Language of document : ECLI:EU:C:2012:778

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

6 de dezembro de 2012 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigos 81.° CE e 53.° do Acordo EEE — Mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica — Cartel que consiste em três acordos individuais — Infração única e continuada — Falta de prova do conhecimento, por um participante num acordo individual, dos outros acordos individuais — Anulação parcial ou integral da decisão da Comissão — Artigos 263.° TFUE e 264.° TFUE»

No processo C‑441/11 P,

que tem por objeto o recurso de uma decisão do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 25 de agosto de 2011,

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet, S. Noë e F. Ronkes Agerbeek, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Verhuizingen Coppens NV, com sede em Boutsersem (Bélgica), representada por J. Stuyck e I. Buelens, advocaten,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J.‑C. Bonichot, C. Toader, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 24 de maio de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Pelo presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de junho de 2011, Verhuizingen Coppens/Comissão (T‑210/08, Colet., p. II‑3713, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal Geral anulou o artigo 1.°, alínea i), e o artigo 2.°, alínea k), da Decisão C(2008) 926 final da Comissão, de 11 de março de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (processo COMP/38.543 — Serviços de mudanças internacionais) (a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio e decisão impugnada

2        Decorre dos n.os 3 a 7 do acórdão recorrido que, na decisão impugnada, a Comissão declarou que os seus destinatários, entre os quais figura a Verhuizingen Coppens NV (a seguir «Coppens»), participaram num cartel no setor dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, fixando os preços, repartindo clientes entre si e manipulando o processo de apresentação de propostas, pelo menos durante o período compreendido entre 1984 e 2003, ou foram considerados responsáveis por esse cartel, e cometeram, por esse motivo, uma infração única e continuada ao artigo 81.° CE.

3        Segundo os n.os 8 e 9 do acórdão recorrido, por um lado, os serviços afetados pela infração compreendem as mudanças, a partir ou com destino à Bélgica, de bens de pessoas singulares e de empresas ou de instituições públicas. Tendo em consideração o facto de que as sociedades de mudanças internacionais em causa estão todas situadas na Bélgica e que o cartel decorreu no território belga, o centro geográfico do cartel foi considerado como estando situado na Bélgica. Por outro lado, o volume de negócios conjunto dos participantes no cartel por esses serviços de mudanças internacionais foi estimado pela Comissão em 41 milhões de euros, durante o ano de 2002, tendo a quota de mercado conjunta das empresas implicadas sido fixada em cerca de 50% do setor em causa.

4        Segundo o n.° 10 do acórdão recorrido, a Comissão expôs, na decisão impugnada, que o cartel visava especialmente a fixação e a manutenção de preços elevados, bem como a repartição do mercado, e assumia várias formas, concretamente as de acordos relativos aos preços, acordos relativos à repartição do mercado através de um sistema de falsos orçamentos, designados «orçamentos de conveniência» (a seguir «acordo sobre os orçamentos de conveniência»), e acordos relativos ao sistema de compensações financeiras para propostas rejeitadas ou não apresentação de propostas, ditos «comissões» (a seguir «acordo sobre as comissões»).

5        Decorre do n.° 11 do acórdão recorrido que, na decisão impugnada, a Comissão considerou que, entre 1984 e o início dos anos 90, o cartel funcionou designadamente com base em acordos escritos de fixação de preços, tendo a prática das comissões e os orçamentos de conveniência sido introduzidos paralelamente. Segundo a mesma decisão, tal como foi exposta no referido acórdão, a prática das comissões devia ser considerada uma fixação indireta de preços para os serviços de mudanças internacionais na Bélgica, na medida em que os membros do cartel se faturavam mutuamente comissões pelas propostas rejeitadas ou pela não apresentação de propostas, descrevendo serviços fictícios, sendo o montante dessas comissões, no entanto, faturado aos clientes.

6        Quanto aos orçamentos de conveniência, decorre dos n.os 12 e 13 do acórdão recorrido que, na decisão impugnada, a Comissão salientou que, através da apresentação desses orçamentos, a sociedade de mudanças que pretendia adjudicar o contrato atuava de modo a que o cliente que pagava a mudança recebesse vários orçamentos. Para este efeito, esta sociedade indicava aos seus concorrentes o preço total por que deviam faturar a mudança pretendida, preço que era mais elevado do que o proposto pela referida sociedade. Tratava‑se assim de orçamentos fictícios apresentados por sociedades que não tinham a intenção de efetuar a mudança. A Comissão considerou que esta prática constituía uma manipulação do processo de apresentação de propostas, conduzindo a que o preço pedido para a mudança fosse mais elevado do que o preço num ambiente concorrencial.

7        Segundo o n.° 14 do acórdão recorrido, a Comissão assinalou, na decisão impugnada, que estas práticas foram aplicadas até 2003 e que essas atividades complexas tinham o mesmo objetivo, que era fixar os preços, repartir o mercado e falsear assim a concorrência.

8        Perante estes elementos, a Comissão adotou a decisão impugnada, cujo artigo 1.° tem a seguinte redação:

«As empresas a seguir indicadas infringiram o artigo 81.°, n.° 1, [CE] e o artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE, ao fixarem de modo direto e indireto os preços relativos aos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, ao repartirem entre si uma parte desse mercado e ao manipularem o processo de apresentação de propostas durante os períodos indicados:

[...]

i)      [Coppens], de 13 de outubro de 1992 a 29 de julho de 2003;

[...]»

9        Em consequência, no artigo 2.°, alínea k), da decisão impugnada, a Comissão aplicou uma coima de 104 000 euros à Coppens, calculada em conformidade com a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2).

 Tramitação no Tribunal Geral e acórdão recorrido

10      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de junho de 2008, a Coppens interpôs um recurso de anulação dos artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada na medida em que lhe dizem respeito e, a título subsidiário, pediu a redução da coima que lhe foi aplicada para um montante máximo de 10% do volume de negócios por ela realizado no mercado dos serviços de mudanças internacionais.

