Language of document : ECLI:EU:C:2014:2111

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 17 de julho de 2014 (1)

Processos apensos C‑148/13 a C‑150/13

A (C‑148/13), B (C‑149/13) e C (C‑150/13)

contra

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Países Baixos)]

«Sistema Europeu Comum de Asilo — Diretiva 2004/83/CE — Estatuto de refugiado — Diretiva 2005/85/CE — Avaliação dos pedidos de proteção internacional — Avaliação dos factos e circunstâncias — Credibilidade da orientação sexual alegada por um requerente»





1.        No presente pedido de decisão prejudicial, o Raad van State, Afdeling Bestuursrechtspraak [Conselho de Estado, secção de contencioso administrativo; a seguir «Raad van State» (Países Baixos) ou «órgão jurisdicional de reenvio»] suscita uma questão conceptual lata, a de saber se o direito da União Europeia limita a ação dos Estados‑Membros em sede de avaliação de pedidos de asilo apresentados por um requerente que receie ser perseguido no seu país de origem devido à sua orientação sexual. Esta questão levanta problemas complexos e melindrosos, relacionados, por um lado, com os direitos das pessoas singulares como os direitos de personalidade e os direitos fundamentais, e, por outro, com a posição dos Estados‑Membros em matéria de aplicação de medidas de harmonização mínima, nomeadamente, a Diretiva «qualificação de refugiado» (2) e a Diretiva «procedimentos de asilo» (3), na recolha e apreciação de elementos de prova respeitantes a pedidos de concessão do estatuto de refugiado. Na abordagem desses problemas, suscitam‑se ainda outras questões. Devem os Estados‑Membros aceitar a orientação sexual alegada pelo requerente? O direito da União Europeia habilita as autoridades competentes dos Estados‑Membros a apreciarem uma orientação sexual alegada, e como deve esse processo de apreciação ser conduzido de forma a respeitar os direitos fundamentais? Os pedidos de asilo fundados na orientação sexual do requerente são diferentes dos pedidos assentes noutros motivos, e devem aplicar‑se normas especiais quando os Estados‑Membros examinam tais pedidos?

 Direito internacional

 Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados

2.        O primeiro parágrafo do n.° 2 do artigo 1.°‑A da Convenção de Genebra (4) dispõe que o termo «refugiado» se aplica a qualquer pessoa que, «receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país».

3.        O artigo 3.° dispõe que a Convenção deve ser aplicada de modo conforme com o princípio da não discriminação.

 Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

4.        O artigo 3.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (5) proíbe a prática de tortura ou as penas ou tratamentos desumanos e degradantes. O artigo 8.° garante o direito ao respeito pela vida privada e familiar. O artigo 13.° prevê o direito a um recurso efetivo. O artigo 14.° proíbe a discriminação (6). O Protocolo 7 à CEDH estabelece determinadas garantias processuais em caso de expulsão de estrangeiros, incluindo o direito do estrangeiro a fazer valer as razões que militam contra a sua expulsão, o direito a fazer examinar o seu caso e o direito a fazer‑se representar para esse fim.

 Direito da União Europeia

 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

5.        O artigo 1.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (7) estabelece que a dignidade do ser humano é inviolável e deve ser respeitada e protegida. De acordo com o artigo 3.°, n.° 1, todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental. O artigo 3.°, n.° 2, alínea a), dispõe que, no domínio da medicina e da biologia, deve ser respeitado o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei. O artigo 4.° corresponde ao artigo 3.° da CEDH. O artigo 7.° prevê: «[t]odas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.» O direito de asilo é garantido pelo artigo 18.° da Carta, no quadro das regras da Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados e nos termos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. A discriminação em razão, nomeadamente, da orientação sexual é proibida pelo artigo 21.° O artigo 41.° da Carta é dirigido às instituições e garante o direito a uma boa administração (8). O artigo 52.°, n.° 1, dispõe que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela Carta deve ser prevista por lei e está subordinada ao princípio da proporcionalidade. As restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros. O artigo 52.°, n.° 3, determina que os direitos consagrados na Carta devem ser interpretados em conformidade com os direitos correspondentes garantidos pela CEDH.

 Sistema Europeu Comum de Asilo

6.        O Sistema Europeu Comum de Asilo (a seguir «SECA») foi instaurado na sequência da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, em maio de 1999, e está concebido para transpor a Convenção de Genebra (9). As medidas adotadas para os efeitos do SECA respeitam os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos pela Carta (10). No tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação dessas medidas, os Estados‑Membros encontram‑se vinculados por obrigações decorrentes de instrumentos de direito internacional de que são partes e que proíbem a discriminação (11). O objetivo do SECA é harmonizar o enquadramento legal vigente nos Estados‑Membros por meio de normas mínimas comuns. É próprio das medidas que adotam normas mínimas prever a possibilidade de os Estados‑Membros estabelecerem ou manterem disposições mais favoráveis (12). O SECA levou à adoção de uma série de medidas (13).

 Diretiva «qualificação de refugiado»

7.        A Diretiva «qualificação de refugiado» visa estabelecer normas mínimas e critérios comuns a todos os Estados‑Membros relativos ao reconhecimento de refugiados e ao conteúdo do estatuto de refugiado, à identificação de pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional, e a um procedimento de asilo justo e eficiente (14).

8.        O artigo 2.°, alínea c), da diretiva dispõe que se entende por «[r]efugiado» o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, a aos quais não se aplica o artigo 12.°».

9.        O artigo 4.°, intitulado «Apreciação dos factos e circunstâncias», dispõe o seguinte:

«1.      Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

2.      Os elementos mencionados no n.° 1 consistem nas declarações do requerente e em toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de identificação e de viagem, e os motivos pelos quais solicita a proteção internacional.

3.      A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)      Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação, assim como a maneira como são aplicadas;

b)      As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

c)      A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

d)      Se as atividades empreendidas pelo requerente desde que deixou o seu país de origem tiveram por fito único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades exporão o interessado a perseguição ou ofensa grave se regressar a esse país;

e)      Se é razoável prever que o requerente se poderia valer da proteção de outro país do qual poderia reivindicar a cidadania.

[...]

5.      Sempre que os Estados‑Membros aplicarem o princípio segundo o qual incumbe ao requerente justificar o seu pedido de proteção internacional e sempre que houver elementos das declarações do requerente que não sejam sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados quando estiverem reunidas as seguintes condições:

a)      For autêntico o esforço envidado pelo requerente para justificar o seu pedido;

b)      Tenham sido apresentados todos os elementos pertinentes ao dispor do requerente e tenha sido dada uma explicação satisfatória para a eventual falta de outros elementos pertinentes;

c)      As declarações do requerente tenham sido consideradas coerentes e plausíveis, não contradizendo informações gerais ou particulares disponíveis pertinentes para o seu pedido;

d)      O requerente tenha apresentado o seu pedido de proteção internacional com a maior brevidade possível, a menos que possa motivar seriamente por que não o fez;

e)      Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.»

10.      O artigo 9.° da Diretiva «qualificação de refugiado» define o conceito de atos de perseguição. Tais atos devem ser suficientemente graves, devido à sua natureza, para constituírem grave violação dos direitos humanos fundamentais, em especial os direitos que não podem ser objeto de nenhuma derrogação (nos termos do artigo 15.°, n.° 2, da CEDH), ou constituir um cúmulo de várias medidas suficientemente graves para afetar o indivíduo de forma semelhante a uma tal violação dos direitos humanos fundamentais (15). Atos de violência física ou mental, incluindo atos de violência sexual, são suscetíveis de integrar a definição de atos de perseguição (16). Deve haver um nexo entre os motivos a que se refere o artigo 10.° e os atos de perseguição referidos no artigo 9.° da Diretiva «qualificação de refugiado» (17).

11.      O artigo 10.° é intitulado «Motivos da perseguição». No n.° 1, alínea d), determina o seguinte:

«Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que:

—      os membros desse grupo partilham de uma caraterística inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma caraterística ou crença tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem, e

—      esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

Dependendo das circunstâncias no país de origem, um grupo social específico poderá incluir um grupo baseado numa caraterística comum de orientação sexual. A orientação sexual não pode ser entendida como incluindo atos considerados criminosos segundo o direito nacional dos Estados‑Membros. Poderão ser tidos em consideração os aspetos relacionados com o género, embora este por si só não deva criar uma presunção para a aplicabilidade do presente artigo.

[…]

2.      Ao apreciar‑se se o receio de perseguição do requerente tem fundamento, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a caraterística associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal caraterística lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.» (18)

 Diretiva «procedimentos de asilo»

12.      O objetivo da Diretiva «procedimentos de asilo» consiste em introduzir um quadro mínimo em matéria de procedimentos de concessão ou retirada do estatuto de refugiado (19). É aplicável a todos os pedidos de asilo apresentados no território da União (20). Cada Estado‑Membro deve designar um órgão de decisão que é responsável pela apreciação dos pedidos de acordo com o disposto na Diretiva «procedimentos de asilo» (21).

13.      As condições para examinar os pedidos constam do artigo 8.° Os Estados‑Membros devem garantir que as decisões relativas a pedidos de asilo sejam proferidas pelo órgão de decisão após apreciação adequada. Para o efeito, os Estados‑Membros devem assegurar que: a) os pedidos sejam apreciados e as decisões proferidas de forma individual, objetiva e imparcial; b) sejam obtidas informações precisas e atualizadas junto de várias fontes, tal como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (a seguir «ACNUR»); e c) os agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia das decisões tenham conhecimento das normas pertinentes aplicáveis em matéria de direito de asilo e dos refugiados (22).

