Language of document : ECLI:EU:C:2010:276

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 18 de Maio de 2010 1(1)

Processo C‑119/09

Société fiduciaire nationale d’expertise comptable

contra

Ministre du budget, des comptes publics et de la fonction publique

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (França)]

«Directiva 2006/123/CE – Proibições absolutas relativamente às comunicações comerciais das profissões regulamentadas – Angariação de clientela»





1.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é pela primeira vez chamado a pronunciar‑se sobre a interpretação da Directiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (2).

2.        A questão prejudicial apresentada pelo Conseil d’État (França) versa sobre a liberdade de comunicação comercial dos membros das profissões regulamentadas, no caso, dos peritos contabilistas, que é regulada pelo artigo 24.° da Directiva 2006/123. A questão tem a seguinte redacção:

«A Directiva 2006/123/CE […] pretendeu abolir, em relação a todas as profissões regulamentadas nela visadas, toda e qualquer proibição geral, qualquer que seja a prática comercial em causa, ou deixou aos Estados‑Membros a possibilidade de manterem proibições gerais para certas práticas comerciais como a angariação de clientela?»

3.        O órgão jurisdicional de reenvio considera que a resposta do Tribunal de Justiça à sua questão é necessária para se poder pronunciar sobre o recurso interposto pela Societé Fiduciaire Nationale d’Expertise Comptable (a seguir «Societé Fiduciaire»), que visa a anulação do Decreto n.° 2007‑1387, de 27 de Setembro de 2007, que aprova o código deontológico dos peritos contabilistas, na medida em que o mesmo proíbe a angariação de clientela. A violação da Directiva 2006/123, e em especial do seu artigo 24.°, constitui um dos fundamentos de anulação invocados perante o órgão jurisdicional de reenvio pela Societé Fiduciaire (3).

4.        Apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça a Societé Fiduciaire, os Governos francês, cipriota e neerlandês e a Comissão. A audiência teve lugar em 23 de Março de 2010, na presença de representantes da Societé Fiduciaire, dos Governos francês e neerlandês e da Comissão.

5.        As respostas propostas para a questão apresentada podem ser classificadas em dois grupos. O primeiro abrange as respostas propostas pela Societé Fiduciaire, pelo Governo neerlandês e pela Comissão. Estes propõem responder que o artigo 24.°, n.° 1, da Directiva 2006/123 proíbe, para as profissões regulamentadas que abrange, qualquer proibição absoluta de uma forma de comunicação comercial e, portanto, também uma proibição como a que é objecto do processo principal, a saber, a proibição da angariação de clientela.

6.        O segundo grupo de respostas propostas inclui as dos Governos francês e cipriota. Na opinião destes, a disposição referida da Directiva 2006/123 não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional que proíba, para as profissões regulamentadas, a angariação de clientela.

 Quadro jurídico

 Directiva 2009/123

7.        A Directiva 2006/123 foi adoptada com base nos artigos 47.°, n.° 2, primeira e terceira, frases, CE, e 55.° CE.

8.        O segundo considerando da Directiva 2006/123 dispõe:

«Um mercado de serviços competitivo é essencial para promover o crescimento económico e a criação de emprego na União Europeia. Actualmente, um grande número de entraves no mercado interno impede muitos prestadores, especialmente empresas de pequena e média dimensão (PME), de se expandirem para além das fronteiras nacionais e de beneficiarem plenamente do mercado interno, o que enfraquece a competitividade a nível mundial dos prestadores da União Europeia. Um mercado livre que imponha aos Estados‑Membros a eliminação das restrições à prestação de serviços transfronteiras, em conjugação com uma maior transparência em matéria de informação dos consumidores, dará aos consumidores europeus uma maior escolha e serviços de melhor qualidade a preços mais baixos».

9.        O quinto considerando refere:

«Assim, é necessário eliminar os entraves à liberdade de estabelecimento dos prestadores nos Estados‑Membros e à livre circulação de serviços entre Estados‑Membros e garantir aos destinatários e aos prestadores a segurança jurídica necessária para o exercício efectivo destas duas liberdades fundamentais do Tratado [CE] […]».