11      Em apoio do seu recurso, a Coppens apresentou dois fundamentos principais, relativos, respetivamente, à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), bem como um fundamento subsidiário, destinado à anulação ou à redução da coima que lhe foi aplicada.

12      O primeiro fundamento estava dividido em três partes. Em primeiro lugar, a Coppens contestou ter participado num cartel complexo, em segundo lugar, pôs em causa a duração da sua participação no cartel e, em terceiro lugar, alegou que a Comissão não tinha apreciado a importância relativa da sua participação. No âmbito da primeira parte do fundamento, a Coppens sublinhou, especialmente, que era acusada unicamente de ter elaborado orçamentos de conveniência e alegou, por outro lado, que a Comissão não tinha demonstrado que ela tinha conhecimento do acordo sobre as comissões. A Comissão não tinha, portanto, fundamento para concluir que esta sociedade tinha participado num cartel complexo. A Coppens sustentou, além disso, que o acordo sobre os orçamentos de conveniência não tinha um objetivo ou um efeito restritivo da concorrência.

13      A Comissão considerou que pouco importava se a concorrência era falseada pelos orçamentos de conveniência ou pelas comissões. Com efeito, segundo esta instituição, tratava‑se, em ambos os casos, de uma distorção da concorrência que originou geralmente um aumento dos preços para o cliente, pelo que diversas formas do cartel podiam ser consideradas uma violação única e continuada do artigo 81.° CE.

14      Através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deu provimento à primeira parte do primeiro fundamento suscitado pela Coppens. Nos n.os 28 a 32 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou o seguinte:

«28      No que diz respeito à primeira parte do fundamento, está apurado que a participação ativa da [Coppens] no cartel se cingia ao estabelecimento de [orçamentos de conveniência] (v. considerandos 173 e 296 da [decisão impugnada]). Com efeito, segundo as constatações da Comissão, a Coppens é a única empresa que não participou no acordo sobre as comissões.

29      Contudo, a [Coppens] contesta ter participado numa infração única e continuada. A este respeito, importa recordar que, de acordo com a jurisprudência, uma empresa que participou numa infração multiforme às regras da concorrência através de comportamentos que lhe são próprios, que integram os conceitos de acordo ou de prática concertada com um objetivo anticoncorrencial, na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, e que visam contribuir para a realização da infração, no seu conjunto, pode ser igualmente responsável, relativamente a todo o período em que participou na referida infração, pelos comportamentos postos em prática por outras empresas no âmbito da mesma infração, quando se prove que a empresa em questão tinha conhecimento dos comportamentos infratores dos outros participantes, ou que, razoavelmente, os podia prever e estava pronta a aceitar o risco (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colet., p. I‑4125, n.os 87 e 203). Assim, para que uma empresa possa ser considerada responsável por uma infração única e continuada, é necessário que tenha tido conhecimento (provado ou presumido) dos comportamentos infratores dos restantes participantes na infração.

30      Além disso, há que realçar que a simples identidade de objeto entre um acordo no qual participou uma empresa e um cartel global não basta para imputar a esta empresa a participação no cartel global. Efetivamente, apenas se a empresa, quando participou nesse acordo, teve ou deveria ter tido conhecimento de que, ao fazê‑lo, se integrava no cartel global é que a sua participação no acordo em questão pode constituir a expressão da sua adesão ao mesmo cartel global (acórdão do Tribunal Geral de 20 de março de 2002, Sigma Tecnologie/Comissão, T‑28/99, Colet., p. II‑1845, n.° 45).

31      Ora, há que constatar que a Comissão não demonstrou que a [Coppens], quando participou nos acordos sobre os [orçamentos de conveniência], tinha conhecimento das atividades anticoncorrenciais das outras empresas relativamente às comissões, ou que podia, razoavelmente, prevê‑las. Com efeito, a Comissão admite explicitamente que, no que diz respeito ao conhecimento, por parte da [Coppens], dos comportamentos infratores dos outros participantes, a [decisão impugnada] não assenta em elementos de prova específicos. A Comissão alega que a [Coppens] não nega que teve conhecimento do acordo sobre as comissões e não indicou em que medida estava informada sobre o comportamento dos outros participantes na infração. Porém, a [Coppens] não tem qualquer obrigação de tomar a iniciativa de indicar em que medida estava informada sobre o comportamento dos outros participantes na infração, uma vez que o ónus da prova recai sobre a Comissão. Esta deve fazer primeiro a prova de um facto para que a [Coppens] possa contestá‑lo. De resto, na audiência, a [Coppens] salientou, expressamente, a pedido do Tribunal Geral, que não tinha conhecimento [do acordo] sobre as comissões. Por conseguinte, a Comissão não satisfez o ónus da prova.

32      Nestas circunstâncias, a Comissão não podia considerar que a [Coppens] tinha participado numa infração única e continuada.»

15      Quanto às consequências que devem ser retiradas desta conclusão, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 33 a 35 do acórdão recorrido, que o facto de o dispositivo da decisão impugnada não mencionar o carácter único e continuado da infração não é importante, considerando, em particular que o dispositivo de um ato é indissociável da sua fundamentação e que os fundamentos da decisão impugnada indicam claramente que a Comissão considerou a Coppens responsável por ter participado nessa infração.

16      No n.° 36 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deduziu o seguinte:

«Por conseguinte, apesar de a participação no sistema dos [orçamentos de conveniência] poder, por si só, constituir uma infração ao artigo 81.° CE suscetível de ser punida com uma coima, importa, como pede a [Coppens], anular o artigo 1.°, alínea i), e o artigo 2.°, alínea k), da [decisão impugnada].»

17      Por conseguinte, no n.° 37 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que não devia examinar as outras partes do primeiro fundamento apresentado pela Coppens em apoio do seu recurso, nem os outros fundamentos por ela invocados e, portanto, anulou o artigo 1.°, alínea i), e o artigo 2.°, alínea k), da decisão impugnada.