14.      Em caso de indeferimento de um pedido, a decisão deve ser fundamentada quanto à matéria de facto e de direito (artigo 9.°, n.° 2, primeiro parágrafo) e, antes de o órgão de decisão se pronunciar, deve ser concedida ao requerente de asilo uma entrevista pessoal sobre o seu pedido, em condições que lhe permitam expor circunstanciadamente os fundamentos do mesmo (artigo 12.°).

15.      O artigo 13.° define as condições aplicáveis à entrevista pessoal, que se realiza, em princípio, sem a presença de familiares, em condições que garantam a devida confidencialidade e permitam ao requerente expor circunstanciadamente os fundamentos do seu pedido (23). Para o efeito, os Estados‑Membros devem assegurar que a pessoa que conduz a entrevista possua competência suficiente para considerar as circunstâncias de ordem geral ou pessoal do pedido, incluindo, na medida do possível, a origem cultural ou a vulnerabilidade do requerente, e devem escolher um intérprete capaz de assegurar a comunicação adequada entre o requerente e a pessoa que conduz a entrevista (24).

16.      O artigo 14.° preceitua que os Estados‑Membros devem assegurar a elaboração de um relatório escrito de cada entrevista pessoal, que contenha, pelo menos, as informações essenciais relativas ao pedido apresentadas pelo requerente, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva «qualificação de refugiado», e que os requerentes tenham atempadamente acesso ao referido relatório (25). Os Estados‑Membros podem solicitar a aprovação do conteúdo do relatório da entrevista pessoal pelo requerente (26).

17.      Os Estados‑Membros devem conceder aos requerentes de asilo a oportunidade de, a expensas próprias, consultarem um advogado ou outro consultor aceite nessa qualidade pela legislação nacional, que os aconselhe sobre matéria relacionadas com os seus pedidos de asilo (27).

18.      O artigo 23.° intitula‑se «Procedimento de apreciação» e integra o capítulo III da Diretiva «procedimentos de asilo», no qual estão previstos os procedimentos em primeira instância. Os Estados‑Membros devem tratar os pedidos de asilo mediante um procedimento de apreciação conforme com os princípios fundamentais enunciados no capítulo II da mesma diretiva e devem assegurar a conclusão desse procedimento o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação (28).

19.      O artigo 39.° determina que os Estados‑Membros devem assegurar que os requerentes de asilo tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional, nomeadamente da decisão proferida sobre o seu pedido (29).

 Direito neerlandês

20.      De acordo com os esclarecimentos do órgão jurisdicional de reenvio sobre as normas nacionais, recai sobre o requerente o ónus de demonstrar a plausibilidade dos fundamentos do pedido de asilo e de fornecer as informações pertinentes em apoio desse mesmo pedido. Seguidamente, a autoridade competente convoca o requerente para duas entrevistas. Os requerentes têm à sua disposição serviços de interpretação e de assistência jurídica, para lhes facultarem apoio jurídico. É entregue uma ata das entrevistas ao requerente, que pode posteriormente solicitar a introdução de alterações a essa ata e apresentar informações adicionais. A decisão sobre o pedido de asilo do requerente é tomada pelo Ministro competente, que comunica previamente o sentido da mesma ao interessado, a quem é então dada a possibilidade de apresentar observações escritas. Seguidamente, o Ministro notifica ao requerente a decisão final, que é suscetível de impugnação judicial mediante recurso (30).

 Factos, processo e questão submetida

21.      A, B e C apresentaram às autoridades dos Países Baixos pedidos de autorização de residência temporária (asilo) nos termos do Vreemdelingenwet 2000, alegando recearem com razão ser perseguidos nos respetivos países de origem por serem homossexuais.

22.      A. já submetera anteriormente um pedido de concessão do estatuto de refugiado com fundamento na sua orientação sexual, que fora indeferido pelo Ministro por não ser credível. Por despacho de 12 de julho de 2011, o Ministro indeferiu igualmente o subsequente pedido de concessão do estatuto de refugiado por parte de A, por não considerar credível a exposição deste. O Ministro considerou que o facto de A mostrar disponibilidade para se sujeitar a um teste para comprovar a sua homossexualidade não o obrigava a aceitar incondicionalmente a orientação sexual declarada por A, sem apreciar a respetiva credibilidade.

23.      No que se refere a B., o Ministro concluiu que o seu pedido não era credível por ser demasiado superficial e vago, tanto na descrição de uma relação sexual que B tivera na juventude com um amigo como no relato do processo de consciencialização da sua homossexualidade. No entender do Ministro, por ser originário de uma família muçulmana e de um país onde a homossexualidade não é aceite, B deveria ser capaz de descrever em pormenor os seus sentimentos e o processo de autoaceitação da sua homossexualidade. O Ministro indeferiu o pedido de concessão do estatuto de refugiado de B por decisão de 1 de agosto de 2012.

24.      O Ministro considerou que a alegação de C de que era homossexual não tinha credibilidade, porque o seu relato era incoerente. C alegou que ele próprio só fora capaz de assumir que era, possivelmente, homossexual depois de ter deixado o seu país de origem. Cria ter esses sentimentos desde os 14 ou 15 anos de idade, e informou as autoridades competentes de que tivera uma relação sexual com um homem na Grécia. No entanto, fundamentara um pedido anterior de concessão do estatuto de refugiado nas dificuldades que enfrentara no seu país de origem por ter mantido relações sexuais com a filha do seu empregador. O Ministro considerou que C poderia, e deveria, ter declarado a sua orientação sexual no processo anterior. Considerou que o facto de C ter produzido um filme em que praticava atos sexuais com um homem não constitui prova de que seja homossexual. Entendeu ainda que C não fora capaz de descrever em termos claros o modo como tomara consciência da sua orientação sexual nem de responder a determinadas perguntas, como as relativas à identificação das organizações de defesa dos direitos dos homossexuais nos Países Baixos. O Ministro indeferiu o pedido de concessão do estatuto de refugiado de C, por decisão de 8 de outubro de 2012.

25.      A, B e C contestaram as decisões do Ministro, requerendo providências cautelares no Rechtbank ’s‑Gravenhage (tribunal de primeira instância de Haia) (a seguir «Rechtbank»). Os juízes competentes julgaram os pedidos improcedentes, respetivamente, em 9 de setembro de 2011, 23 de agosto de 2012 e 30 de outubro de 2012. Subsequentemente, os requerentes interpuseram recurso das sentenças do Rechtbank para o Raad van State.

26.      No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio invoca expressamente dois processos do Tribunal de Justiça: Y e Z (31), em que já tinha havido lugar à prolação do acórdão, e X, Y e Z (32) (submetido pelo Raad van State em 18 de abril de 2012), então pendente. Neste último, pretendia‑se saber, inter alia, se os cidadãos estrangeiros de orientação homossexual constituem um grupo social específico para efeitos do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva «qualificação de refugiado». Foi suspensa a instância, nos processos principais, até à conclusão do processo X, Y e Z.

27.      Nos processos principais, A, B e C alegaram que o Ministro cometera um erro no processo decisório, ao não basear a sua decisão relativa à questão de saber se eles eram homossexuais nas respetivas declarações respeitantes à sua orientação sexual. Argumentaram ainda que a posição do Ministro violava os artigos 1.°, 3.°, 4.°, 7.° e 21.° da Carta, na medida em que equivalia à negação de uma orientação sexual alegada.

28.      O órgão jurisdicional de reenvio considerou que verificar uma orientação sexual alegada é uma tarefa mais complexa do que verificar outros motivos de perseguição enumerados no artigo 10.°, n.° 1, da Diretiva «qualificação de refugiado». Observou a este propósito que não existe um modo uniforme de levar a cabo a dita verificação nos diferentes Estados‑Membros (33). Contudo, classificou como duvidosas as alegações dos requerentes de que o Ministro estava obrigado a aceitar a orientação sexual alegada, sem a poder verificar. À luz destas considerações, bem como do acórdão Y e Z e do processo X, Y e Z (então pendente no Tribunal), o Raad van State pretende saber se o direito da União Europeia impõe restrições ao inquérito que pode ser feito pelas autoridades nacionais competentes a respeito da orientação sexual alegada de um requerente do estatuto de refugiado. O órgão jurisdicional de reenvio submeteu assim a seguinte questão ao Tribunal para decisão prejudicial:

«Quais são as restrições que [a Diretiva] e [Carta], em especial os seus artigos 3.° e 7.°, impõem à forma de avaliar a credibilidade da orientação sexual alegada, e distinguem‑se essas restrições das impostas à avaliação da credibilidade dos outros motivos de perseguição? Em caso afirmativo, em que medida?»

29.      Apresentaram observações escritas A e B, o ACNUR, os Países Baixos, a Bélgica, a República Checa, a França, a Alemanha e a Grécia, bem como a Comissão Europeia. Na audiência de 25 de fevereiro de 2014, todas as partes apresentaram alegações, com exceção de B e da República Checa e da Alemanha.

 Apreciação

 Observações preliminares

30.      É pacífico que a Convenção de Genebra constitui a pedra angular do regime jurídico internacional de proteção dos refugiados. A Diretiva «qualificação de refugiado» foi adotada para auxiliar as autoridades competentes dos Estados‑Membros a aplicar essa convenção com base em conceitos e critérios comuns (34). Por conseguinte, a interpretação das disposições da mesma deve ser feita à luz das suas economia geral e finalidade, no respeito da Convenção de Genebra e dos outros Tratados pertinentes referidos no artigo 78.°, n.° 1, do TFUE. A Diretiva «qualificação de refugiado» deve igualmente ser interpretada no respeito dos direitos reconhecidos pela Carta (35).