10.      O sétimo considerando da Directiva 2006/123 esclarece:

«A presente directiva estabelece um quadro jurídico geral aplicável a uma ampla variedade de serviços, tendo simultaneamente em conta as particularidades de cada tipo de actividade ou de profissão e o respectivo sistema de regulação. […]».

11.      O centésimo considerando dispõe:

«É necessário pôr termo às proibições gerais referentes às comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas, sendo que esta supressão não se refere às proibições relativas ao conteúdo de uma comunicação comercial, mas àquelas que, de uma maneira geral e para uma determinada profissão, proíbem uma ou mais formas de comunicação comercial, por exemplo, toda e qualquer publicidade num determinado ou em determinados meios de comunicação social. No que diz respeito ao conteúdo e às modalidades das comunicações comerciais, os profissionais devem ser exortados a elaborar em conformidade com o direito comunitário códigos de conduta a nível comunitário».

12.      O artigo 4.° da Directiva 2006/123 define os principais conceitos da mesma. São pertinentes para efeitos do presente processo duas definições, a saber, a de profissão regulamentada e a de comunicação comercial.

13.      As profissões regulamentadas são definidas no artigo 4.°, ponto 11, da Directiva 2006/123, por remissão para a Directiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (4), em especial, para o artigo 3.°, n.° 1, alínea a). Nos termos desta disposição, entende‑se por «profissão regulamentada»:

«a actividade ou o conjunto de actividades profissionais em que o acesso, o exercício ou uma das modalidades de exercício se encontram directa ou indirectamente subordinados, nos termos de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, à posse de determinadas qualificações profissionais; constitui, nomeadamente, uma modalidade de exercício o uso de um título profissional limitado por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas aos detentores de uma determinada qualificação profissional. […]».

14.      O artigo 4.°, ponto 12, da Directiva 2006/123 define do seguinte modo a «comunicação comercial»:

«qualquer forma de comunicação destinada a promover, directa ou indirectamente, bens, serviços ou a imagem de uma empresa, de uma organização ou de uma pessoa que exerça uma profissão regulamentada ou uma actividade comercial, industrial ou artesanal. Não constituem comunicações comerciais:

a) As informações que permitam o acesso directo à actividade da empresa, da organização ou da pessoa, nomeadamente um nome de domínio ou um endereço de correio electrónico;

b) As comunicações relativas aos bens, aos serviços ou à imagem da empresa, da organização ou da pessoa, elaboradas de forma independente, em especial quando são fornecidas sem contrapartida financeira».

15.      O artigo 24.° da Directiva 2006/123, intitulado «Comunicações comerciais das profissões regulamentadas», integrado no seu capítulo V, cujo título é «Qualidade dos serviços», dispõe:

«1. Os Estados‑Membros devem suprimir todas as proibições absolutas respeitantes às comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas.

2. Os Estados‑Membros devem assegurar que as comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas respeitem as regras profissionais, em conformidade com o direito comunitário, que visam, nomeadamente, a independência, a dignidade e a integridade da profissão, bem como o sigilo profissional, em função da especificidade de cada profissão. As regras profissionais em matéria de comunicações comerciais devem ser não discriminatórias, justificadas por razões imperiosas de interesse geral e proporcionadas».

16.      De acordo com o artigo 44.°, n.° 1, da Directiva 2006/123, o prazo de transposição da mesma terminou em 28 de Dezembro de 2009.

 Legislação nacional

17.      O Código de Deontologia dos Profissionais Peritos Contabilistas (a seguir «Código de Deontologia») figura em anexo ao Decreto n.° 2007‑1387.

18.      O artigo 12.° do referido Código de Deontologia estabelece:

«I – É proibida às pessoas mencionadas no artigo 1.° qualquer actividade não solicitada no sentido de oferecer os seus serviços a terceiros.

