Language of document : ECLI:EU:C:2002:734

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

10 de Dezembro de 2002 (1)

«Acordos internacionais - Convenção sobre Segurança Nuclear - Decisão de adesão - Compatibilidade com o Tratado CEEA - Competência externa da Comunidade - Artigos 30.° a 39.° do Tratado CEEA»

No processo C-29/99,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por T. F. Cusack e L. Ström, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por S. Marquardt, F. Anton e A. P. Feeney, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido,

que tem por objecto a anulação parcial da Decisão do Conselho, de 7 de Dezembro de 1998, que aprova a adesão da Comunidade Europeia da Energia Atómica à Convenção sobre Segurança Nuclear,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet, R. Schintgen e C. W. A. Timmermans, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, A. La Pergola, P. Jann, V. Skouris, F. Macken, N. Colneric (relatora), S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: D. Louterman-Hubeau, chefe de divisão,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 5 de Junho de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Dezembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de Fevereiro de 1999, a Comissão das Comunidades Europeias pediu, ao abrigo do artigo 146.° do Tratado CEEA, a anulação parcial da decisão, não publicada, do Conselho, de 7 de Dezembro de 1998, que aprova a adesão da Comunidade Europeia da Energia Atómica à Convenção sobre Segurança Nuclear (a seguir «decisão impugnada»).

2.
    Mais especificamente, a Comissão pede a anulação do terceiro parágrafo da declaração (a seguir «declaração») feita pela Comunidade Europeia da Energia Atómica (a seguir «Comunidade»), nos termos do n.° 4, alínea iii), do artigo 30.° da Convenção sobre Segurança Nuclear, que faz parte da decisão impugnada, com o fundamento de que, ao limitar o alcance desse parágrafo, o Conselho pretende determinar que a competência da Comunidade nos domínios abrangidos pela Convenção é limitada aos artigos 15.° e 16.°, n.° 2, desta, não cobrindo os domínios abrangidos pelos artigos 1.° a 5.°, 7.°, 14.°, 16.°, n.os 1 e 3, e 17.° a 19.° da Convenção.

A Convenção sobre Segurança Nuclear

3.
    A Convenção sobre Segurança Nuclear (a seguir «Convenção») foi adoptada em 17 de Junho de 1994, no quadro de uma conferência diplomática convocada pela Agência Internacional da Energia Atómica (a seguir «Agência»), e foi aberta à assinatura em 20 de Setembro de 1994. Entrou em vigor em 24 de Outubro de 1996. Em 15 de Abril de 2002, tinha sido ratificada por 53 Estados, entre os quais todos os Estados-Membros da Comunidade.

4.
    Nos termos do artigo 1.°, os objectivos da Convenção são:

«i)    Alcançar e manter um elevado nível de segurança nuclear em todo o mundo através do reforço de medidas nacionais e da cooperação internacional, incluindo, quando apropriado, cooperação técnica relacionada com a segurança;

ii)    Estabelecer e manter defesas eficazes nas instalações nucleares contra potenciais riscos radiológicos de forma a proteger os indivíduos, a sociedade e o ambiente dos efeitos nocivos da radiação ionizante dessas instalações;

iii)    Prevenir acidentes com consequências radiológicas e mitigar essas consequências caso elas ocorram.»

5.
    O artigo 2.° da Convenção define os termos «instalação nuclear», «organismo regulador» e «licença». Segundo o seu artigo 3.°, a Convenção aplica-se à segurança das instalações nucleares.

6.
    O artigo 4.° da Convenção dispõe que cada signatário tomará, no quadro do seu direito nacional, as medidas legislativas, regulamentares e administrativas e outras necessárias à implementação das suas obrigações resultantes da Convenção. O artigo 5.° da Convenção obriga os signatários, antes de cada reunião de análise prevista no artigo 20.° da Convenção, a submeter um relatório sobre as medidas que tomaram para implementar cada uma das obrigações da Convenção.

7.
    O n.° 1 do artigo 7.° da Convenção exige de cada signatário a criação e a manutenção em vigor dum quadro legislativo e regulamentar para reger a segurança das instalações nucleares. Nos termos do n.° 2 do artigo 7.° da Convenção, este quadro deve contemplar: i) o estabelecimento, a nível nacional, de requisitos e regulamentos aplicáveis sobre segurança; ii) um sistema de licenciamento respeitante a instalações nucleares; iii) um sistema de inspecção regulamentar e de avaliação dessas instalações; bem como iv) a implementação dos regulamentos aplicáveis e das condições das licenças.

8.
    Nos termos do artigo 14.° da Convenção, os signatários deverão tomar as medidas adequadas para assegurar que:

«i)     São levadas a cabo avaliações de segurança [...] antes da construção e arranque de uma instalação nuclear e ao longo da sua existência. [...]

ii)     É efectuada verificação [...] para assegurar que o estado físico e a operação da instalação nuclear continua de acordo com a sua concepção, requisitos nacionais de segurança aplicáveis e limites e condições operacionais.»

9.
    O artigo 15.° da Convenção, intitulado «Protecção contra as radiações», tem a seguinte redacção:

«Cada signatário tomará as medidas adequadas para assegurar que em todos os estados operacionais a exposição dos trabalhadores e do público às radiações causadas pela instalação nuclear é mantida em valores tão baixos quanto razoavelmente possível e que nenhum indivíduo será exposto a doses de radiação que excedam os limites nacionais recomendados.»

10.
    Nos termos do artigo 16.° da Convenção, intitulado «Preparação para emergências»:

«1. Cada signatário tomará as medidas adequadas para assegurar que existem no local e fora dele planos de emergência para as instalações nucleares que são ensaiados regularmente e cobrem as actividades a serem levadas a cabo em caso de emergência.

Para qualquer instalação nuclear nova, esses planos devem ser preparados e ensaiados antes de ela entrar em operação acima de um nível baixo de potência acordado pelo organismo regulador.

2. Cada signatário tomará as medidas adequadas para assegurar que, na medida em que possam ser afectadas por uma emergência radiológica, a sua própria população e as autoridades competentes dos Estados vizinhos da instalação nuclear recebem a informação adequada ao planeamento e resposta numa emergência.

