Language of document : ECLI:EU:T:2003:272

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

16 de Outubro de 2003 (1)

«Recurso de anulação - Acesso aos documentos - Decisão 94/90 CECA, CE, Euratom - Indeferimento - Regra do autor - Desvio de poder»

No processo T-47/01,

Co-Frutta Soc. coop. rl, com sede em Pádua (Itália), representada por W. Viscardini, M. Paolin e S. Donà, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Stancanelli, P. Aalto e U. Wölker, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão contida nas cartas de 31 de Julho de 2000, da Direcção-Geral «Agricultura», e do secretário-geral da Comissão, de 5 de Dezembro de 2000, pela qual foi parcialmente recusado o acesso aos documentos solicitados pela recorrente no âmbito do regime de importação de bananas,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: R. García-Valdecasas, presidente, P. Lindh e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Março de 2003,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

Legislação comunitária em matéria de acesso a documentos

1.
    Na sequência da declaração n.°17, relativa ao direito de acesso à informação anexa à acta final do Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, o Conselho e a Comissão aprovaram, em 6 de Dezembro de 1993, um código de conduta respeitante ao acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão (JO 1993, L 340, p. 41, a seguir «código de conduta»), que fixa os princípios que regem o acesso aos documentos em seu poder.

2.
    No que lhe respeita, a Comissão adoptou a Decisão 94/90/CECA, CE, Euratom, de 8 de Fevereiro de 1994, relativa ao acesso do público aos documentos da Comissão (JO L 46, p. 58, a seguir «Decisão 94/90»), que dá aplicação ao código de conduta.

3.
    O código de conduta prevê, sob a rubrica «Princípio geral»:

«O público terá o acesso mais amplo possível aos documentos da Comissão e do Conselho.

Entende-se por ‘documento’ todo o documento escrito, seja qual for o suporte, que contenha dados na posse da Comissão ou do Conselho.»

4.
    O código de conduta dispõe, sob a rubrica intitulada «Tratamento dos pedidos iniciais», terceiro parágrafo (a seguir «regra do autor»):

«Sempre que o documento na posse de uma instituição tenha como autor uma pessoa singular ou colectiva, um Estado-Membro, outra instituição ou órgão comunitário ou qualquer outra organização nacional ou internacional, o pedido deve ser dirigido directamente ao autor do documento.»

5.
    As circunstâncias que podem ser invocadas por uma instituição para justificar o indeferimento de um pedido de acesso a documentos são enumeradas, na rubrica do código de conduta intitulada «Regime de excepções», nos seguintes termos:

«As instituições recusam o acesso a qualquer documento cuja divulgação possa prejudicar:

[...]

-    a protecção do sigilo comercial e industrial,

[...]

-    a protecção da confidencialidade solicitada pela pessoa singular ou colectiva que forneceu a informação ou exigida pela legislação do Estado-Membro que forneceu a informação.

[...]».

6.
    Relativamente ao tratamento dos pedidos do público de acesso aos documentos da Comissão, o artigo 2.°, n.° 2, da Decisão 94/90, dispõe:

«O director-geral [...] informará por escrito o requerente, no prazo de um mês, quer da sua decisão de deferir o pedido quer da sua intenção de indeferir o pedido. Neste último caso, o requerente será igualmente informado de que dispõe de um mês para formular um pedido de confirmação tendente à revisão dessa decisão, na falta do qual se considerará que o requerente renunciou ao seu pedido inicial».

7.
    O código de conduta prevê, além disso, que «[s]e for apresentado tal pedido de confirmação e no caso de a instituição em causa decidir recusar [...] o documento, esta decisão, que deverá ser tomada no mês seguinte à apresentação do pedido de confirmação, será comunicada o mais rapidamente possível e por escrito ao requerente. A decisão deverá ser devidamente fundamentada e indicar as vias de recurso possíveis, ou seja, o recurso judicial e a queixa ao Provedor de Justiça, nas condições previstas respectivamente nos artigos 173.° e 138.°-E [que passaram a artigos 230.° CE e 195.° CE] do Tratado que institui a Comunidade Europeia».

8.
    O Tratado de Amesterdão, que entrou em vigor em 1 de Maio de 1999, reconheceu expressamente o direito de acesso do público aos documentos no artigo 255.° CE. Em conformidade com o n.° 2 do referido artigo, o Parlamento e o Conselho adoptaram o Regulamento (CE) n.° 1049/2001, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, aplicável a partir de 3 de Dezembro de 2001 (JO L 145, p. 43, a seguir «Regulamento n.° 1049/2001»).

Regime da organização comum de mercado no sector das bananas

9.
    O Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 404/93»), introduziu, no Título IV relativo ao regime comercial com países terceiros, um sistema comum de importações a partir de países terceiros que substituiu, a partir de 1 de Julho de 1993, os diversos sistemas nacionais anteriormente existentes.