A sua participação em colóquios, seminários ou outras manifestações universitárias ou científicas é autorizada, na medida em que essas pessoas não desenvolvam nessa ocasião actos equiparáveis à angariação de clientela.

II – As acções de promoção são permitidas às pessoas referidas no artigo 1.°, desde que forneçam ao público informação útil. Os meios a que se recorre para esse efeito são usados com discrição, de modo a não ofender a independência, a dignidade e a honra da profissão nem as regras do sigilo profissional e da lealdade para com os clientes e os outros membros da profissão.

Quando apresentam a sua actividade profissional a terceiros, seja por que meio for, as pessoas mencionadas no artigo 1.° não devem usar nenhuma forma de expressão que possa comprometer a dignidade da sua função ou a imagem da profissão.

Estas formas de comunicação ou quaisquer outras só são admitidas desde que a respectiva expressão seja decente e marcada pela sobriedade, e o seu conteúdo não contenha inexactidões nem possa induzir o público em erro e que não contenham elementos comparativos».

19.      O Código de Deontologia entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2007, de acordo com o disposto no artigo 3.° do Decreto n.° 2007‑1387.

 Análise

20.      Antes de analisar a questão prejudicial, gostava de fazer duas observações sobre o facto, abordado pelo Governo francês nas suas observações escritas, de o Decreto n.° 2007‑1387 ter sido adaptado após a entrada em vigor da Directiva 2006/123, mas antes do termo do prazo de transposição desta, e de o pedido de decisão prejudicial ser posterior a essa data.

21.      Em primeiro lugar, devo remeter para a minha tomada de posição no processo C‑357/09 PPU, Kadzoev (5), na qual tratei da questão da admissibilidade de questões prejudiciais quando, especificamente, respeitam a uma directiva cujo prazo de transposição ainda não expirou. Com fundamento na jurisprudência aí referida, concluí que esta circunstância não podia obstar, por si só, à admissibilidade das questões prejudiciais.

22.      Em segundo lugar, gostava de recordar que resulta claramente da decisão de reenvio que o próprio órgão jurisdicional de reenvio se baseou no facto de a proibição da angariação de clientela estabelecida pelo Decreto n.° 2007‑1387, caso seja considerada contrária ao artigo 24.° da Directiva 2006/123, comprometer seriamente a execução desta.

23.      Passarei agora à análise da questão prejudicial, pela qual o Tribunal de Justiça, no essencial, é chamado a determinar o âmbito da obrigação de «suprimir todas as proibições absolutas respeitantes às comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas», prevista no artigo 24.°, n.° 1, da Directiva 2006/123.

24.      Na própria questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio prevê duas abordagens para efeitos da interpretação da referida obrigação. Segundo uma primeira abordagem, a obrigação de suprimir toda e qualquer proibição absoluta abrange qualquer proibição absoluta de uma qualquer forma de comunicação comercial. Segundo uma segunda abordagem, a referida obrigação abrange apenas a proibição absoluta de qualquer comunicação comercial (6), o que implicaria que os Estados‑Membros conservariam a possibilidade de manterem proibições absolutas para certas formas de comunicações comerciais.

25.      Considero que uma interpretação literal do artigo 24.° da Directiva 2006/123 não permite responder à questão prejudicial, uma vez que não conduz a qualquer conclusão incontestável.

26.      Com efeito, a utilização do plural, em lugar do singular, na expressão «as proibições absolutas» pode permitir duas conclusões, nenhuma das quais é, à partida, desprovida de fundamento.

27.      Segundo uma primeira conclusão, defendida designadamente pela Comissão, daí resultava que o legislador comunitário tinha a intenção de abolir não só a proibição absoluta de qualquer comunicação comercial, mas igualmente as proibições absolutas de certas formas de comunicação comercial.

28.      De acordo com uma segunda conclusão, retirada pelo Governo francês, embora o legislador comunitário se refira às «proibições absolutas», trata‑se unicamente da proibição absoluta de qualquer comunicação comercial para as profissões regulamentadas, porque, na maioria dos Estados‑Membros, até então não existia uma só proibição absoluta válida para todas as profissões regulamentadas, mas tantas proibições absolutas quantas as profissões abrangidas.

