Language of document : ECLI:EU:C:2013:720

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

7 de novembro de 2013 (*)

«Diretiva 2004/83/CE — Normas mínimas relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária — Artigo 10.°, n.° 1, alínea d) — Pertença a um determinado grupo social — Orientação sexual — Motivo da perseguição — Artigo 9.°, n.° 1 — Conceito de ‘atos de perseguição’ — Receio fundado de ser perseguido em virtude da pertença a um determinado grupo social — Atos suficientemente graves para justificar tal receio — Legislação que criminaliza práticas homossexuais — Artigo 4.° — Avaliação individual dos factos e circunstâncias»

Nos processos apensos C‑199/12 a C‑201/12,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Raad van State (Países Baixos), por decisões de 18 de abril de 2012, entrados no Tribunal de Justiça em 27 de abril de 2012, nos processos

Minister voor Immigratie en Asiel

contra

X (C‑199/12),

Y (C‑200/12),

e

Z

contra

Minister voor Immigratie en Asiel (C‑201/12),

estando presente:

Hoog Commissariaat van de Verenigde Naties voor de Vluchtelingen (C‑199/12 a C‑201/12),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, M. Safjan, J. Malenovský e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de abril de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de X, por H. M. Pot e C. S. Huibers, advocaten,

¾        em representação de Y, por J. M. Walls, advocaat,

¾        em representação de Z, por S. Sewnath e P. Brochet, advocaten, assistidos por K. Monaghan e J. Grierson, barristers,

¾        em representação do Hoog Commissariaat van de Verenigde Naties voor de Vluchtelingen, por P. Moreau, na qualidade de agente, assistida por M.‑E. Demetriou, barrister,

¾        em representação do Governo neerlandês, por B. Koopman, C. S. Schillemans, C. Wissels e M. Noort, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze, N. Graf Vitzthum e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo helénico, por G. Papagianni e M. Michelogiannaki, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e S. Menez, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Christie, na qualidade de agente, assistido por S. Lee, barrister,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de julho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO L 304, p. 12, e retificação no JO 2005, L 204, p. 24, a seguir «diretiva»), lido em conjugação com o artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da diretiva, e do seu artigo 10.°, n.° 1, alínea d).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, por um lado, nos processos C‑199/12 e C‑200/12, o Minister voor Immigratie en Asiel (Ministro da Imigração e do Asilo, a seguir «Minister») a X e Y, nacionais, respetivamente, da Serra Leoa e do Uganda, e, por outro lado, no processo C‑201/12, Z, nacional do Senegal, ao Minister, a propósito do indeferimento, por parte deste último, dos respetivos pedidos de concessão de autorização de residência temporária (asilo) nos Países Baixos.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

 Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados

3        A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.° 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Foi completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»).

4        Nos termos do artigo 1.°, ponto A, n.° 2, primeiro parágrafo, da Convenção de Genebra, o termo «refugiado» é aplicável a qualquer pessoa que, «receando, com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar».

 Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

5        A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevê, no seu artigo 8.°, sob a epígrafe «Direito ao respeito pela vida privada e familiar»:

«1.      Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

2.      Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem‑estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.»

6        O artigo 14.° da CEDH, sob a epígrafe «Proibição de discriminação», dispõe:

«O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.»

7        O artigo 15.° da CEDH, sob a epígrafe «Derrogação em caso de estado de necessidade», estipula:

«1.      Em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação, qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providências que derroguem as obrigações previstas na presente Convenção, na estrita medida em que o exigir a situação, e em que tais providências não estejam em contradição com as outras obrigações decorrentes do direito internacional.

2.      A disposição precedente não autoriza nenhuma derrogação ao artigo 2.°[, sob a epígrafe ‘Direito à vida’], salvo quanto ao caso de morte resultante de atos lícitos de guerra, nem aos artigos 3.°[, sob a epígrafe ‘Proibição da tortura’], 4.° (parágrafo 1)[, sob a epígrafe ‘Proibição da escravatura e do trabalho forçado’,] e 7.°[, sob a epígrafe ‘Princípio da legalidade’].