31.      No quadro do SECA, a Diretiva «procedimentos de asilo» institui um sistema comum de garantias que visa assegurar o pleno respeito da Convenção de Genebra e dos direitos fundamentais no que se refere aos procedimentos dos Estados‑Membros em matéria de concessão e retirada do estatuto de refugiado (36).

32.      Contudo, nem a própria Diretiva «procedimentos de asilo» nem a Convenção de Genebra ou a Carta estabelecem regras específicas quanto ao modo de apreciação da credibilidade de um requerente que solicite o estatuto de refugiado com base em qualquer dos fundamentos enumerados no artigo 10.°, n.° 1, da Diretiva «qualificação de refugiado», incluindo a pertença a um grupo social específico em virtude da sua orientação homossexual. Essa avaliação inscreve‑se, assim, no âmbito de aplicação das normas nacionais (37); mas o direito da União Europeia da União pode limitar a discricionariedade dos Estados‑Membros no que respeita às regras que estes podem aplicar em sede de avaliação da credibilidade de requerentes de asilo.

 Qualificação de refugiado

33.      Como explica o órgão jurisdicional de reenvio, o presente pedido de decisão prejudicial tem como antecedente um pedido anterior apresentado na mesma jurisdição no processo X e o. (38). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça resolveu determinadas questões atinentes à interpretação da Diretiva «qualificação de refugiado» no contexto da sua aplicação a pedidos de concessão do estatuto de refugiado com fundamento na orientação sexual do requerente. O Tribunal confirmou que a orientação homossexual constitui fundamento para alegar que o requerente é membro de um grupo social específico para efeitos do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da referida diretiva (39). O Tribunal explicou que não é razoável esperar dos requerentes em causa, por exemplo, uma atitude de reserva na expressão da sua orientação sexual ou de dissimulação da mesma no seu país de origem (40). Relativamente à avaliação da razoabilidade do receio de perseguição, o Tribunal declarou que as autoridades competentes devem procurar saber se as circunstâncias estabelecidas constituem ou não uma ameaça tal que a pessoa em questão possa razoavelmente recear, atendendo à sua situação individual, ser efetivamente vítima de atos de perseguição (41). A apreciação da importância do risco deve, em todos os casos, ser efetuada com vigilância e prudência, e assenta unicamente numa avaliação concreta dos factos e das circunstâncias, em conformidade com as regras constantes, designadamente, do artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado» (42).

34.      A matéria em apreço deve ser ponderada neste contexto. O Tribunal não tem de decidir, por exemplo, se um requerente que comprove ser homossexual deve obter automaticamente o estatuto de refugiado num Estado‑Membro. O mecanismo definido no sistema legislativo implica, em primeiro lugar, a comprovação de que o requerente é membro de um grupo social específico (43). Há lugar a proteção, igualmente, quando os requerentes, não sendo membros desse grupo (no caso vertente, homossexual), sejam encarados como tal (44). Em seguida, é necessário determinar se o requerente em causa tem um fundado receio de ser alvo de perseguição (45).

35.      O pedido de decisão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio não indica se o artigo 10.°, n.° 2, da Diretiva «qualificação de refugiado está diretamente em causa. A questão é formulada em termos sumários, que a tornam bastante abstrata. Por conseguinte, centrar‑me‑ei na questão de saber se é admissível ao abrigo do direito da União que as autoridades nacionais competentes verifiquem se um requerente é membro de um grupo social específico para efeitos do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), por ser homossexual (em vez de aceitarem, simplesmente, a sua palavra), de que modo deve um processo de verificação ser conduzido e se existem restrições à forma como essa questão pode ser analisada.

 Orientação sexual declarada pelo próprio requerente

36.      É consensual entre os intervenientes no processo que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça que a sexualidade de uma pessoa constitui matéria de grande complexidade que é parte integrante da sua identidade pessoal e da esfera da sua vida privada. Acresce que todas as partes concordam que não existe um método objetivo de verificar uma orientação sexual alegada. Há, contudo, opiniões divergentes quanto a saber se as autoridades competentes de um Estado‑Membro devem verificar se um requerente é, realmente, homossexual e, como tal, membro de um grupo social na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva «qualificação de refugiado».

37.      A e B sustentam ambos que só o próprio requerente está em condições de definir a sua sexualidade e que a verificação, pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, de uma orientação sexual alegada viola o direito ao respeito pela vida privada (46). A alega que não existe um conjunto de características gerais que sejam inerentes à homossexualidade, nem consenso acerca dos fatores que estão subjacentes a tal orientação sexual. Assim, as autoridades nacionais não têm competência para substituírem a sua avaliação à orientação sexual declarada pelo requerente. Todos os Estados‑Membros que apresentaram observações ao Tribunal afirmam que as respetivas autoridades nacionais dispõem de competência para verificar a credibilidade da orientação sexual alegada por um requerente. A Comissão apoia esta posição, alegando que está em consonância com o artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado». O ACNUR defende que a verificação de uma declaração pelo requerente quanto à sua orientação sexual constitui um elemento normal da avaliação fatual nos casos desta natureza e deve servir de ponto de partida no exame da questão (47).

38.      Concordo que a orientação sexual de um indivíduo é uma matéria complexa, indissociável da sua identidade, que se integra na esfera da sua vida privada. Por conseguinte, a questão de saber se a orientação sexual alegada por um indivíduo deve ser aceite, sem mais, pelas autoridades nacionais competentes deve ser posta nos seguintes termos. Em primeiro lugar, a Carta consagra no artigo 7.° o direito ao respeito pela vida privada e proíbe expressamente, no artigo 21.°, n.° 1, a discriminação, designadamente com fundamento na orientação sexual. Estes direitos correspondem ao artigo 8.°, conjugado quando necessário com o artigo 14.°, da CEDH (48). Não integram, contudo, o rol dos direitos que não podem ser objeto de derrogação (49). Em segundo lugar, o Tribunal de Estrasburgo tem entendido que o conceito de «vida privada» é um conceito amplo que não é passível de definição exaustiva. Compreende tanto a integridade física como a integridade psíquica de uma pessoa, incluindo elementos como a orientação sexual e a vida sexual, que integram a esfera pessoal protegida pelo artigo 8.° da CEDH (50).

39.      Em terceiro lugar, nos casos referentes a identidade de género e transsexualidade o Tribunal de Estrasburgo tem afirmado que o conceito de autonomia pessoal constitui um importante princípio subjacente às garantias do artigo 8.° da CEDH (51). Embora as questões que se suscitam nesse domínio não sejam exatamente as mesmas que se suscitam nos processos que versam sobre orientação sexual, considero que a jurisprudência em causa constitui um valioso referencial (52). O Tribunal de Estrasburgo ainda não teve ocasião de decidir se o artigo 8.° da CEDH estabelece um direito dos indivíduos a que a orientação sexual por si alegada não seja verificada pelas autoridades competentes, em particular, no âmbito de um pedido de concessão do estatuto de refugiado. Na minha interpretação, a jurisprudência estabelecida determina que, uma vez que o conceito de autonomia pessoal é um importante princípio subjacente à interpretação da proteção consignada no artigo 8.° da CEDH, os indivíduos têm o direito de definir a sua própria identidade, que compreende a definição da orientação sexual.

40.      A definição por um requerente da respetiva orientação sexual deve, portanto, desempenhar um papel importante no processo de avaliação dos pedidos de concessão do estatuto de refugiado nos termos do artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado». Concordo com a posição do ACNUR de que as declarações em questão devem, no mínimo, servir de ponto de partida no processo de apreciação. Mas estão os Estados‑Membros impedidos de verificar tais declarações?

 Apreciação nos termos da Diretiva «qualificação de refugiado»

41.      O artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado» impõe aos Estados‑Membros que apreciem todos os pedidos de proteção internacional. Não é feita qualquer distinção entre os diferentes motivos de perseguição enumerados no artigo 10.° da mesma diretiva. Por conseguinte, os requerentes que pedem a concessão do estatuto de refugiado por serem homossexuais e pertencerem a um grupo social específico na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), não estão dispensados do processo de apreciação nos termos da diretiva (53).

42.      O artigo 4.°, n.° 1, habilita os Estados‑Membros a imporem aos requerentes o ónus de «[…] apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional […]» (54). Esta disposição também impõe aos Estados‑Membros um dever positivo de apreciar os elementos pertinentes do pedido, em cooperação com o requerente. A apreciação deve ser efetuada a título individual e ter em conta a situação e as circunstâncias pessoais do requerente (55). O artigo 4.°, n.° 5, da Diretiva «qualificação de refugiado» reconhece que nem sempre é possível a um requerente justificar o seu pedido com provas documentais ou de outra natureza. Tais provas são, assim, dispensadas quando estiverem reunidas todas as condições enumeradas no artigo 4.°, n.° 5, alíneas a) a e) (56).

43.      Quando um requerente invocar o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), pedindo a concessão do estatuto de refugiado com fundamento no facto de ser membro de um grupo social específico em razão da sua orientação sexual, é — creio eu — praticamente inevitável que o artigo 4.°, n.° 5, da diretiva se aplique. Uma orientação sexual alegada não é matéria de verificação objetiva simples; e é improvável que existam provas documentais ou de outra natureza que sustentem a declaração de orientação sexual de um requerente (57). A credibilidade deste torna‑se, assim, a questão central.