 Pedidos das partes

18      Pelo presente recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

¾        anular o acórdão recorrido;

¾        negar provimento ao recurso de anulação ou, subsidiariamente, anular unicamente o artigo 1.°, alínea i), da decisão impugnada na medida em que considera a Coppens responsável pelo acordo sobre as comissões;

¾        fixar uma coima de um montante adequado;

¾        condenar a Coppens nas despesas do presente recurso e na parte das despesas do processo no Tribunal Geral que o Tribunal de Justiça considere adequada.

19      A Coppens pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

¾        negar provimento ao presente recurso;

¾        à título subsidiário, se o Tribunal de Justiça anular total ou parcialmente o acórdão recorrido, limitar o montante da coima que lhe foi aplicada pela Comissão a 10% do seu volume de negócios no mercado em causa;

¾        condenar a Comissão nas despesas do processo no Tribunal Geral e no presente recurso.

 Quanto ao presente recurso

20      Em apoio do presente recurso, a Comissão invoca a violação, pelo Tribunal Geral, tanto dos artigos 263.° TFUE e 264.° TFUE como do princípio da proporcionalidade.

 Argumentos das partes

21      A Comissão, através do seu fundamento, sustenta, no essencial, que foi sem razão que o Tribunal Geral, tendo em conta a fundamentação que elaborou no n.° 36 do acórdão recorrido, não anulou apenas parcialmente a decisão impugnada no que diz respeito à Coppens. Com efeito, no processo, só não foi provado que esta sociedade tinha ou devia ter conhecimento do acordo sobre as comissões. Ora, segundo a jurisprudência constante, a anulação parcial de uma decisão é possível desde que os elementos cuja anulação é pedida sejam destacáveis do resto da decisão, o que ocorreu no caso em apreço. É desproporcionado que o Tribunal Geral anule uma decisão na sua totalidade, quando só uma parte da infração não pôde ser provada.

22      A Comissão recorda que a decisão impugnada considerou a Coppens responsável por uma infração única e continuada que era constituída, durante o período em causa, por dois elementos distintos, concretamente o acordo sobre as comissões e o acordo sobre os orçamentos de conveniência. Portanto, o Tribunal Geral só tinha fundamento para anular a decisão na sua totalidade, no que diz respeito a esta sociedade, se pudesse comprovar que, além da não demonstração do facto de que esta última tinha conhecimento das atividades anticoncorrenciais das outras empresas relativamente às comissões ou que podia razoavelmente prevê‑las, a Comissão também não tinha demonstrado que a Coppens tinha participado no acordo sobre os orçamentos de conveniência. Ora, a demonstração dessa participação e o facto de ela constituir em si mesma uma infração ao artigo 81.° CE não levantam dúvida alguma, como o Tribunal Geral, aliás, reconheceu.

23      O acórdão recorrido é, assim, contrário à jurisprudência segundo a qual o Tribunal Geral não pode anular uma decisão na sua totalidade, quando é evidente que o fundamento que considera procedente só é suscetível de justificar uma anulação parcial, dado que essa jurisprudência é a expressão do princípio da proporcionalidade.

24      Além disso, a anulação integral das decisões relativas a cartéis pelo facto de uma parte da infração não ter sido provada é incompatível com a boa administração da justiça e a aplicação efetiva das regras de concorrência, na medida em que obriga a uma repetição dos processos, salvo se se aceitar que a parte da infração que foi provada fique impune. Por outro lado, não é seguro que a reiteração desses processos seja compatível com o princípio non bis in idem.

25      Por último, a Comissão sustenta que o Tribunal de Justiça está em condições de decidir definitivamente o litígio. Os factos pertinentes estão apurados, não tendo a Coppens contestado no Tribunal Geral a suas 67 participações na aplicação do acordo sobre os orçamentos de conveniência, tais como verificadas e documentadas na decisão impugnada. A este respeito, a Comissão acrescenta que esse acordo tinha simultaneamente um objetivo e efeitos anticoncorrenciais e reconhece, por um lado, que, durante os anos de 1994 e 1995, não havia nenhuma prova da participação da Coppens na aplicação do referido acordo e, por outro, que a coima podia ser reduzida se a Coppens fosse considerada responsável unicamente por este último acordo.

26      A título principal, a Coppens sustenta que deve ser negado provimento ao presente recurso. Em primeiro lugar, não existem elementos destacáveis da decisão impugnada, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Uma vez que a Comissão declarou, nessa decisão, a existência de um cartel complexo, que constitui uma infração única e continuada ao artigo 81.° CE, o Tribunal Geral teve necessariamente de se pronunciar sobre a participação da Coppens nesse cartel. Assim, declarou que o simples facto de o acordo em que uma empresa participou ter o mesmo objetivo que um cartel global não é suficiente para imputar a essa empresa a participação no cartel global. Não se trata de uma «parte de uma infração».

27      Em segundo lugar, a referida jurisprudência só permite anular parcialmente uma decisão se essa anulação parcial não modificar a essência da decisão em causa. Ora, no caso em apreço, foi a qualificação da infração imputada à Coppens, e portanto a própria essência da decisão impugnada que lhe diz diretamente respeito, que esteve em causa no Tribunal Geral. A anulação integral dessa decisão no que diz respeito à Coppens é a consequência da não demonstração da implicação desta sociedade em todos os elementos essenciais que permitem declarar que existia uma infração única e continuada.

28      De qualquer forma, o Tribunal Geral não se poderia limitar a anular parcialmente a decisão impugnada. Uma simples alteração do montante da coima conferiria à Coppens uma proteção jurídica insuficiente. Com efeito, nesse caso, a sua condenação manter‑se‑ia fundamentada em todos os elementos da infração, quando só um desses elementos foi reputado ter sido efetivamente provado contra a Coppens.