10.
    No quadro do referido sistema, tal como foi aplicado pelo Regulamento (CEE) n.° 1442/93 da Comissão, de 10 de Junho de 1993, que estabelece normas de execução do regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 142, p. 6, a seguir «Regulamento n.° 1442/93») e, a partir de 1 de Janeiro de 1999, pelo Regulamento (CE) n.° 2362/98 da Comissão, de 28 de Outubro de 1998, que estabelece normas de execução do Regulamento [n.° 404/93] no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32, a seguir «Regulamento n.° 2362/98»), as autoridades competentes dos Estados-Membros são obrigadas a comunicar todos os anos à Comissão as listas dos operadores registados junto das mesmas, com elementos relativos às quantidades comercializadas por cada um deles durante um período de referência, aos volumes dos pedidos apresentados pelos operadores no ano em curso e às quantidades efectivamente comercializadas com indicação dos números dos certificados utilizados (v., designadamente, artigo 4.° do Regulamento n.° 1442/93 e artigos 6.° e 28.° do Regulamento n.° 2362/98), bem como determinadas informações estatísticas e económicas trimestrais relativas, designadamente, aos certificados de importação (v., designadamente, artigo 21.° do Regulamento n.° 1442/93 e artigo 27.° do Regulamento n.° 2362/98).

11.
    A transmissão das listas em questão permite à Comissão verificar os dados ao dispor das autoridades nacionais competentes e, na medida do necessário, dar conhecimento das listas aos restantes Estados-Membros a fim de detectar ou prevenir declarações abusivas dos operadores. Com base nos dados transmitidos, a Comissão fixa, se for caso disso, um coeficiente único de correcção ou de adaptação a aplicar pelos Estados-Membros às quantidades de referência dos operadores (v. artigo 4.° do Regulamento n.° 1442/93 e artigos 6.° e 28.° do Regulamento n.° 2362/98).

Matéria de facto na origem do recurso

12.
    A recorrente é uma sociedade cooperativa italiana de armazenistas de bananas que opera neste sector há cerca de vinte anos e importa bananas provenientes da zona dita do dólar. Alega que, por intermédio da imprensa italiana, teve conhecimento de uma importação fraudulenta de bananas na Comunidade entre Março de 1998 e Junho de 2000, com direitos reduzidos, baseada em certificados de importação falsos.

13.
    A recorrente considera-se lesada pelas referidas importações, devido às graves distorções de preços provocadas pela introdução no mercado comunitário de quantidades suplementares que implicaram a ultrapassagem do contingente pautal e considera que o prejuízo que sofreu será ainda mais significativo se se revelar que as importações foram efectuadas não com certificados falsos mas com certificados regularmente emitidos com base em quantidades de referência falsas ou incorrectas.

14.
    A fim de proteger os seus interesses, a recorrente solicitou, por carta de 27 de Junho de 2000, à Direcção-Geral (DG) «Agricultura» da Comissão, com base nas disposições do código de conduta, o acesso aos seguintes documentos:

1)    a lista dos operadores tradicionais com indicação, relativamente a cada operador, da quantidade de bananas importada durante o período 1994-1996 e da quantidade de referência provisória respectiva, bem como os números dos certificados utilizados e dos correspondentes extractos dos certificados utilizados.

2)    as listas de todos os operadores registados na Comunidade relativas aos anos de 1998 e 1999, com a indicação, em relação a cada operador, dos certificados de importação solicitados e das quantidades efectivamente importadas.

3)    os dados relativos aos anos de 1998 e 1999 e, caso estejam disponíveis, os relativos ao primeiro trimestre do ano em curso, 2000, das quantidades de bananas provenientes do Equador cuja importação foi solicitada, distintas das efectivamente comercializadas na Comunidade.

15.
    Por carta de 31 de Julho de 2000 (a seguir «carta da DG ‘Agricultura’»), o director-geral-adjunto da DG «Agricultura» enviou à recorrente os dados relativos ao ponto 3) do pedido. Em contrapartida, indeferiu o acesso aos documentos referidos nos pontos 1) e 2) do pedido, invocando «a protecção do sigilo comercial e industrial, bem como a protecção da confidencialidade solicitada pela pessoa singular ou colectiva ou prevista pela legislação do Estado-Membro que forneceu as informações». Por outro lado, remeteu para o regime das excepções previstas pelo código de conduta, no artigo 287.° CE e no artigo 20.° do Regulamento n.° 17/62 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).

16.
    Por carta de 1 de Setembro de 2000 e nos termos do disposto no código de conduta, a recorrente apresentou um pedido de confirmação ao Secretariado-Geral da Comissão no sentido de obter a reanálise desta posição.