44.      Proceder à avaliação da credibilidade do requerente é compatível com a Carta e o respeito dos direitos fundamentais?

45.      Creio que sim.

46.      O artigo 18.° da Carta garante o direito de asilo no quadro da Convenção de Genebra e dos Tratados. A CEDH não consagra um direito correspondente, embora o artigo 1.° do Protocolo n.° 7 preveja certas garantias processuais em caso de expulsão de estrangeiros. Relativamente aos pedidos de concessão do estatuto de refugiado, o Tribunal de Estrasburgo reconheceu que, à luz do direito internacional, os Estados contratantes têm o direito (sem prejuízo das suas obrigações assumidas por Tratado) de controlar a entrada, a residência e a expulsão de estrangeiros no seu território (58). Isto nada tem de surpreendente. Na execução de uma política de asilo incumbe aos Estados‑Membros determinar, e aceitar como refugiado, quem tem uma necessidade genuína de proteção. Pelas mesmas razões, têm o direito de recusar assistência a falsos requerentes.

47.      A questão de saber se um requerente é membro de um grupo social específico para os efeitos do artigo 10.°, n.° 1, alínea d) (ou é visto como tal, o que dá lugar à aplicação do artigo 10.°, n.° 2), está indissociavelmente ligada à de saber se o seu receio de perseguição tem fundamento (59). A avaliação da existência de um risco real deve, necessariamente, ser rigorosa (60) e levada a cabo com vigilância e prudência. O que está em causa nesses casos são matérias que se prendem com a integridade da pessoa, e com as liberdades individuais e os valores fundamentais da União Europeia (61).

48.      Ainda que a orientação sexual alegada pelo requerente deva ser sempre, necessariamente, o ponto de partida, as autoridades nacionais competentes podem examinar esse elemento da sua pretensão juntamente com todos os outros, para determinarem se ele tem um receio fundado de perseguição na aceção da Diretiva «qualificação de refugiado» e da Convenção de Genebra.

49.      Por conseguinte, é inevitável que os pedidos de concessão do estatuto de refugiado com fundamento na orientação sexual estão, como quaisquer outros pedidos de concessão do estatuto de refugiado, sujeitos a um processo de apreciação em conformidade com o artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado». Essa apreciação deve, contudo, ser levada a cabo no respeito dos direitos do indivíduo garantidos pela Carta. (Ponto que é, na realidade, consensual entre as partes.)

 Apreciação da credibilidade

50.      As Diretivas «qualificação de refugiado» e «procedimentos de asilo» não contêm qualquer disposição específica sobre o modo como a credibilidade de um requerente deve ser apreciada. Assim, a regra geral é a de que, na ausência de normas da União sobre uma matéria, compete ao sistema jurídico interno de cada Estado‑Membro definir o regime processual aplicável às ações tendentes a assegurar a proteção conferida pelo direito da União (62).

51.      Está esta regra geral sujeita a restrições nos termos do direito da União?

52.      A e B alegam que, em qualquer apreciação, é necessário fazer prova dos factos em que o requerente fundamenta o seu pedido de concessão do estatuto de refugiado; e que o objetivo da fase subsequente (o processo de cooperação entre o requerente e as autoridades nacionais) consiste em determinar se os mesmos podem ser confirmados. Os requerentes não podem ser obrigados a fundamentar pedidos de concessão do estatuto de refugiado de um modo atentatório da sua dignidade ou integridade pessoal. Consequentemente, o recurso a métodos como exames médicos, interrogatórios sobre as experiências sexuais de um requerente, ou a comparação do requerente em causa com estereótipos homossexuais, são contrários à Carta (63).

53.      Os Países Baixos salientam que o artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado» é omisso quanto ao modo de apreciação da declaração de um requerente sobre a sua própria sexualidade. Esta é, por isso, matéria a regular pelos Estados‑Membros através de normas nacionais. A República Checa preconiza que se deve fazer uso dos métodos menos intrusivos da vida privada do requerente. Contudo, o recurso a outros procedimentos não é de excluir, na eventualidade de não ser possível estabelecer a credibilidade do requerente por métodos menos exigentes e de este dar o seu consentimento para o efeito. O Governo francês, o Governo alemão e o Governo grego concordam que as diretrizes do ACNUR proporcionam orientação útil no que toca ao processo de apreciação da credibilidade. A Alemanha defende que sujeitar os requerentes a exames pseudomédicos ou solicitar‑lhes que pratiquem atos sexuais para estabelecer a sua orientação sexual seria contrário ao artigo 1.° da Carta. O Governo belga também perfilha as diretrizes do ACNUR, afirmando que não é necessário verificar clínica ou cientificamente a orientação sexual de um requerente. O importante é a plausibilidade da exposição do requerente. O direito ao respeito pela vida privada já é devidamente tido em conta na letra das Diretivas «qualificação de refugiado» e «procedimentos de asilo». Tal direito não pode, por conseguinte, ser invocado uma segunda vez para atenuar o rigor da apreciação ou flexibilizar as normas em benefício dos requerentes de asilo que alegam ser homossexuais.

54.      O ACNUR divide os vários métodos de apreciação da credibilidade em causa em duas categorias. Alguns, que são sempre contrários à Carta, são por aquele descritos como fazendo parte de uma «lista negra». Este rol inclui: a realização de interrogatórios invasivos e minuciosos sobre as práticas sexuais de um requerente; exames médicos ou pseudomédicos; e exigências abusivas em matéria de prova, como solicitar fotografias dos requerentes a praticar atos sexuais. A segunda categoria do ACNUR é descrita como uma «lista cinzenta». Trata‑se de práticas que, se não forem aplicadas de forma apropriada ou cautelosa, podem ser contrárias à Carta. A lista cinzenta inclui práticas como concluir pela falta de credibilidade de um requerente pelo facto de o mesmo não ter invocado a sua orientação sexual, à primeira oportunidade, como fundamento do pedido de concessão do estatuto de refugiado, ou não ter respondido corretamente a perguntas sobre matérias do conhecimento geral, como, por exemplo, as organizações que representam os homossexuais no país em que o pedido de asilo é apresentado. A lista cinzenta do ACNUR abrange também os procedimentos nacionais que não garantem ao requerente a oportunidade de explicar elementos que, aparentemente, não são credíveis.

55.      A Comissão alega que a Diretiva «qualificação de refugiado» não prevê qualquer restrição quanto aos tipos de provas que podem ser apresentadas em apoio de um pedido de concessão do estatuto de refugiado. Não obstante, as provas devem ser coligidas de modo que não atente contra os direitos fundamentais dos requerentes. Métodos que sejam degradantes ou incompatíveis com a dignidade humana, como a realização de pseudoexames médicos ou a apreciação em função de estereótipos, são incompatíveis quer com a Diretiva «qualificação de refugiado» quer com a Carta. A Comissão considera que não é possível fornecer indicações gerais para lá das que já constam do artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado» e dos artigos 3.° e 7.° da Carta.

56.      É verdade que do texto da Diretiva «qualificação de refugiado» não consta nenhuma fórmula que limite expressamente a discricionariedade dos Estados‑Membros no que respeita às práticas ou métodos de apreciação da credibilidade do requerente. Contudo, tal não significa, a meu ver, que o direito da União não restrinja esse poder.

57.      A Carta estabelece preceitos gerais que devem ser observados na implementação de qualquer diretiva. A Diretiva «qualificação de refugiado» harmoniza os regimes vigentes mediante a adoção de normas mínimas relativas às condições a preencher pelos interessados para obterem o estatuto de refugiado na União Europeia (64). O SECA, e em particular o sistema de Dublim, seriam postos em causa se os Estados‑Membros seguissem práticas muito divergentes na apreciação desses pedidos. Seria indesejável que as diferenças de implementação levassem a que os pedidos tivessem uma maior probabilidade de deferimento numa jurisdição do que noutra por aí ser mais fácil cumprir as exigências em matéria de prova.

58.      A fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, creio que é necessário identificar práticas que são contrárias ao direito da União. As observações do ACNUR são particularmente úteis neste aspeto. Não obstante, não adotei a terminologia «lista negra» e «lista cinzenta» por duas razões. Em primeiro lugar, definir uma lista negra implica estabelecer normas prescritivas de caráter geral, tarefa que incumbe, em primeira linha, à lei. Em segundo lugar, no contexto do presente processo, essa terminologia não clarifica nem confere certeza jurídica, porque a apreciação do Tribunal de Justiça no âmbito do artigo 267.° do TFUE é limitada à matéria que lhe é submetida e não seria claro se as listas se destinavam a ser meramente exemplificativas ou exaustivas.

59.      Devo dizer ainda que discordo da posição do Governo belga, dado que considero que se gera uma maior flexibilidade em favor dos requerentes do estatuto de refugiado em razão da sua orientação sexual. O problema consiste, sim, em fixar os parâmetros de ação dos Estados‑Membros em sede de aplicação das Diretivas «qualificação de refugiado» e «procedimentos de asilo». Assim, passarei a identificar as práticas que reputo incompatíveis com o artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado», interpretado à luz da Carta.

60.      Na União Europeia, a homossexualidade já não é considerada uma doença ou problema médico ou psicológico (65). Não existe qualquer exame médico reconhecido que possa ser usado para o efeito de estabelecer a orientação sexual de uma pessoa. No que se refere ao direito ao respeito pela vida privada, a interferência com o direito de um indivíduo à sua orientação sexual só é admissível quando, inter alia, seja prevista por lei e conforme ao princípio da proporcionalidade (66).