29      Em terceiro lugar, por um lado, a anulação integral proferida no acórdão recorrido não está em contradição com a jurisprudência que decorre do acórdão de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret (C‑295/07 P, Colet., p. I‑9363). O fundamento procedente nesse processo foi dirigido contra o denominador comum da decisão impugnada, concretamente, a acusação relativa ao cartel complexo. Assim, a anulação integral dessa decisão não excede o fundamento suscitado. Por outro lado, o argumento baseado na boa administração da justiça e na aplicação eficaz das regras de concorrência não pode proceder. Nos termos do princípio da legalidade, só é possível condenar uma empresa se for provado que cometeu a infração imputada. Ora, dado que a infração declarada na referida decisão é um cartel complexo, quer dizer, uma infração constituída de vários elementos, dos quais cada um deles é essencial para a declaração da infração, o Tribunal Geral julgou justificadamente que a Comissão não tinha demonstrado suficientemente que a Coppens tinha participado nos diferentes elementos essenciais dessa infração, de modo que não pode ser declarada a participação dessa empresa no referido cartel complexo.

30      A título subsidiário, a Coppens pede ao Tribunal de Justiça que anule a coima ou, pelo menos, a reduza para um montante que não exceda 10% do seu volume de negócios no mercado das mudanças internacionais na Bélgica. A título ainda mais subsidiário, no caso de o Tribunal de Justiça anular o acórdão recorrido e não anular a decisão impugnada no que lhe diz respeito, a Coppens pede ao Tribunal de Justiça que reduza o montante da coima que lhe foi aplicada, utilizando a sua competência de plena jurisdição. Em apoio destes pedidos, a Coppens invoca dois fundamentos.

31      Por um lado, a Coppens alega que o montante de base da coima foi determinado de forma errada, não tendo a Comissão feito a distinção entre os participantes no cartel, quando era obrigada a ter em consideração as suas atuações respetivas nesse cartel. Assim, a sociedade cometeu uma infração de uma gravidade menor do que a considerada contra ela pela Comissão, tendo especialmente em conta a sua atuação e a sua participação limitadas no cartel em causa, a sua quota de mercado, que se eleva apenas a 0,04% do mercado em causa, e o seu volume de negócios global claramente muito inferior ao dos outros participantes na infração. Por conseguinte, a Comissão não poderia considerar, no que diz respeito à referida sociedade, como ponto de partida para o cálculo da coima, uma percentagem de 17% do volume das vendas, como para o conjunto desses outros participantes. Além disso, a Coppens demonstrou que a duração da infração que lhe pode ser imputada foi de 7 anos, no máximo, e não 10 anos e 9 meses. Além disso, o montante de base da coima deveria ter sido reduzido nos termos dos pontos 27 a 35 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003. A este respeito, a Coppens sustenta, em particular, que forneceu elementos de prova que atestam a sua incapacidade para pagar e o risco real de insolvência.

32      Por outro lado, a Coppens alega que a coima foi fixada em violação manifesta do princípio da proporcionalidade, na medida em que esta se eleva a 10% do seu volume de negócios total e representa cerca de 200% do valor das vendas tomadas em consideração. A Comissão deveria, em conformidade com a jurisprudência, ter em consideração o facto de o seu volume de negócios realizado a título da atividade abrangida pelo cartel só representar cerca de 3,2% do seu volume de negócios total.

33      Por último, a Coppens pede ao Tribunal de Justiça que condene a Comissão nas despesas, aplicando o artigo 69.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

34      É pacífico que o Tribunal Geral, depois de ter declarado, no n.° 36 do acórdão recorrido, que a participação da Coppens no acordo sobre os orçamentos de conveniência podia ser em si mesma uma infração ao artigo 81.° CE, suscetível de ser punida com uma coima, considerou, no entanto, que havia que anular o artigo 1.°, alínea i), e o artigo 2.°, alínea k), da decisão impugnada. Através do seu fundamento, a Comissão contesta a anulação, pelo Tribunal Geral, da totalidade da decisão no que diz respeito à Coppens.

35      Deve recordar‑se que decorre dos artigos 254.°, sexto parágrafo, TFUE e 264.°, primeiro parágrafo, TFUE que, se um recurso interposto nos termos do artigo 263.° TFUE tiver fundamento, o Tribunal Geral anulará o ato impugnado.

36      Como salientou a advogada‑geral no n.° 25 das suas conclusões, o artigo 264.°, primeiro parágrafo, TFUE deve todavia ser interpretado no sentido de que o ato que é objeto de um recurso de anulação só deve ser declarado nulo na medida em que o recurso tiver fundamento.

37      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o mero facto de o Tribunal Geral considerar que um fundamento invocado pelo recorrente para sustentar o seu recurso de anulação é procedente não lhe permite anular automaticamente o ato impugnado na sua totalidade. Com efeito, não se pode proferir uma anulação total, quando se revele de forma evidente que o referido fundamento, que visa unicamente um aspeto específico do ato impugnado, só é suscetível de fundamentar uma anulação parcial (acórdão Comissão/Département du Loiret, já referido, n.° 104).

38      Todavia, a anulação parcial de um ato do direito da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis da parte restante do ato. Esta exigência não é satisfeita quando a anulação parcial de um ato tenha por efeito modificar a substância deste, o que deve ser apreciado com fundamento num critério objetivo e não num critério subjetivo ligado à vontade política da autoridade que adotou o ato em causa (v., neste sentido, acórdão de 24 de maio de 2005, França/Parlamento e Conselho, C‑244/03, Colet., p. I‑4021, n.os 12 a 14, e acórdão Comissão/Département du Loiret, já referido, n.os 105 e 106).

39      Daqui resulta que, no caso em apreço, o Tribunal Geral só poderia, ao abrigo do artigo 264.°, primeiro parágrafo, TFUE, ter anulado integralmente a decisão impugnada, no que diz respeito à Coppens, se a anulação parcial alterasse a sua substância, o que há que verificar.

40      A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que o artigo 1.° da decisão impugnada dispõe que a Coppens e outras empresas infringiram o artigo 81.°, n.° 1, CE e o artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE, ao fixarem de modo direto e indireto os preços para os serviços de mudanças internacionais na Bélgica, ao repartirem entre si uma parte desse mercado e ao manipularem o processo de apresentação de propostas, durante o período compreendido entre 13 de outubro de 1992 e 29 de julho de 2003. No entanto, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral, por um lado, no n.° 35, declarou que a Comissão considerou a Coppens responsável por ter participado numa infração única e continuada e, por outro lado, nos n.os 28 e 36 do mesmo acórdão, não excluiu que o acordo sobre os orçamentos de conveniência, no qual a Coppens não contestou ter participado, possa, em si mesmo, ser contrário ao artigo 81.° CE.