29.      Perante o carácter insuficiente da interpretação literal do artigo 24.° da Directiva 2006/123, é importante considerar ainda a finalidade da directiva e a posição do referido artigo 24.° na perspectiva da economia da mesma directiva.

30.      No que respeita à finalidade da Directiva 2006/123, é forçoso observar, com base nos segundo e quinto considerandos, que ela assenta na abolição dos obstáculos a duas liberdades fundamentais do Tratado, a saber, a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de serviços. A Directiva 2006/123 contribui deste modo para a realização do mercado interno.

31.      Quanto à economia da Directiva 2006/123, cumpre recordar que o artigo 24.°, que está no centro da minha reflexão, se integra no Capítulo V, intitulado «Qualidade dos serviços». Em minha opinião, não é muito contestável que este Capítulo, em geral, e o artigo 24.°, em particular, visam, principalmente, salvaguardar os interesses dos consumidores. Ora, resulta do posicionamento do artigo 24.° na Directiva 2006/123 que o mesmo artigo tem por objectivo contribuir para a qualidade dos serviços das profissões regulamentadas no âmbito do mercado interno.

32.      Ora, tendo em conta o conteúdo do artigo 24.°, podemos questionar‑nos quanto a saber em que medida a regulamentação das comunicações comerciais é susceptível de contribuir para a qualidade dos serviços prestados pelas profissões regulamentadas no âmbito do mercado interno.

33.      Estou consciente de que, atento o seu conteúdo, o artigo 24.° não tem incidência directa sobre a qualidade dos serviços em questão. Todavia, a sua correcta interpretação e aplicação constituem o antecedente indispensável para uma prestação de serviços de qualidade, designadamente no domínio das profissões regulamentadas (7), porque é um domínio no qual o problema da assimetria da informação, que existe objectivamente entre o prestador e o destinatário de um serviço, é o mais evidente.

34.      As diferentes formas de comunicação comercial consistem, substancialmente, na transmissão de mensagens e informações aos potenciais clientes, isto é, aos potenciais destinatários dos serviços prestados.

35.      Antes da adopção da Directiva 2006/123, as especificidades das profissões regulamentadas, descritas pelo advogado‑geral Jacobs nas suas conclusões apresentadas em 23 de Março de 2000 nos processos apensos Pavlov e o. (8), eram geralmente admitidas como eventuais razões para a proibição da comunicação comercial das profissões regulamentadas (9).

36.      Uma vez que o artigo 24.°, n.° 1, da Directiva 2006/123 exige que os Estados‑Membros suprimam todas as proibições absolutas respeitantes às comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas, parece que a abordagem adoptada pela referida directiva alterou esta posição. Porém, haverá que admitir que as especificidades dos serviços prestados pelas profissões regulamentadas deixaram de exigir uma regulamentação das suas comunicações comerciais distinta da aplicável aos outros serviços?

37.      À luz do artigo 24.°, n.° 2, da Directiva 2006/123, a resposta a esta questão deve ser negativa. A referida disposição exige que os Estados‑Membros assegurem que as comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas respeitem as regras profissionais, conformes com o direito da União, que visam, nomeadamente, a independência, a dignidade e a integridade da profissão, bem como o sigilo profissional, em função da especificidade de cada profissão. De acordo com o centésimo considerando da Directiva 2006/123, isto significa que os Estados‑Membros estão autorizados a manter proibições relativas ao conteúdo e às modalidades de uma comunicação comercial.

38.      O disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 24.° da Directiva 2006/123 não corresponde a um princípio, concretamente, a supressão de todas as proibições absolutas respeitantes às comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas, e a uma excepção a este princípio. Pelo contrário, o disposto no n.° 2 completa o princípio enunciado no n.° 1. Por conseguinte, as proibições absolutas respeitantes às comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas estão excluídas, todavia, sem que os Estados‑Membros estejam proibidos de impor proibições relativas ao conteúdo de uma comunicação comercial.