17.
    Por carta de 5 de Dezembro de 2000, recebida pela recorrente em 21 de Dezembro de 2000, o secretário-geral informou a recorrente da impossibilidade de lhe enviar os documentos solicitados por força da regra do autor constante do código de conduta (a seguir «carta do secretário-geral»). A carta do secretário-geral tem a seguinte redacção:

«[...]

Após ter reanalisado o vosso pedido, lamentamos informá-los da impossibilidade de enviar os referidos documentos, nos termos da regra do autor prevista no código de conduta relativo ao acesso do público aos documentos, adoptado em 8 de Fevereiro de 1994 pela Decisão da Comissão [94/90/CECA, CE, Euratom], que prevê que ‘[s]empre que o documento na posse de uma instituição tenha como autor uma pessoa singular ou colectiva, um Estado-Membro, outra instituição ou órgão comunitário ou qualquer outra organização nacional ou internacional, o pedido deve ser dirigido directamente ao autor do documento’.

Aceder ao vosso pedido significaria conferir o acesso a dados individuais relativos aos operadores, recolhidos e processados pelos Estados-Membros. Estes dados, que contêm informações relativas às quantidades de referência das empresas, aos pedidos de certificado e às quantidades efectivamente importadas por cada uma delas, foram transmitidos à Comissão, a fim de assegurar a aplicação em conformidade dos regimes aplicáveis à importação e, designadamente, de detectar ou prevenir irregularidades, em especial declarações fraudulentas dos operadores, como está previsto no artigo 4.°, n.° 5, do [Regulamento n.° 1442/93] e no artigo 6.°, n.° 2, do [Regulamento n.° 2362/98].

Sugerimos, portanto, que se dirijam directamente às autoridades competentes dos Estados-Membros para obterem cópia dos documentos pretendidos.»

Tramitação processual e pedidos das partes

18.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Março de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso.

19.
    Por requerimento separado apresentado no mesmo dia na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a recorrente apresentou um pedido de tramitação acelerada nos termos do artigo 76.°-A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Por decisão de 5 de Abril de 2001, o Tribunal (Quinta Secção) indeferiu o referido pedido de tramitação acelerada.

20.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo. Foram ouvidas alegações das partes e as respostas das mesmas às questões do Tribunal na audiência de 20 de Março de 2003.

21.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão da Comissão que consta das cartas da DG «Agricultura», de 31 de Julho de 2000 e do secretário-geral da Comissão de 5 de Dezembro de 2000;

-    condenar a Comissão nas despesas.

22.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar inadmissível o pedido de anulação da decisão contida na carta da DG «Agricultura» de 31 de Julho de 2000;

-    negar provimento na íntegra ao pedido de anulação da decisão contida na carta de 5 de Dezembro de 2000 do secretário-geral da Comissão;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

23.
    Sem suscitar formalmente uma excepção de inadmissibilidade, a Comissão afirma que o recurso da decisão contida na carta da DG «Agricultura» é inadmissível pelo facto de não constituir um acto recorrível na acepção do artigo 230.° CE.

24.
    A recorrente afirma que o seu recurso não tem por objectivo pedir separadamente a anulação da carta da DG «Agricultura» e da carta do secretário-geral da Comissão e admite que, tendo em conta que o processo terminou com a carta deste último, apenas a anulação da decisão do secretário-geral é pedida.

25.
    Contudo, no entender da recorrente, uma vez que os sucessivos actos do procedimento evidenciaram uma primeira decisão baseada numa fundamentação diferente e contraditória em relação à que foi adoptada pelo secretário-geral, não era possível impugnar apenas a decisão do secretário-geral abstraindo da da DG «Agricultura», pelo facto de este aspecto revelar um desvio de poder.

26.
    Por outro lado, é do interesse da recorrente requerer a anulação da decisão da Comissão tal como ela resulta de todas as respostas recebidas, a fim de evitar o risco de que, no caso de o Tribunal anular a decisão resultante da carta do secretário-geral, a Comissão dê novamente uma resposta negativa baseada na fundamentação adoptada pela DG «Agricultura» que não tenha sido alvo de censura por parte do órgão jurisdicional comunitário (v., por exemplo, a matéria de facto constante do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão, T-92/98, Colect., p. II-3521, n.° 54).

27.
    Na audiência, a recorrente requereu que, mesmo que o recurso da carta da DG «Agricultura» seja julgado inadmissível, o Tribunal se pronuncie, por razões de economia e de eficácia processuais, sobre os fundamentos do indeferimento invocados na referida carta.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

28.
    É jurisprudência assente que só as medidas que produzem efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem actos susceptíveis de ser objecto de um recurso de anulação na acepção do artigo 230.° CE. Quando se trate de actos ou decisões cuja elaboração se processa em várias fases, nomeadamente no termo de um processo interno, só constituem, em princípio, actos impugnáveis as medidas que fixem definitivamente a posição da instituição no termo desse processo, com exclusão das medidas transitórias cujo objectivo seja preparar a decisão final (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 10, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Maio de 1996, AITEC/Comissão, T-277/94, Colect., p. II-351, n.° 51).