41      Segundo jurisprudência constante, a violação do artigo 81.°, n.° 1, CE pode resultar não apenas de um ato isolado mas igualmente de uma série de atos, ou mesmo de um comportamento continuado, quando efetivamente um ou diversos elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também possam constituir, por si sós e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Assim, quando as diferentes ações se inscrevem num «plano de conjunto», em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo (acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, n.° 81, e acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 258).

42      Uma empresa que participou numa infração única e complexa, através de comportamentos que lhe são próprios, que integram as noções de acordo ou de prática concertada que têm um objetivo anticoncorrencial no sentido do artigo 81.°, n.° 1, CE e que visam contribuir para a realização da infração no seu conjunto, também pode ser responsável pelos comportamentos postos em prática por outras empresas, no quadro da mesma infracção, durante todo o período em que participou na referida infração. É o que ocorre quando se prova que a empresa em questão pretendeu contribuir, com o seu próprio comportamento, para os objetivos comuns prosseguidos pelo conjunto dos participantes e tinha conhecimento dos comportamentos infratores perspetivados ou aplicados por outras empresas na prossecução dos mesmos objetivos, ou podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco (acórdãos, já referidos, Comissão/Anic Partecipazioni, n.os 87 e 203, e Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 83).

43      Assim, uma empresa pode ter participado diretamente em todos os comportamentos anticoncorrenciais que compõem a infração única e continuada, caso em que a Comissão tem o direito de lhe imputar a responsabilidade de todos esses comportamentos e, portanto, da referida infração no seu todo. A empresa pode igualmente só ter participado numa parte dos comportamentos anticoncorrenciais que compõem a infração única e continuada, mas ter tido conhecimento de todos os outros comportamentos infratores perspetivados ou aplicados por outros participantes no cartel na prossecução dos mesmos objetivos, ou ter podido razoavelmente prevê‑los e ter estado pronta a aceitar o risco. Nesse caso, a Comissão tem também o direito de lhe imputar a responsabilidade de todos os comportamentos anticoncorrenciais que compõem essa infração e, por consequência, de toda a infração.

44      Em contrapartida, se uma empresa participou diretamente num ou em vários comportamentos anticoncorrenciais que compõem uma infração única e continuada, mas não foi provado que, com o seu próprio comportamento, pretendia contribuir para todos os objetivos comuns prosseguidos pelos outros participantes no cartel e tinha conhecimento de todos os outros comportamentos infratores perspetivados ou aplicados pelos referidos participantes na prossecução dos mesmos objetivos, ou podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco, a Comissão só tem o direito de lhe imputar a responsabilidade dos comportamentos em que participou diretamente e dos comportamentos perspetivados ou aplicados por outros participantes na prossecução dos mesmos objetivos que ela prosseguia, de que está provado que tinha conhecimento ou podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco.

45      No entanto, isso não pode ter como consequência exonerar essa empresa da sua responsabilidade pelos comportamentos em que está provado que participou ou em relação aos quais está provado que pode efetivamente ser considerada responsável. Com efeito, o facto de uma empresa não ter participado em todos os elementos constitutivos de um acordo ou ter desempenhado um papel secundário nas partes em que participou não é relevante para efeitos da determinação da existência de uma infração que lhe é imputável, dado que esses elementos apenas devem ser tomados em consideração aquando da apreciação da gravidade da infração e, eventualmente, da determinação da coima (acórdãos, já referidos, Comissão/Anic Partecipazioni, n.° 90, e Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 86).

46      No entanto, só se pode dividir assim uma decisão da Comissão que qualifica um cartel global de infração única e continuada se, por um lado, a referida empresa tiver podido, durante o procedimento administrativo, compreender que lhe era também imputado cada um dos comportamentos que compõem a infração, e, portanto, defender‑se quanto a esse aspeto, e se, por outro, a referida decisão for suficientemente clara a esse respeito.

47      Conclui‑se que, quando os requisitos enunciados no número anterior do presente acórdão estiverem preenchidos, se o juiz da União declarar que a Comissão não provou totalmente que uma empresa, ao participar num dos comportamentos anticoncorrenciais que compõem uma infração única e continuada, tinha conhecimento dos outros comportamentos anticoncorrenciais adotados pelos outros participantes no acordo na prossecução dos mesmos objetivos, ou podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco, deve daí tirar como única consequência que não se pode imputar a essa empresa a responsabilidade desses outros comportamentos e, portanto, da infração única e continuada, no seu conjunto, e que a decisão impugnada deve ser considerada não fundamentada exclusivamente nessa medida.

48      No caso em apreço, decorre dos n.os 10 a 12 do acórdão recorrido que, na decisão impugnada, a Comissão afirmou que o cartel em causa tinha três formas, a saber, um acordo sobre os preços, um acordo sobre os orçamentos de conveniência e um acordo sobre as comissões, e que entendeu que o acordo sobre as comissões devia ser considerado uma fixação indireta dos preços para os serviços de mudanças internacionais na Bélgica, enquanto o acordo sobre os orçamentos de conveniência constituía uma manipulação do processo de apresentação de propostas, de modo que os preços indicados em todas as propostas eram deliberadamente mais elevados do que seriam num ambiente concorrencial. Além disso, o Tribunal Geral salientou, no n.° 28 do acórdão recorrido, que, segundo a decisão impugnada, a participação ativa da Coppens no acordo se limitava ao acordo sobre os orçamentos de conveniência e que a Coppens não tinha participado no acordo sobre as comissões.

49      Também decorre dos autos do processo no Tribunal Geral e do n.° 25 do acórdão recorrido que a Coppens pôde compreender que lhe era imputada a responsabilidade da infração única e continuada em causa e também a sua participação no acordo sobre os orçamentos de conveniência enquanto tal, tendo, portanto, a possibilidade de se defender quanto a esse aspeto, e, por outro, que a decisão impugnada é suficientemente clara a este respeito.

