Language of document : ECLI:EU:C:2013:164

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de março de 2013 (*)

«Diretiva 93/13/CEE — Contratos celebrados com os consumidores — Contrato de empréstimo hipotecário — Processo de execução hipotecária — Competências do tribunal nacional que julga o processo declarativo — Cláusulas abusivas — Critérios de apreciação»

No processo C‑415/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona (Espanha), por decisão de 19 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2011, no processo

Mohamed Aziz

contra

Caixa d’Estalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa (Catalunyacaixa),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič, J.‑J. Kasel e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de setembro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de M. Aziz, por D. Moreno Trigo, abogado,

¾        em representação da Caixa d’Estalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa (Catalunyacaixa), por I. Fernández de Senespleda, abogado,

¾        em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Owsiany‑Hornung, J. Baquero Cruz e M. van Beek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de novembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29, a seguir «diretiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre M. Aziz e a Caixa d’Estalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa (a seguir «Catalunyacaixa»), a respeito da validade de algumas cláusulas de um contrato de empréstimo hipotecário celebrado pelas referidas partes.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O décimo sexto considerando da diretiva enuncia:

«Considerando […] que a exigência de boa‑fé pode ser satisfeita pelo profissional, tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legítimos interesses deve ter em conta;»

4        O artigo 3.° da diretiva dispõe:

«1.      Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.      Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

[…]

3.      O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

5        Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, desta mesma diretiva:

«Sem prejuízo do artigo 7.°, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.»

6        O artigo 6.°, n.° 1, da diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

7        O artigo 7.°, n.° 1, da diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

8        O anexo da diretiva enumera, no seu n.° 1, as cláusulas previstas no artigo 3.°, n.° 3, desta última. Compreende, designadamente, as cláusulas seguintes:

«1.      Cláusulas que têm como objetivo ou como efeito:

[…]

e)      Impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado;

[…]

q)      Suprimir ou entravar a possibilidade de intentar ações judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigando‑o a submeter‑se exclusivamente a uma jurisdição de arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à sua disposição ou impondo‑lhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia normalmente a outra parte contratante.»

 Direito espanhol

9        No direito espanhol, a defesa dos consumidores contra cláusulas abusivas era inicialmente garantida pela Lei Geral 26/1984, relativa à defesa dos consumidores e dos utentes (Ley General 26/1984 para la Defensa de los Consumidores y Usuarios), de 19 de julho de 1984 (BOE n.° 176, de 24 de julho de 1984, p. 21686).

10      A Lei Geral 26/1984 foi, em seguida, alterada pela Lei 7/1998, sobre condições contratuais gerais (Ley 7/1998 sobre condiciones generales de la contratación), de 13 de abril de 1998 (BOE n.° 89, de 14 de abril de 1998, p. 12304), que transpôs a diretiva para o direito interno espanhol.

11      Por último, o Decreto Real Legislativo 1/2007, que aprova o texto reformulado da lei geral de defesa dos consumidores e utentes e outras leis complementares (Real Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias), de 16 de novembro de 2007 (BOE n.° 287, de 30 de novembro de 2007, p. 49181), adotou o texto consolidado da Lei 26/1984, conforme alterada.

12      Nos termos do artigo 82.° do Decreto Real Legislativo 1/2007:

«1.      Consideram‑se cláusulas abusivas todas as estipulações não negociadas individualmente e todas as práticas não expressamente consentidas que, contra os ditames da boa‑fé, criem em detrimento do consumidor e utente um desequilíbrio significativo dos direitos e obrigações que decorram do contrato para as partes.

[…]

3.      O caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato ou de outro de que este dependa.

4.      Não obstante o previsto nos números anteriores, são sempre consideradas abusivas as cláusulas que, nos termos do disposto nos artigos 85.° a 90.°, inclusive:

a)      vinculem o contrato à vontade do profissional,

b)      restrinjam os direitos do consumidor e utente,

c)      determinem a falta de reciprocidade no contrato,

d)      exijam garantias desproporcionadas ao consumidor e utente ou sobre ele façam recair indevidamente o ónus da prova,

e)      sejam desproporcionadas relativamente à celebração e execução do contrato, ou

f)      sejam incompatíveis com as regras relativas à competência e ao direito aplicável.»

13      Relativamente ao procedimento de injunção de pagamento, o Código de Processo Civil (Ley de Enjuiciamiento Civil), na sua versão em vigor à data em que foi iniciado o procedimento que deu origem ao litígio no processo principal, regula, no seu capítulo V do título IV, livro III, intitulado «Particularidades da execução de bens hipotecados ou penhorados», designadamente nos seus artigos 681.° a 698.°, o processo de execução hipotecária que se encontra no cerne do litígio no processo principal.