61.      Não sendo a homossexualidade classificada como doença, a sujeição de um requerente a qualquer pretenso exame médico para determinar a sua orientação sexual não pode, em meu entender, ser considerada conforme com o artigo 3.° da Carta. Também não cumpriria o requisito da proporcionalidade (artigo 52.°, n.° 1) relativamente a uma violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar, uma vez que, por definição, um tal exame não pode atingir o objetivo de estabelecer a orientação sexual de um indivíduo. Daqui resulta que não se podem utilizar exames médicos para aferir a credibilidade de um requerente, pois violam os artigos 3.° e 7.° da Carta (67).

62.      Nas suas observações, o Governo alemão e o ACNUR dedicaram um comentário particular à questão do exame pseudomédico designado por falometria (68). Resulta do que afirmei nos n.os 60 e 61 supra, que é extensivo mutatis mutandis a exames pseudomédicos dessa natureza que considero que os mesmos são proibidos pelos artigos 3.° e 7.° da Carta. A falometria é um meio particularmente duvidoso de verificar a orientação homossexual. Em primeiro lugar, implica o envolvimento das autoridades nacionais competentes em atos de exibição de pornografia, destinados a viabilizar a realização dos exames. Em segundo lugar, ignora a circunstância de o cérebro humano ser um instrumento poderoso, e uma reação física ao material colocado diante do requerente poder ser provocado afinal por uma fantasia deste, alheia à imagem exibida. Estes exames não permitem destrinçar os requerentes genuínos dos falsos e são, por isso, claramente ineficazes, bem como violadores dos direitos fundamentais.

63.      Parece‑me que perguntas explícitas sobre as atividades e propensões sexuais do requerente são igualmente contrárias aos artigos 3.° e 7.° da Carta. Pela sua própria natureza, tais perguntas violam a integridade do indivíduo tal como é garantida pelo artigo 3.°, n.° 1, da Carta. São invasivas e violam o direito ao respeito pela vida privada e familiar. Além disso, o seu valor probatório no contexto de um pedido de concessão do estatuto de refugiado é questionável. Em primeiro lugar, um falso requerente pode forjar facilmente a informação necessária. Em segundo lugar, essa prática é passível de alienar determinados indivíduos (incluindo requerentes genuínos) e, assim, minar o princípio de cooperação entre o requerente e as autoridades nacionais (artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva «qualificação de refugiado»).

64.      Além disso, o Tribunal declarou no acórdão X, Y e Z que, relativamente à expressão da orientação sexual, nada na letra do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva «qualificação de refugiado» indicia que o legislador da União tenha pretendido excluir do âmbito de aplicação desta disposição alguns outros tipos de atos ou de expressões ligados à orientação sexual (69). Assim, o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva «qualificação de refugiado» não prevê qualquer restrição ao comportamento que os membros do grupo social específico podem adotar, relativamente à sua identidade ou aos comportamentos que cabem ou não no conceito de orientação sexual para efeitos desta disposição (70).

65.      Isto leva‑me a pensar que o Tribunal reconheceu, desse modo, que as autoridades competentes não devem apreciar os pedidos de concessão do estatuto de refugiado com base num arquétipo de homossexual. Infelizmente, uma apreciação assente em perguntas relacionadas com a vida sexual do requerente indicia, na verdade, que a avaliação daquelas autoridades assenta em pressuposições baseadas em visões estereotipadas do comportamento homossexual. É improvável que perguntas dessa índole permitam distinguir os requerentes genuínos dos falsos que se prepararam para o procedimento, sendo por isso inapropriadas e desproporcionadas na aceção do artigo 52.°, n.° 1, da Carta.

66.      A meu ver, é manifestamente contrário ao artigo 7.° da Carta exigir dos requerentes a apresentação de elementos de prova como filmes ou fotografias ou solicitar‑lhes que pratiquem atos sexuais para demonstrar a sua orientação sexual. Reitero que o valor probatório desse tipo de provas é duvidoso, dado que as mesmas são passíveis de ser fabricadas se necessário e não permitem distinguir o requerente genuíno do falso.

67.      Mesmo que um requerente dê o seu consentimento a qualquer das três práticas (exames médicos (71), interrogatórios invasivos, ou apresentação de provas explícitas), isso não altera a minha análise. O consentimento do requerente à realização de um exame médico que tem por objeto algo (a homossexualidade) que não constitui uma doença reconhecida, i) não pode sanar uma violação do artigo 3.° da Carta, ii) não reforça o valor probatório de qualquer prova produzida, iii) nem é suscetível de tornar essa limitação dos direitos garantida pelo artigo 7.° da Carta proporcional para efeitos do artigo 52.°, n.° 1. Além disso, tenho também sérias dúvidas de que se possa realmente considerar que um requerente, que é a parte vulnerável no processo de pedido de concessão do estatuto de refugiado, tenha dado o seu consentimento plenamente livre e informado às autoridades nacionais competentes, em tais circunstâncias.

68.      Todas as partes que apresentaram observações ao Tribunal aceitam que a orientação sexual é uma questão complexa. Consequentemente, em sede de avaliação da credibilidade as autoridades nacionais devem abster‑se de julgar as alegações dos requerentes em função de ideias estereotipadas. As suas conclusões não devem radicar no pressuposto de que há respostas «corretas» e «incorretas» às perguntas de um examinador ‑ por exemplo, que um requerente não é credível se não sentiu ansiedade ao tomar consciência de que era homossexual e não heterossexual, ou se não dá mostras de estar a par de questões políticas ou atividades particulares relevantes para os homossexuais. Tais práticas não estão em conformidade com o disposto no artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva «qualificação de refugiado», que obriga as autoridades competentes a ter em conta a situação e as circunstâncias pessoais do requerente. Acrescento, por uma questão de correção, que o objetivo da entrevista consiste em convidar o requerente a expor o seu caso. Se ao fazê‑lo ele faculta espontaneamente, por exemplo, informação sexual explícita sobre a sua pessoa, estamos perante uma situação diferente de ele ser interrogado pelas autoridades competentes sobre a mesma matéria. Contudo, é a essas autoridades que continua a competir apreciar a sua credibilidade, tendo em mente que a orientação sexual do requerente não pode ser estabelecida com base em informação dessa natureza. A este propósito, chamo a atenção para as diretrizes do ACNUR.

69.      Concluo que, uma vez que não é possível determinar a orientação sexual de um indivíduo de um modo definitivo, as práticas que visam isso mesmo não devem ter lugar no processo de avaliação nos termos do artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado». Tais práticas infringem os artigos 3.° e 7.° da Carta. Dependendo das circunstâncias do caso, podem perfeitamente violar outros direitos consignados na Carta. A apreciação tendente a determinar se o estatuto de refugiado deve ser concedido deve, antes, centrar‑se na questão de saber se o requerente é credível. Isto significa ponderar se a sua exposição é plausível e coerente.

 Processo de apreciação da credibilidade

70.      A primeira apreciação da credibilidade de um requerente é feita pelas autoridades nacionais competentes («procedimento em primeira instância»), cuja decisão pode ser judicialmente impugnada se o requerente dela interpuser recurso nos tribunais nacionais competentes para o efeito.

71.      Os princípios e garantias básicos do procedimento em primeira instância constam do capítulo II da Diretiva «procedimentos de asilo» (72). Os Estados‑Membros devem assegurar que as decisões do órgão de decisão (73) relativas a pedidos de concessão de asilo sejam proferidas após apreciação adequada (74). Antes de o órgão de decisão se pronunciar, deve ser concedida aos requerentes uma entrevista pessoal (75). As condições aplicáveis à entrevista pessoal são definidas no artigo 13.° da Diretiva «procedimentos de asilo». Incluem a garantia de que a mesma seja realizada em condições que permitam aos requerentes expor circunstanciadamente os fundamentos do seu pedido. Consequentemente, cumpre aos Estados‑Membros assegurar que a pessoa encarregada de conduzir a entrevista pessoal possua competência suficiente e que os requerentes tenham acesso aos serviços de um intérprete que os assista (76).

72.      Quanto à apreciação da credibilidade, B alega que, se o Tribunal não aceitar que a questão da orientação sexual de um requerente seja aferida exclusivamente com base na sua declaração, deve haver lugar a inversão do ónus da prova, cabendo então às autoridades competentes provar que ele não é homossexual.

73.      Discordo desta tese. O processo de cooperação mencionado no artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva «qualificação de refugiado» não é um julgamento. É, sim, uma oportunidade facultada ao requerente de expor os factos e apresentar os seus elementos de prova, e às autoridades competentes de coligirem informação, verem e ouvirem o requerente, avaliarem a sua conduta e questionarem a plausibilidade e a coerência da sua exposição. O termo «cooperação» implica colaboração de ambas as partes com vista a um fim comum (77). É verdade que esta disposição habilita os Estados‑Membros a solicitar do requerente a apresentação dos elementos necessários para justificar o seu pedido. Daí não se segue, contudo, que esteja em conformidade com o artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado» a prática de aplicar um regime de prova que tenha como efeito tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil (por exemplo, um valor de prova elevado, para lá da dúvida razoável, ou de índole criminal ou para‑criminal) a um requerente apresentar os elementos necessários para justificar o seu pedido nos termos da Diretiva «qualificação de refugiado» (78). Nem que o requerente deva ser obrigado a «provar» a sua orientação sexual de acordo com qualquer outro padrão de prova (diferente), pois esta matéria não é suscetível de prova nesses termos. É, por isso, importante que o responsável pela decisão tenha oportunidade de ver o requerente apresentar a sua exposição ou, no mínimo, disponha de um relatório integral sobre a sua conduta no decurso da entrevista (a minha preferência recai sobre a primeira).