50      Além disso, uma vez que a declaração, pelo juiz da União, relativa ao facto de a Comissão não ter provado totalmente que uma empresa, quando da sua participação num dos comportamentos anticoncorrenciais que compõem uma infração única e continuada, tinha conhecimento dos outros comportamentos anticoncorrenciais adotados pelos outros participantes no cartel na prossecução dos mesmos objetivos, ou podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco, não pode, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 45 do presente acórdão, conduzir a isentar essa empresa da sua responsabilidade pela parte dos comportamentos em que está provado que participou ou de que está provado que ela pode ser considerada responsável, o juiz da União deve limitar‑se a anular parcialmente a decisão impugnada.

51      Com efeito, dado que o próprio objetivo de uma decisão da Comissão que declara a participação de uma empresa num cartel em violação do artigo 81.° CE é declarar um ou vários comportamentos constitutivos dessa violação, essa anulação parcial não altera a substância desse ato.

52      Nestas circunstâncias, ao anular totalmente a decisão impugnada, apesar de não ter posto em causa a participação da Coppens no acordo sobre os orçamentos de conveniência e o seu caráter anticoncorrencial, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no seu acórdão.

53      Por último, na medida em que decorre das considerações precedentes que, nas circunstâncias do caso em apreço, o Tribunal Geral tinha fundamento, eventualmente, para anular apenas a parte da decisão impugnada no que diz respeito à Coppens, esta sociedade não pode sustentar utilmente, a fim de justificar a anulação total proferida pelo Tribunal Geral, que uma simples redução do montante da coima que lhe foi aplicada ter‑lhe‑ia conferido uma proteção jurídica insuficiente.

54      Decorre de todo o exposto que, ao anular a decisão impugnada na sua totalidade, no que diz respeito à Coppens, quando a participação desta no acordo sobre os orçamentos de conveniência e o facto de esse acordo poder em si mesmo constituir uma violação do artigo 81.° CE não foram postos em causa pelo Tribunal Geral, este violou o artigo 264.°, primeiro parágrafo, TFUE. Sendo o fundamento invocado pela Comissão procedente, há que dar provimento ao presente recurso e anular o acórdão recorrido.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

55      Em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. O Tribunal de Justiça considera que é o que acontece no presente caso.

56      Como decorre dos n.os 11 e 12 do presente acórdão, a Coppens, no Tribunal Geral, suscitou dois fundamentos principais, relativos, respetivamente, à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, bem como um fundamento subsidiário, destinado à anulação ou à redução da coima que lhe foi aplicada. O primeiro fundamento está dividido em três partes, nas quais a Coppens contesta ter participado num cartel complexo, põe em causa a duração da sua participação no cartel e alega que a Comissão não apreciou a importância relativa dessa participação.

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

57      A Coppens alega, em substância, que a Comissão concluiu erradamente que ela tinha participado numa infração única e continuada. A Comissão não provou que essa sociedade tinha conhecimento do acordo sobre as comissões. Além disso, a mesma sociedade sustenta que o acordo sobre os orçamentos de conveniência não tinha um objetivo ou um efeito restritivo da concorrência e que, em todo o caso, por um lado, só tinha afetado o mercado de uma forma insignificante e, por outro, ela só tinha participado no cartel de maneira muito limitada.

58      A Comissão sustenta que estes argumentos não têm fundamento.

59      Em primeiro lugar, há que salientar que a Coppens contesta, no essencial, a possibilidade de a Comissão lhe imputar a responsabilidade de uma infração única e continuada, na medida em que a sua participação num dos dois acordos que a compõem no caso em apreço não está provada em conformidade com as exigências da jurisprudência.

60      A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência citada no n.° 42 do presente acórdão, para demonstrar a participação de uma empresa numa infração única, a Comissão tem de provar que essa empresa tinha a intenção de contribuir, com o seu próprio comportamento, para os objetivos comuns prosseguidos pelo conjunto dos participantes e tinha conhecimento dos comportamentos infratores perspetivados ou aplicados por outras empresas na prossecução dos mesmos objetivos, ou podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco.

61      No caso em apreço, está apurado que a infração única e continuada de que a Coppens foi considerada responsável pela Comissão, durante o período em que foi imputado à Coppens ter participado no cartel em causa, era constituída por dois acordos. Trata‑se, por um lado, do acordo sobre os orçamentos de conveniência, cuja aplicação está descrita nos considerandos 229 a 278 da decisão impugnada e cujo carácter restritivo da concorrência é exposto, em especial, nos considerandos 358 a 364 da decisão impugnada. Trata‑se, por outro lado, do acordo sobre as comissões, cuja aplicação está descrita nos considerandos 161 a 228 da mesma decisão e cujo carácter restritivo da concorrência é exposto, em especial, nos considerandos 351 a 357 da referida decisão.

62      Quanto ao acordo sobre os orçamentos de conveniência, há que recordar que a Coppens não contesta ter participado nele. Além disso, contrariamente ao que esta última pretende, não pode ser admitido que este acordo não tinha objetivos nem efeitos anticoncorrenciais. Com efeito, as empresas que elaboram esses orçamentos renunciam a concorrer com a empresa de mudanças que os solicita. Do mesmo modo, esta última, ao solicitar estes orçamentos aos seus concorrentes, sabe que a sua proposta não entrará em concorrência com propostas mais competitivas. A empresa que faz a mudança tem, assim, a possibilidade de pedir um preço mais alto do que num ambiente concorrencial, e isto em detrimento dos consumidores.

63      Além disso, na medida em que, segundo o considerando 89 da decisão impugnada, a quota de mercado conjunta das empresas implicadas no acordo era de cerca de 50% do mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, o que a Coppens não contesta, também não se pode admitir que os efeitos desse acordo só afetaram o mercado em causa de uma maneira insignificante e, deste modo, não podiam ser abrangidos pela proibição prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 9 de julho de 1969, Völk, 5/69, Colet.,1969‑1970, p. 95, n.° 7, e de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, Colet., p. I‑11125, n.° 50 e jurisprudência referida).

