Language of document : ECLI:EU:T:2011:43

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

17 de Fevereiro de 2011 (*)

«Radiodifusão televisiva – Artigo 3.°‑A da Directiva 89/552/CEE – Medidas tomadas pelo Reino Unido relativamente aos acontecimentos de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro – Campeonato Europeu de Futebol – Decisão que declara as medidas compatíveis com o direito comunitário – Fundamentação – Artigos 49.° CE e 86.° CE – Direito de propriedade»

No processo T‑55/08,

Union des associations européennes de football (UEFA), com sede em Nyon (Suíça), representada por A. Bell, K. Learoyd, solicitors, D. Anderson, QC, e B. Keane, solicitor,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Benyon e E. Montaguti, na qualidade de agentes, assistidos por J. Flynn, QC, e M. Lester, barrister,

recorrida,

apoiada pelo

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet, na qualidade de agente, assistida por J. Stuyck, advogado,

e pelo

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por S. Behzadi‑Spencer e V. Jackson, e em seguida por S. Behzadi‑Spencer e L. Seeboruth, na qualidade de agentes, assistidos por T. de la Mare e B. Kennelly, barristers,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da Decisão 2007/730/CE da Comissão, de 16 de Outubro de 2007, relativa à compatibilidade com o direito comunitário das medidas adoptadas pelo Reino Unido em aplicação do n.° 1 do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552/CEE do Conselho relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 295, p. 12),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: N. J. Forwood (relator), presidente, L. Truchot e J. Schwarcz, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Fevereiro de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 49.°, primeiro parágrafo, CE dispõe:

«No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados‑Membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação.»

2        Nos termos artigo 86.°, n.° 1, CE, «[n]o que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, os Estados‑Membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no presente Tratado, designadamente ao disposto nos artigos 12.° [CE] e 81.° [CE] a 89.° [CE], inclusive».

3        O artigo 3.°‑A da Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), conforme aditado pela Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997, que altera a Directiva [89/552] (JO L 202, p. 60), dispõe:

«1.      Cada Estado‑Membro poderá tomar medidas de acordo com o direito comunitário por forma a garantir que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não transmitam com carácter de exclusividade acontecimentos que esse Estado‑Membro considere de grande importância para a sociedade de forma a privar uma parte considerável do público do Estado‑Membro da possibilidade de acompanhar esses acontecimentos em directo ou em diferido na televisão de acesso não condicionado. Se tomar essas medidas, o Estado‑Membro estabelecerá uma lista de acontecimentos, nacionais ou não nacionais, que considere de grande importância para a sociedade. Fá‑lo‑á de forma clara e transparente, e atempadamente. Ao fazê‑lo, o Estado‑Membro em causa deverá também determinar se esses acontecimentos deverão ter uma cobertura ao vivo total ou parcial, ou, se tal for necessário ou adequado por razões objectivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial.

2.      Os Estados‑Membros notificarão imediatamente à Comissão as medidas tomadas ou a tomar ao abrigo do n.° 1. No prazo de três meses a contar da notificação, a Comissão verificará se essas medidas são compatíveis com o direito comunitário e comunicá‑las‑á aos outros Estados‑Membros, pedindo o parecer do comité criado pelo artigo 23.°‑A. A Comissão publicará de imediato as medidas adoptadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e, pelo menos uma vez por ano, a lista consolidada das medidas tomadas pelos Estados‑Membros.

3.      Os Estados‑Membros assegurarão, através dos meios adequados, no âmbito da sua legislação, que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não exerçam os direitos exclusivos comprados após a data de publicação da presente directiva de forma a que uma proporção substancial de público em outro Estado‑Membro seja impedida de seguir acontecimentos considerados nesse outro Estado‑Membro como estando nas condições referidas nos números anteriores através de uma cobertura em directo ou de uma cobertura diferida ou, sempre que necessário ou adequado por razões objectivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial na televisão de acesso não condicionado, tal como estabelecido nesse outro Estado‑Membro de acordo com o n.° 1.»

4        Os considerandos 18 a 22 da Directiva 97/36 têm a seguinte redacção:

«(18) Considerando que é essencial que os Estados‑Membros possam adoptar medidas tendentes à protecção do direito à informação e a assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade, tais como os Jogos Olímpicos, os Campeonatos do Mundo e Europeu de Futebol; que, para este efeito, os Estados‑Membros mantêm o direito de adoptar medidas compatíveis com o direito comunitário, tendentes a regular o exercício pelos emissores sob a sua jurisdição dos direitos de exclusividade para a cobertura televisiva dos referidos acontecimentos;

(19)      Considerando que é necessário adoptar disposições no âmbito comunitário que permitam evitar potenciais incertezas jurídicas e distorções de mercado e conciliar a livre circulação dos serviços de televisão com a necessidade de evitar eventuais evasões às medidas nacionais de protecção de um interesse geral legítimo;

(20)      Considerando, em especial, que é conveniente estabelecer na presente directiva disposições relativas ao exercício pelos organismos de radiodifusão televisiva de direitos de exclusividade por eles comprados para acontecimentos considerados de grande importância para a sociedade num Estado‑Membro que não aquele que tem jurisdição sobre esses organismos; […]

(21)      Considerando que os acontecimentos ‘de grande importância para a sociedade’ deverão, para efeitos da presente directiva, preencher determinados critérios, ou seja, deverá tratar‑se de acontecimentos particularmente relevantes que tenham interesse para o público em geral na União Europeia ou num Estado‑Membro determinado ou em parte importante de determinado Estado‑Membro e que sejam organizados com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender os direitos relativos ao acontecimento em causa;

(22)      Considerando que, para efeitos da presente directiva, ‘televisão de acesso não condicionado’ significa a teledifusão num canal, público ou comercial, de programas acessíveis ao público sem qualquer pagamento adicional para além das formas de financiamento de teledifusão mais comuns nos Estados‑Membros (como a taxa televisiva e/ou a assinatura de uma rede de distribuição por cabo)».

 Antecedentes do litígio e decisão impugnada

5        A recorrente, Union des associations européennes de football (UEFA), é a instância dirigente do futebol europeu. A sua missão principal é velar pelo desenvolvimento do futebol europeu e organiza um certo número de competições internacionais de futebol nas quais se inclui a fase final do Campeonato Europeu de Futebol (a seguir «EURO»), no qual se confrontam de quatro em quatro anos 16 equipas nacionais no âmbito de um total de 31 jogos. São os rendimentos resultantes da venda dos direitos comerciais relacionados com essas competições que lhe permitem promover o desenvolvimento do futebol europeu. Neste contexto, a UEFA alega que 64% dos rendimentos provenientes da venda dos direitos comerciais relativos ao EURO resultam da cessão dos direitos de transmissão televisiva dos jogos.

6        Por decisão de 25 de Junho de 1998, o Ministro da Cultura, dos Media e do Desporto do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (a seguir «Ministro») elaborou, por força da parte IV do Broadcasting Act 1996 (Lei de 1996 relativa à radiodifusão), uma lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido, incluindo o EURO.

7        A adopção desta lista foi precedida de uma consulta de 42 órgãos diferentes feita pelo Ministro a propósito dos critérios à luz dos quais deveria ser apreciada a importância de diversos acontecimentos para a sociedade do Reino Unido. Este procedimento levou à adopção de uma lista de critérios que constam de um documento do Ministério da Cultura, dos Media e do Desporto datado de Novembro de 1997, que o Ministro aplica para fins da elaboração da lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido. Segundo este documento, um acontecimento pode ser inscrito na lista designadamente quando tem um eco especial a nível nacional e não apenas em relação a quem acompanha habitualmente o desporto em causa. Pode ser assim qualificado, segundo este mesmo documento, um evento desportivo nacional ou internacional de grande importância ou que envolva a equipa nacional ou atletas do Reino Unido. Entre os acontecimentos que preencham estes critérios, têm maiores probabilidades de serem incluídos na lista os que atraem numerosos telespectadores ou que tradicionalmente são transmitidos em directo em canais de televisão gratuitos. Além disso, o Ministro também tem em conta, para fins da sua apreciação, outros factores relativos às consequências para o desporto em causa, como a oportunidade de oferecer uma transmissão em directo de um acontecimento na íntegra, o impacto nas receitas no domínio desportivo em causa, as consequências para o mercado da radiodifusão e a existência de circunstâncias que garantam o acesso ao acontecimento através de uma transmissão televisiva ou radiofónica em diferido.

8        Em seguida, o Ministro efectuou, em conformidade com o artigo 97.° do Broadcasting Act 1996, uma consulta sobre os acontecimentos particulares a inscrever na lista. No âmbito desta consulta, o Ministro solicitou o parecer de diversos órgãos e operadores em causa assim como dos titulares dos direitos de transmissão televisiva, como a UEFA. Além disso, um comité consultivo instituído pelo Ministro e intitulado «Advisory Group on listed events» (Grupo consultivo sobre os acontecimentos inscritos na lista) emitiu o seu parecer sobre os acontecimentos a inscrever propondo, relativamente ao EURO, a inscrição da final, das meias‑finais e dos jogos que envolvessem as equipas nacionais do Reino Unido.

9        Por força do artigo 98.° do Broadcasting Act 1996, conforme alterado pelas Television Broadcasting Regulations 2000 (Regulamentos de 2000 sobre a radiodifusão televisiva), os organismos de radiodifusão televisiva estão repartidos em duas categorias. A primeira categoria inclui os organismos que forneçam um serviço gratuito que, além disso, possa ser captado por, pelo menos, 95% da população do Reino Unido. A segunda categoria inclui os organismos que não satisfazem estes requisitos.

10      Além disso, por força do artigo 101.° do Broadcasting Act 1996, conforme alterado pelas Television Broadcasting Regulations 2000, um fornecedor de programas televisivos que pertença a uma destas categorias só pode transmitir em directo a totalidade ou parte de um acontecimento incluído na lista se um fornecedor inserido na outra destas categorias tiver adquirido o direito de transmitir em directo a integralidade ou a referida parte do mesmo acontecimento na mesma região, ou substancialmente na mesma região. Se esta condição não estiver satisfeita, o organismo que pretenda transmitir em directo a integralidade ou parte do acontecimento em questão deve obter previamente a autorização do Office of Communications (Gabinete das Comunicações).

11      Segundo o artigo 3.° do Code on sports and other listed and designated events (Código relativo aos acontecimentos desportivos e outros inscritos na lista), na sua redacção em vigor em 2000, os acontecimentos inscritos na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade são divididos em dois grupos. O «grupo A» inclui acontecimentos que só podem ser objecto de transmissão exclusiva em directo caso se respeitem certos critérios. O «grupo B» inclui acontecimentos que apenas podem ser objecto de transmissão exclusiva em directo se tiverem sido tomadas medidas para assegurar uma transmissão em diferido.

12      Segundo o artigo 13.° do Code on sports and other listed and designated events, pode ser concedida uma autorização do Office of Communications para os acontecimentos do «grupo A» da lista, ao qual pertence o EURO, quando os direitos de transmissão que se referem a este evento tenham sido abertamente oferecidos em condições equitativas e razoáveis a todos os organismos de radiodifusão televisiva, sem que um organismo pertencente a outra categoria tenha expressado o seu interesse em comprá‑los.

13      Por carta de 25 de Setembro de 1998, o Reino Unido transmitiu à Comissão das Comunidades Europeias, ao abrigo do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552, a lista dos acontecimentos estabelecida pelo Ministro. Na sequência de uma troca de correspondência entre o Reino Unido e a Comissão e de uma nova notificação das medidas que ocorreu em 5 de Maio de 2000, o director‑geral da Direcção‑Geral (DG) «Educação e Cultura» da Comissão informou o Reino Unido, por carta de 28 de Julho de 2000, de que a Comissão não levantava objecções às medidas desse Estado‑Membro, que seriam, portanto, proximamente publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

14      Por acórdão de 15 de Dezembro de 2005, Infront WM/Comissão (T‑33/01, Colect., p. II‑5897), o Tribunal Geral anulou a decisão contida na carta de 28 de Julho de 2000, por esta constituir uma decisão na acepção do artigo 249.° CE, que deveria ter sido adoptada pelo próprio colégio dos membros da Comissão (acórdão Infront WM/Comissão, já referido, n.° 178).

15      Na sequência do acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 14 supra, a Comissão adoptou a Decisão 2007/730/CE, de 16 de Outubro de 2007, relativa à compatibilidade com o direito comunitário das medidas adoptadas pelo Reino Unido em aplicação do n.° 1 do artigo 3.°‑A da Directiva [89/552] (JO L 295, p. 12, a seguir «decisão impugnada»).

16      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

As medidas adoptadas em conformidade com o n.° 1 do artigo 3.°‑A da Directiva [89/552] e notificadas pelo Reino Unido à Comissão em 5 de Maio de 2000, publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias C 328 de 18 de Novembro de 2000, são compatíveis com o direito comunitário.

Artigo 2.°

As referidas medidas, tal como constam do anexo da presente decisão, serão publicadas no Jornal Oficial da União Europeia nos termos do n.° 2 do artigo 3.°‑A da Directiva [89/552].»