74.      Os requerentes genuínos do estatuto de refugiado são amiúde levados a pedir a concessão de asilo por terem sofrido provações e sido sujeitos a experiências difíceis e traumáticas. É frequentemente necessário dar‑lhes o benefício da dúvida no momento de avaliar a credibilidade dos seus depoimentos, bem como dos documentos submetidos para os sustentar. É esse, segundo me parece, o princípio que informa o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva «qualificação de refugiado». Contudo, quando da informação apresentada resultem fortes razões para se questionar a veracidade das alegações de um requerente de asilo, o indivíduo deve fornecer uma explicação satisfatória das alegadas discrepâncias (79).

75.      Quando considerem duvidosa a credibilidade de um requerente, devem as autoridades competentes avisá‑lo desse facto, antes de proferirem uma decisão adversa?

76.      A Diretiva «procedimentos de asilo» não estabelece tal obrigação. O artigo 14.°, n.° 1, limita‑se a impor aos Estados‑Membros os deveres de assegurarem a elaboração de um relatório escrito da entrevista pessoal, que contenha, «pelo menos», as informações essenciais relativas ao pedido, e de o facultarem ao requerente. O Estado‑Membro pode, ainda, solicitar a aprovação do conteúdo do relatório pelo requerente, sendo permitido a este declarar no respetivo processo a sua discordância em relação a quaisquer pontos do mesmo. Pretende‑se assim proporcionar ao requerente uma oportunidade de retificar determinados elementos, seja antes de ser proferida uma decisão, seja após a mesma, no âmbito de um recurso. Além disso, em caso de indeferimento de um pedido de concessão do estatuto de refugiado, a decisão deve ser sempre fundamentada e indicar as possibilidades de recurso (artigo 9.° da Diretiva «procedimentos de asilo»).

77.      Estes procedimentos (80) visam assegurar que o requerente seja ouvido em condições justas em primeira instância. É‑lhe facultada uma oportunidade de expor o seu caso e de trazer outros elementos à atenção das autoridades competentes na fase da entrevista pessoal. Contudo, não é claro à luz da Diretiva «procedimentos de asilo» se o legislador ponderou especificamente o peso que a avaliação da credibilidade pode assumir na decisão de casos como os do processo principal, em que a concessão do estatuto de refugiado é pedida com fundamento na orientação sexual de um requerente, mas não existem provas que corroborem a sua alegada homossexualidade. Em tais casos, a conduta do requerente na exposição do seu caso é tão importante como a própria exposição em si. A Diretiva «procedimentos de asilo» não obriga a que a decisão seja proferida pela pessoa que conduz a entrevista (de acordo com os respetivos artigos 12.° e 13.°). Assim, a decisão pode ser tomada por uma pessoa que não tenha visto nem ouvido o requerente, porventura com base num processo que contenha espaços em branco indicativos de que o requerente não respondeu a perguntas relacionadas com o seu comportamento sexual ou não demonstrou ter conhecimentos acerca dos direitos dos homossexuais. Embora as entrevistas registadas em vídeo possam de alguma forma mitigar este problema, não deixa de envolver os seus riscos, em especial numa área tão sensível como esta.

78.      No acórdão M.M. (81) o Tribunal declarou que a observância do direito a uma boa administração compreende o direito de todos os indivíduos a serem ouvidos, e se impõe mesmo quando a regulamentação aplicável não prevê expressamente essa formalidade (82). Além disso, este direito garante a cada indivíduo a oportunidade de dar a conhecer a sua opinião de forma efetiva no decurso de um procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar os seus interesses (83).

79.      Dependendo das circunstâncias do caso, i) não informar um requerente de que o seu pedido não deverá ser deferido pelo facto de as autoridades competentes duvidarem da sua credibilidade, ii) não lhe comunicar os motivos subjacentes a essa opinião e, iii) não lhe proporcionar uma oportunidade de abordar essas questões específicas pode configurar uma violação do referido requisito processual de ordem geral.

80.      Nos casos em apreço no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, nos termos das normas processuais aplicáveis nos Países Baixos, deve ser dada aos respetivos requerentes uma oportunidade de comentar as conclusões das autoridades competentes relativas à questão da credibilidade. Sem prejuízo da competente verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio de que tal foi o caso aqui, não creio que tenha havido uma violação desse tipo nestes casos.

81.      O artigo 4.°, n.° 5, alínea b), da Diretiva «qualificação de refugiado» determina que, sempre que houver elementos das declarações do requerente que não sejam sustentados por provas de outra natureza, devem ser apresentados todos os elementos pertinentes ao dispor do requerente e deve ser dada uma explicação satisfatória para a eventual falta de outros elementos pertinentes. Isto faz‑me pensar que os procedimentos de concessão do estatuto de refugiado devem assegurar que os requerentes tenham a oportunidade de abordar especificamente as questões relacionadas com a sua credibilidade nos casos em que a sua declaração constitui o único elemento de prova da respetiva orientação sexual.

82.      Seria a meu ver desejável e prudente que os Estados‑Membros assegurassem que os requerentes disponham da oportunidade de abordar especificamente as questões relacionadas com a sua credibilidade no decurso da fase administrativa do processo (ou do procedimento em primeira instância), antes de o órgão de decisão proferir uma decisão final.

83.      A e B contestam ambos a descrição feita pelo órgão jurisdicional de reenvio da forma como as Diretivas «qualificação de refugiado» e «procedimentos de asilo» foram transpostas para o direito neerlandês, bem como do processo de apreciação de pedidos de concessão do estatuto de refugiado nos Países Baixos, designadamente do sistema de fiscalização jurisdicional das decisões das autoridades nacionais competentes. Por seu lado, o Governo neerlandês classifica a descrição do órgão jurisdicional de reenvio como douta e precisa. O órgão jurisdicional de reenvio indicou que os tribunais que conheceram os recursos dos três requerentes das decisões do Ministro analisaram a questão da sua respetiva credibilidade.

84.      Coloca‑se a questão de princípio de saber quão intenso deve ser o escrutínio de uma decisão administrativa negativa nos casos em que a falta de credibilidade do requerente constitui o fundamento do indeferimento do pedido de concessão do estatuto de refugiado. Deve a fiscalização judicial confinar‑se à matéria de direito, ou ser extensiva à análise da prova? Esta questão não foi suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, pelo que me abstenho de a abordar aqui. Além disso, dado que o processo de decisão prejudicial não tem por objetivo verificar se os Países Baixos não cumpriram as suas obrigações de transposição, seja da Diretiva «qualificação de refugiado» seja da Diretiva «procedimentos de asilo» (não se trata de uma ação por incumprimento), o Tribunal não é chamado a dirimir a diferença de entendimento entre A e B, por um lado, e o Governo dos Países Baixos, por outro, a respeito do sistema atualmente em vigor no país (84).

85.      Os limites aplicáveis, nos termos do direito da União, à apreciação da credibilidade de pedidos de concessão do estatuto de refugiado baseados na orientação sexual são diferentes dos aplicáveis às pretensões baseadas noutros motivos de perseguição previstos na Diretiva «qualificação de refugiado»?

86.      Em meu entender, não.

87.      A Carta constitui a matriz de interpretação tanto da Diretiva «qualificação de refugiado» como da Diretiva «procedimentos de asilo», no tocante a todos os motivos de perseguição enumerados no artigo 10.° da primeira. É possível que diferentes direitos fundamentais sejam invocados em conexão com diferentes motivos. Por exemplo, o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião (artigo 10.° da Carta) pode, logicamente, ser invocado no âmbito de pedidos de concessão do estatuto de refugiado baseados em motivos de perseguição religiosa (85). Não obstante, a apreciação dos factos e circunstâncias está, em todos os pedidos de concessão do estatuto de refugiado, sujeita aos requisitos definidos no artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado» e na Diretiva «procedimentos de asilo». Esta interpretação está em sintonia com o princípio da não discriminação consagrado no artigo 3.° da Convenção de Genebra e no artigo 21.° da Carta. As lacunas que identifiquei na legislação serão igualmente relevantes no quadro de pedidos baseados em qualquer um dos motivos de perseguição enumerados no artigo 10.° da Diretiva «qualificação de refugiado», na medida em que a credibilidade do requerente é a questão‑chave quando o pedido é corroborado por poucos ou nenhuns elementos de prova.

88.      Já assinalei que a pergunta do órgão jurisdicional de reenvio é formulada em termos abstratos e que o Tribunal tem ao seu dispor muito pouca matéria no que toca às circunstâncias dos casos individuais do processo principal. Por uma questão de correção, tecerei as seguintes observações sobre as mesmas.

89.      A. comunicou às autoridades nacionais competentes a sua disponibilidade para se submeter a um exame para prova da sua orientação homossexual. Em meu entender, contudo, a eventual aceitação por essas autoridades da realização deste procedimento a fim de estabelecer a orientação sexual de A não seria conforme com os artigos 3.° e 7.° da Carta.