[...]»

 Direito da União

 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

8        Os direitos insuscetíveis de derrogação nos termos do artigo 15.°, n.° 2, da CEDH estão consagrados nos artigos 2.°, 4.°, 5.°, n.° 1, e 49.°, n.os 1 e 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

 Diretiva

9        Nos termos do considerando 3 da diretiva, a Convenção de Genebra constitui a pedra angular do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados.

10      Conforme resulta do seu considerando 10, lido à luz do artigo 6.°, n.° 1, TUE, a diretiva respeita os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta. Em especial, procura assegurar, com base nos artigos 1.° e 18.° da Carta, o respeito integral da dignidade humana e do direito de asilo dos requerentes de asilo.

11      Os considerandos 16 e 17 da diretiva têm a seguinte redação:

«(16) Importa estabelecer normas mínimas relativas à configuração e conteúdo do estatuto de refugiado, a fim de auxiliar as instâncias nacionais competentes dos Estados‑Membros a aplicar a Convenção de Genebra.

(17)      É necessário introduzir critérios comuns de reconhecimento como refugiados de requerentes de asilo, nos termos do artigo 1.° da Convenção de Genebra.»

12      Nos termos do seu artigo 1.°, a diretiva tem por objetivo estabelecer normas mínimas relativas, por um lado, às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou os apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional e, por outro, ao conteúdo da proteção concedida.

13      Nos termos do seu artigo 2.°, alíneas c) e k), para efeitos desta diretiva, entende‑se por:

«c)      ‘Refugiado’, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país [...]

[...]

k)      ‘País de origem’, o país ou países de nacionalidade ou, para os apátridas, o país em que tinha a sua residência habitual.»

14      O artigo 4.° da diretiva define as condições de apreciação dos factos e das circunstâncias e dispõe, no seu n.° 3:

«A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)       Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação, assim como a maneira como são aplicados;

b)       As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição [...]

c)       A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição [...]

[...]»

15      Nos termos do artigo 4.°, n.° 4, da diretiva, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição constitui um «indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido», a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição não se repetirá.

16      O artigo 9.° da diretiva define, nos seus n.os 1 e 2, os atos de perseguição ao dispor:

«1.      Os atos de perseguição, na aceção do ponto A do artigo 1.° da Convenção de Genebra, devem:

a)       ser suficientemente graves, devido à sua natureza ou persistência, para constituírem grave violação dos direitos humanos fundamentais, em especial os direitos que não podem ser derrogados, nos termos do n.° 2 do artigo 15.° da [CEDH], ou

b)       Constituir um cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos, suficientemente graves para afetar o indivíduo de forma semelhante à referida na alínea a).

2.      Os atos de perseguição, qualificados no n.° 1, podem designadamente assumir as seguintes formas:

[...]

c)       Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;

[...]»

17      O artigo 9.°, n.° 3, da diretiva exige que haja um nexo entre os motivos de perseguição referidos no seu artigo 10.° e esses atos de perseguição.

18      O artigo 10.° da diretiva, sob a epígrafe «Motivos da perseguição», dispõe:

«1.      Ao apreciarem os motivos da perseguição, os Estados‑Membros devem ter em conta que:

[...]

d)       Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que:

¾        os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem, e

¾        esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

Dependendo das circunstâncias no país de origem, um grupo social específico poderá incluir um grupo baseado numa característica comum de orientação sexual. A orientação sexual não pode ser entendida como incluindo atos considerados criminosos segundo o direito nacional dos Estados‑Membros. [...]

[...]»

19      Nos termos do artigo 13.° da diretiva, o Estado‑Membro concede o estatuto de refugiado ao requerente se este preencher, nomeadamente, as condições enunciadas nos artigos 9.° e 10.° da diretiva.