39.      Entendo que as considerações precedentes parecem indicar que o legislador comunitário pretendeu mais precisamente suprimir todas as proibições absolutas respeitantes a uma forma de comunicação comercial e não apenas a proibição absoluta de quaisquer comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas. Esta interpretação do artigo 24.° pode ser corroborada pelo centésimo considerando da Directiva 2006/123, nos termos do qual a supressão das proibições gerais referentes às comunicações comerciais por parte das profissões regulamentadas não se refere às proibições relativas ao conteúdo de uma comunicação comercial, mas àquelas que, de uma maneira geral e para uma determinada profissão, proíbem uma ou mais formas de comunicação comercial.

40.      No entanto, esta conclusão não resolve totalmente o problema suscitado pela questão prejudicial.

41.      Tendo em conta o carácter obscuro do conteúdo da expressão «angariação de clientela», há que questionar se se trata de uma forma suficientemente autónoma de comunicação comercial (implicando que a sua proibição não seria conforme com a exigência decorrente do artigo 24.°, n.° 1, da Directiva 2006/123, interpretada de acordo com o anteriormente exposto) ou se se trata apenas de um modo específico (de uma «modalidade») de realização da publicidade como uma forma de comunicação comercial.

42.      A Directiva 2006/123 contém apenas uma definição geral da noção de comunicação comercial, sem explicitar ou exemplificar as suas diferentes formas. O artigo 4.°, ponto 12, da referida directiva define esta noção de duas maneiras, isto é, por um lado, de uma maneira afirmativa (o que recai na noção de comunicação comercial) e, por outro, de uma maneira negativa (o que não recai na referida noção). De maneira afirmativa, a comunicação comercial designa «qualquer forma de comunicação destinada a promover, directa ou indirectamente, bens, serviços ou a imagem de uma empresa, de uma organização ou de uma pessoa que exerça uma profissão regulamentada ou uma actividade comercial, industrial ou artesanal». De maneira negativa, não constituem comunicações comerciais:

«a) As informações que permitam o acesso directo à actividade da empresa, da organização ou da pessoa, nomeadamente um nome de domínio ou um endereço de correio electrónico;

b) As comunicações relativas aos bens, aos serviços ou à imagem da empresa, da organização ou da pessoa, elaboradas de forma independente, em especial quando são fornecidas sem contrapartida financeira.»

43.      Tal como já referi, trata‑se de uma definição muito genérica, mas, simultaneamente, há que reconhecer que é uma definição suficientemente flexível para fazer face ao desenvolvimento rápido do sector da comunicação.

44.      Tal como a Directiva 2006/123, o direito da União não comporta uma qualquer definição legal da expressão «angariação de clientela». Além disso, o seu conteúdo é susceptível de variar nas ordens jurídicas dos diferentes Estados‑Membros. Nos termos do Código de Deontologia, que é objecto do processo principal, entende‑se por angariação de clientela, na acepção da proibição estabelecida no seu artigo 12.°, o estabelecimento por um perito contabilista de um contacto não solicitado com um terceiro, para propor os seus serviços.

45.      Em minha opinião, o conteúdo da noção de angariação de clientela pode ser determinado por referência a três elementos. Dois deles correspondem, substancialmente, aos apresentados pelo Governo francês. Em primeiro lugar, um elemento de acção que consiste no estabelecimento, por parte do representante da profissão regulamentada, de um contacto directo, pessoal, com um terceiro, que não o solicitou, e, em segundo lugar, de um elemento de conteúdo que consiste na entrega de uma mensagem comercial. Todavia, não pode tratar‑se de toda e qualquer mensagem comercial, tendo que ser uma mensagem que exceda os limites das informações sobre as actividades do membro da profissão regulamentada em questão que propõe os seus serviços. Um terceiro elemento prende‑se com a individualização do destinatário da mensagem comercial evocada.