3. Os signatários que não têm instalações nucleares no seu território, na medida em que possam ser afectados no caso de uma emergência radiológica numa instalação nuclear vizinha, [tomarão] as medidas necessárias para a preparação e ensaio de planos de emergência no seu território que cubram as actividades a serem levadas a cabo em caso de tal emergência.»

11.
    Os artigos 17.° a 19.° da Convenção contêm obrigações específicas quanto à segurança das instalações.

12.
    Por força do artigo 17.° da Convenção, intitulado «Localização», cada signatário deve tomar as medidas adequadas para assegurar que os procedimentos adequados sejam estabelecidos e implementados:

«i)     Para avaliar todos os factores relevantes relativos ao local que possam afectar a segurança de uma instalação nuclear durante o seu tempo de vida projectado;

ii)     Para avaliar o impacte provável nos indivíduos, na sociedade e no meio ambiente, em termos de segurança, de uma instalação nuclear;

iii)     Para reavaliar conforme necessário todos os factores relevantes referidos nas alíneas i) e ii) de modo a assegurar a aceitabilidade permanente em termos de segurança da instalação nuclear;

iv)     Para consultar os signatários vizinhos de uma instalação nuclear proposta, na medida em que possam ser afectados por essa instalação e, a pedido, providenciar a informação necessária a esses signatários, de forma a permitir-lhes avaliar e fazer a sua própria apreciação do impacte provável, em termos de segurança, da instalação nuclear sobre o seu território.»

13.
    Por força do artigo 18.° da Convenção, intitulado «Concepção e construção», os signatários tomarão as medidas adequadas para assegurar que a concepção e construção de uma instalação nuclear contemple vários níveis e métodos de protecção fiáveis (defesa em profundidade) contra a libertação de substâncias radioactivas, que as tecnologias incorporadas estejam comprovadas pela experiência ou aprovadas por ensaios ou análises e que a concepção permita uma operação fiável, estável e facilmente gerível.

14.
    Por força do artigo 19.° da Convenção, intitulado «Operação», os signatários assegurarão que:

«i)    A autorização inicial para operar uma instalação nuclear se baseia numa adequada análise de segurança e num programa de arranque [...];

ii)     Os limites e as condições operacionais [...] estão definidos e são revist[o]s à medida que for necessário [...];

iii)    A operação, manutenção, inspecção e ensaio de uma instalação nuclear são efectuados de acordo com os procedimentos aprovados;

iv)     São estabelecidos procedimentos para responder a ocorrências operacionais previstas e a acidentes;

v)     A engenharia e o apoio técnico necessários em todos os campos relativos à segurança estão disponíveis [...];

vi)    Incidentes significativos para a segurança são dados a conhecer [...];

vii)    São estabelecidos programas para recolher e analisar a experiência de operação [...];

viii)    A geração de resíduos radioactivos [...] é mantida ao mínimo praticável [...].»

15.
    Nos termos do n.° 4 do artigo 30.° da Convenção:

«i)    Esta Convenção estará aberta a assinatura ou adesão de organizações regionais de natureza integrativa ou outra, desde que tal organização seja constituída por Estados soberanos e tenha competência, no que respeita a negociação, conclusão e aplicação de acordos internacionais, em assuntos cobertos por esta Convenção;

ii)    Em questões dentro da sua competência, tais organizações devem, em seu nome, exercer os direitos e cumprir as responsabilidades que esta Convenção atribui aos Estados signatários;

iii)    Ao aderir a esta Convenção, tal organização deve comunicar ao depositário referido no artigo 34.° uma declaração indicando que Estados são seus membros, que artigos desta Convenção se lhe aplicam e a extensão da sua competência no campo coberto por esses artigos;

iv)    Tal organização não terá direito a voto adicional aos dos seus Estados-Membros.»

O enquadramento jurídico comunitário

16.
    Os signatários do Tratado CEEA, segundo o seu preâmbulo, estavam «[p]reocupados em estabelecer as condições de segurança necessárias à eliminação dos perigos que possam advir para a vida e saúde das populações».

17.
    Nos termos do artigo 2.° do Tratado CEEA:

«Para o cumprimento da sua missão, a Comunidade deve, nos termos do presente Tratado:

[...]

b)    Estabelecer normas de segurança uniformes destinadas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores e velar pela sua aplicação;

[...]

e)    Garantir, mediante controlo adequado, que os materiais nucleares não sejam desviados para fins diferentes daqueles a que se destinam;

[...]

h)    Estabelecer, com outros países e com organizações internacionais, todas as ligações susceptíveis de promoverem o progresso na utilização pacífica da energia nuclear.»

18.
    O título II do Tratado CEEA, intitulado «Disposições que favorecem o progresso no domínio da energia nuclear», compreende um capítulo 3, intitulado «A protecção sanitária», que é constituído pelos artigos 30.° a 39.°

19.
    O artigo 30.° do Tratado CEEA tem a seguinte redacção:

«Serão estabelecidas na Comunidade normas de base relativas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes.

Entende-se por ‘normas de base’:

a)    As doses máximas permitidas, que sejam compatíveis com uma margem de segurança suficiente;

b)    Os níveis máximos permitidos de exposição e contaminação;

c)    Os princípios fundamentais de vigilância médica dos trabalhadores.»

20.
    O artigo 31.° do Tratado CEEA define o processo de elaboração e de adopção das referidas normas de base.

21.
    Segundo o artigo 32.° do Tratado CEEA, essas normas de base podem, a pedido da Comissão ou de qualquer Estado-Membro, ser revistas ou completadas de acordo com o processo previsto no artigo 31.°

22.
    Com fundamento nos artigos 31.° e 32.° do Tratado CEEA, o Conselho adoptou a Directiva 96/29/Euratom, de 13 de Maio de 1996, que fixa as normas de segurança de base relativas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes (JO L 159, p. 1). Essa directiva prevê, nomeadamente, que os Estados-Membros são obrigados a submeter a um regime de declaração e de autorização prévia certas práticas que envolvam riscos resultantes das radiações ionizantes, bem como a velar pela protecção contra as radiações da população em situação normal.