64      Quanto à alegada participação limitada da Coppens no referido acordo, basta recordar que, nos próprios termos do artigo 81.°, n.° 1, CE, a aplicação da proibição prevista nesta disposição exige apenas saber se o acordo em que uma empresa participou com outras empresas tinha por objetivo ou por efeito restringir a concorrência e se podia afetar o comércio entre Estados‑Membros. Por conseguinte, a questão de saber se a participação individual de uma empresa nesse acordo podia, por si só, tendo em conta a sua fraca posição no mercado em causa, restringir a concorrência ou afetar o comércio entre Estados‑Membros é desprovida de pertinência quando se trata de estabelecer a existência de uma infração.

65      Resulta das considerações precedentes que a Comissão tinha fundamento para considerar a Coppens responsável por ter participado no acordo sobre os orçamentos de conveniência, em violação do artigo 81.° CE.

66      Quanto ao acordo sobre as comissões, em contrapartida, há que salientar que, no considerando 296 da decisão impugnada, a Comissão declarou que a Coppens não tinha acordado comissões com as outras empresas implicadas no cartel em causa. Portanto, a Comissão só tinha fundamento para considerar a Coppens responsável pelo acordo sobre comissões se tivesse provado que esta sociedade pretendia contribuir, com a sua participação no acordo sobre os orçamentos de conveniência, para os objetivos comuns prosseguidos por todos os outros participantes no cartel e tinha conhecimento do acordo sobre as comissões por eles aplicados ou podia razoavelmente prevê‑lo e estava pronta a aceitar o risco. Ora, é necessário dizer que, nos seus articulados, a Comissão pretende poder presumir esse conhecimento por parte da Coppens, ao considerar, designadamente, que esta não nega ter sido informada do acordo sobre as comissões. Além disso, esta instituição admite expressamente que a referida decisão não assenta em elementos de prova específicos acerca deste aspeto.

67      Conclui‑se que a Comissão não cumpriu as exigências do ónus da prova na matéria e, portanto, não demonstrou que, quando da sua participação no acordo sobre os orçamentos de conveniência, a Coppens tinha conhecimento do acordo sobre as comissões aplicado pelas outras empresas participantes no cartel ou podia razoavelmente prevê‑lo. Nestas circunstâncias, a Comissão não podia legalmente considerar a Coppens responsável por este último acordo e imputar‑lhe a responsabilidade de todos os comportamentos que compõem a infração única e continuada. Nessa medida, a primeira parte do primeiro fundamento suscitado pela Coppens em apoio do seu recurso é procedente.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

68      A Coppens alega, a este respeito, que não há prova da sua participação na infração durante 1994 e 1995. Assim, a Comissão declarou erradamente, no considerando 547 e no artigo 1.°, alínea i), da decisão impugnada, que esta sociedade tinha participado na infração em causa, durante 10 anos e 9 meses.

69      A Comissão admite que, relativamente a esses dois anos, não existe prova da participação da Coppens na aplicação do acordo sobre os orçamentos de conveniência. Todavia, considera que isso não tem importância para a duração da participação da Coppens nesse acordo, dado que a inexistência de prova da aplicação de um acordo por uma empresa, num dado período, não permite concluir pela inexistência de infracção, por parte dessa empresa, durante o período em causa.

70      A este propósito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que, na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras de concorrência (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.° 57, e acórdão de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colet., p. I‑8725, n.° 94).

71      Esses indícios e coincidências, quando são avaliados na globalidade, permitem revelar não apenas a existência de comportamentos ou de acordos anticoncorrenciais mas também a duração de um comportamento anticoncorrencial continuado e o período de aplicação de um acordo concluído em violação das regras de concorrência (v., neste sentido, acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, já referido, n.os 95 e 96).

72      Quanto a não haver prova da existência de um acordo durante certos períodos ou, pelo menos, quanto à sua aplicação por uma empresa durante um dado período, há que recordar que o facto de essa prova não ter sido produzida relativamente a determinados períodos não obsta a que a infração seja considerada praticada durante um período global mais extenso do que estes, desde que tal conclusão assente em indícios objetivos e concordantes. No âmbito de uma infração que se estende por vários anos, o facto de as manifestações do cartel ocorrerem em períodos diferentes, podendo ser separados por lapsos de tempo mais ou menos longos, não tem incidência na existência desse acordo, desde que as diferentes ações que fazem parte dessa infração prossigam uma única finalidade e se inscrevam no âmbito de uma infração de carácter único e continuado (v., neste sentido, acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, já referido, n.os 97 e 98).

73      Decorre também da jurisprudência que a aprovação tácita de uma iniciativa ilícita, sem se distanciar publicamente do seu conteúdo ou sem a denunciar às entidades administrativas, tem por efeito incentivar a continuidade da infração e compromete a sua descoberta. Esta cumplicidade constitui um modo passivo de participação na infração, pelo que é suscetível de envolver a responsabilidade da empresa em causa (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.° 84).

74      Por outro lado, uma empresa não se pode isentar da sua responsabilidade invocando o facto de não ter participado em todos os elementos constitutivos de um cartel ou de que a sua participação foi limitada, não sendo estas circunstâncias suscetíveis de pôr em causa a sua responsabilidade pela infração. Com efeito, só há que tomar em consideração estas circunstâncias aquando da apreciação da gravidade da infração e, eventualmente, da fixação do montante da coima (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido, n.° 86).

75      Assim, no caso em apreço, embora a própria Comissão admita não ter feito prova da participação ativa da Coppens no acordo sobre os orçamentos de conveniência, durante 1994 e 1995, a verdade é que, ao ter em conta, por um lado, a inexistência de elementos que indiquem que a Coppens, durante esse período, não se teria distanciado publicamente do conteúdo desse acordo, designadamente informando por escrito os seus concorrentes da sua vontade de não participar mais, e, por outro, as numerosas provas da participação ativa da Coppens no referido acordo, após esse período, resumidas designadamente no considerando 280 da decisão impugnada e não contestadas pela Coppens, a Comissão tinha fundamento para considerar que essa sociedade podia ser tida por responsável por ter participado no referido acordo, ininterruptamente, durante todo o período compreendido entre 13 de outubro de 1992 e 29 de julho de 2003.

