Language of document : ECLI:EU:C:2011:474

Processo C‑324/09

L’Oréal SA e o.

contra

eBay International AG e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela

High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division]

«Marcas – Internet – Proposta de venda num sítio de comércio electrónico destinado a consumidores na União de produtos de marca que o titular pretende vender em Estados terceiros – Remoção da embalagem dos referidos produtos –Directiva 89/104/CEE – Regulamento (CE) n.° 40/94 – Responsabilidade do operador do sítio de comércio electrónico – Directiva 2000/31/CE (‘Directiva sobre o comércio electrónico’) – Medidas inibitórias proferidas contra o referido operador – Directiva 2004/48/CE (‘Directiva relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual’)»

Sumário do acórdão

1.        Aproximação das legislações – Marcas – Interpretação do Regulamento n.° 40/94 e da Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso por um terceiro de um sinal idêntico para produtos idênticos – Utilização da marca na acepção dos artigos 9.° do Regulamento e 5.° da Directiva – Venda, proposta de venda ou publicidade de produtos situados num Estado terceiro num sítio de comércio eletrónico destinado a consumidores na União

(Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigo 9.°; Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.°)

2.        Aproximação das legislações – Marcas – Interpretação do Regulamento n.° 40/94 e da Directiva 89/104 – Esgotamento do direito conferido pela marca – Requisitos –Produto colocado em circulação na Comunidade ou no Espaço Económico Europeu

(Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigo 13.°, n.° 1; Directiva 89/104 do Conselho, artigo 7.°, n.° 1)

3.        Aproximação das legislações – Marcas – Interpretação do Regulamento n.° 40/94 e da Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso por um terceiro de um sinal idêntico para produtos idênticos – Utilização da marca na acepção dos artigos 9.° do Regulamento e 5.° da Directiva – Revenda de parfumes ou de produtos cosméticos não embalados

(Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigo 9.°; Directivas 76/768 do Conselho, artigo 6.°, n.° 1, e 89/104, artigo 5.°)

4.        Aproximação das legislações – Marcas – Interpretação do Regulamento n.° 40/94 e da Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso por um terceiro de um sinal idêntico para produtos idênticos – Utilização da marca na acepção dos artigos 9.° do Regulamento e 5.° da Directiva – Publicidade no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet

[Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigo 9.°; n.° 1, a); Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.°, n.° 1, alínea a)]

5.        Aproximação das legislações – Marcas – Interpretação do Regulamento n.° 40/94 e da Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso por um terceiro de um sinal idêntico para produtos idênticos – Utilização da marca na acepção dos artigos 9.° do Regulamento e 5.° da Directiva – Conceito – Exploração de um sítio de comércio electrónico – Exclusão

(Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigo 9.°; Directiva 2000/31 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 12.° a 15.°; Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.°)

6.        Aproximação das legislações – Comércio electrónico – Directiva 2000/31 – Responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços – Armazenagem em servidor

(Directiva 2000/31 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 14.°, n.° 1)

7.        Aproximação das legislações – Respeito dos direitos de propriedade intelectual – Directiva 2004/48 – Medidas, procedimentos e recursos – Medidas decorrentes da decisão de mérito

(Directiva 2004/48 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 11.°)

1.        Quando produtos situados num Estado terceiro, que ostentam uma marca registada num Estado‑Membro da União ou uma marca comunitária, não anteriormente comercializados no Espaço Económico Europeu ou, se se tratar de uma marca comunitária, não anteriormente comercializados na União, são vendidos por um operador económico através de um sítio de comércio electrónico e sem o consentimento do titular desta marca a um consumidor situado no território protegido pela referida marca, ou são objecto de uma proposta de venda ou de publicidade nesse sítio destinado a consumidores situados neste território, o referido titular pode opor‑se a essa venda, a essa proposta de venda ou a essa publicidade ao abrigo das regras previstas no artigo 5.° da Primeira Directiva 89/104 em matéria de marcas, ou no artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94, sobre a marca comunitária. Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar de forma casuística se existem indícios relevantes para concluir que uma proposta de venda ou uma publicidade exibida num sítio de comércio electrónico acessível no referido território se destina a consumidores situados neste território.

As regras da Directiva 89/104 e do Regulamento n.° 40/94 são aplicáveis quando a proposta de venda do produto de marca que se encontra num Estado terceiro se destina a consumidores situados no território protegido pela marca. Com efeito, em caso contrário, os operadores que recorrem ao comércio electrónico propondo vender, num sítio de comércio electrónico destinado a consumidores situados na União, produtos de marca situados num Estado terceiro, que é possível visualizar no ecrã e encomendar através do referido sítio de comércio electrónico, não teriam, no que diz respeito às propostas de venda deste tipo, a obrigação de respeitar as regras da União em matéria de propriedade intelectual. Esta situação prejudicaria o efeito útil destas regras.