14      O artigo 695.° do Código de Processo Civil enuncia:

«1.      Nos processos a que se refere este capítulo só será admitida a oposição do executado quando baseada nos seguintes fundamentos:

(1)      Extinção da garantia ou da obrigação garantida, sempre que resulte de certidão do registo que certifique o cancelamento da hipoteca ou, se for caso disso, do penhor sem entrega do bem empenhado ou de escritura pública que certifique o pagamento da dívida ou o cancelamento da garantia.

(2)      Erro na determinação do valor exigível nos casos em que a dívida garantida corresponda ao saldo de encerramento de uma conta entre exequente e executado. O executado deverá juntar o seu exemplar do extrato de conta e apenas se admitirá a oposição nos casos em que o saldo do referido extrato divirja do apresentado pelo exequente.

[…]

(3)      […] a sujeição […] a novo penhor, hipoteca […] ou penhora registados anteriormente ao ónus que deu origem ao processo, […] comprovada pela correspondente certidão de registo.

2.      Se for formulada a oposição nos termos do n.° 1, o secretário suspenderá a execução e convocará as partes para comparecerem perante o órgão jurisdicional que ordenou a execução, devendo entre a citação e a data da audiência mediar pelo menos quatro dias; nesta audiência, o tribunal ouvirá as partes, admitirá os documentos apresentados e proferirá a decisão que considere adequada, mediante despacho, no prazo de dois dias [...]»

15      O artigo 698.° do Código de Processo Civil dispõe:

«1.      Qualquer reclamação que o devedor, o terceiro executado e qualquer interessado formulem e que não esteja abrangida pelos artigos anteriores, incluindo as que digam respeito à nulidade do título ou ao vencimento, à certeza, à extinção ou ao valor da dívida, será resolvida no processo pertinente, sem nunca produzir efeito suspensivo nem interromper o processo previsto no presente capítulo.

[...]

2.      Ao formular a reclamação a que se refere o parágrafo anterior ou no decurso do processo a que esta der lugar, poderá requerer‑se que a eficácia da sentença que venha a ser proferida no mesmo seja garantida mediante a retenção da totalidade ou de uma parte do valor que deva ser restituído ao credor no âmbito do processo regulado no presente capítulo.

O tribunal, mediante despacho, decretará esta retenção tendo em conta os documentos apresentados, caso entenda que os motivos alegados são suficientes. Se o requerente não for manifesta e suficientemente solvente, o tribunal deverá exigir‑lhe uma garantia prévia e bastante para juros de mora e para o ressarcimento de quaisquer outros danos e prejuízos que o credor possa vir a sofrer.

3.      Se o credor prestar garantia adequada do valor cuja retenção tenha sido ordenada no processo referido n.° 1, a retenção será levantada.»

16      O artigo 131.° da Lei Hipotecária em vigor na data dos factos no processo principal (Ley Hipotecaria), cujo texto consolidado foi aprovado pelo Decreto de 8 de fevereiro de 1946 (BOE n.° 58, de 27 de fevereiro de 1946, p. 1518), prevê:

«Os registos provisórios de pedido de cancelamento da hipoteca ou os outros registos que não se baseiem em nenhum dos casos que podem determinar a suspensão da execução serão cancelados por força do despacho de cancelamento previsto no artigo 133.°, desde que sejam posteriores ao registo da emissão da certidão de custas. A certidão de pagamento da hipoteca não pode ser registada enquanto este último registo não tiver sido previamente cancelado, por decisão judicial nesse sentido.»

17      Nos termos do artigo 153.°‑A da Lei Hipotecária:

«[…] As partes podem acordar que, em caso de execução, o montante exigível será o que resultar da liquidação efetuada pela instituição financeira de empréstimo na forma acordada pelas partes no ato.

Na data de vencimento acordada pelas partes ou no termo de qualquer das suas prorrogações, poderá proceder‑se à execução hipotecária, em conformidade com os artigos 129.° e 153.° da presente lei e com as disposições análogas do Código de Processo Civil.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      Em 19 de julho de 2007, M. Aziz, cidadão marroquino a trabalhar em Espanha desde dezembro de 1993, celebrou com a Catalunyacaixa, por ato notarial, um contrato de empréstimo com garantia hipotecária. O bem imóvel objeto da referida garantia era a casa de morada de família de M. Aziz, da qual era proprietário desde 2003.

19      O capital emprestado pela Catalunyacaixa foi de 138 000 euros. Devia ser reembolsado em 33 anuidades, com 396 mensalidades, a partir de 1 de agosto de 2007.

20      Como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, este contrato de empréstimo celebrado com a Catalunyacaixa previa, na sua cláusula 6.ª, juros de mora anuais de 18,75%, automaticamente aplicáveis aos montantes não pagos na data de vencimento, sem necessidade de reclamação.