29.
    No presente contexto, é de salientar que, no quadro do procedimento instituído pela Decisão 94/90, a decisão do secretário-geral da Comissão constitui a tomada de posição definitiva da instituição quanto ao pedido de acesso aos documentos apresentado pela recorrente.

30.
    No caso concreto, resulta claramente da aplicação conjugada do artigo 2.°, n.° 2, da Decisão 94/90 e das disposições do código de conduta relativas ao tratamento dos pedidos de confirmação, que a resposta contida na carta da DG «Agricultura» constituiu apenas uma primeira tomada de posição, que conferia à recorrente a possibilidade de convidar o secretário-geral da Comissão a reanalisar a posição em causa. Efectivamente, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Decisão 94/90, em caso de indeferimento, a resposta do director-geral constitui uma posição inicial que manifesta a «intenção» de dar uma resposta negativa, podendo ser objecto de um pedido de confirmação tendente «à revisão dessa posição».

31.
    Consequentemente, apenas a medida adoptada pelo secretário-geral da Comissão, que tem a natureza de uma decisão e substitui na íntegra a tomada de posição antecedente, é susceptível de produzir efeitos jurídicos que podem afectar os interesses da recorrente, e pode, consequentemente, ser objecto de recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE.

32.
    Por outro lado, a recorrente reconheceu, nos seus articulados e na audiência, que só pode ser pedida a anulação da decisão do secretário-geral, dado que o processo foi encerrado com esta tomada de posição.

33.
    Daqui resulta que o recurso é inadmissível no que respeita ao pedido de anulação da carta da DG «Agricultura» de 31 de Julho de 2000 e, consequentemente, que o Tribunal de Primeira Instância não tem que se pronunciar sobre a fundamentação em que a DG «Agricultura» se baseou na tomada de posição inicial e não foi invocada pelo secretário-geral.

Quanto ao mérito

34.
    Os argumentos invocados pela recorrente podem ser agrupados em dois fundamentos que assentam, por um lado, na violação do código de conduta adoptado pela Comissão através da Decisão 94/90 e, por outro, num desvio de poder.

Quanto ao primeiro fundamento, assente na violação do código de conduta adoptado pela Decisão 94/90

35.
    A recorrente afirma a título principal que a regra do autor não é aplicável ao caso vertente, uma vez que os documentos exigidos não foram elaborados pelas autoridades nacionais, mas sim pela Comissão. Subsidiariamente, a recorrente afirma que, mesmo admitindo que os documentos exigidos tenham sido efectivamente elaborados pelas autoridades nacionais, a regra do autor não é aplicável, uma vez que esta deve ser interpretada restritivamente, em conformidade com o princípio geral de acesso aos documentos previsto no código de conduta.

a) Quanto à questão da determinação do autor dos documentos em causa

- Argumentos das partes

36.
    A recorrente afirma que a tese do secretário-geral segundo a qual o pedido que respeita a documentos de que a Comissão não é autora, mas sim os Estados-Membros, é incorrecta, na medida em que o objecto do pedido consiste em obter as listas dos operadores tradicionais da Comunidade no seu conjunto e não as listas de cada Estado-Membro.

37.
    Em primeiro lugar, a recorrente alega que, tendo em conta as missões essenciais confiadas à Comissão no âmbito do regime de importações no sector das bananas, mostra-se evidente que os Estados-Membros não têm um papel autónomo na elaboração das listas dos operadores e das respectivas quantidades de referência, mas antes a função de auxiliares da Comissão a quem cabe a gestão e o controlo do regime.

38.
    Em segundo lugar, a recorrente afirma que, para exercer os referidos poderes de gestão e de controlo, a Comissão deve necessariamente dispor de uma lista autónoma elaborada por ela própria que reúna, a nível comunitário, todos os dados dos operadores tradicionais da Comunidade fornecidos pelos Estados-Membros. A elaboração deste apanhado de dados constitui uma actividade própria da Comissão e não dos Estados-Membros.

39.
    A recorrente afirma que, se a Comissão apenas se limitar a receber os dados elaborados pelos Estados-Membros e a codificá-los, sem proceder a qualquer alteração ou correcção de erros, não cumpre o seu dever de intervenção e de controlo oficioso dos números transmitidos pelos Estados-Membros e toma a decisão de fixar o coeficiente de adaptação confiando apenas na diligência das autoridades nacionais. Consequentemente, dado que a Comissão não se limita a assinalar os erros, mas intervém igualmente a título oficioso, mesmo que não exista uma lista de origem comunitária propriamente dita, é lícito considerar que a Comissão é o autor dos documentos em causa.