17      A decisão impugnada é designadamente fundamentada pelos seguintes considerandos:

«(4)      A lista dos eventos de grande importância para a sociedade incluída nas medidas do Reino Unido foi elaborada de um modo claro e transparente, após uma consulta alargada a nível nacional [nesse Estado‑Membro].

(5)      A Comissão considerou que os eventos enumerados pelo Reino Unido satisfaziam, pelo menos, dois dos seguintes critérios, considerados indicadores fiáveis da importância dos eventos para a sociedade: i) ter um eco generalizado especial no Estado‑Membro e não simplesmente significado para quem acompanha habitualmente o desporto ou a actividade em causa; ii) ter importância cultural específica e generalizadamente reconhecida para a população do Estado‑Membro, nomeadamente como evento catalisador da sua identidade cultural; iii) envolver a participação da selecção nacional numa competição ou torneio de importância internacional; iv) tratar‑se de um evento tradicionalmente transmitido nos canais de televisão de acesso livre e registar grandes índices de audiência.

(6)      Um número significativo de eventos incluídos na lista do Reino Unido, nomeadamente os Jogos Olímpicos de Verão e de Inverno e as finais dos Campeonatos Mundial e Europeu de Futebol, inserem‑se na categoria de eventos tradicionalmente considerados de grande importância para a sociedade, conforme expressamente referido no considerando 18 da Directiva [97/36]. Tais eventos têm um eco generalizado especial no Reino Unido, já que são particularmente populares entre o grande público (independentemente da nacionalidade dos participantes) e não apenas para quem acompanha habitualmente os eventos desportivos.

[…]

(18)      Os eventos inscritos na lista, incluindo os que devem ser considerados no seu conjunto e não como uma série de eventos individuais, são tradicionalmente transmitidos na televisão de acesso livre e registam grandes índices de audiência […]

(19)      As medidas notificadas pelo Reino Unido parecem ser proporcionadas e justificar, por isso, uma derrogação à liberdade fundamental de prestação de serviços consagrada no Tratado CE por razões imperativas de interesse público, que consistem em garantir o acesso generalizado do público às transmissões televisivas de eventos de grande importância para a sociedade.

(20)      As medidas notificadas pelo Reino Unido são compatíveis com as regras […] da concorrência [do Tratado CE], na medida em que a definição dos organismos de radiodifusão televisiva qualificados para a transmissão dos eventos enumerados assenta em critérios objectivos que permitem uma concorrência real e potencial para a aquisição dos direitos de transmissão desses eventos. Além disso, o número de eventos incluídos na lista não é desproporcionado de modo a falsear a concorrência nos mercados, a jusante, da televisão de acesso livre e da televisão a pagar.

(21)      A proporcionalidade das medidas notificadas pelo Reino Unido é reforçada pelo facto de alguns dos eventos incluídos na lista apenas exigirem uma cobertura secundária adequada.

[…]

(24)      Infere‑se do [acórdão Infront WM/Comissão] que a declaração de que as medidas adoptadas nos termos do n.° 1 do artigo 3.°‑A da Directiva [89/552] são compatíveis com o direito comunitário constitui uma decisão, devendo, por conseguinte, ser adoptada pela Comissão. Por consequência, é necessário declarar, através da presente decisão, que as medidas notificadas pelo Reino Unido são compatíveis com o direito comunitário. As medidas constantes do anexo da presente decisão devem ser publicadas no Jornal Oficial da União Europeia em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 3.°‑A da Directiva [89/552].»

 Tramitação do processo e pedidos das partes

18      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de Fevereiro de 2008, a UEFA interpôs o presente recurso.

19      A UEFA pediu igualmente ao Tribunal Geral que, no âmbito das medidas de organização do processo, convidasse a Comissão a apresentar diversos documentos que, segundo a recorrente, ajudariam à tramitação eficaz da fase escrita do processo, à clarificação das questões controvertidas e à fiscalização jurisdicional que o Tribunal deve exercer.

20      Por requerimentos entrados na Secretaria do Tribunal Geral em 11 e 16 de Junho de 2008, o Reino Unido e o Reino da Bélgica requereram a sua intervenção no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

21      Por despacho de 29 de Setembro de 2008, o presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral admitiu estas intervenções. As partes intervenientes apresentaram os seus articulados e a UEFA apresentou as suas observações sobre estes nos prazos fixados.

22      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, colocou por escrito uma pergunta à UEFA e duas perguntas à Comissão. As questões colocadas pelo Tribunal Geral foram respondidas nos prazos fixados.

23      A UEFA conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada na medida em que aprova nos termos do direito comunitário a inscrição da totalidade do EURO na lista nacional do Reino Unido;

–        condenar a Comissão nas despesas.

24      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a UEFA nas despesas.

25      O Reino da Bélgica e o Reino Unido concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

26      O Reino da Bélgica sustenta que o recurso é inadmissível uma vez que a decisão impugnada não diz directa nem individualmente respeito à UEFA e o Tribunal Geral não é competente para apreciar as medidas nacionais. Além disso, a UEFA não recorreu das medidas adoptadas pelo Reino Unido nos tribunais nacionais, pelo que o seu recurso perante o Tribunal Geral foi interposto fora de prazo, não afectando a anulação eventual da decisão impugnada a validade da legislação nacional em causa.

27      A UEFA entende que a decisão impugnada lhe diz directa e individualmente respeito.

 Apreciação do Tribunal

28      Os fundamentos de inadmissibilidade invocados pelo Reino da Bélgica dizem respeito à ordem pública, na medida em que, no seu âmbito, são postos em causa o interesse em agir da UEFA, a observância do prazo de recurso e a competência do Tribunal Geral. Por conseguinte, o Tribunal Geral deve examinar oficiosamente estas excepções, embora o Reino da Bélgica, enquanto interveniente, não tenha legitimidade para as invocar, nos termos do artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, uma vez que a Comissão não contestou a admissibilidade do recurso (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.os 21 a 23).

29      Quanto à afectação directa da UEFA, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência assente, a condição de a decisão dizer directamente respeito a uma pessoa singular ou colectiva, prevista no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, exige que a medida comunitária impugnada produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe nenhum poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua implementação, já que esta é de carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2008, Comissão/Infront WM, C‑125/06 P, Colect., p. I‑1451, n.° 47 e jurisprudência referida).

30      A este respeito, nos termos do artigo 101.° do Broadcasting Act 1996 (v. n.° 10 supra), um organismo de radiodifusão televisiva de uma das categorias acima descritas no n.° 9 não pode proceder à transmissão em directo e em exclusividade de um acontecimento inscrito na lista do Reino Unido. Apenas se nenhum organismo de outra destas categorias tiver manifestado interesse pela aquisição dos direitos de transmissão deste acontecimento e se as outras condições referidas no n.° 12 supra estiverem satisfeitas é que o Office of Communications pode autorizar o organismo que adquiriu os direitos a transmitir em directo e em exclusividade o acontecimento em causa.

31      Resulta desta regulamentação que a cessão dos direitos de transmissão exclusivos do EURO, do qual a UEFA é o organizador na acepção do considerando 21 da Directiva 97/36, a organismos de radiodifusão televisiva que estão sob a jurisdição do Reino Unido de uma forma que prive outros organismos que estão sob a jurisdição do mesmo Estado‑Membro e que manifestaram interesse pela sua aquisição da possibilidade de transmitir este acontecimento, na sua totalidade ou em parte, neste país não produz os efeitos jurídicos que normalmente implica tal exclusividade.

32      Se é verdade que estas consequências jurídicas decorrem da legislação do Reino Unido e não da decisão impugnada, não é menos certo que o mecanismo do reconhecimento mútuo desencadeado por esta última, em conformidade com o artigo 3.°‑A, n.° 3, da Directiva 89/552, cria para os Estados‑Membros uma obrigação de salvaguardar estas consequências. Em particular, os Estados‑Membros devem assegurar‑se de que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição respeitam as condições de transmissão televisiva no Reino Unido dos acontecimentos inscritos na lista desse Estado‑Membro, conforme definidas pelo Reino Unido nas suas medidas aprovadas e publicadas no Jornal Oficial da União Europeia. Ora, a obrigação de atingir este resultado viola directamente a situação jurídica dos organismos de radiodifusão televisiva sob a jurisdição de Estados‑Membros diferentes do Reino Unido e que pretendam adquirir direitos de transmissão no Reino Unido detidos originariamente pela UEFA (v., neste sentido, acórdão Comissão/Infront WM, referido no n.° 29 supra, n.os 62 e 63).

33      Portanto, o mecanismo de reconhecimento mútuo desencadeado pela decisão impugnada obriga os Estados‑Membros a excluir o exercício de direitos como os acima descritos no n.° 31 por parte dos organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição, pelo que os direitos de que a UEFA era originariamente titular também são afectados quando são oferecidos publicamente a organismos que não estão sob a jurisdição do Reino Unido, mas sob a de um outro Estado‑Membro.

34      Daqui resulta que a decisão impugnada produz directamente efeitos na situação jurídica da UEFA quanto aos direitos de que esta era originariamente titular e que não deixa nenhum poder de apreciação aos Estados‑Membros quanto ao resultado visado, imposto de forma automática e decorrente apenas da regulamentação comunitária, independentemente do conteúdo dos mecanismos específicos que as autoridades nacionais estabelecem para atingir este resultado (v., neste sentido, acórdão Comissão/Infront WM, referido no n.° 29 supra, n.os 60 e 61).

35      A decisão impugnada diz, portanto, directamente respeito à UEFA.

36      Quanto à questão de saber se a decisão impugnada diz individualmente respeito à UEFA, há que recordar que os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito se esta os prejudicar por determinadas qualidades que lhes são específicas ou por uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário dessa decisão (v. acórdão Comissão/Infront WM, referido no n.° 29 supra, n.° 70 e jurisprudência referida).

37      No caso em apreço, não é contestado que, independentemente da natureza jurídica e da fonte dos direitos de transmissão do EURO, este constitui um acontecimento na acepção do considerando 21 da Directiva 97/36, no sentido de que é organizado com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender estes direitos e que a UEFA é o organizador em questão. Dado que esta situação também existia no momento da adopção da decisão impugnada, a UEFA era perfeitamente identificável nesse momento.

38      Portanto, a decisão impugnada diz individualmente respeito à UEFA.

39      Quanto aos argumentos do Reino da Bélgica segundo os quais o Tribunal Geral não é competente para apreciar a legalidade de medidas nacionais no âmbito do artigo 230.° CE e a UEFA não contestou as medidas do Reino Unido nos órgãos jurisdicionais nacionais, é suficiente salientar que, através do seu recurso, a UEFA contesta designadamente a legalidade do artigo 1.° da decisão impugnada, pelo qual as medidas do Reino Unido foram declaradas compatíveis com o direito comunitário.

40      Por conseguinte, a fiscalização que se pede que o Tribunal Geral exerça no presente processo incide na legalidade dessa declaração, sem que a não impugnação das medidas do Reino Unido nos órgãos jurisdicionais nacionais afecte de uma maneira ou de outra a admissibilidade do recurso, de resto interposto no prazo previsto no artigo 230.° CE (v., neste sentido, acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 14 supra, n.° 109).

41      Os argumentos relativos à inadmissibilidade do recurso invocados pelo Reino da Bélgica devem, assim, ser julgados improcedentes.

 Quanto ao mérito

42      A UEFA apresenta oito fundamentos, relativos, em primeiro lugar, à violação do artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552, em segundo lugar, à falta de fundamentação, em terceiro lugar, à violação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552, em quarto lugar, à violação das disposições do Tratado relativas à concorrência, em quinto lugar, à violação das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços, em sexto lugar, à violação do seu direito de propriedade, em sétimo lugar, à violação do princípio da proporcionalidade e, em oitavo lugar, à violação do princípio da igualdade de tratamento.

43      Antes de iniciar a análise dos fundamentos apresentados pela UEFA, importa expor algumas considerações de ordem geral que há que ter em conta para fins da apreciação do mérito dos fundamentos.

44      Antes de mais, há que salientar que o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552 concretizou a possibilidade que os Estados‑Membros têm de restringir, com base em razões imperiosas de interesse geral, o exercício, no domínio do audiovisual, das liberdades fundamentais, estabelecidas pelo direito comunitário primário.

45      Com efeito, mesmo que as medidas adoptadas pelos Estados‑Membros no âmbito do artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552 sejam aplicáveis de modo não discriminatório tanto às empresas estabelecidas em território nacional como às empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros, basta que essas medidas beneficiem certas empresas estabelecidas no território nacional para que se considere que constituem uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 49.° CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 1997, SETTG, C‑398/95, Colect., p. I‑3091, n.° 16, e de 13 de Dezembro de 2007, United Pan‑Europe Communications Belgium e o., C‑250/06, Colect., p. I‑11135, n.os 37 e 38).