23.
    Nos termos dos primeiro a terceiro parágrafos do artigo 33.° do Tratado CEEA:

«Cada Estado-Membro adoptará as disposições legislativas, regulamentares e administrativas adequadas para assegurar o cumprimento das normas de base estabelecidas e tomará as medidas necessárias no que diz respeito ao ensino, à educação e à formação profissional.

A Comissão formulará todas as recomendações adequadas, tendo em vista assegurar a harmonização das disposições aplicáveis neste domínio nos Estados-Membros.

Para o efeito, os Estados-Membros devem comunicar à Comissão, tanto as disposições aplicáveis à data da entrada em vigor do presente Tratado, como os ulteriores projectos de disposições da mesma natureza.»

24.
    O artigo 34.° do Tratado CEEA dispõe:

«Qualquer Estado-Membro, em cujos territórios se realizem experiências particularmente perigosas, deve tomar medidas suplementares de protecção sanitária relativamente às quais obterá previamente o parecer da Comissão.

Será necessário o parecer favorável da Comissão quando os efeitos das experiências forem susceptíveis de afectar os territórios de outros Estados-Membros.»

25.
    O primeiro parágrafo do artigo 35.° do Tratado CEEA prescreve aos Estados-Membros que criem as «instalações necessárias para efectuar o controlo permanente do grau de radioactividade da atmosfera, das águas e do solo, bem como o controlo do cumprimento das normas de base». De acordo com o segundo parágrafo desse artigo, a Comissão tem direito de acesso a estas instalações de controlo e pode verificar o seu funcionamento e eficácia.

26.
    O artigo 36.° do Tratado CEEA obriga os Estados-Membros a comunicarem regularmente à Comissão as informações relativas aos controlos referidos no artigo 35.° desse Tratado.

27.
    Nos termos do artigo 37.° do Tratado CEEA:

«Os Estados-Membros devem fornecer à Comissão os dados gerais de todos os projectos de descarga de efluentes radioactivos, seja qual for a sua forma, que permitam determinar se a realização desse projecto é susceptível de implicar a contaminação radioactiva das águas, do solo ou do espaço aéreo de outro Estado-Membro.

A Comissão, após consulta do grupo de peritos referido no artigo 31.°, formulará o seu parecer no prazo de seis meses.»

28.
    O primeiro e o segundo parágrafos do artigo 38.° do Tratado CEEA prevêem:

«A Comissão dirigirá aos Estados-Membros todas as recomendações respeitantes ao grau de radioactividade da atmosfera, das águas e do solo.

Em caso de urgência, a Comissão adoptará uma directiva, intimando o Estado-Membro em causa a tomar, no prazo nela fixado, todas as medidas necessárias para evitar uma infracção às normas de base e para assegurar o cumprimento das disposições regulamentares.»

29.
    O artigo 39.° do Tratado CEEA encarrega a Comissão de estabelecer, no âmbito do Centro Comum de Investigação Nuclear, uma secção de documentação e de estudo das questões de protecção sanitária.

30.
    O título II do Tratado CEEA contém um capítulo 7, intitulado «Salvaguardas», que confere à Comunidade certas competências relativas ao objectivo fixado na alínea e) do artigo 2.° desse Tratado.

31.
    O primeiro e o segundo parágrafos do artigo 101.° do Tratado CEEA dispõem:

«No âmbito da sua competência, a Comunidade pode contrair obrigações mediante a conclusão de acordos ou convenções com um Estado terceiro, uma organização internacional ou um nacional de um Estado terceiro.

Estes acordos ou convenções serão negociados pela Comissão segundo as directivas do Conselho; serão concluídos pela Comissão com a aprovação do Conselho, o qual deliberará por maioria qualificada.»

A adesão da Comunidade à Convenção

32.
    Em 15 de Setembro de 1994, a Comissão apresentou ao Conselho uma proposta de decisão que aprova a adesão da Comunidade à Convenção. O texto dessa proposta comportava uma declaração nos termos do disposto no n.° 4, alínea iii), do artigo 30.° da Convenção, segundo a qual a Comunidade expunha, por um lado, que os artigos 1.° a 5.°, 7.° e 14.° a 35.° da Convenção se aplicavam à Comunidade e, por outro, que esta possuía competências nos domínios abrangidos pelos artigos 1.° a 5.°, 7.° e 14.° a 19.° da Convenção.

33.
    Em 7 de Dezembro de 1998, o Conselho adoptou a decisão impugnada. Nos termos do artigo único dessa decisão:

«1.    É aprovada a adesão da Comunidade Europeia da Energia Atómica à Convenção sobre Segurança Nuclear.

2.    A declaração feita pela Comunidade Europeia da Energia Atómica nos termos do n.° 4, alínea iii), do artigo 30.° da Convenção sobre Segurança Nuclear consta do anexo à presente decisão.»

34.
    A declaração anexa tem a seguinte redacção:

«Os seguintes Estados são neste momento membros da Comunidade Europeia da Energia Atómica: Reino da Bélgica, Reino da Dinamarca, República Federal da Alemanha, República Helénica, Reino de Espanha, República Francesa, Irlanda, República Italiana, Grão-Ducado do Luxemburgo, Reino dos Países Baixos, República da Áustria, República Portuguesa, República da Finlândia, Reino da Suécia e Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.

A Comunidade declara que lhe são aplicáveis o artigo 15.° e o n.° 2 do artigo 16.° da Convenção. Os artigos 1.° a 5.°, o n.° 1 do artigo 7.°, a alínea ii) do artigo 14.° e os artigos 20.° a 35.° também se lhe aplicam, mas apenas na medida em que digam respeito aos domínios abrangidos pelo artigo 15.° e o n.° 2 do artigo 16.°

A Comunidade possui competência, partilhada com os Estados-Membros supramencionados, nos domínios abrangidos pelo artigo 15.° e o n.° 2 do artigo 16.° da Convenção, como previsto pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica na alínea b) do artigo 2.° e nos artigos pertinentes do título II, capítulo 3, intitulado ‘A protecção sanitária’.»

