Language of document : ECLI:EU:C:2005:665

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de Novembro de 2005 (*)

«Cooperação judiciária em matéria civil – Citação e notificação de actos judiciais e extrajudiciais – Não tradução do acto – Consequências»

No processo C‑443/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.° CE e 234.° CE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 17 de Outubro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de Outubro de 2003, no processo

Götz Leffler

contra

Berlin Chemie AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas (relator) e J. Malenovský, presidentes de secção, S. von Bahr, J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta, K. Lenaerts, E. Juhász, G. Arestis, A. Borg Barthet e M. Ilešič, juízes,

advogada‑geral: C. Stix-Hackl,

secretária: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Abril de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de G. Leffler, por D. Rijpma e R. Bakels, advocaten,

–        em representação da Berlin Chemie AG, por A. Hagedorn, B. Gabriel e J. I. van Vlijmen, advocaten,

–        em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e C. M. Wissels, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por W.‑D. Plessing, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e A. Bodard‑Hermant, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo português, por L. Fernandes e M. Fernandes, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 28 de Junho de 2005,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação do artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros (JO L 160, p. 37, a seguir «regulamento»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre G. Leffler, residente nos Países Baixos, e a sociedade de direito alemão Berlin Chemie AG (a seguir «Berlin Chemie»), a fim de obter o levantamento de penhoras efectuadas por esta sociedade sobre os bens de G. Leffler.

 Quadro jurídico

3        O regulamento tem como objectivo melhorar a eficácia e a rapidez dos processos judiciais, consagrando o princípio da comunicação directa dos actos judiciais e extrajudiciais.

4        Antes da entrada em vigor do regulamento, a maior parte dos Estados‑Membros estavam vinculados pela Convenção de Haia, de 15 de Novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, que estabelece um mecanismo de cooperação administrativa que permite a citação ou a notificação de um acto por intermédio de uma autoridade central. Além disso, o artigo IV do Protocolo relativo à Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 197), com as modificações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e – texto alterado – p. 77), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1) e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»), previa a possibilidade de citação por meios mais directos. O artigo IV, segundo parágrafo, do referido protocolo tem a seguinte redacção:

«Desde que o Estado destinatário a tal não se oponha mediante declaração dirigida ao secretário‑geral do Conselho das Comunidades Europeias, esses actos podem também ser transmitidos directamente pelos oficiais de justiça do Estado em que forem praticados aos oficiais de justiça do Estado em cujo território se encontre o destinatário do acto. Neste caso, o oficial de justiça do Estado de origem transmitirá uma cópia do acto ao oficial de justiça do Estado requerido, que tem competência para a enviar ao destinatário. Essa remessa será feita na forma prevista pela lei do Estado requerido e será comprovada por certidão enviada directamente ao oficial de justiça do Estado de origem.»

5        O Conselho de Ministros da Justiça, reunido em 29 e 30 de Outubro de 1993, encarregou um grupo de trabalho, denominado «Grupo para a simplificação da comunicação dos actos», de elaborar um instrumento com vista a simplificar e acelerar os processos de comunicação dos actos entre os Estados‑Membros. Este trabalho conduziu à aprovação, com base no artigo K.3 do Tratado UE (os artigos K a K.9 do Tratado UE foram substituídos pelos artigos 29.° UE a 42.° UE), da Convenção relativa à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros da União Europeia (a seguir «Convenção»). Esta Convenção foi aprovada por acto do Conselho da União Europeia de 26 de Maio de 1997 (JO C 261, p. 1; texto da Convenção, p. 2; protocolo relativo à interpretação da Convenção pelo Tribunal de Justiça, p. 17).

6        A Convenção ainda não entrou em vigor. Na medida em que o seu texto inspirou o do regulamento, o relatório explicativo da Convenção (JO 1997, C 261, p. 26) foi invocado para esclarecer a interpretação do referido regulamento.

7        Após a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, a Comissão apresentou, em 26 de Maio de 1999, uma proposta de directiva do Conselho relativa à citação e à notificação dos actos judiciais ou extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (JO C 247 E, p. 11).

8        Quando este documento foi submetido ao Parlamento Europeu, este pretendeu que ele fosse aprovado sob a forma de regulamento. No seu relatório (A5‑0060/1999 final, de 11 de Novembro de 1999), o Parlamento observou a este respeito:

«O regulamento, ao contrário da directiva, apresenta a vantagem de assegurar uma aplicação rápida, clara e homogénea do texto comunitário que corresponde ao objectivo prosseguido. Foi este, aliás, o tipo de instrumento escolhido para ‘a comunitarização’ das outras convenções que estão actualmente a ser apreciadas.»