46      Ora, tais restrições a liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado podem justificar‑se desde que correspondam a razões imperiosas de interesse geral, na medida em que sejam adequadas para garantir a realização do objectivo que prosseguem e não vão para além do que é necessário para o atingir (v., neste sentido, acórdão United Pan‑Europe Communications Belgium e o., referido no n.° 45 supra, n.° 39 e jurisprudência referida).

47      A este propósito, há que recordar que a liberdade de expressão, tal como é protegida pelo artigo 10.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, figura entre os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica comunitária e constitui uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar tais restrições (v., neste sentido, acórdão United Pan‑Europe Communications Belgium e o., referido no n.° 45 supra, n.° 41 e jurisprudência referida). Além disso, segundo o artigo 10.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a liberdade de expressão inclui igualmente a liberdade de receber informações.

48      No caso em apreço, como é afirmado no considerando 19 da decisão impugnada, as medidas do Reino Unido constituem entraves à livre prestação de serviços. No entanto, como decorre do considerando 18 da Directiva 97/36, as medidas referidas pelo artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 visam a protecção do direito à informação e assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade. Segundo o considerando 21 da Directiva 97/36, um acontecimento é de grande importância quando é extraordinário, tenha interesse para o público em geral na União Europeia ou num Estado‑Membro determinado ou em parte importante de determinado Estado‑Membro e é organizado com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender os direitos relativos ao acontecimento em causa.

49      Daqui resulta que, na medida em que dizem respeito a acontecimentos de grande importância para a sociedade, as medidas referidas pelo artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552 são justificadas por razões imperiosas de interesse geral.

50      Em seguida, como acima se assinalou no n.° 46, as medidas em questão devem ainda ser adequadas para garantir a realização do objectivo que prosseguem e não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objectivo.

51      Por último, quanto ao alcance do considerando 18 da Directiva 97/36, há que assinalar, em primeiro lugar, que, como salienta a Comissão, o artigo 3.°‑A da Directiva 89/552, ao qual se refere este considerando, não procede a uma harmonização dos acontecimentos específicos que podem ser considerados pelos Estados‑Membros como sendo de grande importância para a sociedade. Com efeito, contrariamente à versão deste artigo que aparece na Decisão do Parlamento Europeu referente à posição comum adoptada pelo Conselho tendo em vista a adopção da Directiva 97/36 (JO 1996, C 362, p. 56) e que faz referência expressa aos Jogos Olímpicos de Verão e de Inverno e aos Campeonatos do Mundo e Europeu de Futebol, esta disposição não alude a acontecimentos específicos que são susceptíveis de serem inscritos nas listas nacionais.

52      Por conseguinte, o considerando 18 da Directiva 97/36 não pode ser entendido no sentido de que conduz a que a inscrição do EURO numa lista nacional de acontecimentos de grande importância para a sociedade seja automaticamente compatível com o direito comunitário. Por maioria de razão, este considerando não pode ser compreendido como indicando que o EURO pode em qualquer caso ser validamente incluído na sua totalidade nessa lista independentemente do interesse que suscitem os jogos desta competição no Estado‑Membro em causa.

53      Em contrapartida, em relação às apreciações que constam dos n.os 44 a 49 supra, este considerando implica que, quando um Estado‑Membro inscreve os jogos do EURO na lista que decidiu elaborar, não tem necessidade de incluir na sua comunicação à Comissão uma fundamentação especial relativamente ao carácter destes enquanto acontecimento de grande importância para a sociedade.

54      É à luz destas considerações que cumpre apreciar a procedência dos fundamentos invocados pela UEFA.

55      Por último, na medida em que a UEFA invoca, no âmbito do seu segundo fundamento, falta de fundamentação quanto à apreciação da Comissão relativa à clareza e à transparência do procedimento instituído no Reino Unido, o Tribunal vai analisar este fundamento antes de examinar o primeiro fundamento que põe em causa a justeza desta apreciação. O Tribunal Geral examinará ainda o quinto fundamento antes do quarto.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à falta de fundamentação

–       Argumentos das partes

56      A UEFA alega que a decisão impugnada não foi suficientemente fundamentada e que, por isso, impede o Tribunal de exercer a sua fiscalização. Uma vez que gerou restrições à livre prestação de serviços, à concorrência e ao direito de propriedade, a decisão impugnada deveria ter sido provida de uma fundamentação pormenorizada. Ora, a decisão impugnada não contém uma fundamentação suficiente sobre a clareza e a transparência do procedimento seguido no Reino Unido ou a livre prestação de serviços e o direito da concorrência.

57      Com efeito, decorre da letra da decisão impugnada que, ao tomá‑la, a Comissão não teve em conta nenhuma evolução ocorrida depois de 2000, pelo que não dispôs dos elementos necessários para adoptar, em 2007, uma decisão correctamente fundamentada. Ora, os índices de audiência relativos ao EURO de 2000 e ao de 2004 demonstram que os jogos que não envolviam uma equipa nacional do Reino Unido só atraíram, neste país, um terço dos telespectadores dos jogos que envolveram uma equipa deste país. Ao não ter recolhido informações respeitantes a toda a alteração de circunstâncias na sequência do acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 14 supra, que tornou necessária a adopção de uma decisão sobre a lista do Reino Unido, a Comissão violou igualmente o princípio da boa administração. Além disso, este último acórdão não validou a apreciação contida na carta de 28 de Julho de 2000 (v. n.os 13 e 14 supra) quanto à compatibilidade da lista do Reino Unido com o direito comunitário.

58      Ora, a Comissão transformou simplesmente a carta de 28 de Julho de 2000 em decisão, sem contudo efectuar uma análise mais aprofundada do que a análise sumária que levou a cabo segundo as suas próprias alegações no Tribunal Geral no âmbito do processo em que foi proferido o acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 14 supra. Esta não observância do dever de realizar uma investigação mais aprofundada originou inevitavelmente a violação do dever de fundamentação assim como erros manifestos de apreciação relativamente à liberdade de prestação de serviços e ao direito da concorrência.

59      A este respeito, a UEFA alega que a restrição à livre prestação de serviços é fundamentada com a simples invocação do acesso televisivo aos acontecimentos de grande importância para a sociedade, o que constitui apenas uma remissão para o artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 sem alegação dos elementos de facto e de direito que justificam esta derrogação a uma disposição fundamental do Tratado. Além disso, quanto ao direito da concorrência, a decisão impugnada nem sequer contém uma tentativa de definição dos mercados relevantes.

60      Por último, a UEFA alega que a Comissão deveria ter fundamentado especialmente a sua escolha de seguir uma abordagem diferente da que adoptou em relação aos Estados‑Membros que apenas inscreveram nas suas listas respectivas certos jogos do EURO.

61      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta a procedência deste fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

62      Segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2000, VBA/Florimex e o., C‑265/97 P, Colect., p. I‑2061, n.° 93).

63      Ademais, há que recordar que o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que importa distinguir da questão da procedência da fundamentação, a qual se integra na validade material do acto controvertido (acórdão do Tribunal Geral de 12 de Dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, T‑112/05, Colect., p. II‑5049, n.° 94).

64      Quanto à questão de saber se o procedimento estabelecido pelo Reino Unido satisfazia as condições de clareza e de transparência, a Comissão indicou, no considerando 4 da decisão impugnada, que a lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido tinha sido elaborada de um modo claro e transparente e que tinha sido realizada uma consulta alargada nesse Estado‑Membro (v. n.° 17 supra).

65      A este respeito, importa assinalar, em primeiro lugar, que a própria UEFA participou no procedimento em questão, como organizador do EURO, tendo apresentado, por carta de 23 de Dezembro de 1997 dirigida ao Ministro, as suas observações sobre a eventual inclusão desta competição na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido.

66      Em segundo lugar, as disposições do Broadcasting Act 1996 relativas aos acontecimentos de grande importância para a sociedade figuram em anexo à decisão impugnada. O artigo 97.° deste diploma prevê que a lista em questão seja estabelecida pelo Ministro após consulta, nomeadamente, da pessoa à qual podem ser adquiridos os direitos de radiodifusão televisiva de todo o acontecimento de interesse nacional que o Ministro se proponha inscrever ou não nessa lista.

67      Em terceiro lugar, resulta do considerando 5 da decisão impugnada, conjugado com os considerandos 6 e 18 da mesma, que a inscrição do EURO na lista do Reino Unido foi aprovada pela Comissão por essa competição ter um eco especial nesse Estado‑Membro não apenas em relação a quem acompanha habitualmente o desporto na televisão e por ser tradicionalmente transmitida na televisão de acesso livre e registar grandes índices de audiência. Ora, os critérios em questão fazem parte dos que o ministério estabeleceu antes da consulta sobre os acontecimentos particulares a inscrever na lista do Reino Unido (v. n.os 7 e 8 supra).

68      Por conseguinte, a decisão impugnada contém as informações necessárias que permitem à UEFA compreender a razão pela qual a Comissão concluiu que o procedimento seguido pelo Ministro era claro e transparente, tendo em conta os critérios utilizados para a selecção dos acontecimentos a inscrever na lista, a consulta relativa a essa selecção e a definição da autoridade competente para esse efeito, e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização quanto à justeza dessa conclusão.

69      Na medida em que a UEFA alega também, em geral, uma insuficiência de fundamentação nos domínios da livre prestação de serviços e do direito da concorrência, importa recordar que, nos considerandos 19 e 20 da decisão impugnada, a Comissão expôs os motivos pelos quais entende que as medidas do Reino Unido não contrariam as disposições do direito comunitário relativas a estes domínios (v. n.° 17 supra).

70      A este respeito, a Comissão expôs que as medidas do Reino Unido parecem ser proporcionadas e que justificam uma derrogação à liberdade fundamental de prestação de serviços com base numa razão imperiosa de interesse geral, como o acesso televisivo do grande público aos acontecimentos de grande importância para a sociedade. Resulta do considerando 19 da decisão impugnada que a Comissão expôs as razões pelas quais entende que as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços não obstam à inscrição do EURO na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido de um modo que permite à UEFA compreender e contestar a sua procedência e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização. Com efeito, na medida em que os considerandos 5, 6 e 18 da decisão impugnada expõem os motivos pelos quais a Comissão considerou que o EURO é um acontecimento de grande importância para a sociedade, a UEFA, titular originário dos direitos de transmissão do EURO, está em posição de apreciar se existem elementos susceptíveis de pôr em causa esta apreciação ou de demonstrar o eventual carácter desproporcionado ou de outra forma contrário ao direito comunitário da inscrição de todos os jogos desta competição na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido.

71      Quanto ao direito da concorrência, a Comissão afirmou, no considerando 20 da decisão impugnada, que os critérios estabelecidos para a categorização dos radiodifusores são objectivos e que as medidas do Reino Unido permitem uma concorrência real e potencial para a aquisição dos direitos de transmissão dos acontecimentos em causa. Além disso, a Comissão considerou que o número de acontecimentos inscritos na lista não é desproporcionado, de modo que a sua inscrição não falseia a concorrência nos mercados, a jusante, da televisão de acesso livre e da televisão a pagar.

72      Há que assinalar que, neste considerando, a Comissão indicou as razões pelas quais entende que as medidas do Reino Unido não violam o artigo 86.° CE. Além disso, resulta deste mesmo considerando que a Comissão expõe a sua posição com referência ao mercado de aquisição dos direitos de transmissão dos acontecimentos em causa e aos mercados a jusante da televisão de acesso livre e da televisão a pagar. Importa, por outro lado, precisar que a decisão impugnada não tem por objecto examinar a legalidade do comportamento das empresas à luz dos artigos 81.° CE e 82.° CE e, sendo caso disso, adoptar medidas com base no Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1), mas apreciar a compatibilidade das medidas estatais com o artigo 86.° CE. Neste contexto, o dever de fundamentação que incumbe à Comissão por força do artigo 253.° CE é cumprido quando esta instituição expõe de maneira inequívoca as razões pelas quais entende que a legislação nacional não origina uma restrição da concorrência incompatível com as regras pertinentes do Tratado em relação às empresas às quais foram concedidos direitos especiais ou exclusivos.

73      Uma vez que estes motivos constam do considerando 20 da decisão impugnada, a UEFA tem possibilidades de compreender o raciocínio da Comissão e de contestar o seu mérito no Tribunal Geral, podendo este último, por outro lado, exercer a sua fiscalização da legalidade a esse respeito.

74      Quanto aos argumentos da UEFA segundo os quais a Comissão não fundamentou suficientemente a decisão impugnada por não ter tido em conta elementos posteriores a 2000 para controlar a exactidão das apreciações do Ministro que levaram à inscrição do EURO na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido, importa assinalar que esses argumentos não dizem respeito à fundamentação da decisão impugnada, mas à procedência dos seus fundamentos. Com efeito, uma vez que a Comissão expôs, nos considerandos 5, 6 e 18 da decisão impugnada, as razões pelas quais entende que o EURO pôde ser validamente inscrito na lista em questão, o facto de não ter tido em conta os elementos susceptíveis de invalidar a apreciação da instituição a este respeito, supondo‑o demonstrado, afecta a legalidade da decisão impugnada quanto ao mérito. Estes argumentos serão, portanto, examinados no âmbito do terceiro fundamento.