 Direito neerlandês

20      O artigo 28.°, n.° 1, alínea a), da Lei de 2000 dos estrangeiros (Vreemdelingenwet 2000, Stb. 2000, n.° 495) habilita o Minister a deferir, indeferir ou rejeitar, sem o apreciar, o pedido de concessão de uma «autorização de residência temporária».

21      Nos termos do artigo 29.°, n.° 1, alínea a), da referida Lei de 2000, a autorização de residência temporária, conforme prevista no referido artigo 28.°, pode ser concedida ao estrangeiro «que for refugiado na aceção da Convenção [de Genebra]».

22      A Circular de 2000 dos estrangeiros (Vreemdelingencirculaire 2000), na sua versão em vigor à data da apresentação dos pedidos em causa, dispõe, no ponto C2/2.10.2:

«Se um requerente de asilo invocar as dificuldades que enfrentou em consequência da sua orientação homossexual, este facto poderá, em determinadas circunstâncias, levar à conclusão de que essa pessoa é um refugiado na aceção da Convenção [de Genebra]. […]

Uma pena baseada numa disposição penal que apenas tem por objeto estrangeiros com uma orientação homossexual constitui um ato de perseguição. É o que acontece, por exemplo, se a homossexualidade ou a expressão de sentimentos homossexuais específicos estiverem tipificados como crimes. Para se concluir pela existência da qualidade de refugiado, deve estar em causa uma medida penal de uma certa gravidade. Assim, uma simples multa será, na maioria dos casos, insuficiente para se concluir pela existência da qualidade de refugiado.

Contudo, a simples criminalização da homossexualidade ou das práticas homossexuais num país não conduz, sem mais, à conclusão de que um homossexual originário desse país é um refugiado. O requerente de asilo deve demonstrar (se possível com documentos) que tem um motivo justificado, pessoal, para recear a sua perseguição.

Não é exigido às pessoas com uma orientação homossexual que escondam esta orientação no caso do seu retorno

[...]»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

23      X, Y e Z, nascidos, respetivamente, em 1987, 1990 e 1982, apresentaram pedidos de autorização de residência temporária (asilo) nos Países Baixos em 1 de julho de 2009, 27 de abril de 2011 e 25 de julho de 2010.

24      Em apoio dos seus pedidos, alegaram que o estatuto de refugiado deve ser‑lhes concedido por recearem, com razão, ser perseguidos nos respetivos países de origem em virtude da sua homossexualidade.

25      Afirmaram, designadamente, terem sido vítimas, a vários títulos, de reações violentas por parte das respetivas famílias e próximos ou de repressão por parte das autoridades dos países de origem em virtude da sua orientação sexual.

26      Decorre das decisões de reenvio que, nos países de origem de X, Y e Z, a homossexualidade é criminalizada. Assim, na Serra Leoa (processo C‑199/12), nos termos do artigo 61.° da Lei de 1861 dos Crimes contra a Pessoa (Offences against the Person Act 1861), as práticas homossexuais são punidas com pena de prisão entre dez anos, no mínimo, e prisão perpétua. No Uganda (processo C‑200/12), nos termos do artigo 145.° do Código Penal de 1950 (Penal Code Act 1950), quem for condenado por um crime descrito como «conhecimento carnal contrário à ordem da natureza» será punido com pena de prisão, cujo grau máximo é a prisão perpétua. No Senegal (processo C‑201/12), nos termos do artigo 319.3.° do Código Penal senegalês, quem for condenado por práticas homossexuais deve ser punido com pena de prisão de um a cinco anos e multa de 100 000 francos CFA (BCEAO) (XOF) a 1 500 000 XOF (cerca de 150 euros a 2 000 euros).

27      Por despachos de 18 de março de 2010, 10 de maio de 2011 e 12 de janeiro de 2011, o Minister recusou conceder autorizações de residência temporária (asilo) a X, Y e Z.

28      Segundo o Minister, ainda que a orientação sexual dos referidos requerentes seja credível, estes últimos não provaram suficientemente os factos e as circunstâncias invocados e, por conseguinte, não demonstraram que, uma vez regressados aos respetivos países de origem, mantêm um receio fundado de serem perseguidos em virtude da sua pertença a um determinado grupo social.