21      Além disso, a cláusula 6.ª‑A do referido contrato conferia à Catalunyacaixa a faculdade de declarar exigível a totalidade do empréstimo, em caso de vencimento de um dos prazos acordados, sem que o devedor tivesse cumprido a sua obrigação de pagamento de uma parte do capital ou dos juros do empréstimo.

22      Por último, a cláusula 15.ª do mesmo contrato, que regulava as condições de liquidação, previa a possibilidade de a Catalunyacaixa não só recorrer à execução hipotecária, para recuperar uma eventual dívida, mas também de apresentar diretamente, para esse efeito, a liquidação através de uma certidão adequada com indicação do montante exigido.

23      M. Aziz pagou regularmente as suas mensalidades, de julho de 2007 a maio de 2008, mas deixou de o fazer a partir do mês de junho de 2008. Nestas condições, em 28 de outubro de 2008, a Catalunyacaixa recorreu a um notário para obter um ato de determinação da dívida. O notário certificou que resultava dos documentos apresentados e do conteúdo do contrato de empréstimo que a liquidação da dívida era de 139 764,76 euros, o que correspondia às mensalidades não pagas, acrescidas dos juros ordinários e dos juros de mora.

24      Após ter interpelado M. Aziz, sem sucesso, a Catalunyacaixa, em 11 de março de 2009, intentou uma ação executiva contra o devedor no Juzgado de Primera Instancia n.° 5 de Martorell, pedindo o pagamento da quantia de 139 674,02 euros, a título principal, de 90,74 euros, a título de juros vencidos, e de 41 902,21 euros, a título de juros e custas.

25      Como M. Aziz não deduziu oposição, em 15 de dezembro de 2009, aquele órgão jurisdicional ordenou a execução. Assim, foi enviada a M. Aziz uma injunção de pagamento, que este não cumpriu nem contestou.

26      Neste contexto, em 20 de julho de 2010, foi promovida a venda do imóvel em hasta pública, não tendo sido apresentada nenhuma proposta. Por conseguinte, em conformidade com o disposto no Código de Processo Civil, o Juzgado de Primera Instancia n.° 5 de Martorell admitiu a adjudicação desse bem por 50% do seu valor. O referido órgão jurisdicional fixou também para 20 de janeiro de 2011 a data em que devia ocorrer a transmissão da posse do imóvel para o adjudicatário. Em consequência, M. Aziz foi despejado do seu domicílio.

27      No entanto, pouco antes do despejo, em 11 de janeiro de 2011, M. Aziz intentou uma ação declarativa no Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona, para obter a anulação da cláusula 15.ª do contrato de empréstimo hipotecário, por considerar que a mesma tinha caráter abusivo, pedindo, em consequência, a anulação do processo de execução.

28      Neste contexto, o Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona suscitou dúvidas quanto à conformidade do direito espanhol com o quadro jurídico estabelecido na diretiva.

29      Em particular, sublinhou que se, para efeitos da execução forçada, o credor optar pelo processo de execução hipotecária, as possibilidades de alegar o caráter abusivo de uma das cláusulas de um contrato de empréstimo são muito limitadas, na medida em que as mesmas são remetidas para apreciação em processo declarativo posterior, que não tem efeito suspensivo. O órgão jurisdicional de reenvio considerou que, nestas condições, é extremamente difícil para um tribunal espanhol garantir uma proteção eficaz do consumidor no referido processo de execução hipotecária e no correspondente processo declarativo.

30      Além disso, o Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona considerou que a solução do processo principal levantava outras questões relacionadas, designadamente, com a interpretação do conceito de «cláusulas que têm como objetivo ou como efeito impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado», previsto no n.° 1, alínea e), do anexo da diretiva, e do conceito de «cláusulas que têm como objetivo ou como efeito suprimir ou entravar a possibilidade de intentar ações judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor», previsto no n.° 1, alínea q), do referido anexo. Em seu entender, não é clara a compatibilidade das cláusulas relativas ao vencimento antecipado nos contratos de longa duração, à fixação de juros de mora e à fixação unilateral pelo mutuário de mecanismos de liquidação da totalidade da dívida com essas disposições do anexo da diretiva.

31      Foi nestas condições que o Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona, tendo dúvidas quanto à correta interpretação do direito da União, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um sistema de execução de decisões judiciais sobre bens hipotecados ou penhorados, como o previsto no artigo 695.° e seguintes [do Código de Processo Civil espanhol], que impõe limites aos fundamentos de oposição no direito processual espanhol, o que implica, formal e materialmente, um claro obstáculo ao exercício do direito, por parte do consumidor, de intentar ações judiciais ou de seguir outras vias de recurso que garantem a tutela efetiva dos seus direitos, pode ser considerado como uma clara limitação à tutela do consumidor?