75      Quanto ao argumento segundo o qual a Comissão deveria ter fundamentado especialmente a sua escolha de seguir uma abordagem diferente da que adoptou em relação aos Estados‑Membros que apenas inscreveram nas suas listas respectivas certos jogos do EURO, há que concluir que a Comissão não tinha tal obrigação no caso em apreço.

76      A este respeito, não tendo o artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 procedido a uma harmonização a nível dos acontecimentos específicos que podem ser considerados pelos Estados‑Membros como sendo de grande importância para a sociedade (v. n.os 51 e 52 supra), diversas abordagens relativamente à inscrição dos jogos do EURO numa lista nacional podem ser igualmente compatíveis com a disposição em questão.

77      Nestas condições, embora a inscrição do EURO na sua totalidade numa lista nacional seja compatível com o direito comunitário, nada impede que a inscrição unicamente de certos jogos desta competição o seja igualmente. Por conseguinte, o facto de a Comissão ter declarado, nas suas decisões, também compatíveis com o direito comunitário diferentes abordagens não manifesta enquanto tal nenhuma contradição e não requer nenhuma fundamentação especial, contrariamente ao que alega a recorrente.

78      Portanto, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552

–       Argumentos das partes

79      A UEFA recorda que o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552 impõe aos Estados‑Membros que estabeleçam a lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade segundo um procedimento claro e transparente, e atempadamente. A este respeito, a decisão impugnada limitou‑se a expor, no seu considerando 4, que esta condição foi satisfeita e que foi realizada uma consulta alargada no Reino Unido.

80      Ora, esta consulta não foi completa, uma vez que, o Ministro não teve correctamente em consideração os comentários formulados pela UEFA no seu contexto. Acresce que o Ministro ignorou o parecer do Advisory Group on listed events (v. n.° 8 supra), que preconizou que se incluíssem os jogos que não envolvessem as equipas nacionais do Reino Unido no «grupo B» da lista, e o do Office of Fair Trading (OFT, autoridade da concorrência do Reino Unido), que propôs que a inscrição dos jogos na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade tivesse lugar apenas quando um «interesse público irresistível» o exigisse. No entanto, o Ministro não expôs as razões pelas quais não seguiu estes pareceres nem explicou por que razão se devia considerar que o EURO era de grande importância para a sociedade do Reino Unido.

81      Além disso, não houve nenhuma consulta sobre os critérios de repartição dos radiodifusores nas categorias estabelecidas pelo artigo 98.° do Broadcasting Act 1996 (v. n.° 9 supra), critérios que reforçam as restrições à concorrência impostas pela legislação do Reino Unido e que tornam praticamente impossível a aquisição de direitos exclusivos de transmissão televisiva dos acontecimentos inscritos na lista por parte de radiodifusores não estabelecidos neste Estado‑Membro. A repartição dos radiodifusores por categorias afecta, outrossim, a amplitude das consequências que decorrem da inscrição de um acontecimento na lista.

82      A UEFA assinala que o Reino Unido não alterou a lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade desde 1998, ao passo que o mercado mudou profundamente depois dessa data. Uma consulta efectuada em 1997 e em 1998 não pode, portanto, ser considerada apropriada para fins da adopção de uma decisão da Comissão em Outubro de 2007.

83      O Broadcasting Act 1996 não satisfaz as exigências do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552, dado que não obriga o Ministro a examinar se uma transmissão em diferido é suficiente para salvaguardar o interesse geral do acesso televisivo a um acontecimento de grande importância. Ademais, o procedimento segundo o qual é escolhido o grupo da lista à qual pertence cada acontecimento não é claro nem transparente. Neste contexto, a declaração contida no considerando 21 da decisão impugnada, segundo a qual a proporcionalidade das medidas do Reino Unido é reforçada pelo facto de alguns dos eventos incluídos na lista apenas exigirem uma cobertura secundária adequada, não explana por que motivo era razoável e proporcionado incluir todos os jogos do EURO no «grupo A» da lista.

84      A UEFA alega que as medidas do Reino Unido impõem restrições aos direitos exclusivos adquiridos a partir de 1 de Outubro de 1996, embora o EURO só tenha sido inscrito na lista desse Estado‑Membro em 25 de Junho de 1998. Ora, a Comissão não examinou a legalidade da imposição de restrições retroactivas sobre os direitos relativos ao EURO, mesmo se esta acção não parecesse compatível com a legislação do Reino Unido nem com o artigo 3.°‑A, n.° 3, da Directiva 89/552.

85      Por último, a UEFA sublinha que as suas alegações põem em causa a validade da decisão impugnada, na medida em que a Comissão não concluiu que o procedimento seguido a nível nacional não era claro nem transparente, sem que a não contestação das medidas do Reino Unido nos órgãos jurisdicionais nacionais a prive da possibilidade de invocar este fundamento.

86      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta a procedência deste fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

87      A título liminar, importa recordar que o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552 não enuncia elementos específicos que devem caracterizar os procedimentos instituídos a nível nacional para efeitos da redacção da lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade. Esta disposição deixa aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para organizarem os procedimentos em questão no que respeita às suas fases, à eventual consulta das pessoas em causa e à atribuição das competências administrativas, embora precise que os procedimentos se devem pautar no seu todo pela clareza e pela transparência.

88      Com efeito, as restrições ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado através de medidas nacionais justificadas por razões imperiosas de interesse geral devem ainda ser adequadas para garantir a realização do objectivo que prosseguem e não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objectivo (v. n.° 46 supra).

89      Assim, mesmo quando as legislações nacionais, como as referidas pelo artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552, têm por objecto a salvaguarda do direito à liberdade de expressão (v. n.os 47 a 49 supra), as exigências decorrentes das medidas destinadas a implementar essa política não devem em caso algum ser desproporcionadas em relação ao referido objecto e as modalidades da sua aplicação não devem implicar discriminações em detrimento dos nacionais de outros Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1989, Groener, C‑379/87, Colect., p. 3967, n.° 19, e de 12 de Junho de 2003, Schmidberger, C‑112/00, Colect., p. I‑5659, n.° 82).

90      É neste contexto que os procedimentos instituídos a nível nacional pelos Estados‑Membros a fim de adoptar a lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade devem ser claros e transparentes, no sentido de que se devem basear em critérios objectivos antecipadamente conhecidos pelas pessoas em causa, de modo a evitar que o poder de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros para decidir sobre acontecimentos específicos a inscrever nas suas listas seja exercido de maneira arbitrária (v., neste sentido, acórdão United Pan‑Europe Communications Belgium e o., referido no n.° 45 supra, n.° 46). Com efeito, se é verdade que a inscrição de um acontecimento na lista requer, nos termos do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552, que este seja de grande importância para a sociedade, não é menos certo que o estabelecimento prévio dos critérios específicos à luz dos quais esta importância deve ser aferida constitui um elemento essencial para que as decisões nacionais sejam adoptadas de modo transparente e no âmbito da margem de apreciação de que dispõem as autoridades nacionais a este respeito (v. n.° 119 supra).

91      A exigência de clareza e de transparência do procedimento implica igualmente que as disposições pertinentes indiquem o órgão competente para elaborar a lista de acontecimentos e as condições em que as pessoas interessadas podem formular as suas observações.

92      Em contrapartida, a simples existência de elementos destinados a invalidar a apreciação de uma autoridade nacional quanto à importância de um acontecimento preciso para a sociedade não diz respeito à clareza nem à transparência do procedimento seguido, mas à procedência desta apreciação. O mesmo ocorre quando estes elementos consistem em pareceres ou observações apresentados por órgãos consultivos, por serviços dependentes da autoridade competente ou por pessoas interessadas que tenham participado no procedimento.

93      Portanto, os argumentos da UEFA relativos ao facto de não terem sido tidas em conta as recomendações do Advisory Group on listed events, do Office of Fair Trading e as suas próprias observações não são susceptíveis de pôr em causa a apreciação da Comissão sobre a clareza ou a transparência do procedimento seguido pelo Ministro para fins da adopção da lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido (v. n.os 6 a 8 supra).

94      Além disso, a exigência de clareza e de transparência estabelecida pelo artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 não tem por objecto nem por efeito obrigar a autoridade nacional competente a expor as razões pelas quais não seguiu os pareceres ou as observações que lhe foram apresentadas durante a consulta. Os argumentos da UEFA relativos ao facto de que nem o Ministro nem a Comissão expuseram as razões pelas quais o parecer do Advisory Group on listed events não foi seguido não são, portanto, susceptíveis de demonstrar que a decisão impugnada está ferida de erro quanto à qualificação do procedimento instituído no Reino Unido de claro e transparente.

95      Esta apreciação impõe‑se por maioria de razão em relação ao EURO, que é mencionado no considerando 18 da Directiva 97/36 e pode razoavelmente ser visto mais como um acontecimento único do que como um conjunto de acontecimentos individuais divididos em jogos de «gala», em jogos de «não gala» e em jogos que envolvem a equipa nacional correspondente (v. n.° 103 infra).

96      Nestas condições, se uma pessoa interessada entende que os pareceres ou as observações apresentados durante a consulta contêm elementos que invalidam a apreciação final da autoridade competente quanto à importância do acontecimento em causa para a sociedade, tem a possibilidade, em primeiro lugar, de contestar esta apreciação nos órgãos jurisdicionais nacionais e, em segundo lugar, de contestar no Tribunal Geral a procedência da eventual decisão da Comissão que aprova essa apreciação, como de resto o fez a UEFA no âmbito do terceiro fundamento.

97      Por outro lado, a inexistência de consulta relativamente aos critérios de repartição dos radiodifusores, supondo‑a demonstrada, não põe em causa a apreciação da Comissão sobre a clareza ou a transparência do procedimento seguido pelo Ministro para fins da adopção da lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido. Com efeito, a obrigação de clareza e de transparência diz respeito, segundo o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552, ao procedimento de estabelecimento da lista em questão e não ao procedimento segundo o qual a totalidade do quadro jurídico destinado a salvaguardar o direito à informação foi instituído. De resto, a compatibilidade deste quadro jurídico com o direito comunitário é apreciada pela Comissão no âmbito do n.° 2 desta disposição.

98      A questões de saber se a Comissão podia validamente basear‑se nos elementos que resultam de uma consulta que teve lugar antes de 1998 para adoptar a decisão impugnada em 2007 também não diz respeito à apreciação da Comissão sobre a clareza e a transparência do procedimento instituído no Reino Unido, mas à procedência da apreciação da Comissão relativa à inscrição do EURO na lista do Reino Unido, questão que será examinada no âmbito do terceiro fundamento.

99      Do mesmo modo, não podem ser acolhidos os argumentos da UEFA baseadas no facto de o Broadcasting Act 1996 não obrigar o Ministro a examinar, em primeiro lugar, se o interesse público pode ser adequadamente salvaguardado por uma transmissão em diferido dos acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido através de canais de acesso não condicionado. A este respeito, há que assinalar que esta argumentação assenta numa leitura errada do último período do artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552. Com efeito, esta parte da disposição em questão não obriga os Estados‑Membros a examinar se o objecto do acesso televisivo de uma parte importante do público a um acontecimento de grande importância para a sociedade pode ser adequadamente salvaguardado caso este seja transmitido em directo por um canal a pagar e em diferido por um canal de acesso não condicionado. Este período dá aos Estados‑Membros a possibilidade de prever que um acontecimento de grande importância para a sociedade deve ser objecto de uma transmissão televisiva, possibilidade que o Reino Unido não explorou. Com efeito, a legislação nacional em questão não cria obrigações de transmissão para os radiodifusores, como o indica, de resto, o artigo 9.° do Code on sports and other listed and designated events.

100    Correlativamente, o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552 não exige que os Estados‑Membros prevejam procedimentos diferentes para o estabelecimento de cada uma das categorias em que possam julgar útil repartir os acontecimentos de grande importância para a sua sociedade. Com efeito, esta disposição exige que os acontecimentos inscritos na lista sejam efectivamente de grande importância para a sociedade, sem intervir na apreciação de um Estado‑Membro quanto à oportunidade de dividir estes acontecimentos em diversas categorias. Por conseguinte, a existência de um só procedimento para o estabelecimento da lista em questão na sua totalidade não invalida a apreciação da Comissão sobre a clareza e a transparência do procedimento instituído no Reino Unido para este efeito. Portanto, a alegação da UEFA não pode ser acolhida.

101    Por conseguinte, a Comissão não era obrigada a expor na decisão impugnada em especial as razões pelas quais era pertinente incluir a totalidade dos jogos do EURO no «grupo A» da lista do Reino Unido, pelo que o argumento da UEFA a este respeito deve também ser rejeitado.

102    Quanto ao argumento segundo o qual o Ministro não expôs as razões pelas quais se devia considerar que cada jogo do EURO era de grande importância para a sociedade, importa, em primeiro lugar, recordar que o EURO é mencionado no considerando 18 da Directiva 97/36 enquanto exemplo de acontecimento de grande importância para a sociedade. Em segundo lugar, no âmbito do seu terceiro fundamento, a UEFA alega que apenas os jogos ditos de «gala», como o de abertura e a final, e os jogos que envolvem uma equipa nacional do Reino Unido são verdadeiramente de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro.