A este respeito, por força dos artigos 5.°, n.° 3, alíneas b) e d), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 2, alíneas b) e d), do Regulamento n.° 40/94, o uso, por parte de terceiros, de sinais idênticos ou semelhantes a marcas aos quais os titulares destas se podem opor abrange a utilização desses sinais nas propostas de venda e na publicidade. A efectividade destas regras seria prejudicada caso o uso, numa proposta de venda ou numa publicidade na Internet destinada a consumidores situados na União, de um sinal idêntico ou semelhante a uma marca registada na União escapasse à aplicação daquelas pelo simples facto de o terceiro que apresentou esta proposta de venda ou publicidade se encontrar estabelecido num Estado terceiro, de o servidor do sítio Internet que utiliza se situar neste Estado ou ainda de o produto objecto da referida proposta de venda ou da referida publicidade se situar num Estado terceiro.

Todavia, a simples possibilidade de acesso a um sítio Internet no território protegido pela marca não é suficiente para concluir que as propostas de venda aí exibidas se destinam a consumidores situados neste território. Com efeito, se a possibilidade de acesso no referido território a um sítio de comércio electrónico fosse suficiente para que os anúncios aí apresentados fossem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 89/104 e do Regulamento n.° 40/94, os sítios e os anúncios que se destinam exclusivamente, de forma inequívoca, a consumidores situados em Estados terceiros, cujo acesso é, porém, tecnicamente possível no território da União, seriam indevidamente sujeitos ao direito da União.

(cf. n.os 61‑64, 67, disp. 1)

2.        O fornecimento pelo titular de uma marca aos seus distribuidores autorizados de objectos que ostentam essa marca, destinados a demonstração para os consumidores nos pontos de venda autorizados, bem como de frascos que ostentam essa marca, nos quais são colocadas pequenas quantidades para serem oferecidas aos consumidores como amostras gratuitas, não constitui, na falta de elementos probatórios em sentido contrário, uma colocação no mercado na acepção da Primeira Directiva 89/104 em matéria de marcas, ou do Regulamento n.° 40/94, sobre a marca comunitária.

(cf. n.° 73, disp. 2)

3.        O artigo 5.° da Primeira Directiva 89/104 em matéria de marcas e o artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94 sobre a marca comunitária devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca se pode opor, ao abrigo do direito exclusivo por ela conferido, à revenda de perfumes ou de produtos cosméticos, com fundamento no facto de o revendedor lhes ter tirado a embalagem, quando a falta de embalagem tiver como consequência a omissão de informações essenciais, como as relativas à identificação do fabricante ou do responsável pela colocação no mercado do produto cosmético. Quando a falta de embalagem não ocasione esta omissão de informações, o titular da marca pode ainda opor‑se à revenda, sem embalagem, de um perfume ou de um produto cosmético que ostenta a marca de que é titular se demonstrar que a falta de embalagem prejudicou a imagem do referido produto e, assim, a reputação da marca.

Tendo em conta a variedade de gamas de perfumes e de produtos cosméticos, a questão de saber se a remoção da embalagem de um produto prejudica a imagem deste último e, por conseguinte, a reputação da marca que ostenta deve ser examinada de forma casuística. Com efeito, a aparência de um perfume ou de um produto cosmético sem embalagem externa pode, por vezes, transmitir eficazmente a imagem de prestígio e de luxo deste produto, enquanto, noutros casos, a remoção da referida embalagem tem por efeito, precisamente, prejudicar essa imagem. Este prejuízo pode ocorrer quando a embalagem contribui, de forma semelhante ou superior ao frasco ou ao recipiente, para a apresentação da imagem do produto criado pelo titular da marca e dos seus distribuidores autorizados. Também é possível que a inexistência de certas ou de todas as informações exigíveis nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 76/768 relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos prejudique a imagem do produto. Compete ao titular da marca provar a existência dos elementos constitutivos deste prejuízo.

Além disso, tendo a marca a função essencial de garantir ao consumidor a identidade de origem do produto, esta serve, nomeadamente, para confirmar que todos os produtos que ostentam esta marca foram fabricados ou prestados sob o controlo de uma única empresa à qual pode ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles. Ora, quando não existem certas informações legalmente exigidas, como as relativas à identificação do fabricante ou do responsável pela colocação no mercado do produto cosmético, a função de indicação da origem da marca é prejudicada, na medida em que esta última é privada do seu efeito essencial, que consiste em garantir que os produtos que designa são fornecidos sob o controlo de uma única empresa à qual pode ser atribuída a responsabilidade pela sua qualidade.

Aliás, a questão de saber se a proposta de venda ou a venda de produtos de marca sem embalagem externa e, assim, sem certas informações exigidas nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 76/768 é ou não criminalizada no direito nacional é irrelevante para efeitos da aplicabilidade das regras da União em matéria de protecção das marcas.

(cf. n.os 78‑83, disp. 3)

4.        Os artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104 em matéria de marcas e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 sobre a marca comunitária, devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca fica habilitado a proibir que um operador de um sítio de comércio electrónico publicite, a partir de uma palavra‑chave idêntica à referida marca que este operador seleccionou no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, produtos desta marca colocados à venda no referido sítio de comércio electrónico sempre que esta publicidade não permita ou só dificilmente permita a um internauta normalmente informado e razoavelmente atento saber se os referidos produtos provêm do titular da marca ou de uma empresa que lhe está economicamente ligada, ou, pelo contrário, provêm de um terceiro.