46.      Esta definição tem por consequência excluir a realização da angariação de clientela através de certos meios de comunicação, como a televisão, a rádio ou a imprensa escrita. Com efeito, nesses casos, não existe o elemento de individualização do destinatário da mensagem comercial. Em contrapartida, o telefone, o correio postal ou o correio electrónico constituem os instrumentos típicos da angariação de clientela. (10)

47.      Dois aspectos levam‑me a considerar que, no âmbito do direito da União, a angariação de clientela não é considerada uma forma especial de comunicação comercial, mas unicamente um modo específico de realização da publicidade enquanto forma de comunicação comercial.

48.      Em primeiro lugar, há que referir a Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (11), cujo artigo 86.°, n.° 1, define a «publicidade dos medicamentos» como «qualquer acção de informação, de prospecção ou de incentivo destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos». A referida disposição inclui também uma enumeração não exaustiva das formas de publicidade, entre as quais figuram as práticas que correspondem à minha definição de angariação de clientela. Por exemplo, é esse o caso da publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los ou da visita de delegados de propaganda médica a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos.

49.      Em segundo lugar, cabe referir o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Alpine Investments (12). No n.° 28 deste acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o contacto telefónico representa «uma técnica rápida e directa de publicidade e de contacto».

50.      Tendo em conta a minha definição de angariação de clientela, bem como a que figura na Directiva 2001/83, e o enunciado no acórdão Alpine Investments, já referido, cumpre concluir que a proibição da angariação de clientela não infringe, enquanto tal, a exigência resultante do artigo 24.°, n.° 1, da Directiva 2006/123, uma vez que não constitui uma forma suficientemente autónoma de comunicação comercial que possa ser distinguida da publicidade, mas, pelo contrário, de uma mera modalidade de realização da publicidade.

51.      Em consequência, é possível observar que a proibição da angariação de clientela imposta aos peritos contabilistas pelo artigo 12.° do Código de Deontologia pode corresponder a uma concretização da possibilidade facultada pelo artigo 24.°, n.° 2, da Directiva 2006/123 de controlar o conteúdo e as modalidades das comunicações comerciais mediante regras profissionais que visem a independência, a dignidade e a integridade da profissão regulamentada, bem como o segredo profissional.

52.      A validade desta hipótese depende afinal da resposta a dar a duas questões. Em primeiro lugar, a de saber se a angariação de clientela efectuada pelos peritos contabilistas representa uma ameaça para a independência, a dignidade e a integridade desta profissão ou para o segredo profissional. Em caso afirmativo, é ainda necessário saber, em segundo lugar, se a proibição da angariação de clientela imposta aos peritos contabilistas é não discriminatória, justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e proporcionada.

53.      No que respeita à angariação de clientela como uma ameaça para os valores referidos no artigo 24.°, n.° 2, da Directiva 2006/123, considero que esta modalidade de publicidade afecta essencialmente a independência dos peritos contabilistas.

54.      A independência constitui um princípio funcional que diz respeito à própria essência da profissão de perito contabilista. Aplicando mutatis mutandis a definição de independência dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 9 de Março de 2010, Comissão/Alemanha (13), a independência dos peritos contabilistas pode ser definida como a exclusão de qualquer instrução ou qualquer outra influência externa, directa ou indirecta, que possam pôr em causa o cumprimento da sua tarefa.

55.      Em minha opinião, é evidente que o contacto directo e pessoal entre, por um lado, um cliente potencial e, por outro, um perito contabilista, através do qual este último oferece os seus serviços (o que constitui um dos critérios do carácter de angariação de clientela), é susceptível de fundar uma relação pessoal na qual está inerente a possibilidade de influenciar. Cabe sublinhar que se trata de um facto notório (geralmente conhecido), confirmado pela experiência, o qual, em geral, não carece de confirmação. É certo que, no caso concreto, convirá sempre demonstrar que o contacto directo e pessoal teve uma influência tal sobre um perito contabilista que a sua actividade já não pode ser considerada independente.