103    Ora, em terceiro lugar, se é verdade que o considerando 18 da Directiva 97/36 não toma posição sobre a questão relativa à inclusão de todos ou de uma parte dos jogos do EURO numa lista nacional de acontecimentos de grande importância para a sociedade (v. n.° 52 supra), nenhuma consideração válida permite concluir que, em princípio, apenas os jogos de «gala» e os jogos que envolvem uma equipa nacional do Reino Unido podem ser assim qualificados em relação à sociedade desse Estado‑Membro e, por isso, fazer parte de tal lista. Com efeito, o EURO é uma competição que pode razoavelmente ser vista mais como um acontecimento único do que como uma conjunto de acontecimentos individuais divididos em jogos de «gala», em jogos de «não gala» e em jogos que envolvem a equipa nacional correspondente. A este respeito, é notório que, no âmbito do EURO, os resultados dos jogos de «não gala» determinam a carreira das equipas, pelo que a sua participação em jogos de «gala», como os que envolvem a correspondente equipa nacional, pode depender desses jogos. Assim, os jogos de «não gala» definem os adversários da equipa nacional correspondente nas fases seguintes da competição. Além disso, os resultados dos jogos de «não gala» podem mesmo determinar a presença ou a ausência de certa equipa nacional na fase seguinte da competição.

104    Atendendo a este contexto específico que permite considerar o EURO como um acontecimento único, o Ministro não era obrigado a fundamentar mais em pormenor a sua apreciação em relação a cada jogo desta competição, isto é, igualmente em relação aos jogos de «não gala», especialmente, dado que os elementos estatísticos pertinentes não demonstram que estes jogos atraiam sistematicamente um número irrelevante de telespectadores (v. n.os 126 a 135 infra).

105    Além disso, o argumento relativo ao alegado efeito retroactivo da legislação do Reino Unido não diz respeito à clareza ou à transparência do procedimento seguido para o estabelecimento da lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro. Na medida em que a UEFA pretende invocar, através deste argumento, uma violação do artigo 3.°‑A, n.° 3, da Directiva 89/552, basta assinalar que esta disposição define, no âmbito do mecanismo do reconhecimento mútuo, as obrigações de outros Estados‑Membros diferentes daquele que adoptou uma lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade. Portanto, a referência aos direitos comprados após a publicação da Directiva 97/36 diz respeito à regulamentação que os Estados‑Membros devem aprovar a fim de respeitar as suas obrigações de reconhecimento mútuo e não à acção do Estado‑Membro que adoptou a lista, no caso em apreço, o Reino Unido.

106    Os argumentos da UEFA não demonstram, portanto, que a Comissão cometeu um erro ao considerar que o procedimento acima descrito nos n.os 7 e 8 era claro e transparente.

107    O primeiro fundamento deve, consequentemente, ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552

–       Argumentos das partes

108    A UEFA alega que nenhum dos critérios enunciados pela Comissão no considerando 5 da decisão impugnada (v. n.° 17 supra) está preenchido em relação à totalidade dos jogos do EURO.

109    Quanto ao primeiro critério, a UEFA sustenta que a apreciação da Comissão exposta no considerando 6 da decisão impugnada, segundo a qual o EURO tem na sua totalidade um eco generalizado especial no Reino Unido, já que é particularmente popular entre o grande público e não apenas para quem acompanha habitualmente os eventos desportivos na televisão, enferma de erro manifesto de apreciação. Este erro afecta a qualificação do EURO na sua globalidade de acontecimento de grande importância para a sociedade do Reino Unido, visto que, contrariamente ao defendido pela Comissão, o EURO não preenche o primeiro critério enunciado no considerando 5 da decisão impugnada.

110    Com efeito, resulta de dois inquéritos relativos ao Reino Unido encomendados pela UEFA a uma empresa especializada que, entre as pessoas que «normalmente não se interessam» ou «não se interessam nada» por futebol, apenas uma reduzida percentagem se interessa pelos jogos do EURO que não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido. Assim, 20% daqueles que «habitualmente não se interessam» por futebol demonstram um certo interesse por tais jogos contra 1% que se interessa extremamente pelos mesmos e 45% que se interessam pelos jogos do EURO que envolvem uma equipa nacional do Reino Unido. Além disso, entre os que seguem ocasionalmente as transmissões televisivas dos jogos de futebol, apenas 33% se interessam por um jogo que não envolve uma equipa nacional do Reino Unido contra 56% que manifestam um interesse em caso contrário, ao passo que, entre aqueles que nunca vêem futebol na televisão, apenas 4% se interessam por jogos nos quais não participa uma equipa nacional do Reino Unido.

111    Estes resultados são corroborados pelos índices de audiência relativos ao Reino Unido, segundo os quais os jogos do EURO de 2004 que não envolveram uma equipa nacional do Reino Unido apenas atraíram, em média, 32% das pessoas que vêem a televisão no momento em que estão a decorrer, contra 67% de telespectadores, em média, atraídos pelos jogos que envolvem uma equipa nacional desse Estado‑Membro. Os dados relativos ao EURO de 2000 e ao de 2008 dão uma imagem análoga, ao passo que, relativamente ao EURO de 1996, os jogos da fase inicial que não envolviam uma equipa nacional do Reino Unido atraíram, em média, metade dos telespectadores que viram os jogos da fase inicial de uma equipa nacional desse Estado‑Membro. Segundo a UEFA, estes elementos demonstram que os jogos do EURO que não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido não têm um eco especial na sociedade desse Estado‑Membro, pelo que é incorrecto concluir que os telespectadores que geralmente não seguem o futebol se interessam por estes jogos e que estes são de grande importância para a sociedade do Reino Unido.

112    Além disso, a UEFA alega que dois jogos do EURO de 2004 e dois jogos do EURO de 2008 foram transmitidos, na sequência de autorização do Office of Communications, por canais de televisão da segunda das categorias estabelecidas pela legislação do Reino Unido (v. n.° 9 supra) e atraíram entre 4 000 e 739 000 telespectadores. Ora, segundo a UEFA, se estes jogos fossem verdadeiramente de grande importância para a sociedade do Reino Unido, a BBC e a ITV não teriam pedido autorização para os transmitir nos seus canais secundários e estes jogos não teriam tido índices de audiência tão baixos. A UEFA acrescenta que os canais que transmitiram estes jogos cobrem uma parte importante do público do Reino Unido (31,6 milhões em 2004 e 50,4 milhões em 2008), pelo que os índices de audiência em questão não podem ser atribuídos a uma taxa de cobertura baixa.

113    Quanto ao quarto destes critérios, que a Comissão pareceu ter mencionado no considerando 18 da decisão impugnada em relação ao EURO, a UEFA alega que não é apropriado para avaliar a importância de um acontecimento para a sociedade. Com efeito, antes do desenvolvimento da televisão a pagar, este critério era cumprido por todos os acontecimentos desportivos transmitidos na televisão.

114    Além disso, os jogos do EURO que não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido atraem, nesse Estado‑Membro, sistematicamente um número de telespectadores substancialmente inferior ao dos telespectadores atraídos pelos jogos que envolvem tal equipa, pelo que, além dos jogos de «gala», apenas os jogos que envolvem tal equipa são verdadeiramente de importância para a sociedade do Reino Unido na sua totalidade. Esta circunstância foi mesmo reconhecida no âmbito de uma decisão da Comissão em matéria de concorrência no sector do audiovisual. É, ainda, revelador que os jogos do EURO que não envolvem um equipa nacional não tenham atingido os índices de audiência do último dos 10 acontecimentos desportivos mais populares de 2007 nem os da última das 100 emissões televisivas mais populares de 2006 e de 2007.

115    O interesse preponderante pela equipa nacional caracteriza igualmente os hábitos dos telespectadores noutros Estados‑Membros, como a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália e os Países Baixos, uma vez que os dados relativos ao Reino Unido demonstram uma tendência ainda mais importante neste sentido, e isso também quanto a outros desportos. Ora, com excepção do Reino da Bélgica e do Reino Unido, quase todos os Estados‑Membros que estabeleceram uma lista de acontecimentos de grande importância para a sua sociedade apenas inscreveram, tratando‑se do EURO, os jogos de «gala» e os jogos que envolvem a equipa nacional respectiva. No entanto, nenhuma diferença objectiva justifica a abordagem adoptada pelo Reino Unido, o que a Comissão teria podido verificar se tivesse investigado esta questão.

116    Consequentemente, ao concluir que o EURO reveste, na sua totalidade, uma grande importância para a sociedade no Reino Unido, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação. Este erro traduz‑se igualmente numa discriminação de facto contra a UEFA no âmbito da cessão dos direitos de transmissão televisiva do EURO no Reino Unido. Assim, a Comissão não verificou correctamente a compatibilidade das medidas nacionais com o direito comunitário violando a obrigação que lhe impõe o artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552.

117    A UEFA acrescenta que, se o considerando 18 da Directiva 97/36 tiver de ser interpretado no sentido de que implica que o EURO é, na íntegra, de uma grande importância para a sociedade, o mesmo está ferido de ilegalidade que pode ser arguida nos termos do artigo 241.° CE.

118    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta a procedência deste fundamento e sublinha que a UEFA não podia validamente invocar uma excepção ao abrigo do artigo 241.° CE contra a Directiva 97/36. Além disso, a Comissão confirma que o EURO, considerado na sua totalidade, cumpre o primeiro e quarto critérios mencionados no considerando 5 da decisão impugnada, como resulta, de resto, dos considerandos 6 e 18 desta última.

–       Apreciação do Tribunal

119    Importa recordar, antes de mais, que, ao dispor que compete aos Estados‑Membros definir os acontecimentos de grande importância para a sua sociedade na acepção do considerando 21 da Directiva 97/36, o artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 reconhece aos Estados‑Membros uma importante margem de apreciação a este respeito.

120    Em seguida, não obstante o facto de que o artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 não procede a uma harmonização dos acontecimentos específicos que podem ser considerados por um Estado‑Membro como sendo de grande importância para a sua sociedade (v. n.os 51 e 52 supra), a menção ao EURO no considerando 18 da Directiva 97/36 implica que a Comissão não pode considerar a inscrição de jogos desta competição numa lista de acontecimentos como contrária ao direito comunitário pelo facto de o Estado‑Membro em causa não lhe ter comunicado as razões específicas que justificam o seu carácter de acontecimento de grande importância para a sociedade (v. n.° 53 supra). No entanto, a eventual conclusão da Comissão segundo a qual a inscrição do EURO na sua totalidade numa lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade de um Estado‑Membro é compatível com o direito comunitário, por esta competição ser, pelas suas características, validamente vista como um acontecimento único, pode ser posta em causa com base em elementos específicos que demonstrem que os jogos de «não gala» não são dessa importância para a sociedade desse Estado.

121    Com efeito, como acima se expôs nos n.os 51 e 52, nem o considerando 18 da Directiva 97/36 nem o artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 abordam a questão de saber se o EURO pode ser validamente incluído na sua totalidade numa lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade independentemente do interesse que suscitem os seus jogos, e designadamente os jogos de «não gala», no Estado‑Membro em causa.

122    Consequentemente, qualquer discussão relativamente à legalidade da Directiva 97/36 no que respeita à qualificação do EURO na sua totalidade, em vez de apenas o serem os jogos de «gala» e os que envolvem uma equipa nacional do Reino Unido, de acontecimento de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro (v. n.° 117 supra) carece de objecto, uma vez que o considerando 18 da mesma directiva não aborda esta questão. Por conseguinte, este Tribunal não tem de se pronunciar sobre a questão de saber se a UEFA podia validamente invocar uma excepção ao abrigo do artigo 241.° CE a este respeito na sua réplica.

123    Além disso, como acima se explicou no n.° 103, o EURO pode ser razoavelmente visto mais como um acontecimento único do que como um conjunto de acontecimentos individuais divididos em jogos de diversos níveis de interesse, pelo que a abordagem do Ministro não é arbitrária, antes se situando nos limites da sua margem de apreciação.

124    A importância dos jogos de «não gala» resulta ainda também do simples facto de que fazem parte desta competição, do mesmo modo que outros desportos relativamente aos quais o interesse, normalmente limitado, aumenta quando se desenrolam no âmbito dos Jogos Olímpicos.

125    Por conseguinte, ao não ter posto em causa a posição segundo a qual não há que distinguir, para fins da apreciação relativa à importância do EURO para a sociedade do Reino Unido, entre jogos de «gala» e os que envolvem uma equipa nacional desse Estado‑Membro, por um lado, e jogos de «não gala», por outro, mas sim considerar esta competição na sua globalidade e não como uma série de acontecimentos individuais (considerandos 6 e 18 da decisão impugnada, v. n.° 17 supra), a Comissão não cometeu nenhum erro.

