Language of document : ECLI:EU:C:2014:2044

Processos apensos C‑362/13, C‑363/13 e C‑407/13

Maurizio Fiamingo e o.

contra

Rete Ferroviaria Italiana SpA

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Corte suprema di cassazione)

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Setor marítimo — Ferries que efetuam uma viagem entre dois portos situados no mesmo Estado‑Membro — Contratos de trabalho a termo sucessivos — Artigo 3.°, n.° 1 — Conceito de ‘contrato de trabalho a termo’ — Artigo 5.°, n.° 1 — Medidas para evitar o recurso abusivo aos contratos a termo — Sanções — Conversão em contrato de trabalho sem termo — Requisitos»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 3 de julho de 2014

1.        Política social — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Diretiva 1999/70 — Âmbito de aplicação — Contratos de trabalho a termo em ferries que efetuam uma viagem entre dois portos situados no mesmo Estado‑Membro — Inclusão

(Diretiva 1999/70 do Conselho, anexo, artigo 3.°, n.° 1)

2.        Política social — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho de duração determinada — Diretiva 1999/70 — Conceito de «trabalhador contratado a termo» — Âmbito de aplicação — Contratos de trabalho a termo que indicar a duração do contrato, mas não a data em que ocorre o termo — Inclusão

(Diretiva 1999/70 do Conselho, anexo, artigo 3.°, n.° 1)

3.        Política social — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Diretiva 1999/70 — Medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo — Contratos de trabalho a termo sucessivos — Legislação nacional que só considera sucessivos os contratos de trabalho a termo separados por um período inferior ou igual a 60 dias — Admissibilidade — Verificação que compete ao tribunal nacional — Alcance

(Diretiva 1999/70 do Conselho, anexo, artigo 5.°)

1.        O acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo que figura no anexo d Diretiva 1999/70, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a trabalhadores contratados, mediante contratos de trabalho a termo, como marítimos em ferries que efetuam uma viagem marítima entre dois portos situados no mesmo Estado‑Membro.

Com efeito, resulta do próprio teor do artigo 2.°, n.° 1, do acordo‑quadro que o âmbito de aplicação deste é concebido de modo amplo. Além disso, a definição do conceito de «trabalhador contratado a termo», na aceção do acordo‑quadro, enunciado no seu artigo 3.°, n.° 1, abrange todos os trabalhadores, sem fazer distinção consoante a natureza pública ou privada do empregador a que estejam vinculados. Deste modo, o acordo‑quadro aplica‑se a todos os trabalhadores que fornecem prestações remuneradas no âmbito de uma relação laboral a termo que os liga ao seu empregador.

É certo que o âmbito de aplicação do acordo‑quadro tem limites. Assim, resulta da letra do artigo 2.°, n.° 1, do acordo‑quadro que a definição dos contratos e das relações laborais a que este acordo‑quadro se aplica não cabe a este último nem ao direito da União, mas sim à legislação e/ou às práticas nacionais, desde que a definição desses conceitos não leve a excluir arbitrariamente uma categoria de pessoas da proteção conferida pelo acordo‑quadro.

Esta conclusão é corroborada pelo conteúdo do artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro, do qual resulta que, em conformidade com o terceiro parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro e os n.os 8 e 10 das suas considerações gerais, é no contexto da execução do referido acordo‑quadro que os Estados‑Membros têm a faculdade de ter em conta as necessidades particulares relativas aos setores específicos de atividades e/ou às categorias de trabalhadores em causa, desde que isso seja objetivamente justificado.

(cf. n.os 28 a 31, 39, 40, disp. 1)

2.        As disposições do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, que figura no anexo da Diretiva 1999/70, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que prevê que os contratos de trabalho a termo devem indicar a duração do contrato, mas não a data em que ocorre o termo.

Com efeito, o acordo‑quadro não tem por objetivo harmonizar todas as regras nacionais relativas aos contratos de trabalho a termo, mas visa unicamente, ao fixar princípios gerais e requisitos mínimos, estabelecer um quadro geral para assegurar a igualdade de tratamento para os trabalhadores a termo, protegendo‑os contra a discriminação, e evitar os abusos decorrentes da utilização de relações laborais ou de contratos de trabalho a termo sucessivos. O acordo‑quadro não contém nenhuma disposição relativa às menções formais que devem constar dos contratos de trabalho a termo.

A este respeito, o artigo 3.°, n.° 1, do acordo‑quadro, conforme resulta claramente da sua epígrafe e da sua letra, limita‑se a definir o conceito de «trabalhador a termo» e a designar, neste âmbito, o elemento característico de um contrato a termo, ou seja, a circunstância de o termo desse contrato ser determinado por «condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento». Em contrapartida, este artigo não impõe nenhuma obrigação aos Estados‑Membros no que diz respeito às regras de direito interno aplicáveis à celebração dos contratos de trabalho a termo.

(cf. n.os 44 a 46, 48, disp. 2)

3.        O artigo 5.° do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, que figura no anexo da Diretiva 1999/70, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que só prevê a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo se o trabalhador em causa tiver sido contratado ininterruptamente, mediante esses contratos, pelo mesmo empregador, por um período superior a um ano, sendo o contrato de trabalho considerado ininterrupto quando os contratos de trabalho a termo são separados por um período inferior ou igual a 60 dias.

Com efeito, o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros, com o fim de prevenir a utilização abusiva de contratos ou relações laborais a termo sucessivos, a adoção efetiva e coerciva de uma ou várias das medidas que enumera, sempre que o seu direito interno não preveja medidas legislativas equivalentes. As medidas assim enumeradas no n.° 1, alíneas a) a c), do referido artigo, que são três, referem‑se, respetivamente, a razões objetivas que justificam a renovação desses contratos ou relações laborais, à duração máxima total desses contratos de trabalho ou relações laborais sucessivos e ao número de renovações dos mesmos.

No entanto, o acordo‑quadro não impõe aos Estados‑Membros a adoção de uma medida que exija que qualquer primeiro ou único contrato de trabalho a termo seja justificado por uma razão objetiva. Os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação para executar o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro, uma vez que têm a opção de recorrer a uma ou várias medidas enunciadas no n.° 1, alíneas a) a c), deste artigo, ou ainda a medidas legais existentes equivalentes, tendo em conta as necessidades de setores específicos e/ou de categorias de trabalhadores.

A este respeito, o acordo‑quadro não estabelece uma obrigação geral dos Estados‑Membros de prever a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo. Com efeito, o artigo 5.°, n.° 2, do acordo‑quadro deixa, em princípio, aos Estados‑Membros a incumbência de determinar quais as condições em que os contratos ou as relações laborais a termo são considerados celebrados sem termo. Daqui resulta que o acordo‑quadro não estabelece as condições em que se pode fazer uso dos contratos sem termo.

No entanto, compete ao tribunal nacional verificar que as condições de aplicação e a execução eficaz dessa legislação fazem com que estas constituam uma medida adequada para evitar e punir a utilização abusiva de contratos ou relações laborais a termo sucessivos. Em especial, cabe ao tribunal nacional assegurar‑se de que o período máximo de um ano previsto na legislação nacional é calculado de forma a não reduzir substancialmente a eficácia da prevenção e da punição do recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo sucessivos. Tal poderá suceder se este período máximo for calculado em função, não do número de dias civis abrangidos por esses contratos de trabalho, mas em função do número de dias de atividade efetivamente cumpridos pelo trabalhador em causa, quando, por exemplo, devido à frequência reduzida das viagens, este último número for claramente inferior ao primeiro.

(cf. n.os 56, 57, 59, 65, 73, 74, disp. 3)