, por força dos seus artigos 8.° a 13.° (artigo 14.°) ou ainda, a título excecional e sob certas condições, quando o tribunal competente transfira o processo para um tribunal de outro Estado‑Membro que considere mais bem colocado para conhecer do processo (artigo 15.°).

57      Há que examinar a questão prejudicial à luz destas considerações.

58      Segundo a decisão de reenvio, o recurso interposto por W destina‑se a obter a alteração das disposições da decisão, transitada em julgado, de 8 de outubro de 2013, do Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius) relativa à responsabilidade parental e às obrigações de alimentos ao menor V. A este respeito, o juiz de reenvio precisa que esta decisão foi confirmada por uma decisão do Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius), de 30 de maio de 2014, e que, por decisão de 8 de setembro de 2014 do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), foi negado provimento ao recurso desta decisão interposto por W.

59      Nestas condições, a apresentação, em 28 de agosto de 2014, do pedido de alteração das disposições aprovadas pela decisão de 8 de outubro de 2013 deve ser considerada o ponto de partida de um novo processo. Daí resulta que o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se, no caso em apreço, o Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius), deve determinar o órgão jurisdicional competente, tendo em conta, em primeiro lugar, a residência habitual do menor V no momento em que esse processo é instaurado, nos termos do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003.

60      No seu acórdão de 22 de dezembro de 2010, Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.° 46), confirmado por jurisprudência constante (v., nomeadamente, acórdão de 9 de outubro de 2014, C, C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.° 50), o Tribunal de Justiça declarou que o sentido e alcance do conceito de «residência habitual» devem ser determinados em função do interesse superior do menor e, em particular, do critério de proximidade. Este conceito corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Esse local deve ser determinado pelo órgão jurisdicional nacional tendo em conta as circunstâncias de facto específicas de cada caso concreto. São, nomeadamente, pertinentes as condições e as razões da permanência do menor no território de um Estado‑Membro e a sua nacionalidade. Além da sua presença física num Estado‑Membro, que deve ser tomada em consideração, outros elementos devem indicar que essa presença não tem caráter temporário ou ocasional (v., neste sentido, acórdão de 22 de dezembro de 2010, Mercredi, C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.os 47 a 49).

61      Assim, a determinação da residência habitual de um menor num dado Estado‑Membro exige, pelo menos, que ele tenha estado fisicamente presente nesse Estado‑Membro.

62      Ora, no processo principal, é pacífico que o menor V nunca visitou a Lituânia.

63      Nestas condições, a mera circunstância de uma das nacionalidades do menor V ser a desse Estado‑Membro não basta para considerar que aí tem a sua residência habitual, na aceção do Regulamento n.° 2201/2003.

64      Em contrapartida, a presença física do menor V noutro Estado‑Membro, no caso em apreço, o Reino dos Países Baixos, com um dos seus progenitores, durante vários anos, de acordo com uma decisão transitada em julgado, no caso em apreço, a decisão do Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius), de 8 de outubro de 2013, é suscetível de demonstrar que o menor V aí reside de maneira habitual e de conferir competência aos órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro para conhecerem das ações em matéria de responsabilidade parental e de obrigações de alimentos devidas a esse menor. Um entendimento diferente só seria possível em presença de factos que levassem a não aplicar a regra de competência geral do local de residência habitual.

65      Ora, tais elementos de modo algum resultam dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça. Em particular, não se verifica que o menor V tenha saído da Lituânia para os Países Baixos antes de o Vilniaus miesto apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Vílnius) ser chamado a pronunciar‑se nem que tenha existido um acordo entre os titulares da responsabilidade parental quanto à competência dos órgãos jurisdicionais lituanos. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio não refere nenhuma subtração ou não regresso ilícito do menor V e não se afigura que os órgãos jurisdicionais lituanos tenham sido designados pelos órgãos jurisdicionais neerlandeses como os mais bem colocados para conhecer do processo principal.

66      Assim, num processo como o que está em causa no processo principal, são os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro da residência habitual do menor que são competentes em matéria de responsabilidade parental. No caso em apreço, os órgãos jurisdicionais assim designados pelo órgão jurisdicional de reenvio são os órgãos jurisdicionais neerlandeses.

67      Por conseguinte, é a esses órgãos jurisdicionais que cabe pronunciarem‑se sobre pedidos, como os de W, destinados a alterar o local de residência do menor, o montante das obrigações de alimentos e o exercício do direito de visita do progenitor em causa.

68      Há que sublinhar, como o advogado‑geral salientou nos n.os 43 a 49 das suas conclusões, que os órgãos jurisdicionais que se pronunciaram em matéria de divórcio, no caso em apreço, os órgãos jurisdicionais lituanos, não beneficiam, num processo como o que está em causa no processo principal, de uma extensão de competência. Mesmo que a competência desses órgãos jurisdicionais tivesse sido aceite expressamente ou de qualquer outra maneira inequívoca por X, de acordo com o artigo 12.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003, essa competência, em todo o caso, terminou a partir do momento em que a decisão de procedência do pedido de divórcio e relativa à responsabilidade parental transitou em julgado, de acordo com artigo 12.°, n.° 2, alíneas a) e b), desse regulamento.

69      O facto de a decisão transitada em julgado em que o progenitor em causa se baseia para apresentar o seu pedido de alteração não ter sido reconhecida, total ou parcialmente, pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de residência habitual do menor não obsta, seja ou não esta inexistência de reconhecimento fundada, a que esses órgãos jurisdicionais sejam competentes para se pronunciarem quanto a esse pedido, uma vez que deu origem a um novo processo.

70      Resulta destas considerações que há que responder à questão submetida que o artigo 8.° do Regulamento n.° 2201/2003 e o artigo 3.° do Regulamento n.° 4/2009 devem ser interpretados no sentido de que, num processo como o que está em causa no processo principal, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro que adotaram uma decisão transitada em julgado em matéria de responsabilidade parental e de obrigações de alimentos devidas a um menor já não são competentes para se pronunciarem sobre um pedido de alteração das disposições decretadas por essa decisão, na medida em que a residência habitual do menor se situar no território de outro Estado‑Membro. São os órgãos jurisdicionais deste último Estado‑Membro que são competentes para se pronunciarem sobre esse pedido.

 Quanto às despesas

71      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, e o artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, devem ser interpretados no sentido de que, num processo como o que está em causa no processo principal, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro que adotaram uma decisão transitada em julgado em matéria de responsabilidade parental e de obrigações de alimentos devidas a um menor já não são competentes para se pronunciarem sobre um pedido de alteração das disposições decretadas por essa decisão, na medida em que a residência habitual do menor se situar no território de outro Estado‑Membro. São os órgãos jurisdicionais deste último Estado‑Membro que são competentes para se pronunciarem sobre esse pedido.

Assinaturas


1* Língua do processo: lituano.