35.
    Pela Decisão 1999/819/Euratom da Comissão, de 16 de Novembro de 1999, relativa à adesão da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) à Convenção de 1994 sobre Segurança Nuclear (JO L 318, p. 20), foi aprovada a adesão à Convenção em nome da Comunidade. A declaração, tal como reproduzida no número precedente, está anexada a essa decisão. O acto de adesão foi entregue ao depositário da Convenção, isto é, ao director-geral da Agência, em 31 de Janeiro de 2000. Por força do n.° 2 do seu artigo 31.°, a Convenção entrou em vigor, relativamente à Comunidade, em 30 de Abril de 2000.

Quanto à admissibilidade

36.
    Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de Abril de 1999, o Conselho suscitou uma questão prévia de admissibilidade ao abrigo do disposto no artigo 91.°, n.° 1, do Regulamento de Processo. Por decisão de 8 de Fevereiro de 2000, o Tribunal de Justiça decidiu conhecer dessa questão prévia na altura em que apreciar o mérito da causa.

37.
    O Conselho sustenta que o recurso da Comissão é inadmissível pelos seguintes motivos:

-    o recurso não tem objecto;

-    dirige-se contra uma parte não destacável da decisão impugnada, que não pode ser examinada independentemente das demais partes da mesma, e a Comissão não pede a anulação da totalidade da referida decisão;

-    a Comissão pretende, de facto, obter um parecer sobre a extensão das competências da Comunidade.

Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, assente em falta de objecto

Argumentos do Conselho

38.
    O Conselho alega que a anulação do terceiro parágrafo da declaração anexada à decisão impugnada faria desaparecer dela os dois únicos elementos úteis transmitidos ao depositário da Convenção, isto é, que a Comunidade possui competências partilhadas com os Estados-Membros e que essas competências decorrem dos artigos pertinentes do título II, capítulo 3, do Tratado CEEA.

39.
    O Conselho acrescenta que a Comissão não contesta nenhum destes dois elementos. Ela não afirma que a Comunidade dispõe, nos domínios referidos, de uma competência exclusiva, afirmando simplesmente que a Comunidade possui, nos domínios abrangidos pela Convenção, outras competências que não são objecto da declaração. E também não contesta que a competência da Comunidade para aderir à Convenção se baseia nos artigos pertinentes do título II, capítulo 3, do Tratado CEEA. Como esses dois elementos são os únicos que aparecem no parágrafo da declaração cuja anulação a Comissão pede, o Conselho sustenta que o presente recurso é desprovido de objecto.

Apreciação do Tribunal

40.
    A declaração, cuja anulação parcial a Comissão pede, faz parte integrante da decisão impugnada e esta, enquanto acto que produz efeitos jurídicos, pode ser anulada pelo Tribunal de Justiça.

41.
    O presente recurso deve ser compreendido no sentido de que a Comissão pede a anulação da decisão impugnada na medida em que esta não enuncia que a Comunidade é competente noutros domínios além dos mencionados na declaração. É forçoso reconhecer que um recurso que se destina a uma tal anulação não é desprovido de objecto.

42.
    O primeiro fundamento de inadmissibilidade deve, portanto, ser rejeitado.

Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade, assente na indivisibilidade da decisão impugnada

Argumentos do Conselho

43.
    O Conselho sustenta que a declaração não é destacável da decisão impugnada e que um pedido de anulação que visa apenas a declaração é, por conseguinte, inadmissível. O Conselho não teria aprovado essa decisão sem uma declaração completa sobre a competência. Para ele, a declaração foi uma condição sine qua non da adopção da decisão impugnada. Assim, não seria possível manter a referida decisão, anulando simultaneamente a declaração, no todo ou em parte. Ora, o Tribunal de Justiça não pode anular a decisão em si mesma, por isso não lhe ter sido pedido, e não pode anular somente uma parte de um acto jurídico indivisível.

44.
    O Conselho alega ainda que a Comissão pede unicamente a anulação do terceiro parágrafo da declaração, quando este forma um todo indissociável com o parágrafo que o precede. Esse terceiro parágrafo decorre directa e necessariamente do segundo: a Comunidade começa por declarar que o artigo 15.° e o n.° 2 do artigo 16.° da Convenção lhe são aplicáveis, e prossegue declarando que ela tem competência nos domínios abrangidos por essas disposições. Se o Tribunal de Justiça considerasse que os domínios de competência da Comunidade estão incompletamente mencionados na declaração e que essa insuficiência constitui uma violação do Tratado CEEA, deveria anular ou o segundo parágrafo da declaração, na medida em que não indica todas as competências da Comunidade, ou os segundo e terceiro parágrafos da declaração, o que a Comissão não pede e que só poderia, portanto, decidir-se ultra petita. É, na realidade, o segundo parágrafo da declaração que constitui o ponto central desta e a sua única disposição útil. Existe uma ligação indissociável entre a indicação dos artigos da Convenção aplicáveis e a questão da extensão da competência da Comunidade quanto a esses artigos. Além disso, o terceiro parágrafo da declaração não diz respeito à questão da competência enquanto tal, mas à da extensão da competência, pois a Comunidade indicou nele que não gozava de competência exclusiva nos domínios em causa.

Apreciação do Tribunal

45.
    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a anulação parcial de uma decisão é possível desde que os elementos cuja anulação é pedida sejam destacáveis da parte restante da decisão (v., neste sentido, acórdãos de 23 de Outubro de 1974, Transocean Marine Paint/Comissão, 17/74, Recueil, p. 1063, n.° 21, Colect., p. 463, e de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375, n.° 256). É o que acontece no caso vertente.

46.
    Os elementos cuja omissão afecta de ilegalidade a declaração não estão, por definição, contidos nesta e são, por essa razão, separáveis das disposições que nela figuram. A anulação do terceiro parágrafo da declaração, na medida em que certos artigos da Convenção não são nele mencionados, em nada afectaria o alcance jurídico das disposições sobre as quais o Conselho já se pronunciou. Tal anulação não modificaria, portanto, a substância da decisão impugnada. Por isso, esses elementos podem ser considerados destacáveis do resto da decisão impugnada.