2)      Pede‑se ao Tribunal de Justiça da União Europeia que esclareça o conceito de caráter desproporcionado no que respeita:

a)      À possibilidade de vencimento antecipado em contratos que vigoram durante um longo lapso de tempo — no caso em apreço, 33 anos — por incumprimento durante um período muito limitado e concreto.

b)      À fixação de juros de mora — no caso em apreço, superiores a 18% — que não coincidem com os critérios de determinação dos juros de mora noutros contratos com consumidores (crédito ao consumo), que noutros domínios da contratação com consumidores poderiam ser entendidos como abusivos e que, não obstante, em sede de contratação imobiliária, não têm um limite legal claro não apenas nos casos em que se aplicam a prestações vencidas mas também quando aplicados à totalidade das prestações em dívida por vencimento antecipado.

c)      À previsão de mecanismos de cálculo e de fixação dos juros variáveis — compensatórios e moratórios — determinados unilateralmente pelo mutuante, associados à possibilidade de execução hipotecária, e que não permitem que o devedor executado deduza oposição à liquidação da dívida na própria ação executiva, remetendo‑o para uma ação declarativa na qual apenas obterá uma decisão definitiva quando a execução já estiver concluída, ou, pelo menos, quando já tiver perdido o bem hipotecado ou dado em garantia, questão que assume especial relevância quando o empréstimo foi pedido para aquisição de uma casa e a execução implica o despejo do imóvel?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

32      A Catalunyacaixa e o Reino de Espanha suscitam dúvidas quanto à admissibilidade da primeira questão, alegando que ela não é útil para a resolução do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio. A este propósito, sustentam que esse litígio se desenvolve no âmbito de um processo declarativo autónomo e distinto da execução hipotecária e que, tendo em conta a legislação de defesa dos consumidores, diz unicamente respeito à nulidade da cláusula 15.ª do contrato de empréstimo em causa no processo principal. Por conseguinte, em seu entender, não se afigura necessária nem pertinente para a solução do referido litígio uma resposta sobre a compatibilidade do processo de execução hipotecária com a diretiva.

33      Nesta mesma perspetiva, o Reino de Espanha e a Catalunyacaixa contestam também a admissibilidade da segunda questão, na medida em que visa obter a interpretação do conceito de caráter desproporcionado, na aceção das disposições pertinentes da diretiva, no tocante às cláusulas sobre vencimento antecipado nos contratos de longa duração e sobre a fixação de juros de mora. Com efeito, alegam que essas cláusulas não têm nenhuma relação com o objeto do litígio no processo principal nem são úteis para apreciar o caráter abusivo da cláusula 15.ª do contrato de empréstimo em causa no processo principal.

34      A este respeito, há que recordar desde logo que, segundo jurisprudência assente, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.° TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, só o tribunal nacional tem competência para verificar e apreciar os factos do litígio no processo principal assim como para interpretar e aplicar o direito nacional. Do mesmo modo, é apenas ao tribunal nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, que compete apreciar, atendendo às especificidades do processo, tanto a necessidade como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, n.° 76 e jurisprudência referida).

35      Assim, o Tribunal de Justiça só se pode recusar a responder a uma questão prejudicial submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 77 e jurisprudência referida).

36      Ora, tal não é o caso no processo em apreço.

37      Com efeito, há que observar que, por força do sistema processual espanhol, no âmbito do processo de execução hipotecária intentado pela Catalunyacaixa contra M. Aziz, o executado não pôde contestar o caráter abusivo de uma cláusula do contrato que o vincula a essa instituição de crédito, que esteve na origem do processo de execução, perante o Juzgado de Primera Instancia n.° 5 de Martorell, onde a execução corre os seus termos, mas sim perante o Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona, tribunal que julga o processo declarativo.

38      Neste contexto, como observa acertadamente a Comissão Europeia, a primeira questão submetida pelo Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona deve ser entendida em sentido amplo, isto é, como visando apreciar, em substância, atendendo à limitação dos fundamentos de oposição no âmbito do processo de execução hipotecária, a compatibilidade com a diretiva dos poderes reconhecidos ao tribunal que julga o processo declarativo, que é o competente para apreciar o caráter abusivo das cláusulas do contrato em causa no processo principal, do qual deriva a dívida reclamada no referido processo de execução.

39      Nestas condições, tendo em conta o facto de que compete ao Tribunal de Justiça dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido (v. acórdãos de 28 de novembro de 2000, Roquette Frères, C‑88/99, Colet., p. I‑10465, n.° 18, e de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, Colet., p. I‑2055, n.° 19), cumpre constatar que não é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada na primeira questão seja desprovida de relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal.