76      Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento invocado pela Coppens em apoio do seu recurso não é procedente.

 Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

77      Quanto à alegada não apreciação, por parte da Comissão, da importância relativa da participação da Coppens no acordo sobre os orçamentos de conveniência, basta declarar que, como salientou a advogada‑geral no n.° 55 das conclusões, embora este argumento possa ser pertinente para efeitos da apreciação do montante da coima aplicada a essa sociedade, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 74 do presente acórdão, essa argumentação não é importante, devendo, portanto, ser rejeitada como inoperante, na medida em que visa, como no caso em apreço, contestar a existência de uma infração ao artigo 81.° CE.

78      Decorre das considerações precedentes que, sendo a primeira parte do primeiro fundamento parcialmente procedente, por a Comissão não ter provado, além do acordo sobre os orçamentos de conveniência, a responsabilidade da Coppens na infração única e continuada, há que, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos suscitados pela Coppens, anular o artigo 1.°, alínea i), da decisão impugnada, na medida em que, através desta disposição, a Comissão, sem se limitar a declarar a participação da Coppens no acordo sobre os orçamentos de conveniência, de 13 de outubro de 1992 a 29 de julho de 2003, considera esta sociedade responsável pelo acordo sobre as comissões e imputa‑lhe a responsabilidade da infração única e continuada.

 Quanto à coima

79      Por último, importa recordar, antes de mais, que, em virtude da anulação parcial do acórdão recorrido e por força do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal de Justiça dispõe de competência de plena jurisdição nos termos do artigo 261.° TFUE (v., por analogia, acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, n.° 218).

80      Em segundo lugar, embora caiba ao Tribunal de Justiça, no âmbito da sua competência de plena jurisdição na matéria, apreciar ele próprio as circunstâncias do caso em apreço e o tipo de infração em causa, a fim de determinar o montante da coima (acórdão de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 111), o exercício de uma competência de plena jurisdição não pode implicar, no momento da fixação do montante das coimas, uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrários ao artigo 81.°, n.° 1, CE. Por conseguinte, as diretrizes que podem ser retiradas das orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 são, regra geral, suscetíveis de orientar os órgãos jurisdicionais da União, quando exercem a referida competência, uma vez que essas orientações foram aplicadas pela Comissão, para efeitos do cálculo das coimas aplicadas às outras empresas punidas pela decisão que os referidos órgãos jurisdicionais devem apreciar (v., neste sentido, acórdãos de 16 de novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colet., p. I‑9991, n.os 97 e 98, e de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 337).

81      Em terceiro lugar, o artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe que, para determinar o montante da coima, se deve tomar em consideração a gravidade e a duração da infração. Além disso, decorre do n.° 2 deste mesmo artigo que a coima aplicada a cada uma das empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total, realizado durante o exercício precedente.

82      Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera, vistas todas as circunstâncias do caso em apreço, e designadamente o facto de o volume de negócios realizado pela Coppens em 2002 no mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica se elevar a 58 338 euros; de o acordo sobre os orçamentos de conveniência no qual a Coppens participou, embora seja suscetível de falsear seriamente a concorrência e aumentar os preços dos serviços em causa, em detrimento dos consumidores, e possa ser qualificado de acordo horizontal de fixação de preços e de repartição de mercado e figurar assim, pela sua própria natureza, entre as restrições de concorrência mais graves, não poder ser considerado inserido no plano de conjunto prosseguido, segundo a decisão impugnada, pelos outros participantes no cartel em causa; de 67 casos documentados de participação da Coppens no referido acordo terem sido provados pela Comissão e não serem contestados; de a Coppens, embora a sua participação no acordo em causa possa ser qualificada de limitada em 1994 e 1995, poder ser considerada como tendo participado no referido acordo durante um período de 10 anos e 9 meses; e, finalmente, de o volume de negócios total realizado pela Coppens em 2006 ser de 1 046 318 euros, há que fixar em 35 000 euros o montante da coima aplicada à Coppens no artigo 2.°, alínea k), da decisão impugnada.

 Quanto às despesas

83      Nos termos do artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

84      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, deste mesmo regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.°, n.° 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O artigo 138.°, n.° 3, do referido regulamento precisa que se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. Todavia, nos termos da mesma disposição, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal de Justiça pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

85      No caso em apreço, a Coppens foi vencida parcialmente no presente recurso e a Comissão foi vencida parcialmente no recurso em primeira instância. Todavia, o Tribunal de Justiça considera que, tendo em conta as circunstâncias do caso, há que condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas nas duas instâncias, dois terços das despesas da Coppens nas mesmas instâncias. A Coppens suportará um terço das suas próprias despesas nas duas instâncias.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de junho de 2011, Verhuizingen Coppens/Comissão (T‑210/08).

2)      O artigo 1.°, alínea i), da Decisão C(2008) 926 final da Comissão, de 11 de março de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (processo COMP/38.543 — Serviços de mudanças internacionais), é anulado na medida em que, através dessa disposição, a Comissão, sem se limitar a declarar a participação da Verhuizingen Coppens NV no acordo sobre os orçamentos de conveniência de 13 de outubro de 1992 a 29 de julho de 2003, considerou esta sociedade responsável pelo acordo sobre as comissões e imputou‑lhe a responsabilidade da infração única e continuada.

3)      O montante da coima aplicada à Verhuizingen Coppens NV no artigo 2.°, alínea k), de referida Decisão C(2008) 926 final é fixado em 35 000 euros.

4)      A Comissão é condenada a suportar, além das suas próprias despesas no processo em primeira instância e no presente recurso, dois terços das despesas efetuadas pela Coppens nas duas instâncias.

5)      A Coppens suportará um terço das suas próprias despesas no processo em primeira instância e no presente recurso.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.