40.
    A Comissão afirma que a regra do autor foi correctamente invocada e é inteiramente aplicável pelo facto de os dados solicitados pela recorrente no n.° 1 do seu pedido de 27 de Junho de 2000 assumirem a forma de documentos elaborados pelos Estados-Membros. Por outro lado, quanto aos documentos referidos no n.° 2 do pedido de acesso, a recorrida salienta que não existe qualquer documento que forneça os dados solicitados com o grau de precisão exigido pela recorrente e, em qualquer caso, se estes existissem, a regra do autor aplicar-se-ia igualmente pelo facto de se apresentarem sob forma de um documento elaborado pelos Estados-Membros.

- Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

41.
    A recorrente contesta a aplicação ao caso vertente da regra do autor, pelo facto de as listas cujo acesso foi solicitado não terem sido elaboradas pelos Estados-Membros mas antes pela Comissão.

42.
    Coloca-se, assim, a questão de saber se os documentos solicitados pela recorrente constituem documentos elaborados pela Comissão ou pelos Estados-Membros. A este respeito, há que fazer uma distinção entre os documentos referidos respectivamente nos n.os 1 e 2 do pedido da recorrente na sua carta de 27 de Junho de 2000.

43.
    Em primeiro lugar, quanto à primeira série de documentos aos quais foi solicitado o acesso, ou seja, «a lista dos operadores tradicionais com indicação, relativamente a cada operador, da quantidade de bananas importada durante o período de 1994-1996 e da quantidade de referência provisória respectiva, bem como os números dos certificados utilizados e dos correspondentes extractos dos certificados utilizados», há que concluir que os documentos solicitados correspondem aos que, nos termos dos artigos 6.°, n.° 2, e 28.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2362/98, os Estados-Membros devem elaborar e transmitir à Comissão. Trata-se, assim, de documentos cujos autores são os Estados-Membros.

44.
    Em segundo lugar, no que respeita à segunda série de documentos, ou seja, «as listas relativas aos anos de 1998 e 1999, de todos os operadores registados na Comunidade com a indicação, em relação a cada operador, dos certificados de importação solicitados e das quantidades efectivamente importadas», a Comissão afirmou, no processo no Tribunal de Primeira Instância, que não dispunha desses documentos, na medida em que nenhum documento dos Estados-Membros fornece os dados em questão com o grau de precisão exigido pela recorrente, por outras palavras, fazendo referência a cada operador individualmente considerado, e que, em qualquer caso, se trata de documentos elaborados pelos Estados-Membros.

45.
    Não obstante, o Tribunal de Primeira Instância verifica que a carta do secretário-geral refere, no seu segundo parágrafo, que «[e]stes dados, que contêm informações relativas às quantidades de referência das empresas, aos pedidos de certificado e às quantidades efectivamente importadas por cada uma delas, foram transmitidos à Comissão a fim de assegurar a aplicação em conformidade dos regimes aplicáveis à importação e designadamente de detectar ou prevenir irregularidades». Consequentemente, dado que a Comissão não contestou na decisão controvertida a existência dos documentos solicitados no n.° 2 do pedido da recorrente, não pode validamente invocar, nesta fase do processo, a inexistência desses documentos.

46.
    É de salientar que resulta do artigo 28.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 2362/98 que, no que se refere ao ano de 1999, os Estados-Membros transmitirão à Comissão as listas de todos os operadores registados, com a indicação das quantidades provisórias individualmente solicitadas e, nos termos do artigo 27.°, alínea c), do mesmo regulamento, os dados trimestrais relativos às quantidades totais de bananas importadas por todos os operadores. Quanto ao ano de 1998, resulta do artigo 4.°, n.os 4 e 5, e do artigo 21.°, do Regulamento n.° 1442/93 que os Estados-Membros comunicarão à Comissão as listas de todos os operadores registados, bem como os dados globais referentes às quantidades relativas aos certificados de importação emitidos e as relativas aos certificados utilizados, recolhidos numa base nacional, trimestral e por categorias de operadores. Consequentemente, há que concluir que a segunda série de documentos solicitados pela recorrente tem igualmente em vista documentos elaborados pelos Estados-Membros.