47.
    Nestas condições, a circunstância de a declaração fazer parte integrante da decisão impugnada não impede a anulação dessa declaração, na medida em que esta não menciona competências da Comunidade nos domínios cobertos pela Convenção.

48.
    No que respeita à relação entre o segundo e o terceiro parágrafo da declaração, há que reconhecer que eles correspondem ao segundo e ao terceiro tipo de dados a declarar por força do n.° 4, alínea iii), do artigo 30.° da Convenção.

49.
    Com a expressão «artigos [...] aplic[áveis]», a referida disposição visa todos os artigos que se impõem juridicamente a um signatário, incluindo os artigos que não criam direitos nem obrigações e em relação aos quais não se põe, portanto, a questão da competência da organização regional. Em contrapartida, ao requerer desta última a menção da «extensão da sua competência», o n.° 4, alínea iii), do artigo 30.° da Convenção visa obter que ela comunique ao depositário e, assim, aos demais signatários da Convenção, por um lado, os domínios abrangidos pela Convenção em que a organização é competente para assumir as obrigações e exercer os direitos que daquela decorrem e, por outro, a extensão da referida competência.

50.
    Se o exame do presente recurso deixar transparecer que o Conselho não mencionou, no terceiro parágrafo da declaração, certos artigos que também não são referidos no segundo parágrafo, tal implicará que este segundo parágrafo está igualmente incompleto. Todavia, a relação entre os dois parágrafos não é de natureza a impedir que se exerça uma fiscalização de legalidade sobre um dos dois, independentemente da exercida sobre o outro.

51.
    Por conseguinte, o segundo fundamento de inadmissibilidade deve igualmente ser rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento de inadmissibilidade, assente na alegação de que a Comissão procura obter um parecer

Argumentos do Conselho

52.
    O Conselho sustenta que, na realidade, a Comissão não pede verdadeiramente a anulação de uma parte da declaração, procurando antes obter um parecer do Tribunal de Justiça sobre a extensão da competência da Comunidade no contexto da adesão desta última à Convenção. Alega, a esse propósito, que o Tratado CEEA não prevê, contrariamente ao artigo 228.°, n.° 6, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 300.°, n.° 6, CE), a possibilidade de se pedir ao Tribunal de Justiça um parecer sobre a compatibilidade com o Tratado de um projecto de acordo internacional, isto é, sobre a competência da Comunidade para celebrar tal acordo.

Apreciação do Tribunal

53.
    Nada indica que a Comissão prossiga, com o presente recurso, uma finalidade diferente da da anulação parcial da decisão impugnada.

54.
    Além disso, o facto de o Tratado CEEA não prever que o Tribunal de Justiça possa pronunciar-se, mediante parecer, sobre a compatibilidade com este Tratado dos acordos internacionais cuja celebração esteja prevista pela Comunidade não exclui que o Tribunal de Justiça possa ser solicitado a conhecer de um pedido de fiscalização da legalidade de um acto de aprovação de uma decisão de adesão a uma convenção internacional no quadro de um recurso de anulação interposto ao abrigo do artigo 146.° do Tratado CEEA (v., neste sentido, no tocante à relação entre o recurso de anulação e o processo de parecer no quadro do Tratado CE, parecer 2/00, de 6 de Dezembro de 2001, Colect., p. I-9713, n.° 12).

55.
    O terceiro fundamento de inadmissibilidade não pode, portanto, ser acolhido.

56.
    Resulta do que precede que a questão prévia de admissibilidade deve ser desatendida.

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

57.
    A Comissão alega que o terceiro parágrafo da declaração infringe o direito comunitário, na medida em que não refere a totalidade das competências da Comunidade nos domínios abrangidos pela Convenção, e que essa disposição deve, portanto, ser anulada em conformidade com o disposto no artigo 146.° do Tratado CEEA.

58.
    Em apoio da sua tese, a Comissão lembra que o segundo parágrafo do artigo 1.° do Tratado CEEA prevê que a Comunidade tem como missão contribuir, pelo estabelecimento das condições necessárias à formação e ao crescimento rápidos das indústrias nucleares, para a melhoria do nível de vida nos Estados-Membros e para o desenvolvimento das relações com os outros países. A alínea b) do artigo 2.° do Tratado CEEA obriga a Comunidade a estabelecer normas de segurança uniformes destinadas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores e a velar pela sua aplicação.

59.
    O artigo 30.° do Tratado CEEA determina o estabelecimento de normas de base relativas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores. O artigo 31.° desse Tratado prevê um mecanismo consultivo e legislativo para a elaboração das referidas normas, e, a seguir, para a adopção dessas normas por acto legislativo do Conselho. Essas disposições do título II, capítulo 3, do Tratado CEEA não dizem directamente respeito à escolha da localização, à concessão de licenças, ao arranque ou à operação de instalações nucleares enquanto tais, incidindo antes sobre a protecção da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes. Essa distinção assentaria na verdade técnica segundo a qual tudo o que é nuclear é radioactivo, mas as radiações não são todas de origem nuclear.

60.
    A Comissão alega que a existência da Directiva 96/29 e dos actos normativos adoptados com fundamento nessa directiva prova que as competências conferidas na matéria pelo Tratado CEEA são efectivamente exercidas.

61.
    A Comissão conclui que são assim conferidos à Comunidade competências e poderes, e que esta deve poder exercê-los. Considera que o seu ponto de vista é confirmado pelo artigo 32.° do Tratado CEEA, segundo o qual as normas de base podem ser revistas ou completadas, a pedido da Comissão ou de qualquer Estado-Membro.

62.
    Sustenta também que, além dos artigos 30.° a 32.° do Tratado CEEA, os artigos 33.° e 35.° a 38.° do mesmo Tratado conferem competências à Comunidade.

63.
    Admite que as disposições do Tratado CEEA não atribuem à Comunidade competência para regulamentar a criação e a operação de instalações nucleares. Todavia, o risco resultante da operação de tais instalações está abrangido pela competência da Comunidade.