Na medida em que operador do sítio de comércio electrónico utilizou palavras‑chave que correspondem a marcas para promover propostas de venda de produtos de marcas provenientes dos seus clientes vendedores, fez uso para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais as marcas são registadas. A este respeito, a expressão «para produtos ou serviços» não se refere exclusivamente aos produtos ou serviços do terceiro que faz uso de sinais que correspondem às marcas mas também se pode referir aos produtos ou serviços de outras pessoas. Com efeito, a circunstância de um operador económico utilizar sinais que correspondem a uma marca para produtos que não são os seus próprios produtos, no sentido de que não dispõe de qualquer título relativo a estes, não impede, em si, que este uso seja abrangido pelos artigos 5.° da Directiva 89/104 e 9.° do Regulamento n.° 40/94.

No que diz respeito, especificamente, à situação em que o prestador de um serviço usa um sinal que corresponde a uma marca de outrem para promover produtos que um dos seus clientes comercializa com o apoio deste serviço, esse uso é abrangido pelo âmbito de aplicação do n.° 1 dos artigos 5.° da Directiva 89/104 e 9.° do Regulamento n.° 40/94, sempre que este é feito de tal modo que se estabelece um nexo entre o referido sinal e o referido serviço.

(cf. n.os 91, 92, 97, disp. 4)

5.        O operador de um sítio de comércio electrónico não faz «uso», na acepção dos artigos 5.° da Primeira Directiva 89/104 em matéria de marcas e 9.° do Regulamento n.° 40/94 sobre a marca comunitária, de sinais idênticos ou semelhantes a marcas que aparecem nas propostas de venda exibidas no seu sítio.

Com efeito, o «uso» de um sinal idêntico ou semelhante à marca do titular por parte de um terceiro, na acepção dos artigos 5.° da Directiva 89/104 e 9.° do Regulamento n.° 40/94, implica, pelo menos, que este último utilize o sinal no quadro da sua própria comunicação comercial. Ora, na medida em que o terceiro presta um serviço que consiste em permitir que os seus clientes façam aparecer, no quadro das suas actividades comerciais, como as suas propostas de venda, sinais que correspondem a marcas no seu sítio, aquele não faz, ele próprio, no referido sítio, uma utilização destes sinais na acepção da referida legislação da União. Daqui decorre que o uso de sinais idênticos ou semelhantes a marcas nas propostas de venda publicitadas num sítio de comércio electrónico é feito pelos clientes vendedores do operador deste sítio e não directamente por este operador.

Na medida em que este operador permite aos seus clientes este uso, o papel do operador do sítio de comércio electrónico não pode ser apreciado à luz das disposições da Directiva 89/104 e do Regulamento n.° 40/94, antes devendo ser examinado sob o ângulo de outras regras de direito, como as enunciadas na Directiva 2000/31 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico»), em particular na secção 4 do capítulo II desta, relativa à «responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços» no comércio electrónico e que abrange os artigos 12.° a 15.° desta directiva.

(cf. n.os 102‑105, disp. 5)

6.        O artigo 14.°, n.° 1, da Directiva 2000/31, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico»), deve ser interpretado no sentido de que se aplica ao operador de um sítio de comércio electrónico quando este não tenha desempenhado um papel activo que lhe permita ter um conhecimento ou um controlo dos dados armazenados.

O referido operador desempenha esse papel quando presta uma assistência que consiste, nomeadamente, em optimizar a apresentação das propostas de venda em causa ou em as promover.

Mesmo quando o operador do sítio de comércio electrónico não tenha desempenhado um papel activo na acepção do número precedente e a sua prestação de serviço for, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 14.°, n.° 1, da Directiva 2000/31, este não pode, no entanto, num processo susceptível de dar azo a uma condenação no pagamento de uma indemnização, invocar a isenção de responsabilidade prevista nesta disposição se tiver tido conhecimento de factos ou de circunstâncias com base nos quais um operador económico diligente devesse conhecer a ilicitude das propostas de venda em causa e, caso delas tenha tido conhecimento, não tiver actuado com diligência em conformidade com o n.° 1, alínea b), do referido artigo 14.°

(cf. n.os 123, 124, disp. 6)

7.        O artigo 11.°, terceiro período, da Directiva 2004/48, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, deve ser interpretado no sentido de que exige que os Estados‑Membros assegurem que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes em matéria de protecção dos direitos da propriedade intelectual possam proferir medidas inibitórias que imponham que o operador de um sítio de comércio electrónico tome medidas que contribuam não apenas para pôr termo às violações destes direitos cometidas por utilizadores deste sítio de comércio eletrónico, mas também para prevenir novas violações desta natureza. Estas medidas inibitórias devem ser efectivas, proporcionadas, dissuasivas e não devem criar obstáculos ao comércio legítimo.

(cf. n.° 144, disp. 7)