40      Do mesmo modo, não se pode excluir que a interpretação do conceito de caráter desproporcionado, na aceção das disposições pertinentes da diretiva, a que se refere a segunda questão, possa ser útil para decidir o litígio submetido ao Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona.

41      Com efeito, como sublinha a advogada‑geral nos n.os 62 e 63 das suas conclusões, embora o pedido de anulação apresentado por M. Aziz no litígio no processo principal seja apenas relativo à validade da cláusula 15.ª do contrato de empréstimo, basta constatar que, por um lado, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da diretiva, uma visão conjunta das outras cláusulas contratuais referidas nessa questão é suscetível de ter impacto no exame da cláusula contestada neste litígio e, por outro, o tribunal nacional deve, por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça, apreciar oficiosamente o caráter abusivo de todas as cláusulas contratuais abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva, mesmo na falta de um pedido expresso nesse sentido, desde que disponha dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito (v., neste sentido, acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM, C‑243/08, Colet., p. I‑4713, n.os 31 e 32, e acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 43).

42      Por conseguinte, as questões prejudiciais são admissíveis na sua totalidade.

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira questão

43      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se a diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, ao não prever, no âmbito de um processo de execução hipotecária, fundamentos de oposição relativos ao caráter abusivo de uma cláusula de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, não permite ao tribunal que julga o processo declarativo, que é o competente para apreciar o caráter abusivo de tal cláusula, decretar medidas provisórias que garantam a plena eficácia da sua decisão final.

44      A fim de responder a esta questão, importa, antes de mais, recordar que o sistema de proteção instituído pela diretiva assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação (acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 39).

45      Atendendo a essa situação de inferioridade, o artigo 6.°, n.° 1, da diretiva prevê que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor. Como resulta da jurisprudência, trata‑se de uma disposição imperativa que pretende substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e obrigações dos contraentes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre eles (acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 40 e jurisprudência referida).

46      Neste contexto, o Tribunal de Justiça já sublinhou reiteradamente que o tribunal nacional deve apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva e, deste modo, suprir o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional, desde que disponha dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito (acórdãos, já referidos, Pannon GSM, n.os 31 e 32, e Banco Español de Crédito, n.os 42 e 43).

47      Assim, ao pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial submetido por um órgão jurisdicional nacional no âmbito de um processo contraditório iniciado na sequência da oposição deduzida por um consumidor a uma injunção de pagamento, o Tribunal de Justiça considerou que esse órgão jurisdicional deve, oficiosamente, tomar medidas instrutórias a fim de determinar se uma cláusula atributiva de competência territorial exclusiva, constante de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, se enquadra no âmbito de aplicação da diretiva e, em caso afirmativo, apreciar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo dessa cláusula (acórdão de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing, C‑137/08, Colet., p. I‑10847, n.° 56).

48      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça precisou que a diretiva se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que não permite ao tribunal em que é apresentado um pedido de injunção de pagamento, e na falta de oposição do consumidor, apreciar oficiosamente, in limine litis ou em qualquer outra fase do procedimento, o caráter abusivo de uma cláusula de juros de mora contida num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, mesmo quando disponha dos elementos de direito e de facto necessários para esse efeito (acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 57).

49      Todavia, o caso no processo principal distingue‑se dos que deram origem aos acórdãos, já referidos, VB Pénzügyi Lízing e Banco Español de Crédito, pelo facto de dizer respeito à definição das responsabilidades que incumbem ao tribunal a quem foi submetido um processo declarativo conexo com um processo de execução hipotecária, com o objetivo de garantir, se for caso disso, o efeito útil da decisão de mérito que declare o caráter abusivo da cláusula contratual que constitui o fundamento do título executivo e, portanto, a propositura do processo de execução.

50      A este respeito, há que concluir que, na falta de harmonização de mecanismos nacionais de execução forçada, as modalidades de aplicação dos fundamentos de oposição admitidos no âmbito de um processo de execução hipotecária e dos poderes conferidos ao tribunal que julga o processo declarativo, que é o competente para analisar a legitimidade das cláusulas contratuais por força das quais foi estabelecido o título executivo, fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes, na condição, porém, de não serem menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e de não tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos consumidores pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, acórdãos de 26 de outubro 2006, Mostaza Claro, C‑168/05, Colet., p. I‑10421, n.° 24, e de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, Colet., p. I‑9579, n.° 38).

51      Relativamente ao princípio da equivalência, há que salientar que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita suscitar dúvidas quanto à conformidade da legislação em causa no processo principal com esse princípio.