64.
    Por seu lado, o Conselho sustenta que a Comissão não explica em que é que a circunstância de a adesão da Comunidade à Convenção se ter feito em limites demasiado restritivos constitui uma violação do Tratado CEEA ou pode afectar as regras comuns adoptadas pela Comunidade. Segundo o Conselho, a Comissão nem sequer alega que tal limitação das competências da Comunidade interfere com os interesses desta.

65.
    O Conselho sustenta que todas as competências da Comunidade nos domínios abrangidos pela Convenção são realmente referidas na declaração e que, por conseguinte, a Comunidade «esgotou» as suas competências no quadro da adesão a essa Convenção. O Conselho alega que nenhum artigo do Tratado CEEA atribui à Comunidade competência para regulamentar a criação e a operação de instalações nucleares. Essa competência foi conservada pelos Estados-Membros. A Comunidade só dispõe de competências em matéria de protecção da população e todos os artigos da Convenção respeitantes a essa protecção são referidos na declaração.

66.
    Em resposta ao argumento da Comissão de que a Comunidade já legislou em matéria de segurança das instalações nucleares, o Conselho alega que a competência da Comunidade não se pode deduzir de uma disposição da Directiva 96/29, porque, por força do seu artigo 2.°, relativo ao âmbito de aplicação, essa directiva aplica-se no seu conjunto a «práticas» e não a «instalações».

Quanto à obrigação, em direito comunitário, de comunicar ao depositário da Convenção uma declaração de competências completa

67.
    A aprovação pelo Conselho da adesão a uma convenção internacional, em conformidade com o disposto no segundo parágrafo do artigo 101.° do Tratado CEEA, tem por efeito jurídico autorizar a Comissão a concluir essa Convenção dentro do quadro estabelecido pela decisão do Conselho.

68.
    Quando aprova a adesão a uma convenção internacional sem qualquer reserva, o Conselho é obrigado a respeitar as condições previstas por essa convenção para tal adesão, pois uma decisão de adesão não conforme às referidas condições violaria as obrigações da Comunidade desde a entrada em vigor da convenção em causa.

69.
    Além disso, decorre do dever de cooperação leal entre as instituições (v., nomeadamente, acórdão de 30 de Março de 1995, Parlamento/Conselho, C-65/93, Colect., p. I-643, n.° 23) que a decisão do Conselho que aprova a adesão a uma convenção internacional deve permitir à Comissão dar cumprimento ao direito internacional.

70.
    No caso em apreço, o n.° 4, alínea iii), do artigo 30.° da Convenção deve, no interesse dos outros signatários, ser interpretado no sentido de que a declaração de competências prevista por essa disposição deve ser completa.

71.
    Resulta do que precede que o Conselho era, por força do direito comunitário, obrigado a juntar à sua decisão que aprova a adesão à Convenção uma declaração de competências completa.

Considerações gerais sobre as competências da Comunidade em matéria de segurança nuclear

72.
    As partes no litígio estão de acordo em que a Comunidade possui competências, partilhadas com os Estados-Membros, para tomar:

-    em conformidade com o artigo 15.° da Convenção, as medidas adequadas para assegurar que, em todos os estados operacionais, a exposição dos trabalhadores e do público às radiações causadas pela instalação nuclear é mantida em valores tão baixos quanto razoavelmente possível e que nenhum indivíduo será exposto a doses de radiação que excedam os limites nacionais recomendados, e

-    em conformidade com o n.° 2 do artigo 16.° da Convenção, as medidas adequadas para assegurar que, na medida em que possam ser afectadas por uma emergência radiológica, a sua própria população e as autoridades competentes dos Estados vizinhos da instalação nuclear recebem a informação adequada ao planeamento e resposta numa emergência.

73.
    O litígio incide sobre a questão de saber se a Comunidade dispõe de outras competências nos domínios cobertos pela Convenção.

74.
    A esse propósito, há que reconhecer que o Tratado CEEA não contém um título relativo às instalações de produção de energia nuclear e que a resolução do litígio depende da interpretação das disposições do título II, capítulo 3, do referido Tratado.

75.
    Essa interpretação deve fazer-se à luz do objectivo, enunciado no preâmbulo do Tratado CEEA, que consiste «em estabelecer as condições de segurança necessárias à eliminação dos perigos que possam advir para a vida e saúde das populações» (v., a propósito das disposições do capítulo 7 do Tratado CEEA, decisão 1/78, de 14 de Novembro de 1978, Colect., p. 711, n.° 21).

76.
    Deve ainda tomar em consideração o facto de o título II, capítulo 3, do Tratado CEEA concretizar a alínea b) do artigo 2.° desse Tratado, que encarrega a Comunidade de «[e]stabelecer normas de segurança uniformes destinadas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores e [de] velar pela sua aplicação». Por um lado, essa protecção não pode ser alcançada sem um controlo das fontes de radiação nocivas. Por outro lado, as actividades da Comunidade no domínio da protecção sanitária devem respeitar as competências dos Estados-Membros definidas, nomeadamente, no título II, capítulo 3, do próprio Tratado CEEA.

77.
    Foi nesta perspectiva que o Conselho adoptou a Resolução de 22 de Julho de 1975, relativa aos problemas tecnológicos de segurança nuclear (JO C 185, p. 1). O quarto considerando dessa resolução enuncia que «os problemas tecnológicos relativos à segurança nuclear requerem, nomeadamente devido às suas implicações em matéria de saúde e de ambiente, uma acção adequada a nível comunitário, que tenha em conta as prerrogativas e responsabilidades assumidas pelas autoridades nacionais».

78.
    Deve salientar-se que, a fim de dar efeito útil às disposições constantes do título II, capítulo 3, do Tratado CEEA, o Tribunal de Justiça interpretou-as de forma extensiva em várias ocasiões.