29      Na sequência do indeferimento dos seus pedidos de autorização de residência temporária (asilo), X e Z interpuseram recursos no Rechtbank ’s‑Gravenhage. Y apresentou um pedido de providência cautelar nesse mesmo órgão jurisdicional.

30      Por sentenças proferidas em 23 de novembro de 2010 e 9 de junho de 2011, o Rechtbank ’s‑Gravenhage deu provimento ao recurso de X e julgou procedente o pedido de Y. Esse órgão jurisdicional considerou, nomeadamente, que o Minister, embora pudesse razoavelmente considerar que as descrições dos pedidos de X e de Y não eram credíveis, não tinha fundamentado suficientemente, em cada um desses dois processos, a questão de saber se era fundado, atendendo nomeadamente à criminalização das práticas homossexuais nos países de origem em causa, o receio de X e de Y de aí serem perseguidos em virtude da sua homossexualidade.

31      Por sentença de 15 de agosto de 2011, o Rechtbank ‘s‑Gravenhage negou provimento ao recurso interposto por Z. Considerou que não só o Minister podia razoavelmente considerar que a descrição de Z não era credível mas ainda que não decorria das informações nem dos documentos produzidos por Z que, em termos gerais, os homossexuais eram perseguidos no Senegal.

32      O Minister interpôs recurso, no Raad van State, das duas sentenças de anulação das suas decisões de indeferimento dos pedidos apresentados por X e Y.

33      Z interpôs recurso, nesse mesmo órgão jurisdicional, da sentença em foi negado provimento ao seu recurso da decisão do Minister de indeferimento do seu pedido.

34      O Raad van State indicou que, nos três processos principais, nem a orientação sexual dos requerentes nem o facto de o Minister poder considerar razoavelmente que as descrições desses pedidos de asilo não eram credíveis são contestados em sede de recurso.

35      Por outro lado, esse órgão jurisdicional indicou que o Minister alegou nomeadamente que, embora não exija aos requerentes, de acordo com a política prevista no ponto C2/2.10.2 da Circular de 2000 dos estrangeiros, que ocultem a sua orientação sexual nos respetivos países de origem, isso não implica que estes devam necessariamente poder expressá‑la publicamente do mesmo modo que nos Países Baixos.

36      Além disso, o Raad van State assinalou que as partes nos processos principais estão divididas quanto à questão de saber em que medida os artigos 9.° e 10.° da diretiva protegem o viver‑se plenamente uma orientação sexual como a que X, Y e Z partilham.

37      Nestas condições, o Raad van State decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, formuladas em termos quase idênticos em cada um dos processos principais:

«1)       Os estrangeiros com uma orientação homossexual constituem um grupo social específico na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da [d]iretiva [...]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: quais são as práticas homossexuais abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva? A existência de atos de perseguição relativos a estas práticas pode, se forem satisfeitos os demais requisitos, levar à concessão do estatuto de refugiado? Esta questão também contém as seguintes subquestões:

a)      Pode esperar‑se dos estrangeiros com uma orientação homossexual que, no país de origem, ocultem a sua orientação das outras pessoas, a fim de evitarem a perseguição?

b)      Em caso de resposta negativa à questão anterior, pode esperar‑se dos estrangeiros com uma orientação homossexual que demonstrem contenção no exercício dessa orientação no país de origem, a fim de evitarem a perseguição, e, em caso afirmativo, em que medida? Pode esperar‑se dos homossexuais uma maior contenção a esse respeito do que dos heterossexuais?

c)      Se, neste contexto, puder distinguir‑se entre as formas de expressão que se referem e as que não se referem ao núcleo essencial da orientação, o que se deverá entender por núcleo essencial da orientação, e de que modo poderá este ser definido?