9        O segundo considerando do regulamento prevê:

«O bom funcionamento do mercado interno exige que se melhore e torne mais rápida a transmissão entre os Estados‑Membros de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil ou comercial para efeitos de citação e notificação.»

10      Os sétimo a décimo considerandos do mesmo regulamento têm a seguinte redacção:

«(7)      A celeridade da transmissão justifica a utilização de todos os meios adequados, respeitando determinadas condições quanto à legibilidade e à fidelidade do documento recebido. A segurança da transmissão exige que o acto a transmitir seja acompanhado de um formulário que deve ser preenchido na língua do local onde a citação ou a notificação tem lugar ou noutra língua reconhecida pelo Estado requerido.

(8)      A fim de assegurar a eficácia do presente regulamento, a possibilidade de recusar a citação ou a notificação dos actos limita‑se a situações excepcionais.

(9)      A celeridade da transmissão justifica que a citação ou a notificação do acto tenha lugar nos dias subsequentes à recepção do acto. Todavia, se depois de um mês a citação ou a notificação não forem executadas, a entidade requerida deverá informar deste facto a entidade de origem. O termo desse prazo não implica que o pedido seja devolvido à entidade de origem caso seja considerado possível dar‑lhe cumprimento num prazo razoável.

(10)      A fim de defender os interesses do destinatário, a citação ou a notificação deverá ser realizada na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deve ser cumprida ou em uma outra língua do Estado‑Membro de origem que o destinatário compreenda.»

11      O artigo 4.°, n.° 1, do regulamento prevê:

«Os actos judiciais são transmitidos, directamente e no mais breve prazo possível, entre as entidades designadas conforme o disposto no artigo 2.°»

12      O artigo 5.° do regulamento estabelece:

«Tradução dos actos

1.      O requerente é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a recepção do acto se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.°

2.      O requerente suporta o pagamento de despesas de tradução que possam ter lugar previamente à transmissão do acto, sem prejuízo de eventual decisão posterior do tribunal, ou da autoridade competente, em matéria de imputação dessas despesas.»

13      O artigo 7.° do regulamento tem a seguinte redacção:

«Citação ou notificação dos actos

1.      A entidade requerida procede ou manda proceder à citação ou notificação do acto, quer segundo a lei do Estado‑Membro requerido, quer segundo a forma própria pedida pela entidade de origem, a menos que essa forma seja incompatível com a lei daquele Estado‑Membro.

2.      Todas as diligências necessárias à citação ou notificação são efectuadas no mais breve prazo possível. Não sendo possível, em qualquer circunstância, proceder à citação ou notificação no prazo de um mês a contar da recepção, a entidade requerida deve comunicar o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão, constante do anexo, lavrada nos termos estabelecidos no n.° 2 do artigo 10.° O prazo é contado de acordo com a lei do Estado‑Membro requerido.»

14      O artigo 8.° do regulamento prevê:

«Recusa de recepção do acto

1.      A entidade requerida avisa o destinatário de que pode recusar a recepção do acto se este estiver redigido numa língua que não seja qualquer das seguintes:

a)      A língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deve ser efectuada a citação ou a notificação;

ou

b)      Uma língua do Estado‑Membro de origem que o destinatário compreenda.

2.      Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto nos termos previstos no n.° 1, comunicará o facto imediatamente à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão prevista no artigo 10.°, e devolver‑lhe‑á o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.»

15      O artigo 9.° do mesmo regulamento tem a seguinte redacção:

«Data de citação ou de notificação

1.      Sem prejuízo do artigo 8.°, a data de citação ou notificação de um acto efectuada nos termos do artigo 7.° é a data em que o acto foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado‑Membro requerido.

2.      Todavia, quando um acto tiver de ser citado ou notificado no âmbito de um processo a instaurar ou pendente no Estado‑Membro de origem, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente será a fixada na lei desse Estado‑Membro.

3.      Os Estados‑Membros ficam autorizados a derrogar o disposto nos n.os 1 e 2 por um período transitório de cinco anos, por motivos que o justifiquem.

Os Estados‑Membros podem renovar este período transitório de cinco em cinco anos por razões ligadas aos seus sistemas jurídicos. Os Estados‑Membros devem informar a Comissão do teor da referida derrogação e das circunstâncias do caso.»