79.
    No seu acórdão de 22 de Setembro de 1988, Land do Sarre e o. (187/87, Colect., p. 5013, n.° 11), proferido num processo em que o litígio do processo principal incidia sobre a central nuclear de Cattenom (França), o Tribunal de Justiça declarou que as disposições do capítulo do Tratado CEEA intitulado «A protecção sanitária» formam um conjunto organizado que atribui à Comissão competências bastante amplas com vista à protecção da população e do ambiente contra os riscos de contaminação nuclear. Tendo em conta a finalidade do artigo 37.° do Tratado CEEA, que é a de prevenir a eventualidade de contaminações radioactivas, o Tribunal de Justiça sublinhou a importância do papel desempenhado na matéria pela Comissão, única que dispõe de uma visão de conjunto sobre a evolução das actividades do sector nuclear em todo o território da Comunidade (acórdão Land do Sarre e o., já referido, n.os 12 e 13). Com base nesta consideração, o Tribunal de Justiça rejeitou o argumento de que os dados gerais de um projecto de descarga de efluentes radioactivos podem ser fornecidos à Comissão após essas descargas terem sido autorizadas pelas autoridades competentes do Estado-Membro em causa (acórdão Land do Sarre e o., já referido, n.° 20).

80.
    No seu acórdão de 4 de Outubro de 1991, Parlamento/Conselho (C-70/88, Colect., p. I-4529, n.° 14), que incidiu sobre o Regulamento (Euratom) n.° 3954/87 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1987, que fixa os níveis máximos tolerados de contaminação radioactiva dos géneros alimentícios e alimentos para animais na sequência de um acidente nuclear ou de qualquer outro caso de emergência radiológica (JO L 371, p. 11), o Tribunal de Justiça recusou acolher a interpretação restritiva dos artigos 30.° e seguintes do Tratado CEEA proposta pelo Parlamento. Entendeu que os referidos artigos tinham por objectivo assegurar uma protecção sanitária coerente e eficaz da população contra os perigos resultantes das radiações ionizantes, «independentemente da sua fonte».

81.
    A Directiva 96/29 inscreve-se na mesma perspectiva. Como indica o seu sexto considerando, ela tem em conta o desenvolvimento dos conhecimentos científicos sobre protecção radiológica, desenvolvimento que é descrito em detalhe pelo advogado-geral nos n.os 123 a 132 das suas conclusões.

82.
    Tendo em conta os n.os 74 a 81 do presente acórdão, para delimitar as competências da Comunidade, não se deve efectuar uma distinção artificial entre a protecção sanitária da população e a segurança das fontes de radiações ionizantes.

83.
    É à luz destas considerações que há que determinar se a Comunidade dispõe de competências nos domínios abrangidos por outros artigos da Convenção que não o seu artigo 15.° e o n.° 2 do seu artigo 16.°

Quanto às competências da Comunidade nos domínios abrangidos pelos artigos em causa da Convenção

Os artigos 1.° («Objectivos»), 2.° («Definições») e 3.° («Âmbito de aplicação») da Convenção

84.
    Como o Conselho sustenta com razão, os artigos 1.° a 3.° da Convenção não criam direitos nem obrigações, de forma que a questão da competência da Comunidade não se põe em relação a eles.

85.
    O Conselho tinha portanto fundamento para não mencionar esses artigos no parágrafo da declaração que indica as competências da Comunidade.

Os artigos 4.° («Medidas de implementação») e 5.° («Relatórios») da Convenção

86.
    O n.° 4, alínea iii), do artigo 30.° da Convenção deve ser interpretado no sentido de que a declaração de competência que impõe deve incidir sobre as obrigações específicas, isto é, somente sobre aquelas em relação às quais os artigos 4.° e 5.° da Convenção estabelecem obrigações de implementação e de apresentação de um relatório sobre essa implementação.

87.
    Não era, assim, necessário mencionar os artigos 4.° e 5.° da Convenção no parágrafo da declaração que indica as competências da Comunidade.

O artigo 7.° («Quadro legislativo e regulamentar») da Convenção

88.
    O artigo 7.° da Convenção faz parte da alínea b), intitulada «Legislação e regulamentação», do capítulo 2 da Convenção. Tal artigo impõe o estabelecimento de um quadro legislativo e regulamentar para reger a segurança das instalações nucleares.

89.
    Embora seja exacto que o Tratado CEEA não concede à Comunidade competência para autorizar a construção ou a operação de instalações nucleares, ela dispõe, por força dos artigos 30.° a 32.° do Tratado CEEA, de uma competência normativa para estabelecer, com vista à protecção sanitária, um sistema de autorização que deve ser aplicado pelos Estados-Membros. Com efeito, tal acto legislativo constitui uma medida que completa as normas de base referidas no artigo 30.° do Tratado CEEA.

90.
    No que respeita ao argumento do Conselho de que o n.° 2, alínea i), do artigo 7.° da Convenção é inaplicável à Comunidade, uma vez que visa requisitos e regulamentos «a nível nacional», e diz, portanto respeito apenas aos Estados-Membros, basta reconhecer que, segundo o n.° 4, alínea ii), do artigo 30.° da Convenção, as organizações regionais devem, nos seus domínios de competência, assumir as responsabilidades que a Convenção atribui aos Estados-Membros.

91.
    O artigo 7.° da Convenção deveria, portanto, ter sido mencionado no parágrafo da declaração que indica a competência da Comunidade.

O artigo 14.° («Avaliação e verificação da segurança») da Convenção

92.
    No domínio abrangido pela alínea ii) do artigo 14.° da Convenção, a competência da Comunidade está fundada no artigo 35.° do Tratado CEEA.

93.
    Quanto ao domínio abrangido pela alínea i) do artigo 14.° da Convenção, há que recordar que, segundo o primeiro parágrafo do artigo 33.° do Tratado CEEA, os Estados-Membros são obrigados a adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas adequadas para assegurar o cumprimento das normas de base estabelecidas. Para esse efeito, podem, por exemplo, impor avaliações de segurança como as previstas por essa disposição da Convenção.

94.
    Nos termos do segundo parágrafo do artigo 33.° do Tratado CEEA, a Comissão é competente para formular «todas as recomendações adequadas, tendo em vista assegurar a harmonização das disposições aplicáveis neste domínio nos Estados-Membros». Os Estados-Membros são obrigados a comunicar essas disposições à Comissão, por força do terceiro parágrafo do referido artigo.