47.
    No que respeita à questão da concentração dos referidos dados nacionais numa base informática única - cuja existência a Comissão reconheceu no que se refere à primeira série de documentos aos quais foi solicitado acesso -, é de salientar que, como resulta dos artigos 6.° e 28.° do Regulamento n.° 2362/98 e do artigo 4.° do Regulamento n.° 1442/93, as autoridades nacionais são as únicas competentes para determinar e corrigir as quantidades de referência de cada operador segundo o coeficiente de adaptação fixado globalmente pela Comissão, não tendo esta instituição competência para alterar ela própria os dados nacionais transmitidos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 2002, Van Parys e Pacific Fruit Company, T-160/98, Colect., p. II-233, n.° 65). A Comissão limita-se a reunir os dados, apenas para facilitar as tarefas de comparação e verificação das duplas contagens de dados, mas sem poder ela própria proceder a alterações, correcções ou outro processamento, já que as verificações ou correcções oportunas dos referidos dados devem ser solicitadas às autoridades nacionais. Assim, a concentração realizada pela Comissão dos dados comunicados pelos Estados-Membros no que respeita à primeira série de documentos solicitados - e, supondo-a demonstrada, no que se refere à segunda série de documentos solicitados - não basta para que os Estados-Membros percam a sua qualidade de autores dos referidos documentos na acepção da Decisão 94/90. Consequentemente, a Comissão considerou correctamente que os autores dos documentos cujo acesso foi solicitado pela recorrente eram exclusivamente as autoridades nacionais competentes dos Estados-Membros.

48.
    Tendo em conta o que antecede, é de rejeitar a crítica relativa à autoria dos documentos referidos nos n.os 1 e 2 do pedido de acesso formulado pela recorrente.

b) Quanto à questão da interpretação em sentido estrito da regra do autor, pelo que a mesma não é aplicável aos documentos que estão na base do processo decisório comunitário

- Argumentos das partes

49.
    A recorrente afirma que, se se considerar que os autores dos documentos exigidos são os Estados-Membros, a regra do autor não é aplicável ao presente caso, uma vez que esta regra deve ser interpretada em sentido estrito, não podendo ser invocada no caso de pedidos de acesso a documentos de terceiros utilizados pela Comissão como base do processo decisório comunitário.

50.
    Salienta, desde logo, que o princípio geral do código de conduta garante o acesso aos documentos «detidos» pela Comissão e que a sua recusa do acesso aos documentos de terceiros em seu poder não está em conformidade com esse princípio.

51.
    A recorrente lembra ainda que, segundo jurisprudência constante (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão, T-105/95, Colect., p. II-313, e de 19 de Julho de 1999, Rothmans/Comissão, T-188/97, Colect., p. II-2463), todas as excepções ou limitações ao direito de acesso devem ser interpretadas restritivamente a fim de assegurar o respeito do princípio da transparência do processo decisório. À luz desta jurisprudência, a Comissão tem o dever de autorizar o acesso a todos os documentos em seu poder nos quais baseou a sua decisão, especialmente quando esses documentos são solicitados por operadores cujos interesses podem ser lesados por uma decisão da Comissão. É este o caso no presente processo, uma vez que a Comissão fixou o coeficiente de adaptação das quantidades provisórias calculadas pelos Estados-Membros com base nos dados fornecidos por estes, o que afectou a recorrente, reduzindo a sua quantidade de referência.

52.
    Consequentemente, é ilegal uma interpretação extensiva da regra do autor que exclua este tipo de documentos do âmbito de aplicação do código de conduta.

53.
    Por outro lado, a recorrente afirma que, embora seja verdade que o Tribunal de Primeira Instância admitiu a legalidade da regra do autor, o mesmo salientou que é justamente nos casos em que a respectiva aplicação pode levantar dúvidas quanto ao autor do acto, que há que proceder a uma interpretação restritiva (acórdão Interporc/Comissão, já referido, n.° 70). Este princípio é aplicável ao caso vertente, dado que os documentos em causa são o resultado de uma cooperação estreita entre a Comissão e os Estados-Membros e que se mostra impossível apurar quem é verdadeiramente o respectivo autor. A recorrente recorda que, no referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão que indeferiu o acesso aos «resumos internos» da Comissão, elaborados com base em dados fornecidos pelos Estados-Membros, num contexto equiparável ao do sector das bananas.

54.
    Acresce que a recorrente considera ser absurdo pensar que a mesma poderia obter os dados a que tem direito dirigindo-se a quinze administrações nacionais. A este respeito, na réplica, a recorrente refere que se dirigiu aos Estados-Membros e que, até ao presente, praticamente apenas recebeu respostas de diversa natureza negando o acesso, designadamente baseadas em questões formais ou invocando regras nacionais de confidencialidade.

55.
    Por último, a recorrente afirma que resulta do novo Regulamento n.° 1049/2001, adoptado em aplicação do artigo 255.° CE, que a regra do autor não pode ser oposta a um pedido de documentos que estejam na base do processo decisório, mesmo que provenientes de terceiros, na medida em que o artigo 2.°, n.° 3, prevê o acesso em relação a «todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União Europeia». A recorrente afirma que este novo regime, mesmo que não imediatamente aplicável, pode ser invocado no caso concreto para dar à regra do autor uma interpretação estrita, no sentido de que as instituições devem autorizar o acesso mais amplo possível aos documentos «por elas elaborados ou recebidos» nos casos em que actuam na qualidade de legislador, na acepção mais ampla.