16      O artigo 19.° do regulamento estabelece:

«Não comparência do demandado

1.      Se uma petição inicial ou um acto equivalente foi transmitido para outro Estado‑Membro para citação ou notificação, segundo as disposições do presente regulamento, e o demandado não compareceu, o juiz sobrestará no julgamento, enquanto não for determinado:

a)      Ou que o acto foi objecto de citação ou de notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado‑Membro requerido para citação ou para notificação dos actos emitidos neste país e dirigidos a pessoas que se encontrem no seu território;

b)      Ou que o acto foi efectivamente entregue ao demandado ou na sua residência, segundo um outro processo previsto pelo presente regulamento,

e que, em cada um destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega foi feita em tempo útil para que o demandado tenha podido defender‑se.

[…]»

17      O regulamento prevê a utilização de diversos formulários‑tipo que são incluídos em anexo. Um destes formulários, elaborado de acordo com o artigo 10.° do regulamento, é designado por «certidão de citação/notificação ou de não citação/notificação de um acto». O ponto 14 deste formulário prevê uma menção no caso de o destinatário recusar a recepção do acto em virtude da língua utilizada. O ponto 15 do mesmo formulário indica diferentes motivos de falta de citação ou notificação do acto.

18      O artigo 26.°, n.os 1 a 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), tem a seguinte redacção:

«1.      Quando o requerido domiciliado no território de um Estado‑Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado‑Membro e não compareça, o juiz declarar‑se‑á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento.

2.      O juiz deve suspender a instância, enquanto não se verificar que a esse requerido foi dada a oportunidade de receber o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efectuadas todas as diligências.

3.      Será aplicável, em vez do disposto no n.° 2, o artigo 19.° do Regulamento (CE) n.° 1348/2000 […] se o acto que iniciou a instância tiver sido transmitido por um Estado‑Membro a outro em execução desse regulamento.»

19      Por outro lado, o artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001 prevê que uma decisão proferida num Estado‑Membro não será reconhecida noutro Estado‑Membro «[s]e o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».

 O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

20      Resulta da decisão de reenvio que, por citação de 21 de Junho de 2001, G. Leffler requereu ao presidente do Rechtbank te Arnhem a aplicação de uma medida provisória contra a Berlin Chemie para obter o levantamento das penhoras efectuadas por esta sociedade e uma ordem que lhe proibisse requerer novas penhoras. A Berlin Chemie contestou o pedido e, por despacho de 13 de Julho de 2001, o presidente do Rechtbank indeferiu os pedidos de G. Leffler.

21      Por notificação de 27 de Julho de 2001, efectuada no escritório do mandatário da Berlin Chemie, G. Leffler interpôs recurso para o Gerechtshof te Arnhem. A Berlin Chemie foi notificada para a audiência neste tribunal de 7 de Agosto de 2001.

22      Contudo, na medida em que o processo em questão não tinha sido inscrito para julgamento no Gerechtshof, G. Leffler procedeu, em 9 de Agosto de 2001, a uma citação rectificativa. Nos termos desta, a Berlin Chemie foi citada para a audiência de 23 de Agosto de 2001, não tendo nela comparecido.

23      O Gerechtshof decidiu sobrestar na decisão do pedido de G. Leffler no sentido de condenar a Berlin Chemie à revelia, para dar a possibilidade ao demandante de citar a ré para a audiência, como previsto no artigo 4.°, ponto 7 (antigo), do Código de Processo Civil neerlandês (Wetboek van Burgerlijke Rechtsvordering) e no regulamento.

24      Por acto de oficial de justiça de 7 de Setembro de 2001, notificado aos serviços do Procurador‑Geral junto do Gerechtshof, a Berlin Chemie foi notificada para a audiência de 9 de Outubro de 2001. Esta sociedade não compareceu na audiência.

25      O Gerechtshof decidiu de novo sobrestar na decisão do pedido de G. Leffler no sentido de condenar a ré à revelia, desta feita esperando pela apresentação de elementos que provassem que a citação ou notificação tinha sido feita em conformidade com o artigo 19.° do regulamento. Alguns documentos foram apresentados na audiência de 4 de Dezembro de 2001.

26      Por acórdão de 18 de Dezembro de 2001, o Gerechtshof não condenou a Berlin Chemie à revelia, como requerido por G. Leffler, e declarou extinta a instância.

27      Os pontos relevantes do referido acórdão, tal como reproduzidos pelo tribunal de reenvio, são os seguintes:

«3.1  Resulta dos dados fornecidos que a citação ou notificação da Berlin Chemie foi efectuada nos termos da legislação alemã, mas que a Berlin Chemie se recusou a receber os actos, por não estarem traduzidos em língua alemã.