126    Por último, os resultados dos inquéritos encomendados pela UEFA confirmam esta conclusão em vez de a invalidar, pelo que os argumentos que apresenta contra esta última no âmbito do presente fundamento não inflectem as apreciações expressas nos considerandos 6 e 18 da decisão impugnada.

127    Com efeito, em primeiro lugar, há que realçar que a inscrição dos jogos de «não gala» na lista nacional de acontecimentos de grande importância para a sociedade não exige que atraiam o número de telespectadores atraídos pelos jogos de «gala» e pelos jogos que envolvem a equipa nacional respectiva nem que suscitem, entre os não amadores de futebol, um interesse de intensidade igual à provocada pelos jogos de «gala» ou pelos jogos nos quais participa a equipa nacional correspondente.

128    Em segundo lugar, contrariamente ao sustentado pela UEFA, o facto de 21% dos habitantes do Reino Unido que normalmente não se interessam por futebol se declararem interessados pelos jogos do EURO que não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido, contra 45% que se declararam interessados pelos jogos que envolvem tal equipa (v. n.° 110 supra), demonstra que a primeira destas categorias de jogos suscita, entre os não amadores de futebol, um interesse bem superior ao provocado, junto do mesmo grupo, pelos jogos que não fazem parte de uma importante competição internacional de futebol a nível de equipas nacionais e que não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido. O mesmo vale em relação aos 7% do habitantes do Reino Unido totalmente desinteressados pelo futebol que se declaram todavia interessados nos jogos do EURO que não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido, contra 17% do mesmo grupo que se declaram interessados pelos jogos de tal equipa. Com efeito, contrariamente ao que se verifica quanto aos jogos de «não gala» do EURO, as pessoas que, segundo a própria premissa do inquérito em questão, normalmente não se interessam nada por futebol não demonstram por definição um desinteresse pelo jogos que não fazem parte de uma importante competição internacional de futebol a nível de equipas nacionais e que, além disso, não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido.

129    Estas conclusões são ainda confirmadas pelo facto de que, segundo o mesmo inquérito, 33% dos habitantes do Reino Unido que vêem ocasionalmente futebol na televisão se interessam pelos jogos do EURO que não envolvem uma equipa nacional desse Estado‑Membro, contra 56% que se interessam pelos jogos nos quais participa tal equipa. Estas percentagens elevam‑se, respectivamente, a 36% e a 55% quando se alarga a amostra para nela incluir os que nunca vêem futebol na televisão e demonstram que não está ferida de erro a conclusão da Comissão segundo a qual a totalidade dos jogos do EURO tem um eco especial no grande público.

130    Quanto aos dados relativos aos índices de audiência produzidos pela UEFA relativamente ao EURO de 2004, há que observar que os jogos de «não‑gala» atraíram entre 25,5% e 44,2% da totalidade do telespectadores, com um máximo de 8,8 milhões de telespectadores, enquanto as percentagens correspondentes relativas aos jogos da equipa nacional da Inglaterra se situam entre 65,9% e 72,5%, com um máximo de 20,7 milhões de telespectadores.

131    Os dados relativos ao EURO de 2000 dão uma imagem semelhante, uma vez que os jogos de «não‑gala» atraíram entre 25,7% e 49,6% da totalidade dos telespectadores, com um máximo de 9,7 milhões de telespectadores, e os jogos da equipa nacional da Inglaterra atraíram entre 58,5% e 74,9% do mesmo conjunto, com um máximo de 16,9 milhões de telespectadores.

132    Os elementos que dizem respeito ao EURO de 1996, que são expressos em números absolutos de telespectadores, revelam que os jogos de «não‑gala» atraíram entre 2,9 e 8,5 milhões de telespectadores, ao passo que os jogos da equipa nacional da Inglaterra atraíram entre 8,7 e 23,8 milhões de telespectadores.

133    Importa acrescentar que, segundo o mesmo inquérito, a final da Football Association Cup de 2007 (competição nacional de futebol) atraiu cerca de 10,1 milhões de telespectadores.

134    Vistas tanto em absoluto como em relação às percentagens e índices de audiência obtidos pelos jogos que envolvem a equipa nacional da Inglaterra, mas também aos índices de audiência da final da Football Association Cup de 2007, as percentagens e os índices de audiência relativos aos jogos de «não‑gala» confirmam que estes jogos atraem, no Reino Unido, audiências excepcionalmente grandes, que só se explicam em razão da inclusão destes jogos no calendário do EURO. Estes dados estatísticos confirmam, portanto, as apreciações que constam dos n.os 103 e 124 supra e apoiam a posição exposta no considerando 18 da decisão impugnada, segundo a qual os jogos do EURO, incluindo os jogos de «não gala» tradicionalmente atraem numerosos telespectadores. Por conseguinte, supondo que, como sustenta a UEFA, a Comissão não tenha tido em conta dados posteriores a 2000, este facto não é susceptível de pôr em causa as conclusões que adoptou com base em elementos mais antigos.

135    Esta análise não é posta em causa pelos índices de audiência pretensamente muito baixos invocados pela UEFA relativamente a dois jogos do EURO de 2004 e a dois jogos do EURO de 2008 (v. n.° 112 supra). Com efeito, como salienta a UEFA, três dos jogos em questão realizaram‑se ao mesmo tempo que outros jogos que não envolviam uma equipa nacional do Reino Unido tendo atraído entre 4,6 e 8,8 milhões de telespectadores em canais gratuitos pertencentes à primeira das categorias estabelecidas pela legislação desse Estado‑Membro. Daqui resulta que este argumento não demonstra que os jogos que não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido não atraem, em geral, numerosos telespectadores. Quanto ao quarto jogo, entre a França e a Suíça, este realizou‑se ao mesmo tempo que um jogo da equipa nacional da Inglaterra que atraiu 18,2 milhões de telespectadores, o que explica amplamente por que razão apenas atraiu 4 000 telespectadores, além disso, num canal Internet como a BBCi.

136    Quanto ao argumento segundo o qual, se estes jogos de «não gala» fossem de uma grande importância para a sociedade, os radiodifusores deveriam tê‑los transmitido nos seus canais principais, o mesmo não pode ser acolhido. A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que a inclusão destes jogos na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido justifica‑se pelo facto de que o EURO pode validamente ser considerado na sua totalidade como um tal acontecimento (v. n.° 103 supra) e, em segundo lugar, que a inscrição dos jogos de «não gala» nesta lista não exige que sejam de uma importância igual à dos jogos de «gala» ou dos jogos nos quais participa a equipa nacional correspondente (v. n.° 127 supra). Além disso, não são forçosamente todos os jogos de «não gala» que devem ser de uma grande importância para a sociedade do Reino Unido a fim de que o EURO possa ser validamente inscrito, na sua totalidade, na lista de tais acontecimentos desse Estado‑Membro. Ao invés, basta que a característica acima descrita no n.° 103 diga respeito a alguns dos jogos de «não gala», dos quais nem o número nem os participantes podem ser precisados no momento da redacção da lista ou da aquisição dos direitos de transmissão, para justificar que não se distinga entre os jogos do EURO quanto à sua importância para a sociedade. Assim, em relação ao carácter excepcional e explicável dos índices de audiência relativos a estes jogos concretos (v. n.os 134 e 135 supra), o facto de a BBC ou a ITV não terem optado por os transmitir num dos seus canais principais não invalida a conclusão que figura no n.° 125 supra.

137    Além disso, a conclusão que consta do n.° 134 supra não é contraditória com a que figura no considerando 40 da Decisão 2000/400/CE da Comissão, de 10 de Maio de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] (Processo IV/32.150 – Eurovisão, JO L 151, p. 18), à qual alude a UEFA (v. n.° 114 supra). Segundo este considerando, os acontecimentos internacionais tendem a ser mais atractivos para os telespectadores de um dado país do que os acontecimentos nacionais, desde que envolvam a participação da equipa nacional ou de um campeão nacional, ao passo que os acontecimentos internacionais em que não participe qualquer campeão ou equipas nacionais suscitam frequentemente interesse diminuto. Ora, na grande maioria dos casos, o EURO realiza‑se frequentemente com a participação da equipa nacional do Reino Unido. Além disso, mesmo quando tal não é excepcionalmente o caso, a não participação da equipa nacional do Reino Unido no EURO é normalmente conhecida após a elaboração da lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro mas também após a cessão dos direitos de transmissão televisiva relativamente ao ano em causa.

138    O facto de o Reino Unido ter seguido uma abordagem diferente da adoptada por outros Estados‑Membros, que inscreveram nas suas listas principalmente jogos de «gala» ou que envolvem a sua equipa nacional respectiva, não afecta as apreciações precedentes, que permitiram considerar validamente esta competição na sua totalidade como um acontecimento de grande importância para a sociedade do Reino Unido. Com efeito, não tendo o artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 procedido a uma harmonização a nível dos acontecimentos específicos que podem ser considerados pelos Estados‑Membros como sendo de grande importância para a sociedade (v. n.os 51 e 52 supra), diversas abordagens relativamente à inscrição dos jogos do EURO numa lista nacional podem ser igualmente compatíveis com a disposição em questão.

139    Por conseguinte, não podem ser acolhidos os argumentos da UEFA destinados a demonstrar que as apreciações que figuram nos considerandos 6 e 18 da decisão impugnada relativas ao eco especial que o EURO na sua totalidade tem na sociedade do Reino Unido e ao número de telespectadores atraídos por todos os jogos desta competição estão feridas de erro.

140    O mesmo acontece relativamente ao argumento segundo o qual, antes de aparecer a televisão a pagar, todos os acontecimentos eram transmitidos em canais gratuitos, pelo que o critério correspondente não é pertinente. A este respeito, importa assinalar que, apesar de a televisão a pagar ter aparecido bastante depois da televisão gratuita, o facto de um acontecimento ter tradicionalmente sido transmitido num canal gratuito continua a ser um critério pertinente. Com efeito, mesmo antes de aparecer a televisão a pagar, muitos acontecimentos não eram transmitidos nos canais gratuitos da época, pelo que não se pode considerar que este critério está automaticamente actualmente preenchido tratando‑se de um tal acontecimento. Ora, resulta de uma comunicação do Reino Unido à Comissão em 24 de Março de 1999 cujo conteúdo figura num documento intitulado «Projecto de resposta à carta da Comissão de 23 de Dezembro de 1998», em anexo à contestação, que o EURO era tradicionalmente transmitido no Reino Unido em canais gratuitos e que desde 1988 cada um dos seus jogos foi transmitido em directo. Dado que a UEFA não contestou estes elementos, há que julgar improcedente o seu argumento relativo à transmissão tradicional do EURO por canais gratuitos.

141    Na medida em que há que rejeitar os argumentos da UEFA relativos ao facto de a Comissão ter incorrido em erro ao confirmar a apreciação do Ministro, segundo a qual o EURO constitui, na íntegra, um acontecimento de grande importância para a sociedade do Reino Unido, importa julgar improcedente o presente fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços

–       Argumentos das partes

142    A UEFA alega que, como reconhece o considerando 19 da decisão impugnada, esta retira aos radiodifusores estabelecidos noutros Estados‑Membros a possibilidade de transmitir em directo os jogos do EURO no Reino Unido, pelo que restringe a livre prestação de serviços. Ora, se é verdade que restrições a esta liberdade podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, estas devem ser compatíveis com os objectivos do Tratado, ser aplicadas sem discriminação e ser proporcionadas. O ónus da prova a este respeito incumbe à pessoa que invoca o carácter justificado da restrição em questão.

143    No caso em apreço, a lista do Reino Unido contém elementos como os jogos que não envolvem uma equipa nacional desse Estado‑Membro, que não podem ser razoavelmente vistos como sendo de grande importância para a sociedade. A restrição à livre prestação de serviços que decorre da inscrição destes jogos na lista do Reino Unido não serve, portanto, um interesse público nem é compatível com os objectivos do Tratado.

144    Acresce que as restrições em causa levam, de facto, a uma discriminação dos organismos de radiodifusão televisiva estabelecidos em Estados‑Membros diferentes do Reino Unido, uma vez que apenas três radiodifusores desse Estado‑Membro, BBC, ITV e Channel 4, se podem incluir na primeira categoria. Assim, a legislação em questão protege estes três operadores de toda a concorrência por parte dos radiodifusores estabelecidos noutros Estados‑Membros. Ora, a experiência demonstra que tais radiodifusores podem penetrar no mercado do Reino Unido através da aquisição dos direitos de transmissão televisiva dos jogos de futebol não inscritos na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro.

145    A UEFA põe igualmente em causa a proporcionalidade das medidas adoptadas pelo Reino Unido pelo facto de diversos jogos do EURO não serem de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro, pelo que a decisão impugnada enferma também de uma violação deste princípio. A natureza desproporcionada das medidas do Reino Unido é ainda exacerbada pelas exigências impostas para que um radiodifusor possa pertencer à primeira categoria de radiodifusores.

146    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta a procedência deste fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

147    Como se reconhece no considerando 19 da decisão impugnada, o mecanismo de reconhecimento mútuo desencadeado pela decisão impugnada em virtude do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552 tem por efeito restringir a livre prestação de serviços no mercado comum, tal como estabelecida pelo artigo 49.° CE.