3)      A simples criminalização das práticas homossexuais e a ameaça com pena de prisão por estas práticas, conforme previsto [na Lei de 1861 dos Crimes contra a Pessoa, da Serra Leoa (processo C‑199/12), no Código Penal [de 1950] ugandês (processo C‑200/12) ou no Código Penal senegalês (processo C‑201/12)], constituem um ato de perseguição, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), lido em conjugação com o [n.° ]2, […] alínea c), [do artigo 9.°] da diretiva? Em caso de resposta negativa, em que circunstâncias é preenchido este conceito?»

38      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2012, os processos C‑199/12 a C‑201/12 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

39      Resulta dos considerandos 3, 16 e 17 da diretiva que a Convenção de Genebra constitui a pedra angular do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados e que as disposições da diretiva relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado, bem como ao respetivo conteúdo, foram adotadas para auxiliar as autoridades competentes dos Estados‑Membros a aplicar esta Convenção, com base em conceitos e critérios comuns (acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z, C‑71/11 e C‑99/11, n.° 47 e jurisprudência referida).

40      Assim, a interpretação das disposições da diretiva deve ser efetuada à luz da sua economia geral e da sua finalidade, no respeito da Convenção de Genebra e dos outros tratados pertinentes referidos no artigo 78.°, n.° 1, TFUE. Esta interpretação deve igualmente ser efetuada, como resulta do considerando 10 da diretiva, no respeito dos direitos reconhecidos pela Carta (acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o., C‑364/11, n.° 43 e jurisprudência referida).

 Quanto à primeira questão

41      Com a primeira questão submetida em cada um dos processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da diretiva deve ser interpretado no sentido de que é possível considerar que, para efeitos da avaliação dos motivos das perseguições que são invocados em apoio de um pedido de obtenção do estatuto de refugiado, os homossexuais formam um determinado grupo social.

42      Para responder a esta questão, há que recordar que, nos termos do artigo 2.°, alínea c), da diretiva, o refugiado é, nomeadamente, o nacional de um país terceiro que se encontra fora do país de que é nacional, pois receia com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, e que não pode ou, em virtude daquele receio, não quer pedir a proteção desse país.

43      Deste modo, o nacional em questão deve, em razão de circunstâncias existentes no seu país de origem e do comportamento dos agentes das perseguições, estar confrontado com o receio fundado de ser perseguido devido a, pelo menos, um dos cinco motivos enumerados na diretiva e na Convenção de Genebra, entre os quais a sua «filiação em certo grupo social».

44      O artigo 10.°, n.° 1, da diretiva define em que consiste um grupo social específico que, quando a ele se pertença, pode criar um receio real de se ser perseguido.

45      Nos termos desta definição, um grupo é considerado «grupo social específico» quando, designadamente, forem cumpridos dois requisitos cumulativos. Por um lado, os membros do grupo devem partilhar de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade que não se pode exigir que a ela renunciem. Por outro lado, esse grupo deve ter uma identidade distinta no país terceiro em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

46      No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, é pacífico que a orientação sexual de uma pessoa constitui uma característica de tal forma essencial para a sua identidade que não se pode exigir que a ela renuncie. Esta interpretação é corroborada pelo artigo 10.°, n.° 1, alínea d), segundo parágrafo, da diretiva, do qual decorre que, em função das condições preponderantes no país de origem, um grupo social específico pode ser um grupo cujos membros tenham como característica comum uma orientação sexual.

47      O segundo requisito pressupõe que, no país de origem em causa, o grupo cujos membros partilham da mesma orientação sexual tem uma identidade própria, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

48      A este respeito, há que admitir que a existência de legislação penal como a que está em causa em cada um dos processos principais, que visa especificamente os homossexuais, permite concluir que essas pessoas constituem um grupo à parte, encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

49      Consequentemente, há que responder à primeira questão submetida em cada um dos processos principais que o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da diretiva deve ser interpretado no sentido de que a existência de legislação penal como a que está em causa em cada um dos processos principais, que visa especificamente os homossexuais, permite concluir que se deve considerar que essas pessoas formam um determinado grupo social.