90.      O Ministro indeferiu o pedido de B por, i) considerar a sua exposição inadequada e, ii) B. não ter correspondido às suas expetativas em relação à forma como um homem homossexual de uma família muçulmana e de um país onde a homossexualidade não é aceite reagiria ao tomar consciência da sua condição de homossexual. Na medida em que a decisão do Ministro se baseou em i), cumprirá ao tribunal nacional competente, enquanto única entidade a quem cabe conhecer da matéria de facto, determinar se foi dada a B uma oportunidade adequada de apresentar todos as informações pertinentes, nos termos do artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado». Para garantir que o direito de B a uma boa administração é respeitado, é importante que as autoridades nacionais assegurem que B foi informado dos aspetos relativamente aos quais se consideravam insuficientes os elementos apresentados para comprovar a sua exposição e que lhe tenha sido proporcionada uma oportunidade de abordar essas questões. Contudo, no que se refere a ii), seria contrário ao disposto no artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da diretiva as autoridades nacionais basearem a sua decisão unicamente no pressuposto, baseado numa visão estereotipada da realidade, de que, pelo facto de C ser muçulmano e de um país onde a homossexualidade não é aceite, a sua exposição, para ser credível, teria de integrar uma descrição em pormenor dos seus sentimentos e do processo de autoaceitação da sua homossexualidade.

91.      O Ministro indeferiu a pretensão de C por considerar: i) que a mesma era incoerente; ii) que a informação constante do processo era insuficiente, na medida em que C não apresentou um relato claro do seu processo de consciencialização da sua condição de homossexual; e iii) que um filme em que C pratica um ato sexual com um homem não faz prova da sua orientação homossexual. Relativamente aos pontos i) e ii), na medida em que a decisão do Ministro se baseou neles, cumprirá ao tribunal nacional competente, enquanto única entidade a quem cabe conhecer da matéria de facto, determinar se foi dada a C uma oportunidade adequada de apresentar todas as informações pertinentes, nos termos do artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado». Para garantir que o direito de C a uma boa administração é respeitado, é importante que as autoridades nacionais assegurem que C foi informado dos pontos em que as informações apresentadas para comprovar a sua exposição foram consideradas deficientes e que lhe foi proporcionada uma oportunidade de abordar essas questões. No que toca ao ponto iii), considero que a aceitação como elemento de prova, pelas autoridades competentes, de um filme de C em que este aparece a praticar um ato sexual seria contrário ao preceituado nos artigos 3.° e 7.° da Carta.

92.      Por último, sugiro que seria desejável e prudente assegurar que os três requerentes dispuseram, todos eles, de uma oportunidade de abordar especificamente quaisquer questões relacionadas com a sua credibilidade no decurso da fase administrativa do processo (ou do procedimento em primeira instância), antes de o órgão de decisão proferir uma decisão final; e que os agentes que tomam as decisões (de preferência) observaram o seu comportamento durante a exposição dos respetivos casos ou, no mínimo, têm acesso a informação relativa ao comportamento dos interessados no decurso das entrevistas.

 Conclusão

93.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal responda da seguinte forma à pergunta submetida pelo Raad van State (Países Baixos):

«Um pedido de concessão do estatuto de refugiado apresentado nos termos da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004 (relativa às normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida), e apreciado de acordo com as regras constantes da Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005 (relativa às normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros), que tenha como fundamento a alegação de que o requerente pertence a um grupo social específico em razão da sua orientação sexual na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83, está sujeito a uma apreciação dos factos e circunstâncias para os efeitos do artigo 4.° da Diretiva 2004/83. O objetivo dessa apreciação consiste em aferir se a exposição do requerente é credível; e ao efetuarem essa apreciação as autoridades competentes devem cumprir a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente os seus artigos 3.° e 7.°

A declaração por um requerente da sua alegada orientação sexual constitui um elemento importante a ter em conta. Em contrapartida, práticas como a realização de exames e exames pseudomédicos e de interrogatórios intrusivos sobre a vida sexual do requerente e a aceitação como elemento de prova de imagens explícitas do requerente a praticar atos sexuais são incompatíveis com os artigos 3.° e 7.° da Carta, e o recurso pelas autoridades competentes a perguntas de caráter geral baseadas em visões estereotipadas dos homossexuais não está em conformidade com a apreciação dos factos respeitantes a um indivíduo particular requerida pelo artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 2004/83.»


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO L 304 de 30.9.2004, p. 12) (a seguir «Diretiva ‘qualificação de refugiado’); v. ainda nota 13, infra. A referida diretiva foi reformulada, revogada e substituída pela Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO L 337 de 20.12.2011, p. 9), com efeitos a partir de 21 de dezembro de 2013.


3 —      Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO L 326 de 13.12.2005, p. 13) (a seguir, «Diretiva ‘Procedimentos de asilo’); v. ainda nota 13, infra. A referida diretiva foi reformulada, revogada e substituída pela Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO L 180 de 29.6.2013, p. 60), com efeitos a partir de 21 de julho de 2015.


4 —      A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, No 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Foi complementada pelo Protocolo de Nova Iorque, de 31 de janeiro de 1967, adicional à Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir, conjuntamente, «Convenção de Genebra».


5 —      Assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).


6 —      Nos termos do disposto no artigo 15.°, n.° 2, da CEDH, o direito à vida (artigo 2.°), as proibições da tortura e da escravatura e trabalho forçado (artigos 3.° e 4.°, respetivamente) e o direito a não ser punido sem um processo equitativo prévio (artigo 7.°) não podem ser objeto de derrogação.


7 —      JO 2010, C 83, p. 389.


8 —      V. ainda o n.° 78 e a nota 83, infra.


9 —      V. considerando 3 da Diretiva «qualificação de refugiado».


10 —      V. considerandos 10 e 8 nos preâmbulos das Diretivas «qualificação de refugiado» e «procedimentos de asilo», respetivamente.


11 —      V. considerandos 11 e 9 nos preâmbulos das Diretivas «qualificação de refugiado» e «procedimentos de asilo», respetivamente.


12 —      V. considerando 8 no preâmbulo e artigo 3.° da Diretiva «qualificação de refugiado», e considerando 7 no preâmbulo e artigo 5.° da Diretiva «procedimentos de asilo».


13 —      Além da Diretiva «qualificação de refugiado» e da Diretiva «procedimentos de asilo», v. Diretiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de julho de 2001, relativa a normas mínimas aplicáveis em matéria de concessão de proteção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados‑Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento (JO L 212 de 7.8.2001, p. 12); Diretiva 2003/9/CE do Conselho, de 27 de janeiro de 2003, que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados‑Membros (JO L 31 de 6.2.2003, p. 18); e as medidas conhecidas por «sistema de Dublim» (os regulamentos Dublim e EURODAC), nomeadamente o Regulamento (CE) n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e os mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO L 50 de 25.2.2003, p. 1). Em 2013, foi adotado um novo regime do SECA. Fiz referência às medidas que substituem as Diretivas «qualificação de refugiado» e «procedimentos de asilo» nas notas 2 e 3, respetivamente. Não enumerei as restantes novas medidas, dado que tais instrumentos não estão aqui diretamente em causa.


14 —      V. considerandos 1 a 4, 6, 7, 8, 10, 11 e 17 no preâmbulo da Diretiva «qualificação de refugiado».


15 —      Artigo 9.°, n.° 1.


16 —      Artigo 9.°, n.° 2.


17 —      Artigo 9.°, n.° 3.


18 —      Os motivos de perseguição enumerados no artigo 10.° incluem os conceitos de raça, religião, nacionalidade e opiniões políticas.


19 —      V. considerandos 2, 3, 5, 7, 8, 10, 13 e 22 no preâmbulo da Diretiva «procedimentos de asilo».


20 —      Artigo 3.°, n.° 1.


21 —      Artigo 4.°, n.° 1.


22 —      Artigo 8.°, n.° 2.


23 —      Artigos 13.°, n.os 1, 2 e 3.


24 —      Artigo 13.°, n.° 3, alíneas a) e b).


25 —      Artigo 14.°, n.os 1 e 2.


26 —      Artigo 14.°, n.° 3.


27 —      Artigo 15.°, n.° 1.


28 —      Artigo 23.°, n.° 2.


29 —      Artigo 39.°, n.° 1, alínea a).


30 —      As normas nacionais constam do artigo 31.°, n.° 1, da Vreemdelingenwet 2000 (Lei relativa aos cidadãos estrangeiros 2000), do artigo 3.111 do Vreemdelingenbesluit 2000 (Decreto relativo aos cidadãos estrangeiros 2000) e do artigo 3.35 do Voorschrift Vreemdelingen 2000 (Regulamento relativo aos cidadãos estrangeiros 2000). A orientação referente a estas disposições figura na Vreemdelingencirculaire 2000 (Circular relativa aos cidadãos estrangeiros 2000), e em particular nos parágrafos C2/2.1, C2/2.1.1, e C14/2.1 a C14/2.4.


31 —      Acórdão Y e Z (C‑71/11 e C‑99/11 P, EU:C:2012:518), que têm por objeto o conceito de crença religiosa no âmbito do artigo 10.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva «qualificação de refugiado».


32 —      Acórdão X e o. (C‑199/12 a C‑201/12, X, Y e Z, EU:C:2013:720).


33 —      V. relatório publicado por Sabine Jansen e Thomas Spijkerboer, Fleeing homophobia — asylum claims related to sexual orientation and gender identity in Europe, Vrije Universität Amsterdão, 2011 (a seguir «Fleeing homophobia»).


34 —      Acórdão Salahadin Abdulla e o. (C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, EU:C:2010:105, n.° 52); Y e Z (EU:C:2012:518, n.° 47); e X e o. (EU:C:2013:720, n.° 39).


35 —      Acórdão X e o. (EU:C:2013:720, n.° 40). V. também o artigo 10.° da Carta.


