Language of document : ECLI:EU:C:2012:233

Processo C‑571/10

Servet Kamberaj

contra

Istituto per l’Edilizia Sociale della Provincia autonoma di Bolzano (IPES) e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Bolzano]

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça ― Artigo 34.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ― Diretiva 2003/109/CE ― Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração ― Direito à igualdade de tratamento no que diz respeito à segurança social, à assistência social e à proteção social ― Derrogação do princípio da igualdade de tratamento para as medidas relativas à assistência social e à proteção social ― Exclusão das ‘prestações sociais de base’ do âmbito de aplicação desta derrogação ― Regulamentação nacional que prevê uma ajuda à habitação para os arrendatários menos favorecidos ― Montante dos fundos destinados aos nacionais de países terceiros determinado em função de uma média ponderada diferente ― Indeferimento de um pedido de ajuda à habitação em virtude de o orçamento destinado aos nacionais de países terceiros estar esgotado»

Sumário do acórdão

1.        Direito da União ― Direitos fundamentais ― Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ― Conflito entre a Convenção e uma norma de direito nacional ― Obrigação de o juiz nacional aplicar diretamente as disposições da referida Convenção ― Falta

(Artigo 6.°, n.° 3, TUE)

2.        Controlos nas fronteiras, asilo e imigração ― Política de imigração ― Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração ― Direito à igualdade de tratamento no que respeita à segurança social, à ajuda social e à proteção social

[Diretiva 2003/109 do Conselho, artigo 11.°, n.os 1, alínea d), e 4]

1.        A referência que o artigo 6.°, n.° 3, TUE faz à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais não impõe que o juiz nacional, em caso de conflito entre uma norma de direito nacional e esta convenção, aplique diretamente as disposições da referida convenção, deixando de aplicar a norma de direito nacional incompatível com esta.

É verdade que esta disposição do Tratado UE traduz o princípio segundo o qual os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça. Contudo, este artigo não regula a relação entre a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e as ordens jurídicas dos Estados‑Membros e não determina as consequências que o juiz nacional deve tirar em caso de conflito entre os direitos garantidos por esta convenção e uma norma de direito nacional.

(cf. n.os 61‑63, disp. 2)

2.        O artigo 11.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2003/109, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional ou regional que prevê, no que se refere à concessão de uma ajuda à habitação, um tratamento diferente para um nacional de um país terceiro beneficiário do estatuto de residente de longa duração concedido em conformidade com as disposições desta diretiva em relação ao reservado aos nacionais que residem na mesma província ou região aquando da repartição dos fundos destinados à referida ajuda, na medida em que essa ajuda seja abrangida por uma das três categorias previstas nesta disposição e não seja aplicável o n.° 4 do mesmo artigo.

Sendo a regra geral a integração dos nacionais de países terceiros instalados de forma duradoura nos Estados‑Membros e o direito destes nacionais ao benefício da igualdade de tratamento nos domínios enumerados no artigo 11.°, n.° 1, da Diretiva 2003/109, a derrogação prevista no n.° 4 do mesmo artigo deve ser interpretada em termos estritos. Uma autoridade pública, a nível nacional, regional ou local, só pode invocar a derrogação se as instâncias competentes no Estado‑Membro em causa para a aplicação da Diretiva 2003/109 tiverem manifestado claramente que pretendiam invocar esta derrogação.

O sentido e o alcance do conceito de «prestações sociais de base» constante do artigo 11.°, n.° 4, da Diretiva 2003/109 devem ser determinados tendo em conta o contexto no qual se inscreve este artigo e o objetivo prosseguido por esta diretiva, a saber, a integração dos nacionais de países terceiros que residem legalmente e de forma duradoura nos Estados‑Membros. Esta última disposição deve ser entendida no sentido de que permite que os Estados‑Membros limitem a igualdade de tratamento de que beneficiam os titulares do estatuto concedido pela referida diretiva, com exceção das prestações de assistência social ou de proteção social concedidas pelas autoridades públicas, a nível nacional, regional ou local, que contribuam para permitir que os indivíduos façam face às suas necessidades elementares.

Na medida em que uma ajuda à habitação responde à finalidade enunciada no artigo 34.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a saber, assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, não se pode considerar, no direito da União, que esta não faz parte das prestações sociais de base na aceção do artigo 11.°, n.° 4, da Diretiva 2003/109. Compete ao órgão jurisdicional nacional extrair as conclusões necessárias, levando em consideração a finalidade da ajuda controvertida, o seu montante, as condições da sua concessão e a posição desta ajuda no regime de assistência social nacional.

(cf. n.os 86, 87, 90‑93, disp. 3)