 Quanto à terceira questão

50      Com a terceira questão submetida em cada um dos processos principais, que importa apreciar antes da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 9.°, n.° 1, alínea a), da diretiva, lido em conjugação com o seu artigo 9.°, n.° 2, alínea c), deve ser interpretado no sentido de que o mero facto de se criminalizar as práticas homossexuais e de se cominar, para esse crime, uma pena de prisão constitui um ato de perseguição. Em caso de resposta negativa, o referido órgão jurisdicional pretende saber em que circunstâncias deve ser admitida a qualificação de ato de perseguição.

51      Para responder a esta questão, importa recordar que o artigo 9.° da diretiva define os elementos que permitem considerar certos atos uma perseguição na aceção do artigo 1.°, ponto A, da Convenção de Genebra. A este propósito, o artigo 9.°, n.° 1, alínea a), da diretiva, a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere, precisa que os atos pertinentes devem ser suficientemente graves, devido à sua natureza ou persistência, para constituírem uma violação grave dos direitos humanos fundamentais, em especial dos direitos absolutos que, por força do artigo 15.°, n.° 2, da CEDH, não admitem derrogação.

52      Por outro lado, o artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da diretiva precisa que um cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos, que seja suficientemente grave para afetar o indivíduo de forma semelhante à referida no artigo 9.°, n.° 1, alínea a), da diretiva, deve também ser considerado uma perseguição.

53      Decorre dessas disposições que, para que constitua uma perseguição na aceção do artigo 1.°, ponto A, da Convenção de Genebra, a violação dos direitos fundamentais deve atingir um certo nível de gravidade. Nem toda a violação dos direitos fundamentais de um requerente de asilo homossexual atingirá necessariamente, pois, tal nível de gravidade.

54      A este respeito, importa desde já notar que os direitos fundamentais especificamente relacionados com a orientação sexual em causa em cada um dos processos, como o direito ao respeito pela vida privada e familiar, protegido pelo artigo 8.° da CEDH, a que corresponde o artigo 7.° da Carta, lido em conjugação, se for caso disso, com o artigo 14.° da CEDH, em que se inspira o artigo 21.°, n.° 1, da Carta, não figuram entre os direitos humanos fundamentais que não admitem derrogações.

55      Nestas condições, a mera existência de uma legislação que criminaliza práticas homossexuais não pode ser considerada um ato que afeta o requerente de tal forma que atinge o nível de gravidade necessário para que se considere que essa criminalização constitui uma perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da diretiva.

56      Em contrapartida, a pena de prisão que é cominada por uma disposição legislativa que, como a que está em causa nos processos principais, criminaliza práticas homossexuais pode constituir, por si só, um ato de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da diretiva, desde que seja efetivamente aplicada no país de origem que adotou legislação dessa natureza.

57      Com efeito, uma pena como essa infringe o artigo 8.° da CEDH, ao qual corresponde o artigo 7.° da Carta, e constitui uma sanção desproporcionada e discriminatória na aceção do artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da diretiva.

58      Nestas condições, quando um requerente de asilo invoca, como sucede em cada um dos processos principais, a existência no seu país de origem de legislação que criminaliza práticas homossexuais, compete às autoridades nacionais proceder, no âmbito das avaliações que fazem dos factos e das circunstâncias ao abrigo do artigo 4.° da diretiva, a uma análise de todos os factos pertinentes relativos a esse país de origem, incluindo as leis e os regulamentos do país de origem e a forma como são aplicados, conforme prevê o artigo 4.°, n.° 3, alínea a), da diretiva.

59      No âmbito dessa análise, compete, nomeadamente, às referidas autoridades determinar se, no país de origem do requerente, a pena de prisão prevista por uma legislação dessa natureza é aplicada na prática.

60      É à luz destes elementos que compete às autoridades nacionais decidir se há que considerar, efetivamente, que o requerente receia com razão, uma vez regressado ao seu país de origem, ser perseguido na aceção do artigo 2.°, alínea c), da diretiva, lido em conjugação com o artigo 9.°, n.° 3, da mesma.