36 —      V. considerandos 2, 3, 5, 7 e 8 no preâmbulo e artigo 1.° da Diretiva «procedimentos de asilo». V. ainda o acórdão Samba Diouf (C‑69/10, EU:C:2011:524, n.° 34).


37 —      V. jurisprudência constante, que remonta ao acórdão Rewe Zentralfinanz (33/76, EU:C:1976:188, n.° 5); mais recentemente, v. acórdão Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.° 39).


38 —      V. n.° 28 supra.


39 —      Acórdão X e o. (EU:C:2013:720, n.os 46 e 47).


40 —      Ibidem (n.os 67 a 69).


41 —      Ibidem (n.° 72 e jurisprudência referida).


42 —      Ibidem (n.° 73 e jurisprudência referida).


43 —      Artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva «qualificação de refugiado».


44 —      Artigo 10.°, n.° 2, da Diretiva «qualificação de refugiado».


45 —      Artigos 2.°, alínea c), e 9.° da Diretiva «qualificação de refugiado».


46 —      Conforme é interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (a seguir «Tribunal de Estrasburgo»).


47 ‑      No que diz respeito à (útil) intervenção do ACNUR, observo que as Diretrizes sobre Proteção Internacional n.° 9 do ACNUR (a seguir «diretrizes do ACNUR») fazem referência, no n.° 7, aos Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Género (a seguir «Princípios de Yogyakarta»), adotados em 2007. Embora não sejam juridicamente vinculativos, os Princípios de Yogyakarta refletem os princípios consolidados do direito internacional. No n.° 4 do preâmbulo dos Princípios de Yogyakarta, «orientação sexual» diz respeito «[à] capacidade de cada pessoa de sentir uma profunda atração emocional, afetiva e sexual por pessoas de um género diferente do seu, ou do seu mesmo género, ou de mais de um género, assim como a capacidade de manter relações íntimas e sexuais com essas pessoas».


48 —      O Tribunal de Estrasburgo julgou uma série de processos que tinham por objeto a discriminação em razão da orientação sexual na esfera da vida privada e familiar; v. TEDH, acórdão X e o c. Áustria [GC] de 19 de fevereiro de 20013, n.º 19010/07, Recueil des arrêts et décisions, § 92 e jurisprudência referida, respeitante à interpretação do artigo 8.° da CEDH, isoladamente e em conjugação com o artigo 14.° da CEDH.


49 ‑      V. nota 6 ,supra.


50 —      TEDH, acórdão Van Kück c. Alemanha de 12 de setembro de 2003, n.º  35968/97, Recueil des arrêts et décisions 2003‑VII, § 69 e jurisprudência referida.


51 —      Van Kück c. Alemanha, já referido, §§ 69 e 73 a 75.


52 —      V., por exemplo, TEDH, Christine Goodwin c. Reino Unido [GC], n.º 28957/95, Recueil des arrêts et décisions 2002‑VI, e Van Kück c. Alemanha, já referido. No acórdão Goodwin, estava em causa saber se, ao não reconhecer a mudança (de género) da requerente, o Reino Unido não tinha cumprido certas obrigações de assegurar, designadamente, os direitos da demandante ao respeito pela vida privada. No processo Van Kück a demandante alegou que as decisões dos tribunais alemães e os procedimentos conexos que lhe haviam indeferido os pedidos de reembolso das despesas médicas em que incorrera para efetuar a mudança de género violavam, inter alia, o seu direito ao respeito pela vida privada, na medida em que os tribunais requeriam um elemento de prova que demonstrasse que a operação em questão era o único tratamento possível para o seu problema.


53 —      V. considerando 11 no preâmbulo da Diretiva «qualificação de refugiado» e o princípio de não discriminação consagrado no artigo 3.° da Convenção de Genebra e no artigo 21.° da Carta.


54 —      Os elementos mencionados no artigo 4.°, n.° 1, são enumerados circunstanciadamente no artigo 4.°, n.° 2; v. n.° 9, supra. V. ainda o acórdão M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.° 73).


55 —      Artigo 4.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva «qualificação de refugiado». V. também o artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva «procedimentos de asilo».


56 —      V. n.° 9, supra.


57 —      V. n.os 60 e 61, infra.


58 —      TEDH, F.N. e o. c. Suécia de 18 de dezembro de 2012, n.° 28774/09, § 65 e jurisprudência referida.


59 —      Na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea c) da Diretiva «qualificação de refugiado».


60 —      TEDH, acórdão M.K.N. c. Suécia de 27 de junho de 2013, n.º 72413/10, § 27 e jurisprudência referida.


61 —      Acórdão Salahadin Abdulla e o. (EU:C:2010:105, n.° 90).


62 —      V., por exemplo, acórdão Agrokonsulting (C‑93/12, EU:C:2013:432, n.° 36).


63 —      Os requerentes fazem referência aos artigos 1.°, 3.°, 4.° (direitos insuscetíveis de derrogação), 7.°, 18.°, 19.°, 21.° e 41.° da Carta.


64 —      Artigo 1.°


65 —      Na CID‑9 da Organização Mundial de Saúde, de 1977, a homossexualidade figura na lista das doenças mentais; foi removida da mesma na CID‑10, aprovada pela Assembleia Mundial da Saúde na sua 43.ª sessão, em 17 de maio de 1990. A Classificação Internacional de Doenças (CID) é o instrumento corrente de diagnóstico nos domínios da epidemiologia, da administração da saúde e clínico.


66 —      Artigo 7.°, conjugado com o artigo 52.°, n.° 1, da Carta.


67 —      A sujeição de um requerente a exames médicos sem o seu consentimento pode constituir uma violação dos artigos 1.° e 4.° da Carta, e é manifestamente incompatível com o artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado», dado que contraria o princípio da cooperação. No TEDH, acórdão Jalloh c. Alemanha [GC], n.° 54810/00, Recueil des arrêts et décisions 2006‑IX, o Tribunal de Estrasburgo definiu os princípios gerais a aplicar em sede de interpretação do artigo 3.° da CEDH (correspondente ao artigo 4.° da Carta) quanto à realização de exames médicos. Os maus tratos devem revestir um elevado grau de severidade para poderem ser enquadrados no âmbito do artigo 3.° A apreciação destes é relativa; depende de todas as circunstâncias do caso em questão e está sujeita a elevadas exigências em matéria de prova, com exclusão de qualquer dúvida razoável (v. § 67). Na sua apreciação, o Tribunal de Estrasburgo teve igualmente em conta a questão de saber se o objetivo do tratamento médico era humilhar e rebaixar a pessoa em causa (v. infra os §§ 68 e 69 a 74).


68 —      A falometria incide sobre a reação física do examinando à pornografia, a qual pode incluir material heterossexual ou homossexual (masculino ou feminino). V., infra, n.° 6.3.5 do relatório «Fleeing homophobia», mencionado na nota 33, supra.


69 —      Excetuados os atos considerados criminosos pela legislação nacional dos Estados‑Membros, v. n.° 67. V. também n.° 34, supra.


70 —      V. acórdão X e o. (EU:C:2013:720, n.° 68).


71 —      V. artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Carta.


72 —      O objetivo desta diretiva consiste em estabelecer normas mínimas relativas aos procedimentos de concessão e de retirada do estatuto de refugiado aplicados nos Estados‑Membros, v. artigo 1.°


73 —      O «órgão de decisão» é subsumível no âmbito do conceito de «autoridades competentes» da Diretiva «qualificação de refugiado».


74 —      Os requisitos que esse exame deve satisfazer são enunciados no artigo 8.°, n.° 2, alíneas a) a c), da Diretiva «procedimentos de asilo». V. ainda os artigos 9.° a 11.° da mesma diretiva, respeitantes às condições aplicáveis às decisões do órgão de decisão, bem como às garantias e obrigações dos requerentes de asilo.


75 —      Artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva «procedimentos de asilo».


76 —      Artigo 13.°, n.° 3, da Diretiva «procedimentos de asilo».


77 —      V. as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral Y. Bot no processo M. (EU:C:2012:253, n.° 59).


78 —      V., por exemplo, acórdão San Giorgio (C‑199/82, EU:C:1983:318, n.° 14), que teve por objeto regras nacionais que estabeleciam requisitos de prova que, na realidade, tornavam praticamente impossível obter o reembolso de taxas cobradas em contravenção ao (então) direito comunitário. A este propósito, nos termos de jurisprudência assente, o princípio da efetividade proíbe um Estado‑Membro de tornar o exercício de direitos conferidos pela ordem jurídica da União impossível na prática ou excessivamente difícil; v. acórdão Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.° 28 e jurisprudência referida).


79 —      TEDH, acórdão J.H. c. Reino Unido de 20 de dezembro de 2011, n.º 48839/09, § 50 e jurisprudência referida.


80 —      Artigo 4.° da Diretiva «qualificação de refugiado» conjugado com a Diretiva «procedimentos de asilo».


81 —      EU:C:2012:744.


82 —      Ibidem (n.os 83 e 86 e jurisprudência referida).


83 —      Ibidem (n.° 87). O artigo 41.° da Carta é, em si, unicamente dirigido às Instituições da União, e não aos Estados‑Membros; v., por exemplo, acórdão Cicala (C‑482/10, EU:C:2011:868, n.° 28). Não obstante, como o Tribunal explicou no acórdão M. (EU:C:2012:744), os Estados‑Membros estão sujeitos aos princípios gerais consagrados nessa disposição.


84 —      Acórdão Sjöberg e Gerdin (C‑447/08 e C‑448/08, EU:C:2010:415, n.° 45).


85 —      Artigo 10.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva «qualificação de refugiado».