52      Com efeito, resulta dos autos que o sistema processual espanhol proíbe que o tribunal a quem foi submetido um processo declarativo conexo com um processo de execução hipotecária decrete medidas provisórias que garantam a plena eficácia da sua decisão final, não só quando aprecia o caráter abusivo, à luz do artigo 6.° da diretiva, de uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor mas também quando verifica a contradição entre tal cláusula e as disposições nacionais de ordem pública, o que lhe compete, todavia, verificar (v., neste sentido, acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 48).

53      No que respeita ao princípio da efetividade, importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais (acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 49).

54      No caso em apreço, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que, nos termos do artigo 695.° do Código de Processo Civil, nos processos de execução hipotecária, a oposição deduzida pelo executado só pode ter por fundamento a extinção da garantia ou da obrigação garantida, ou um erro na liquidação do montante exigível, nos casos em que a dívida garantida corresponda ao saldo de encerramento de uma conta entre exequente e executado, ou ainda a sujeição a novo penhor, hipoteca ou penhora registados anteriormente ao ónus que deu origem ao processo.

55      Em conformidade com o artigo 698.° do Código de Processo Civil, qualquer reclamação que o devedor formule, incluindo as que digam respeito à nulidade do título ou ao vencimento, à certeza, à extinção ou ao valor da dívida, será resolvida no processo pertinente, sem nunca produzir efeito suspensivo do processo previsto no capítulo em questão.

56      Além disso, nos termos do artigo 131.° da Lei Hipotecária, os registos provisórios de pedido de cancelamento da hipoteca ou outros registos que não se baseiem em nenhum dos casos que podem determinar a suspensão da execução serão cancelados por força do despacho de cancelamento previsto no artigo 133.° dessa lei, desde que sejam posteriores ao registo da emissão da certidão de custas.

57      Ora, decorre destas indicações que, no sistema processual espanhol, a adjudicação final de um bem hipotecado a um terceiro comprador tem caráter irreversível, mesmo quando o caráter abusivo da cláusula impugnada pelo consumidor perante o tribunal que julga o processo declarativo acarrete a nulidade do processo de execução hipotecária, a não ser que o referido consumidor tenha efetuado o registo provisório do pedido de cancelamento da hipoteca antes do referido registo da emissão da certidão de custas.

58      A este respeito, importa, no entanto, declarar que, tendo em conta a tramitação e as particularidades do processo de execução hipotecária em causa no processo principal, se deve considerar essa hipótese como residual, porquanto existe um risco não negligenciável de o consumidor em causa não efetuar o referido registo provisório no prazo previsto para o efeito, quer devido ao caráter extremamente rápido do processo de execução em questão quer porque ignora ou não se apercebe do alcance dos seus direitos (v., neste sentido, acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 54).

59      É forçoso constatar que tal regime processual é suscetível de lesar a efetividade da proteção pretendida pela diretiva, na medida em que institui a impossibilidade de o tribunal que julga o processo declarativo, perante o qual o consumidor apresentou um pedido em que alega o caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitui o fundamento do título executivo, conceder medidas provisórias para suspender ou interromper o processo de execução hipotecária, quando a concessão de tais medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da sua decisão final (v., neste sentido, acórdão de 13 de março de 2007, Unibet, C‑432/05, Colet., p. I‑2271, n.° 77).

60      Com efeito, como sublinhou também a advogada‑geral no n.° 50 das suas conclusões, sem essa possibilidade, sempre que, como no processo principal, a execução do bem imóvel hipotecado tenha sido realizada antes de o tribunal que julga o processo declarativo ter decidido no sentido de declarar o caráter abusivo da cláusula contratual que está na origem da hipoteca e, por conseguinte, a nulidade do processo de execução, essa decisão só permite garantir ao consumidor uma proteção a posteriori, puramente indemnizatória, que se revela incompleta e insuficiente e não constitui um meio adequado nem eficaz para pôr termo à utilização dessa mesma cláusula, contrariamente ao que prevê o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13.

61      Isto é tanto mais assim quanto, como no processo principal, o bem que é objeto da garantia hipotecária é a casa de morada de família do consumidor lesado e da sua família, uma vez que esse mecanismo de proteção dos consumidores, limitado ao pagamento de uma indemnização, não permite impedir a perda definitiva e irreversível da habitação.

62      Por conseguinte, como sublinhou também o órgão jurisdicional de reenvio, bastaria aos profissionais, logo que preenchidos os requisitos pertinentes, instaurarem um processo de execução hipotecária desse tipo, para privarem, no essencial, os consumidores da proteção pretendida pela diretiva, o que se afigura igualmente contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça de acordo com a qual as características específicas dos processos jurisdicionais, que decorrem no quadro do direito nacional, entre os profissionais e os consumidores não podem constituir um elemento suscetível de afetar a proteção jurídica de que os consumidores devem beneficiar ao abrigo das disposições desta diretiva (v., neste sentido, acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.° 55).