61      Atendendo a todas estas considerações, há que responder à terceira questão submetida em cada um dos processos principais que o artigo 9.°, n.° 1, da diretiva, lido em conjugação com o artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que a mera criminalização das práticas homossexuais não constitui, por si só, um ato de perseguição. Em contrapartida, uma pena de prisão que puna práticas homossexuais e que seja efetivamente aplicada no país de origem que adotou legislação desse tipo deve ser considerada desproporcionada ou discriminatória, pelo que constitui um ato de perseguição.

 Quanto à segunda questão

 Observações preliminares

62      Com a segunda questão submetida em cada um dos processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, caso se deva considerar que um requerente homossexual faz parte de um determinado grupo social para efeitos do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da diretiva, há que estabelecer uma distinção entre as práticas homossexuais que são abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva e as que o não são e, por conseguinte, não podem dar lugar à concessão do estatuto de refugiado.

63      Para responder a esta questão, que o órgão jurisdicional de reenvio dividiu em várias subquestões, deve observar‑se que a mesma visa situações em que, como sucede nos processos principais, o requerente não demonstrou que já foi perseguido ou que já foi vítima de ameaças diretas de perseguição em virtude da sua pertença a um grupo social específico, cujos membros partilham da mesma orientação sexual.

64      A inexistência de tal indício sério do receio fundado dos requerentes, na aceção do artigo 4.°, n.° 4, da diretiva, explica a necessidade de o órgão jurisdicional de reenvio saber em que medida é possível, quando o requerente não é capaz de basear o seu receio numa perseguição já sofrida por causa da sua pertença ao dito grupo, exigir que, uma vez regressado ao seu país de origem, continue a evitar o risco de perseguição mediante a dissimulação da sua homossexualidade ou, pelo menos, mostrando uma certa reserva na expressão da sua orientação sexual.

 Quanto à segunda questão, alíneas a) e b)

65      Com a segunda questão, alíneas a) e b), submetida em cada um dos processos principais, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.°, alínea c), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que não é razoável esperar de um requerente de asilo que, para evitar ser perseguido, dissimule a sua homossexualidade no seu país de origem ou mostre uma certa reserva na expressão dessa orientação sexual. Além disso, esse órgão jurisdicional pretende saber, se for caso disso, se a referida reserva deve ser mais pronunciada do que a de uma pessoa com uma orientação heterossexual.

66      A este respeito, importa desde já esclarecer que, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da diretiva, a orientação sexual não pode ser entendida no sentido de que inclui atos considerados criminosos segundo o direito nacional dos Estados‑Membros.

67      Além desses atos considerados criminosos pela legislação nacional dos Estados‑Membros, nada na letra do referido artigo 10.°, n.° 1, alínea d), indica que o legislador da União pretendeu excluir do âmbito de aplicação desta disposição alguns outros tipos de atos ou de expressões ligados à orientação sexual.

68      Assim, o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da diretiva não prevê qualquer restrição ao comportamento que os membros do grupo social específico podem adotar, relativamente à sua identidade ou aos comportamentos que cabem ou não no conceito de orientação sexual para efeitos desta disposição.

69      O mero facto de decorrer expressamente do artigo 10.°, n.° 1, alínea b), da diretiva que o conceito de religião abrange igualmente a participação em cerimónias de culto privadas ou públicas não permite concluir que o conceito de orientação sexual, a que o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), desta diretiva se refere, deva só cobrir atos relativos à esfera da vida privada da pessoa em causa, e não também atos da sua vida em público.

70      A este respeito, importa assinalar que exigir‑se aos membros de um grupo social que partilham da mesma orientação sexual que a dissimulem é contrário ao próprio reconhecimento de uma característica de tal forma essencial para a identidade que não se pode exigir aos interessados que a ela renunciem.

71      Assim, não se pode esperar que, para evitar ser perseguido, um requerente de asilo dissimule a sua homossexualidade no seu país de origem.