148    Com efeito, como alega a UEFA, não obstante o facto de a legislação acima descrita nos n.os 9 e 10 se aplicar indistintamente aos operadores pertencentes às duas categorias estabelecidas pela legislação do Reino Unido, é factualmente muito menos provável que nenhum radiodifusor da primeira categoria, estabelecido segundo toda a probabilidade nesse Estado‑Membro, esteja interessado em transmitir o EURO, dando assim a um concorrente estabelecido noutro Estado‑Membro a possibilidade de obter do Office of Communications a autorização para transmitir o referido acontecimento praticamente com exclusividade (v. n.° 12 supra), do que o inverso.

149    No entanto, estas restrições à livre prestação de serviços podem ser justificadas quando visem a protecção do direito à informação e assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade, exigindo‑se a título suplementar que sejam adequadas para garantir a realização do objectivo que prosseguem e não vão para além do que é necessário para o atingir (v. n.os 44 a 50 supra).

150    A este respeito, importa recordar que a UEFA contesta a legalidade da decisão impugnada à luz das disposições do Tratado sobre a livre prestação de serviços na medida em que a Comissão aprovou a inscrição de jogos que não envolvem uma equipa nacional do Reino Unido na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro. Segundo a UEFA, estes jogos não correspondem a esta qualificação, pelo que a restrição à livre prestação de serviços é desproporcionada.

151    Importa assinalar que o argumento da UEFA revela uma confusão entre, por um lado, a grande importância de um acontecimento para a sociedade, primeira condição que deve ser satisfeita e que constitui a razão imperiosa de interesse geral que justifica a restrição de uma liberdade fundamental (v. n.os 44 a 49 supra), e, por outro, a proporcionalidade da restrição em questão, que constitui uma segunda condição que deve preencher a legislação nacional que restringe tal liberdade a fim de ser compatível com o direito comunitário (v. n.° 50 supra).

152    Neste contexto, há que salientar que, como resulta dos n.os 123 a 141 supra, o EURO pode validamente ser visto como um acontecimento único de grande importância para a sociedade do Reino Unido, uma vez que os índices de audiência relativos aos jogos que não envolvem uma equipa nacional desse Estado‑Membro confirmam, em vez de invalidar, a apreciação contida nos considerandos 6 e 18 da decisão impugnada. Por conseguinte, importa concluir que a alegação de que os jogos em questão não são de grande importância para a sociedade, pelo que as medidas do Reino Unido são desproporcionadas, está, em qualquer caso, assente numa premissa errada. Consequentemente, esta alegação não invalida a conclusão da Comissão sobre o carácter apropriado e proporcionado da inscrição da totalidade dos jogos do EURO na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido, tendo em conta o carácter unitário desta competição.

153    Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação das disposições do Tratado relativas à concorrência

–       Argumentos das partes

154    A UEFA alega que, não tendo em conta os ensinamentos resultantes do acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 14 supra, a Comissão não procedeu a um exame do impacto das medidas do Reino Unido na concorrência. Com efeito, resulta da redacção do considerando 20 da decisão impugnada (v. n.° 17 supra) que a Comissão nem sequer procedeu à definição do ou dos mercados em causa. A este respeito, a UEFA observa que, como decorre da Decisão 2000/400, a aquisição dos direitos de transmissão sobre determinados acontecimentos desportivos importantes, como o EURO, constitui um mercado separado. Ora, a Comissão não procurou saber se a aquisição de direitos de transmissão em directo do EURO constitui em si mesma um mercado a montante da televisão, no qual diversos radiodifusores estão em concorrência.

155    Se se reconhecesse que tal mercado existe, a decisão impugnada, e não a Directiva 89/552, conduziria a uma forte diminuição e distorção da concorrência nesse mercado. A este respeito, a UEFA salienta que a definição dos radiodifusores pertencentes à primeira categoria criada pela legislação do Reino Unido (v. n.° 9 supra) tem como efeito prático permitir unicamente à BBC, à ITV e ao Channel 4 adquirir os direitos de transmitir em directo os jogos do EURO, pelo que todos os seus concorrentes que exploram canais a pagar estão à partida eliminados deste mercado.

156    Por conseguinte, as medidas do Reino Unido têm por efeito colocar numa posição privilegiada estes três radiodifusores, dos quais dois a usaram em detrimento da UEFA. O resultado prático desta situação é semelhante à concessão de direitos especiais ou exclusivos na acepção do artigo 86.°, n.° 1, CE. Com efeito, a legislação do Reino Unido concede a um número limitado de radiodifusores, no caso em apreço, os que pertencem à primeira das categorias que estabeleceu, a possibilidade de adquirir os direitos de transmissão em directo do EURO no Reino Unido e exclui de facto deste procedimento os operadores dos canais a pagar. Neste contexto, há apenas um adquirente potencial dos direitos de transmissão dos jogos do EURO no Reino Unido, pois a BBC e a ITV, únicos operadores que manifestaram interesse a este respeito, procedem tradicionalmente à apresentação de propostas comuns. Assim, a definição restritiva dos radiodifusores pertencentes à primeira categoria estabelecida pela legislação do Reino Unido tem por efeito reforçar e encorajar, em detrimento da UEFA e dos consumidores desse Estado‑Membro, o comportamento anticoncorrencial dos radiodifusores protegidos de toda a concorrência proveniente de operadores estabelecidos no Reino Unido ou noutros Estados‑Membros. Em qualquer caso, os radiodifusores que pertencem à primeira categoria estabelecida pela legislação do Reino Unido ocupam uma posição dominante colectiva no mercado de aquisição dos direitos de transmissão do EURO nesse Estado‑Membro.

157    Ora, resulta do considerando 20 da decisão impugnada que a Comissão não teve em consideração os efeitos na concorrência antes de concluir que as medidas do Reino Unido são compatíveis com as disposições do Tratado relativas à concorrência. Por outro lado, a Comissão ignorou a posição do director‑geral do Office of Fair Trading, segundo a qual a inscrição de um acontecimento na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade devia ser uma medida excepcional adoptada em casos que apresentem um carácter manifesto, precisamente em razão dos efeitos anticoncorrenciais que gera.

158    A Comissão cometeu igualmente um erro ao distinguir, no considerando 20 da decisão impugnada, entre um mercado da televisão de acesso livre e um mercado da televisão a pagar, quando os operadores dos dois modelos de exploração competem pela aquisição dos direitos de transmissão, pelas audiências e pela publicidade. Esta circunstância foi reconhecida pelo Conselho da Concorrência do Reino Unido (Competition Commission).

159    Estas omissões tornam‑se ainda mais patentes no presente caso em que a Comissão não teve em consideração informações relativas à evolução do mercado do audiovisual após o ano de 2000. Ora, qualquer análise em matéria de concorrência deve ter em conta a situação no momento em que a decisão da Comissão é adoptada.

160    Consequentemente, a Comissão cometeu um erro ao entender que as medidas do Reino Unido não geravam uma distorção significativa e desproporcionada da concorrência.

161    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta a procedência deste fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

162    Importa realçar que a argumentação da UEFA no âmbito do presente fundamento se analisa em duas alegações.

163    A primeira alegação é relativa às consequências decorrentes do facto de que, atendendo à importância que tem o carácter exclusivo da transmissão televisiva dos jogos do EURO para os radiodifusores pertencentes à segunda categoria estabelecida pela legislação do Reino Unido, estes últimos se desinteressam da compra dos direitos de transmissão não exclusivos. Segundo a UEFA, esta circunstância origina restrições da concorrência em diversos mercados, como o da compra dos referidos direitos, o mercado da publicidade e o mercado da transmissão dos acontecimentos desportivos por canais a pagar, em razão da diminuição dos radiodifusores activos nestes mercados. Neste mesmo contexto, a UEFA censura igualmente a Comissão por não ter definido estes mercados e por não ter exposto a sua apreciação em relação a estas restrições.

164    A este respeito, importa observar que as consequências em questão decorrem indirectamente das restrições à livre prestação de serviços geradas pelas medidas do Reino Unido. Ora, como se afirmou no âmbito do quinto fundamento, as restrições à livre prestação de serviços que emanam da inscrição da totalidade dos jogos do EURO na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido são justificadas por razões imperiosas de interesse geral e não são inapropriadas nem desproporcionadas. Os efeitos ao nível do número de concorrentes potenciais que se apresentam como uma consequência inelutável destes entraves à livre prestação de serviços não podem, portanto, ser considerados contrários aos artigos do Tratado relativos à concorrência. Nestas condições, a Comissão não era obrigada a efectuar uma análise mais aprofundada como a realizada sobre estas consequências.

165    A segunda alegação respeita aos direitos especiais pretensamente concedidos à BBC e à ITV que têm por efeito autorizar ou tornar possível o abuso da posição dominante que estes radiodifusores detêm no mercado relevante, isto é, segundo a UEFA, o mercado dos direitos de transmissão dos jogos do EURO.

166    Com efeito, segundo o artigo 86.°, n.° 1, CE, regra de concorrência aplicável tratando‑se de medidas estatais (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 1999, Becu e o., C‑22/98, Colect., p. 5665, n.° 31), é proibido aos Estados‑Membros colocarem, por medidas legislativas, regulamentares ou administrativas, as empresas públicas e as empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos numa situação em que essas empresas não poderiam colocar‑se elas mesmas por comportamentos autónomos, sem violar os artigos 12.° CE e 81.° CE a 89.° CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1991, GB‑Inno‑BM, C‑18/88, Colect., p. I‑5941, n.° 20).

167    A este respeito, se é verdade que os direitos especiais ou exclusivos na acepção desta disposição são concedidos quando é conferida pelo Estado protecção a um número limitado de empresas, protecção essa que pode afectar substancialmente a capacidade de outras empresas exercerem a actividade económica em questão no mesmo território, em condições substancialmente equivalentes (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2001, Ambulanz Glöckner, C‑475/99, Colect., p. I‑8089, n.° 24), não é menos certo que a legislação do Reino Unido não oferece tal protecção aos radiodifusores em questão.

168    Assim, estão em causa tais direitos quando os poderes públicos outorgam um monopólio (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 1998, Raso e o., C‑163/96, Colect., p. I‑533, n.° 23), quando estes pretendem bloquear a entrada de um concorrente no mercado da actividade do titular dos direitos ou no mercado vizinho por razões relativas aos efeitos negativos que tal entrada teria no funcionamento e na rentabilidade da actividade do referido titular (acórdão Ambulanz Glöckner, referido no n.° 167 supra, n.os 7, 23 e 25) ou por razões de necessidade de mão‑de‑obra (acórdão Becu e o., referido no n.° 166 supra, n.° 23), ou quando o titular está autorizado, pela legislação aplicável, a influir sobre as condições do exercício da actividade em questão por parte dos seus concorrentes em função dos seus interesses ou das consequências que a sua actividade teria neste mercado, ou num mercado vizinho (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1991, França/Comissão, C‑202/88, Colect., p. I‑1223, n.° 51; de 18 de Junho de 1991, ERT, C‑260/89, Colect., p. I‑2925, n.° 37; GB‑Inno‑BM, referido no n.° 166 supra, n.° 25; e de 1 de Julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, Colect., p. I‑4863, n.° 43).

169    No entanto, longe de proibir ela própria ou de autorizar a BBC, a ITV ou o Channel 4 a proibir a um qualquer radiodifusor a aquisição dos direitos de transmissão dos jogos do EURO ou a influir nas condições de transmissão destes, a legislação do Reino Unido limita‑se a eliminar a possibilidade da sua transmissão numa base exclusiva no território desse Estado‑Membro, sem distinguir a este respeito entre as duas categorias de radiodifusores (v. n.os 9 e 10 supra). Para este efeito, importa precisar que a UEFA afirma erradamente que a BBC e a ITV são os únicos radiodifusores aos quais é permitido adquirir direitos de transmissão do EURO para o Reino Unido. Muito pelo contrário, antes de mais, o artigo 101.° do Broadcasting Act 1996 estabelece, no essencial, uma proibição de transmissão exclusiva. Em seguida, como acaba de ser indicado, esta proibição afecta igualmente todos os radiodifusores das duas categorias estabelecidas pela legislação do Reino Unido. Por último, a proibição em questão é acompanhada pelo artigo 99.° do Broadcasting Act 1996, que declara inválido qualquer contrato de transmissão de um acontecimento inscrito na lista na medida em que tenha por objecto conferir um direito exclusivo, sem consideração da identidade do radiodifusor.

170    Por conseguinte, a legislação do Reino Unido proíbe a exclusividade para todo o radiodifusor não apenas na fase da transmissão mas também na fase da celebração dos contratos de radiodifusores, pelo que nenhum radiodifusor sob a jurisdição desse Estado‑Membro pode validamente celebrar um contrato para a transmissão exclusiva de um acontecimento inscrito na sua lista. Em contrapartida, esta legislação permite nos mesmos termos aos radiodifusores das duas categorias que estabeleceu apresentar propostas para a aquisição dos direitos de transmissão televisiva não exclusiva dos jogos do EURO.