63      Nestas condições, importa concluir que a legislação espanhola em causa no processo principal não se afigura conforme com o princípio da efetividade, na medida em que torna impossível ou extremamente difícil, nos processos de execução hipotecária intentados por profissionais e em que o executado é um consumidor, a aplicação da proteção que a diretiva lhe pretende conferir.

64      À luz destas considerações, há que responder à primeira questão que a diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, ao mesmo tempo que não prevê, no âmbito do um processo de execução hipotecária, fundamentos de oposição relativos ao caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitui o fundamento do título executivo, também não permite ao tribunal que julga o processo declarativo, que é o competente para apreciar o caráter abusivo de tal cláusula, decretar medidas provisórias, como, por exemplo, a suspensão do referido processo de execução, quando a concessão dessas medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da sua decisão final.

 Quanto à segunda questão

65      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, obter esclarecimentos sobre os elementos constitutivos do conceito de «cláusula abusiva», atendendo ao disposto no artigo 3.°, n.os 1 e 3, da diretiva e no respetivo anexo, para apreciar o caráter abusivo ou não das cláusulas que são objeto do litígio no processo principal, relativas ao vencimento antecipado nos contratos de longa duração, à fixação de juros de mora e às condições de liquidação.

66      A este respeito, importa precisar que, de acordo com jurisprudência assente, a competência do Tribunal de Justiça na matéria abrange a interpretação do conceito de «cláusula abusiva», referido no artigo 3.°, n.° 1, da diretiva e no seu anexo, assim como os critérios que o órgão jurisdicional nacional pode ou deve aplicar na apreciação de uma cláusula contratual à luz das disposições da diretiva, sendo certo que compete ao referido órgão jurisdicional pronunciar‑se, tendo em conta os referidos critérios, sobre a qualificação concreta de uma cláusula contratual particular em função das circunstâncias próprias do caso em apreço. Daqui resulta que, na sua resposta, o Tribunal de Justiça se deve limitar a fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações que este deve ter em conta para apreciar o caráter abusivo da cláusula em causa (v. acórdão de 26 de abril de 2012, Invitel, C‑472/10, n.° 22 e jurisprudência referida).

67      Posto isto, importa sublinhar que, ao referir‑se aos conceitos de boa‑fé e de desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, o artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva apenas define em abstrato os elementos que conferem caráter abusivo a uma cláusula contratual que não foi objeto de negociação individual (v. acórdão de 1 de abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten, C‑237/02, Colet., p. I‑3403, n.° 19, e acórdão Pannon GSM, já referido, n.° 37).

68      Ora, como sublinhou a advogada‑geral no n.° 71 das suas conclusões, para saber se uma cláusula cria, em detrimento do consumidor, um «desequilíbrio significativo» entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, há que ter em conta, designadamente, as normas de direito nacional aplicáveis na falta de acordo das partes nesse sentido. É através de uma análise comparativa deste tipo que o órgão jurisdicional nacional poderá avaliar se e em que medida o contrato coloca o consumidor numa situação menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor. De igual modo, afigura‑se pertinente, para este efeito, proceder a um exame da situação jurídica em que se encontra o referido consumidor, atendendo aos meios de que dispõe, ao abrigo da legislação nacional, para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas.

69      No que respeita ao facto de saber em que circunstâncias foi criado esse desequilíbrio «a despeito da exigência de boa‑fé», importa declarar que, atendendo ao décimo sexto considerando da diretiva e conforme sublinhou a advogada‑geral, no essencial, no n.° 74 das suas conclusões, o tribunal nacional deve verificar, para o efeito, se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que ele aceitaria essa cláusula, na sequência de uma negociação individual.

70      Neste contexto, cumpre recordar que o anexo, para o qual remete o artigo 3.°, n.° 3, da diretiva, apenas contém uma lista indicativa e não exaustiva das cláusulas que podem ser declaradas abusivas (v. acórdão Invitel, já referido, n.° 25 e jurisprudência referida).

71      Além disso, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da diretiva, o caráter abusivo de uma cláusula contratual deve ser apreciado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração (acórdãos, já referidos, Pannon GSM, n.° 39, e VB Pénzügyi Lízing, n.° 42). Daqui decorre que, nesta perspetiva, devem igualmente ser apreciadas as consequências que a referida cláusula pode ter no âmbito do direito aplicável ao contrato, o que implica um exame do sistema jurídico nacional (v. acórdão Freiburger Kommunalbauten, já referido, n.° 21, e despacho de 16 de novembro de 2010, Pohotovosť, C‑76/10, Colet., p. I‑11557, n.° 59).