56.
    A Comissão respondeu que interpretou correctamente a regra do autor na decisão impugnada e que a referida regra desta forma aplicada é perfeitamente legal no âmbito da ordem jurídica comunitária em vigor.

- Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

57.
    É jurisprudência que a regra do autor, que estabelece uma limitação ao direito de acesso previsto na Decisão 94/90, deve ser interpretada e aplicada restritivamente, de modo a não limitar o referido direito de acesso (v., neste sentido, acórdão Rothmans/Comissão, já referido, n.° 55, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 2001, Petrie e o./Comissão, T-191/99, Colect., p. II-3677, n.° 66).

58.
    Apesar disso, não é de aceitar a tese da recorrente segundo a qual, uma vez que a regra do autor deve ser interpretada restritivamente, a mesma não é aplicável a casos como o caso vertente, em que os documentos requeridos estão na base do processo decisório seguido pela Comissão.

59.
    Em primeiro lugar, é de salientar que o código de conduta, embora consagrando um princípio geral de acesso aos documentos, estabeleceu, através da regra do autor, uma derrogação absoluta no que respeita aos documentos cujo autor seja um terceiro, sem prever possíveis atenuações.

60.
    Em segundo lugar, uma interpretação como a proposta pela recorrente levaria a esvaziar a regra do autor de qualquer efeito útil, devido ao facto de quase todos os documentos de terceiros detidos pela Comissão estarem na base ou em conexão com o seu processo decisório. Consequentemente, na medida em que o código de conduta não prevê limitações à aplicação da referida regra, há que a interpretar no sentido de que a mesma é plenamente aplicável a toda e qualquer espécie de documentos de terceiros cujo acesso seja requerido, sem que seja possível estabelecer níveis de aplicabilidade diferentes consoante esses documentos possam afectar os agentes económicos em causa ou conforme a utilização deles feita pela Comissão no seu processo de decisão.

61.
    Em terceiro lugar, há que esclarecer que o critério, seguido pela jurisprudência, de interpretação e de aplicação restritivas da regra do autor, invocado pela recorrente, se impõe designadamente quando existem dúvidas quanto ao autor do documento solicitado. Efectivamente, como o Tribunal de Primeira Instância observou, é justamente nos casos em que existem dúvidas quanto ao autor do acto que há que proceder a uma interpretação e aplicação restritivas da regra do autor (acórdão Interporc/Comissão, já referido, n.° 70, confirmado em recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2003 (Interporc/Comissão, C-41/00 P, ainda não publicado na Colectânea). Ora, como já se concluiu, no caso concreto não há dúvidas a este respeito, dado que os Estados-Membros são os únicos autores dos documentos em causa. Consequentemente, esta jurisprudência não pode no presente caso ser validamente invocada.

62.
    Por outro lado, no que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância, no acórdão Interporc/Comissão, já referido, anulou a decisão que indeferiu o acesso aos resumos internos da Comissão num contexto equiparável ao do sector das bananas, basta recordar que, no referido processo, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão da Comissão que indeferiu o acesso aos resumos internos elaborados pela DG VI com base em declarações dos Estados-Membros e de países terceiros, na medida em que os documentos em causa constituíam documentos que provinham exclusivamente da Comissão e em relação aos quais esta tinha invocado a excepção assente na protecção do interesse público. Ora, no presente caso, os documentos cujo acesso foi requerido pela recorrente não são, como se concluiu, resumos internos de análise dos dados nacionais ou listas resultantes da verificação ou da correcção dos referidos dados redigidas pela Comissão, mas muito simplesmente a reunião de documentos de base elaborados e transmitidos pelos Estados-Membros. Consequentemente, dado que os dois processos não são equiparáveis, a recorrente não pode invocar o acórdão Interporc/Comissão, já referido.

63.
    Resulta do que antecede que não é de aceitar a interpretação restritiva defendida pela recorrente, no sentido da inaplicabilidade da regra do autor aos documentos de terceiros que estão na base do processo decisório comunitário.

64.
    Valerá ainda a pena acrescentar que, no que respeita ao argumento da recorrente assente na impossibilidade de acesso aos documentos solicitados aos Estados-Membros, estas dificuldades não têm qualquer incidência sobre a legalidade da decisão em causa, como afirmou correctamente a Comissão. Efectivamente, dado que a posição dos Estados-Membros em relação às informações solicitadas depende das respectivas ordens jurídicas internas e está sujeita às limitações estabelecidas pelas legislações nacionais aplicáveis a este respeito, a mesma não prejudica a aplicação correcta feita pela Comissão da regra do autor prevista pelo legislador comunitário.