56.      Posso, pelo menos, concluir que o contacto directo e pessoal entre, por um lado, um cliente potencial e, por outro, um perito contabilista, através do qual este último oferece os seus serviços, comporta o risco real de ser lesada a independência do perito contabilista. Deste ponto de vista, a proibição da angariação de clientela imposta a respeito dos peritos contabilistas insere‑se na prevenção das situações susceptíveis de gerarem dúvidas quanto à independência dos peritos contabilistas.

57.      Resulta do que precede que a proibição da angariação de clientela imposta pelo Código de Deontologia pode ser considerada uma regra profissional que protege a independência da profissão dos peritos contabilistas.

58.      Falta determinar se a proibição da angariação de clientela imposta aos peritos contabilistas consegue, à luz das exigências estabelecidas, ser não discriminatória, justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e proporcionada.

59.      Estou consciente do facto de que a proibição da angariação de clientela constitui enquanto tal um obstáculo à livre prestação de serviços. Tal pode ocorrer também no tocante a outras regras profissionais destinadas a garantir a independência, a dignidade e a integridade das profissões regulamentadas, bem como o sigilo profissional. Por esta razão, o artigo 24.°, n.° 2, da Directiva 2006/123 exige que as regras profissionais em questão sejam não discriminatórias, justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral e proporcionadas. São estas condições que, de forma constante, estão associadas à justificação dos obstáculos às liberdades fundamentais do mercado interno.

60.      A natureza não discriminatória da proibição da angariação de clientela prevista no Código de Deontologia não é contestada no presente processo.

61.      No que respeita à justificação da proibição da angariação de clientela através de uma razão imperiosa de interesse geral, levanta‑se um problema se tivermos em conta o artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2006/123, nos termos do qual os Estados‑Membros não devem condicionar o acesso ou o exercício de actividades no sector dos serviços no seu território ao cumprimento de qualquer requisito que não seja justificado por razões de ordem pública, de segurança pública, de saúde pública ou de protecção do ambiente.

62.      À primeira vista, pareceria que as regras profissionais que constituam um obstáculo à livre prestação de serviços só poderiam ser justificadas pelas quatro razões mencionadas no artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2006/123. Ora, tal interpretação teria por consequência a impossibilidade da realização do artigo 24.°, n.° 2, primeira frase, da Directiva 2006/123, que enuncia as razões justificativas da existência de regras deontológicas tais como, no caso vertente, a proibição da angariação de clientela, ou seja, protecção da independência, da dignidade e da integridade da profissão regulamentada, bem como do sigilo profissional. É impossível exigir que as mesmas regras deontológicas respeitem, simultaneamente, as outras razões.

63.      Por conseguinte, cabe constatar que a protecção da independência, da dignidade e da integridade da profissão regulamentada, bem como do sigilo profissional, é considerada, na acepção do artigo 24.°, n.° 2, da Directiva 2006/123, uma razão imperiosa de interesse geral.

64.      O artigo 24.°, n.° 2, da Directiva 2006/123 representa uma lex specialis em relação à regra do artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da mesma directiva, de modo que, para efeitos da regulamentação do conteúdo e das modalidades das comunicações comerciais das profissões regulamentadas, as razões imperiosas de interesse geral que são previstas de forma não exaustiva por esta primeira disposição e que diferem das razões justificativas previstas no artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2006/123 são igualmente admitidas.

65.      Nos n.os 53 a 57 das presentes conclusões, já demonstrei que a proibição da angariação de clientela pode ser justificada por razões atinentes à protecção da independência dos peritos contabilistas.

66.      No que respeita à questão da proporcionalidade da proibição de angariação de clientela, considero que tal medida não excede os limites do que é apropriado e necessário para a realização dos objectivos legítimos que prossegue.

67.      Tendo em conta a noção de angariação de clientela tal como por mim determinada nas presentes conclusões (14), considero que a proibição da angariação de clientela é um meio jurídico apropriado para a limitação do âmbito do contacto directo e pessoal entre, por um lado, um cliente potencial e, por outro, um perito contabilista, mediante o qual este último oferece os seus serviços, e, consequentemente, para o reforço da execução independente de tal profissão regulamentada.