72      É à luz destes critérios que o Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona deve apreciar o caráter abusivo das cláusulas a que se refere a segunda questão submetida.

73      Em particular, no que diz respeito, antes de mais, à cláusula relativa ao vencimento antecipado, nos contratos de longa duração, devido aos incumprimentos do devedor por um período limitado, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar designadamente, como sublinhou a advogada‑geral nos n.os 77 e 78 das suas conclusões, se a faculdade de o profissional declarar exigível a totalidade do empréstimo depende do incumprimento pelo consumidor de uma obrigação que apresenta um caráter essencial no âmbito da relação contratual em causa, se essa faculdade está prevista para os casos em que esse incumprimento reveste um caráter suficientemente grave atendendo à duração e ao montante do empréstimo, se a referida faculdade derroga as normas aplicáveis na matéria e se o direito nacional prevê meios adequados e eficazes que permitam ao consumidor sujeito à aplicação dessa cláusula sanar os efeitos da referida exigibilidade do empréstimo.

74      Em seguida, quanto à cláusula relativa à fixação dos juros de mora, há que recordar que, à luz do n.° 1, alínea e), do anexo da diretiva, lido em conjugação com as disposições dos artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 1, da diretiva, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar, designadamente, como sublinha a advogada‑geral nos n.os 85 a 87 das suas conclusões, por um lado, as normas nacionais aplicáveis entre as partes, quando não tenha sido estabelecida nenhuma convenção no contrato em causa ou noutros contratos desse tipo celebrados com os consumidores, e, por outro, o montante da taxa de juros de mora fixada, por comparação com a taxa de juro legal, para verificar se tal montante é adequado para garantir a realização dos objetivos que no Estado‑Membro em causa são atribuídos aos juros de mora e se não ultrapassa o que é necessário para os atingir.

75      Por último, no que respeita à cláusula relativa à liquidação unilateral, pelo mutuante, do montante da dívida vencida, associada à possibilidade de intentar o processo de execução hipotecária, há que declarar que, tendo em conta o n.° 1, alínea q), do anexo da diretiva e os critérios constantes dos artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 1, da mesma, o órgão jurisdicional de reenvio deverá, designadamente, apreciar se e em que medida a cláusula em questão derroga as normas aplicáveis na falta de acordo entre as partes, de forma a dificultar o acesso do consumidor à justiça e ao exercício dos direitos de defesa, atendendo aos meios processuais de que dispõe.

76      À luz do que precede, há que responder à segunda questão que

¾        O artigo 3.°, n.° 1, da diretiva deve ser interpretado no sentido de que:

¾        o conceito de «desequilíbrio significativo» em detrimento do consumidor deve ser apreciado através de uma análise das regras nacionais aplicáveis na falta de acordo entre as partes, para avaliar se e em que medida o contrato coloca o consumidor numa situação jurídica menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor. De igual modo, afigura‑se pertinente, para este efeito, proceder a um exame da situação jurídica em que se encontra o referido consumidor, atendendo aos meios de que dispõe, ao abrigo da legislação nacional, para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas;

¾        para saber se o desequilíbrio foi criado «a despeito da exigência de boa‑fé», importa verificar se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que ele aceitaria a cláusula em questão, na sequência de uma negociação individual.

¾        O artigo 3.°, n.° 3, da diretiva deve ser interpretado no sentido de que o anexo para o qual remete essa disposição apenas contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas.

 Quanto às despesas

77      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, ao mesmo tempo que não prevê, no âmbito do processo de execução hipotecária, fundamentos de oposição relativos ao caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitui o fundamento do título executivo, também não permite ao tribunal que julga o processo declarativo, que é o competente para apreciar o caráter abusivo de tal cláusula, decretar medidas provisórias, como, por exemplo, a suspensão do referido processo de execução, quando a concessão dessas medidas seja necessária para garantir a plena eficácia da sua decisão final.

2)      O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que:

¾        o conceito de «desequilíbrio significativo» em detrimento do consumidor deve ser apreciado através de uma análise das regras nacionais aplicáveis na falta de acordo entre as partes, para avaliar se e em que medida o contrato coloca o consumidor numa situação jurídica menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor. De igual modo, afigura‑se pertinente, para este efeito, proceder a um exame da situação jurídica em que se encontra o referido consumidor, atendendo aos meios de que dispõe, ao abrigo da legislação nacional, para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas;

¾        para saber se o desequilíbrio foi criado «a despeito da exigência de boa‑fé», importa verificar se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que ele aceitaria a cláusula em questão, na sequência de uma negociação individual.

O artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que o anexo para o qual remete essa disposição apenas contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.