171    Nestas condições, a circunstância de apenas alguns radiodifusores da primeira categoria, como a BBC e a ITV, transmitirem finalmente, na sequência da autorização do Office of Communications, o EURO no Reino Unido, visto que os seus concorrentes só se interessam por uma transmissão exclusiva e, por isso, não apresentam propostas para adquirir os direitos correspondentes (v. n.° 12 supra), não equivale à concessão dos direitos especiais ou exclusivos a estes na acepção do artigo 86.°, n.° 1, CE. Com efeito, esta circunstância, supondo‑a demonstrada, é o resultado da importância concedida à exclusividade no âmbito do modelo de empresa instituído pelos radiodifusores que exploram os canais a pagar e não de uma qualquer proibição que emana da legislação do Reino Unido, visto que os termos desta legislação são aplicáveis sem distinção aos radiodifusores das duas categorias. Daqui resulta que as medidas do Reino Unido enquanto tais não afectam a capacidade dos operadores de canais a pagar de exercerem, quanto à aquisição dos direitos de transmissão televisiva do EURO, a sua actividade em condições substancialmente equivalentes às em vigor para a BBC ou a ITV.

172    O quarto fundamento deve, consequentemente, ser julgado improcedente.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do direito de propriedade da UEFA

–       Argumentos das partes

173    A UEFA assinala que o direito de propriedade é garantido pela ordem jurídica comunitária enquanto seu princípio geral e reproduzido no artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1). A UEFA observa que os Estados‑Membros são obrigados a respeitar os direitos fundamentais quando aplicam uma disposição como o artigo 3.°‑A da Directiva 89/552.

174    No caso em apreço, como a Comissão e o Tribunal reconheceram no âmbito do processo no qual foi proferido o acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 14 supra, a lista aprovada pela Comissão afecta o direito de propriedade da UEFA, uma vez que exclui a possibilidade de ceder os seus direitos de transmissão do EURO numa base de exclusividade, circunstância que reduz substancialmente o círculo das pessoas interessadas por tal transacção. Ora, esta restrição ao direito de propriedade da UEFA, reconhecida de resto pela Comissão no caso em apreço, não foi justificada, dado que a decisão impugnada não contém uma análise das medidas do Reino Unido deste ponto de vista.

175    Além disso, a Comissão não autorizou, no caso em apreço, a inscrição apenas dos jogos de grande importância para a sociedade do Reino Unido, mas a inscrição da totalidade dos jogos do EURO, pelo que as medidas em questão não são as menos restritivas possível em relação ao fim prosseguido.

176    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta a procedência deste fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

177    Importa recordar que, como é pacífico entre as partes, a UEFA é o organizador do EURO na acepção do considerando 21 da Directiva 97/36, pelo que qualquer pessoa que pretenda explorar os direitos de transmissão televisiva deste acontecimento deve adquiri‑los a esta ou a uma pessoa que os tenha adquirido à UEFA.

178    Assim, na medida em que o valor destes direitos é susceptível de ser afectado pelos efeitos jurídicos produzidos pela decisão impugnada (v. n.os 30 a 34 supra), o direito de propriedade da UEFA é também afectado pelos mesmos.

179    Além disso, resulta da jurisprudência que, no caso de algum Estado‑Membro invocar disposições como os artigos 46.° CE e 55.° CE para justificar uma regulamentação susceptível de entravar o exercício da livre prestação de serviços ou da liberdade de estabelecimento, esta justificação, prevista pelo direito comunitário, deve ser interpretada à luz dos princípios gerais de direito e, nomeadamente, dos direitos fundamentais. Assim, a regulamentação nacional em causa só poderá beneficiar das excepções previstas por estas disposições se se conformar com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais comunitários (v., neste sentido, acórdão ERT, referido no n.° 168 supra, n.° 43). De modo semelhante, não se pode aceitar que uma medida nacional não conforme com os direitos fundamentais, como o direito de propriedade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood, C‑20/00 e C‑64/00, Colect., p. I‑7411, n.° 67), possa beneficiar das excepções reconhecidas pelo facto de corresponder a razões imperiosas de interesse geral, como o acesso televisivo do grande público aos acontecimentos de grande importância para a sociedade.

180    No entanto, o princípio da protecção do direito fundamental de propriedade no quadro do direito comunitário não constitui uma prerrogativa absoluta, devendo ser tomado em consideração em relação com a sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser impostas restrições ao exercício do direito de propriedade, desde que tais restrições correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral e não constituam, relativamente ao fim prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido (v., neste sentido, designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2005, Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia e ERSA, C‑347/03, Colect., p. I‑3785, n.° 119, e de 12 de Julho de 2005, Alliance for Natural Health e o., C‑154/04 e C‑155/04, Colect., p. I‑6451, n.° 126).

181    A este respeito, importa recordar que, pelas razões que constam dos n.os 123 a 141 supra e contrariamente ao sustentado pela UEFA, o EURO pode validamente ser visto como um acontecimento único de grande importância para a sociedade do Reino Unido, uma vez que os elementos estatísticos relativos aos jogos de «não gala» confirmam, em vez de invalidar, a apreciação contida nos considerandos 6 e 18 da decisão impugnada. Neste contexto, como acima se declarou no n.° 152, o carácter unitário do EURO enquanto acontecimento implica que a Comissão não cometeu um erro ao considerar que a inscrição de todos os seus jogos na lista do Reino Unido era uma medida proporcionada.

182    Por conseguinte, há que declarar que assenta numa premissa errada a alegação segundo a qual a inscrição dos jogos de «não gala» na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido constitui uma intervenção excessiva e intolerável no direito de propriedade da UEFA por tais jogos não fazerem parte desses acontecimentos.

183    Além disso, embora a legislação em questão seja susceptível de afectar o preço que a UEFA obterá pela concessão dos direitos de transmissão do EURO no Reino Unido, a mesma não anula o valor comercial destes direitos, uma vez que, em primeiro lugar, não obriga a UEFA a cedê‑los seja em que condições for e, em segundo lugar, esta está protegida contra as práticas colusórias ou abusivas tanto pelo direito comunitário como pelo direito nacional da concorrência. Daqui resulta que a Comissão não cometeu um erro ao concluir pela proporcionalidade das medidas do Reino Unido.

184    Por conseguinte, o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

–       Argumentos das partes

185    Segundo a UEFA, a Comissão violou o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5.° CE, na medida em que aprovou a inscrição da totalidade dos jogos do EURO na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido, quando os jogos que não envolvem uma equipa nacional desse Estado‑Membro não correspondem a esta qualificação.

186    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta as alegações da UEFA a este respeito.

–       Apreciação do Tribunal

187    Importa recordar que qualquer medida adoptada por razões imperiosas de interesse geral e que restrinja o exercício de uma liberdade fundamental estabelecida pelo Tratado deve ser proporcionada em relação ao fim que prossegue (v. n.° 46 supra). Além disso, este fundamento padece da confusão declarada em relação ao quinto fundamento (v. n.° 151 supra).

188    A este respeito, basta assinalar que, pelas razões que constam dos n.os 123 a 141 supra e contrariamente ao sustentado pela UEFA, o EURO pode validamente ser visto como um acontecimento único de grande importância para a sociedade do Reino Unido, uma vez que os elementos estatísticos relativos aos jogos de «não gala» desta competição e que não envolvem uma equipa nacional desse Estado‑Membro confirmam, em vez de invalidar, a apreciação contida nos considerandos 6 e 18 da decisão impugnada.

189    Portanto, a alegação segundo a qual a inscrição dos jogos de «não gala» e que não envolvam uma equipa nacional do Reino Unido na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade desse Estado‑Membro constitui uma acção desproporcionada pelo facto de estes jogos não corresponderem a esta qualificação assenta, em qualquer caso, numa premissa errada.

190    O sétimo fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

 Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

–       Argumentos das partes

191    A UEFA sustenta, no âmbito do presente fundamento, que a decisão impugnada está na origem de um tratamento desigual ou discriminatório em seu detrimento relativamente à comercialização dos direitos de transmissão televisiva do EURO. Com efeito, a decisão impugnada não faz referência a razões objectivas que justifiquem a inscrição da totalidade dos jogos do EURO na lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade do Reino Unido, ao passo que outros acontecimentos têm manifestamente um eco mais forte nesse Estado‑Membro sem contudo serem inscritos nesta lista. Assim, a Comissão não agiu de forma coerente nem racional, pelo que a violação do princípio da igualdade de tratamento que cometeu conduz a uma distorção do direito da concorrência e prejudica o funcionamento do mercado comum.

192    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta a procedência deste fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

193    Antes de mais, há que assinalar que o princípio da igualdade de tratamento proíbe, por um lado, que situações semelhantes sejam tratadas de maneira diferente e, por outro, que situações diferentes sejam tratadas de maneira igual, excepto se razões objectivas justificarem esse tratamento [acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 2005, Europe Chemi‑Con (Deutschland)/Conselho, C‑422/02 P, Colect., p. I‑791, n.° 33].

194    Em seguida, importa assinalar que o artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552 não obriga os Estados‑Membros a elaborar uma lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade, nem lhes impõe, no caso de essa lista ser elaborada, que nela inscrevam um acontecimento mesmo se este pudesse ser aí validamente inscrito. Com efeito, além do facto de esta disposição indicar que cada Estado‑Membro «poderá» tomar as medidas para realizar os objectivos que descreve, a mesma concretiza as possibilidades que os Estados‑Membros têm de derrogar determinadas regras do Tratado, como as que regulam a livre circulação de serviços. Ora, quanto à escolha entre diversos acontecimentos concretos de grande importância para a sociedade na acepção da Directiva 97/36, não pode ser directa ou indirectamente imposta aos Estados‑Membros a inscrição nas suas listas de acontecimentos para além dos que estes escolham nela incluir nem a derrogação das regras do Tratado numa medida mais ampla do que estes pretendam. Importa acrescentar, a este respeito, que o exame da Comissão no âmbito do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552 no que respeita ao carácter dos acontecimentos inscritos enquanto acontecimentos de grande importância para a sociedade é efectuado em relação às suas próprias características e não em relação às características de outros acontecimentos não inscritos.

195    Portanto, quando um acontecimento é de grande importância para a sociedade de um Estado‑Membro, a Comissão não viola o princípio da igualdade de tratamento ao não se opor, no âmbito do controlo que exerce por força do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552, à sua inscrição na lista elaborada pelo Estado‑Membro em questão pelo facto de outro acontecimento, de importância eventualmente ainda mais acentuada para esta sociedade, não constar dela.

196    Por conseguinte, supondo que existam outros acontecimentos, na acepção do considerando 21 da Directiva 97/36, de importância ainda mais marcante do que o EURO para a sociedade do Reino Unido, mas que não constem da lista estabelecida pelo Ministro, a Comissão, autora do acto cuja legalidade é examinada pelo Tribunal, não violou o princípio da igualdade de tratamento ao aceitar a inscrição do EURO nesta lista.

197    De resto, já foi declarado que o EURO pode validamente ser visto como um acontecimento único de grande importância para a sociedade do Reino Unido, uma vez que os elementos estatísticos relativos aos jogos de «não gala» desta competição e que não envolvem uma equipa nacional desse Estado‑Membro confirmam, em vez de invalidar, a apreciação expressa nos considerandos 6 e 18 da decisão impugnada (v. n.os 123 a 141 supra).

198    Por conseguinte, contrariamente às pretensões da UEFA, a Comissão não agiu de modo incoerente ou irracional no caso vertente e não violou o princípio da igualdade de tratamento.

199    Consequentemente, o oitavo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao pedido de medidas de organização do processo apresentado pela UEFA

200    As apreciações desenvolvidas no âmbito dos fundamentos invocados pela UEFA têm como consequência que não seja necessário adoptar as medidas de organização do processo solicitadas pela recorrente (v. n.° 19 supra).

201    A este respeito, há que observar que, como se declarou no âmbito do exame dos fundamentos invocados pela UEFA, todos os argumentos em apoio dos quais esta pretende invocar elementos potencialmente contidos em documentos cuja apresentação pede não são susceptíveis de afectar a legalidade da decisão impugnada.

202    Nestas condições, há que julgar improcedente o pedido de medidas de organização do processo e negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

203    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a UEFA sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

204    O Reino da Bélgica e o Reino Unido suportarão as suas próprias despesas, em conformidade com o disposto no artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Union des associations européennes de football (UEFA) suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efectuadas pela Comissão Europeia.

3)      O Reino da Bélgica e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportarão as suas próprias despesas.

Forwood

Truchot

Schwarcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Fevereiro de 2011.

Assinaturas

Índice


Quadro jurídico

Antecedentes do litígio e decisão impugnada

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao mérito

Quanto ao segundo fundamento, relativo à falta de fundamentação

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 89/552

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação das disposições do Tratado relativas à concorrência

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do direito de propriedade da UEFA

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao pedido de medidas de organização do processo apresentado pela UEFA

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.