68.      Uma vez que a regulamentação que é objecto do processo principal é suficientemente precisa e que a sua aplicação pode ser controlada, bem como dirigida, através de um meio adequado, esta mesma regulamentação não excede os limites do que é necessário para a realização dos objectivos legítimos que prossegue. Cumpre acrescentar que as formas de comunicações comerciais que continuam a ser permitidas aos peritos contabilistas, bem como as suas modalidades de aplicação, se revelam suficientes para lhes permitirem informar os clientes potenciais sobre as suas actividades, em conformidade com a intenção do legislador comunitário expressa no artigo 24.° da Directiva 2006/123.

 Conclusão

69.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Conseil d’État:

«Dado que a angariação de clientela constitui um modo específico de realização de uma das formas de comunicação comercial, a saber, a publicidade, o artigo 24.°, n.° 1, da Directiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, por força da qual é proibida aos peritos contabilistas qualquer actividade não solicitada no sentido de oferecerem os seus serviços a terceiros, na medida em que esta regulamentação é não discriminatória, está justificada por uma das razões imperiosas de interesse geral referidas, a título exemplificativo, no artigo 24.°, n.° 2, da Directiva 2006/123, e é proporcionada».


1 – Língua original: francês.


2 – JO L 376, p. 36.


3 – A Societé Fiduciaire também invocou um fundamento relativo ao incumprimento da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1). No entanto, a questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça não versa sobre este aspecto do processo. Resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional nacional considera que a resposta a este fundamento não é independente da resposta que o Tribunal de Justiça venha a dar à questão que lhe foi submetida.


4 – JO L 255, p. 22.


5 – Tomada de posição apresentada em 10 de Novembro de 2009, n.os 28 a 47.


6 – Quanto às profissões regulamentadas, tal proibição não tinha carácter excepcional. Assim, a regulamentação francesa relativa aos peritos contabilistas anterior à adopção do Decreto n.° 2007‑1387 impunha, substancialmente, a proibição absoluta de qualquer comunicação comercial.


7 – A importância da qualidade dos serviços prestados pelas profissões regulamentadas foi descrita pelo advogado‑geral Léger nas conclusões apresentadas em 10 de Julho de 2001 no processo Arduíno (acórdão de 19 de Fevereiro de 2002, C‑35/99, Colect., p. I‑1529, n.° 112). A pertinência das afirmações do advogado‑geral Léger não foi alterada pela passagem do tempo.


8 – Acórdão de 12 de Setembro de 2000 (C‑180/98 a C‑184/98, Colect., p. I‑6451). A este respeito, é pouco relevante que a referida descrição tenha sido efectuada na perspectiva do direito da concorrência.


9 – Ainda em 2008, ou seja, posteriormente à entrada em vigor da Directiva 2006/123, o Tribunal de justiça aceitou uma regulamentação que proibia a quem quer fosse e, em particular, aos prestadores de cuidados dentários, no âmbito de uma profissão liberal ou de um gabinete dentário, o recurso a qualquer tipo de publicidade no domínio dos tratamentos dentários (acórdão de 13 de Março de 2008, Doulamis, C‑446/05, Colect., p. I‑1377). É verdade que, substancialmente, o Tribunal de Justiça apenas se pronunciou na perspectiva do artigo 81.° CE, não tendo sido abordada pelo Tribunal neste processo a questão da conformidade da regulamentação em questão com a livre prestação de serviços.


10 – No que respeita à angariação de clientela por correio electrónico, recorde‑se que o artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas (Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas) (JO L 201, p. 37), subordina a autorização da utilização do correio electrónico para fins de comercialização directa ao consentimento prévio dos assinantes.


11 – JO L 311, p. 67.


12 – Acórdão de 10 de Maio de 1995 (C‑384/93, Colect., p. I‑1141).


13 – C‑518/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30.


14 – V. n.° 45 das presentes conclusões.