72      No que toca à reserva que a pessoa deve mostrar, no sistema da diretiva, as autoridades competentes, quando avaliam se um requerente receia com razão ser perseguido, procuram saber se as circunstâncias estabelecidas constituem ou não uma ameaça tal que a pessoa em questão pode razoavelmente recear, atendendo à sua situação individual, ser efetivamente vítima de atos de perseguição (v., neste sentido, acórdão Y e Z, já referido, n.° 76).

73      Esta apreciação da importância do risco que, em todos os casos, deve ser efetuada com vigilância e prudência (acórdão de 2 de março de 2010, Salahadin Abdulla e o., C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, Colet., p. I‑1493, n.° 90) assenta unicamente numa apreciação concreta dos factos e das circunstâncias em conformidade com as regras que figuram, designadamente, no artigo 4.° da diretiva (acórdão Y e Z, já referido, n.° 77).

74      Nenhuma destas regras indica que, na apreciação da importância do risco de sofrer efetivamente atos de perseguição num determinado contexto, é necessário tomar em consideração a possibilidade de o requerente evitar um risco de perseguição, nomeadamente ao manifestar uma certa reserva na expressão da orientação sexual que vive, como membro de um grupo social específico (v., por analogia, acórdão Y e Z, já referido, n.° 78).

75      Daqui decorre que ao interessado deve ser concedido o estatuto de refugiado nos termos do artigo 13.° da diretiva se se provar que, uma vez regressado ao seu país de origem, a sua homossexualidade expô‑lo‑á a um risco real de perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da diretiva. Para esse efeito, não é de ter em conta o facto de poder evitar o risco ao manifestar uma reserva, maior do que um heterossexual, na expressão da sua orientação sexual.

76      À luz destas considerações, há que responder à segunda questão, alíneas a) e b), submetida em cada um dos três processos principais, que o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.°, alínea c), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que só as práticas homossexuais criminosas segundo a legislação nacional dos Estados‑Membros estão excluídas do seu âmbito de aplicação. Na apreciação de um pedido de concessão do estatuto de refugiado, as autoridades competentes não podem razoavelmente esperar de um requerente de asilo que, para evitar o risco de perseguição, dissimule a sua homossexualidade no seu país de origem ou mostre uma certa reserva na expressão dessa orientação sexual.

 Quanto à segunda questão, alínea c)

77      Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, alíneas a) e b), não há que responder à segunda questão, alínea c).

78      Não obstante, importa recordar que, para determinar, concretamente, quais são os atos que podem ser considerados uma perseguição na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da diretiva, não é pertinente distinguir entre os atos que constituem uma ingerência no núcleo essencial da expressão de uma orientação sexual, admitindo que seja possível identificar algum, e aqueles que não afetam este alegado núcleo essencial (v., por analogia, acórdão Y e Z, já referido, n.° 72).

 Quanto às despesas

79      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que a existência de legislação penal como a que está em causa em cada um dos processos principais, que visa especificamente os homossexuais, permite concluir que se deve considerar que essas pessoas formam um determinado grupo social.

2)      O artigo 9.°, n.° 1, da diretiva 2004/83, lido em conjugação com o artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que a mera criminalização das práticas homossexuais não constitui, por si só, um ato de perseguição. Em contrapartida, uma pena de prisão que puna práticas homossexuais e que seja efetivamente aplicada no país de origem que adotou uma legislação desse tipo deve ser considerada desproporcionada ou discriminatória, pelo que constitui um ato de perseguição.

3)      O artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83, lido em conjugação com o artigo 2.°, alínea c), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que só as práticas homossexuais criminosas segundo a legislação nacional dos Estados‑Membros estão excluídas do seu âmbito de aplicação. Na apreciação de um pedido de concessão do estatuto de refugiado, as autoridades competentes não podem razoavelmente esperar de um requerente de asilo que, para evitar o risco de perseguição, dissimule a sua homossexualidade no seu país de origem ou mostre uma certa reserva na expressão dessa orientação sexual.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.