95.
    Ora, está previsto no artigo 4.° da Convenção que as obrigações que esta impõe aos signatários podem ser implementadas não somente por medidas legislativas e regulamentares mas também por medidas administrativas e outras. A aplicação da Convenção pode, assim, requerer a adopção de medidas que não têm carácter imperativo para os seus destinatários, tais como recomendações. Nestas condições, a competência devolvida à Comissão para fazer recomendações aos Estados-Membros no domínio abrangido pela alínea i) do artigo 14.° da Convenção deveria ter sido tida em conta e esta disposição deveria ter sido mencionada na declaração que indica as competências da Comunidade.

96.
    Por isso, sem que seja necessário examinar se a Comunidade dispõe ainda de outras competências no domínio abrangido pelo artigo 14.° da Convenção, deve concluir-se que esta disposição deveria ter sido mencionada no parágrafo da declaração que indica as competências da Comunidade.

O artigo 16.° («Preparação para emergências»), n.os 1 e 3, da Convenção

97.
    No que respeita ao n.° 1 do artigo 16.° da Convenção, há que reconhecer que os artigos 30.° a 32.° do Tratado CEEA conferem à Comunidade competência para editar normas de base em matéria de medidas de emergência, o que implica o poder de requerer aos Estados-Membros que elaborem planos que prevejam tais medidas para as instalações nucleares.

98.
    No que respeita ao n.° 3 do artigo 16.° da Convenção, o Conselho não pode validamente sustentar que tal disposição não diz respeito à Comunidade pela razão de que esta é um signatário que dispõe efectivamente de instalações nucleares no território dos seus Estados-Membros.

99.
    Com efeito, a interpretação do artigo 16.° da Convenção deve ter em conta a possibilidade de uma organização regional visada no n.° 4, alínea i), do artigo 30.° da Convenção ser composta por Estados-Membros dos quais alguns dispõem de instalações nucleares no seu território e outros não. A finalidade do artigo 16.° da Convenção poderia ficar comprometida se tal organização não assumisse as responsabilidades decorrentes do n.° 3 do artigo 16.° da Convenção no que respeita aos seus Estados-Membros que não têm qualquer instalação nuclear no seu território. Por isso, na hipótese descrita na primeira frase desse número, são aplicáveis à organização regional em causa não só o n.° 1 mas também o n.° 3 do artigo 16.° da Convenção.

100.
    Dado que certos Estados-Membros da Comunidade não dispõem de qualquer instalação nuclear no seu território e que, como foi indicado no n.° 97 do presente acórdão, a Comunidade pode editar, em relação a eles, normas de base em matéria de medidas de emergência, a Comunidade dispõe de uma competência no domínio abrangido pelo n.° 3 do artigo 16.° da Convenção.

101.
    Os n.os 1 e 3 do artigo 16.° da Convenção deveriam, por isso, ter sido mencionados no parágrafo da declaração que indica as competências da Comunidade.

O artigo 17.° («Localização») da Convenção

102.
    A escolha do local de uma instalação nuclear, de que trata o artigo 17.° da Convenção, inclui necessariamente a tomada em consideração de factores relativos à protecção contra radiações, tais como as características demográficas do local. Resulta que esses factores são referidos na alínea ii) do artigo 17.° da Convenção.

103.
    Ora, segundo o artigo 37.° do Tratado CEEA, a Comunidade dispõe de competência em relação a «todos os projectos de descarga de efluentes radioactivos, seja qual for a sua forma», se a realização desse projecto for susceptível de implicar a contaminação radioactiva das águas, do solo ou do espaço aéreo de outro Estado-Membro. A verificação deste dado basta para concluir que a Comunidade possui competências no domínio abrangido pelo artigo 17.° da Convenção.

104.
    Esse artigo da Convenção deveria, por isso, ter sido mencionado no parágrafo da declaração que indica as competências da Comunidade.

Os artigos 18.° («Concepção e construção») e 19.° («Operação») da Convenção

105.
    As medidas que os artigos 18.° e 19.° da Convenção impõem em matéria de concepção, construção e operação de instalações nucleares podem ser objecto de disposições que os Estados-Membros estabeleçam para assegurar, em conformidade com o disposto no primeiro parágrafo do artigo 33.° do Tratado CEEA, o respeito das normas de base. Ora, a Comissão é competente para fazer recomendações tendentes à harmonização dessas disposições, tal como resulta do segundo parágrafo do artigo 33.° do Tratado CEEA, interpretado à luz das considerações expostas nos n.os 74 a 83 do presente acórdão. Os Estados-Membros são obrigados a contribuir para a elaboração dessas recomendações através das comunicações referidas no terceiro parágrafo do artigo 33.° do Tratado CEEA.

106.
    Por conseguinte, por razões idênticas às indicadas no n.° 95 do presente acórdão, os artigos 18.° e 19.° da Convenção deveriam ter sido mencionados no parágrafo da declaração que indica as competências da Comunidade.

107.
    Resulta da totalidade das considerações que precedem que o terceiro parágrafo da declaração deve ser anulado na medida em que os artigos 7.°, 14.°, 16.°, n.os 1 e 3, e 17.° a 19.° da Convenção não são mencionados nesse parágrafo.

Quanto às despesas

108.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Contudo, nos termos do n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, se cada parte tiver obtido vencimento parcial. Tendo a Comissão e o Conselho sido parcialmente vencidos, há que decidir que cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1)    O terceiro parágrafo da declaração feita pela Comunidade Europeia da Energia Atómica, nos termos do artigo 30.°, n.° 4, alínea iii), da Convenção sobre Segurança Nuclear, anexada à Decisão do Conselho, de 7 de Dezembro de 1998, que aprova a adesão da Comunidade Europeia da Energia Atómica à Convenção sobre Segurança Nuclear, é anulado na medida em que os artigos 7.°, 14.°, 16.°, n.os 1 e 3, e 17.° a 19.° dessa Convenção não são mencionados nesse parágrafo.

2)     Quanto ao mais, é negado provimento ao recurso.

3)    A Comissão das Comunidades Europeias e o Conselho da União Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Rodríguez Iglesias
Puissochet
Schintgen

Timmermans

Gulmann
Edward

La Pergola

Jann
Skouris

        Macken                        Colneric

von Bahr

Cunha Rodrigues

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Dezembro de 2002.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: inglês.