65.
    Por último, o Tribunal de Primeira Instância salienta que o argumento da recorrente segundo o qual o Regulamento n.° 1049/2001 permite defender uma interpretação em sentido estrito da mesma regra que leva à sua inaplicabilidade ao caso vertente, também não pode ser aceite. Efectivamente, dado que o referido regulamento entrou em vigor em 3 de Junho de 2001, apenas sendo aplicável a partir de 3 de Dezembro de 2001, é evidente que a decisão impugnada, que foi adoptada em 5 de Dezembro de 2000, devia estar em conformidade unicamente com o regime previsto pela Decisão 94/90.

66.
    Nestas condições, tendo em conta que o código de conduta era a única disposição material aplicável ao caso concreto à data em que a Comissão adoptou a decisão controvertida, é de concluir que a mesma não cometeu uma ilegalidade ao proceder a uma interpretação e aplicação da regra do autor em conformidade com a legislação em vigor na altura dos factos.

67.
    Consequentemente, improcede o primeiro fundamento assente na violação do código de conduta adoptado pela Decisão 94/90.

Quanto ao segundo fundamento, assente em desvio de poder

Argumentos das partes

68.
    A recorrente afirma que o indeferimento do acesso aos documentos obedece a outros fins que não os que foram declarados.

69.
    Em primeiro lugar, a recorrente afirma que as fundamentações contraditórias adoptadas pela Comissão nas suas cartas constituem um indício claro de desvio de poder.

70.
    Em segundo lugar, no que respeita à finalidade real do indeferimento, a recorrente afirma desde logo que a recusa adiantada pelo secretário-geral, juntamente com o convite feito à recorrente para se dirigir a cada Estado-Membro a fim de obter a lista dos operadores da Comunidade, se afigura destinada a ignorar a faculdade conferida pelo Conselho à Comissão em matéria da gestão e controlo do mercado comunitário das bananas, a fim de se exonerar de eventuais responsabilidades e de as imputar a outras entidades. Além disso, com a sua recusa, a Comissão pretendia privar a recorrente da possibilidade de verificar a atribuição e a repartição de certificados de importação de bananas, bem como a sua efectiva utilização, e, por esse facto, de exercer um controlo sobre o processo decisório seguido pela recorrida.

71.
    A Comissão responde que este fundamento deve ser julgado totalmente improcedente. Para esse efeito, a recorrida afirma designadamente que a carta do secretário-geral tem unicamente por objectivo responder ao pedido de reanálise apresentado pela recorrente, sem de modo algum pretender ignorar as competências da Comissão em relação ao regime de importação de bananas.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

72.
    Segundo jurisprudência assente, um acto só enferma de desvio de poder caso se revele, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (acórdão do Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 1997, Itália/Comissão, C-285/94, Colect., p. I-3519, n.° 52, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão, T-143/89, Colect., p. II-917, n.° 68).

73.
    No caso vertente, no que se refere ao argumento da recorrente segundo o qual a contradição das duas fundamentações invocadas em relação ao seu pedido constitui um indício claro da existência de desvio de poder, o Tribunal de Primeira Instância recorda que, como anteriormente afirmou, o sistema instituído pelo código de conduta e posto em vigor pela Decisão 94/90, faz depender a recusa da concessão dos documentos requeridos de um processo de duplo pedido em que apenas a decisão confirmativa do secretário-geral constitui a tomada de posição final da instituição. Consequentemente, a divergência das fundamentações expostas pela Comissão no quadro deste processo não pode ser considerada um indício de desvio de poder, uma vez que o procedimento de reanálise concebido por essa disposição tem precisamente por objecto permitir ao secretário-geral reconsiderar a questão, sem estar vinculado às tomadas de posição anteriores por parte dos serviços competentes. Ora, se o secretário-geral não pudesse basear a sua decisão numa fundamentação diferente da exposta pelo serviço responsável, o referido processo perderia todo o seu sentido, como afirma correctamente a Comissão.

74.
    Além disso, é de salientar que a recorrente não apresentou qualquer elemento de prova susceptível de demonstrar que, como afirma, o indeferimento decidido pela Comissão prossegue outros fins que não os declarados na decisão impugnada.

75.
    Consequentemente, é de concluir que a recorrente não apresentou qualquer indício objectivo, relevante e concordante, susceptível de apoiar a sua afirmação quanto à existência de um desvio de poder por parte da Comissão.

76.
    Nestes termos, improcede o segundo fundamento e, por esse facto, o recurso na totalidade.

Quanto às despesas

77.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, deve a mesma ser condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela recorrida, em conformidade com o pedido por esta formulado.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção),

decide:

1)    O pedido de anulação da decisão contida na carta da DG Agricultura de 31 de Julho de 2000 é julgado inadmissível.

2)    É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)    A recorrente suportará as suas próprias despesas e as da Comissão.

García-Valdecasas
Lindh
Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Outubro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. García-Valdecasas


1: Língua do processo: italiano.