3.2      Os actos notificados na Alemanha não se encontram traduzidos na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua que o destinatário da notificação compreenda. Assim, não se respeita o requisito do artigo 8.° do regulamento da UE relativo às citações e notificações. Nestas circunstâncias, o pedido de condenação à revelia deve ser indeferido.»

28      G. Leffler interpôs recurso de cassação do acórdão de 18 de Dezembro de 2001, alegando que o Gerechtshof incorreu num erro de direito no n.° 3.2 dos fundamentos do acórdão. Segundo ele, o referido órgão jurisdicional deveria ter condenado a ré à revelia; a título subsidiário, alega que o mesmo tribunal devia ter fixado uma nova data para a audiência e ordenado a citação da Berlin Chemie para esse dia, mediante a rectificação de eventuais erros da citação anterior.

29      O tribunal de reenvio constata que o artigo 8.° do regulamento não prevê as consequências de uma recusa de recebimento da notificação, salientando, designadamente:

«[…] Pode entender‑se que, uma vez que o destinatário tinha motivos legítimos para recusar a recepção do acto, é como se não tivesse sido efectuada qualquer notificação. Contudo, também pode ter de admitir‑se que, após a recusa de recepção do acto pelo seu destinatário, o vício ainda pode ser sanado, através do envio ao destinatário de uma tradução. Neste último caso, coloca‑se a questão de saber em que prazo e de que modo deve a tradução ser levada ao conhecimento do destinatário. Deve a tradução ser enviada através da via indicada no regulamento para a citação e notificação dos actos ou pode escolher‑se livremente o modo de envio? Por outro lado, caso seja possível sanar o vício, é importante saber se o direito processual nacional é aplicável.»

30      O Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      Deve o artigo 8.°, n.° 1, do regulamento ser interpretado no sentido de que, em caso de recusa do destinatário em receber o acto por não ter sido cumprido o requisito de língua dessa disposição, o remetente tem a possibilidade de sanar o vício?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, a recusa de recepção do acto tem necessariamente como consequência jurídica a absoluta ineficácia da notificação?

3)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

a)      Em que prazo e de que modo deve a tradução ser levada ao conhecimento do destinatário?

Está o envio da tradução sujeito aos mesmos requisitos que os previstos no regulamento para a citação e notificação dos actos ou pode escolher‑se livremente o modo de envio?

b)      O direito processual nacional é aplicável quanto à possibilidade de sanar o vício?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta se o artigo 8.°, n.° 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que, quando o destinatário de um acto o recusa por não estar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que o destinatário compreenda, o remetente tem a possibilidade de sanar a falta de tradução.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

32      Os Governos alemão e finlandês consideram que as consequências da recusa do acto devem ser determinadas segundo o direito nacional. Em apoio da sua tese, invocam o comentário aos artigos 5.° e 8.° que constam do relatório explicativo da Convenção, a remissão pelo Tribunal de Justiça, no acórdão de 3 de Julho de 1990, Lancray (C‑305/88, Colect., p. I-2725, n.° 29), para o direito nacional para apreciar a eventual reparação dos vícios de uma citação bem como para os trabalhos preparatórios do regulamento, tal como descritos por um comentador, de onde resulta que as delegações dos Estados‑Membros não desejavam que o regulamento interferisse com o direito processual nacional. De acordo com a solução da regulamentação nacional aplicável, seria ou não permitido sanar a falta de tradução.

33      G. Leffler, os Governos neerlandês, francês e português, bem como a Comissão, nas suas alegações orais, sustentam que as consequências da recusa do acto devem resultar da interpretação autónoma do regulamento e, segundo esta interpretação, deve ser autorizada a sanação da falta de tradução. Assinalam o objectivo do regulamento de acelerar e simplificar o processo de comunicação dos actos e sublinham que o facto de não permitir a sanação da falta de tradução privaria o artigo 5.°, n.° 1, do regulamento do seu efeito útil, uma vez que, neste caso, os operadores não correm qualquer risco e procedem sistematicamente à tradução dos documentos. Salientam ainda que os termos «cuja tradução é solicitada» constantes do artigo 8.°, n.° 2, do regulamento só têm razão de ser se for possível sanar a falta de tradução, assim como o facto de algumas passagens do relatório explicativo da Convenção deixarem subentender a existência dessa possibilidade.

34      A Comissão invoca ainda diversos elementos que justificam que a falta de tradução não seja considerada causa de nulidade absoluta da citação. Designadamente, os formulários‑tipo distinguem a menção relativa à falta de notificação regular (ponto 15 do formulário elaborado de acordo com o artigo 10.° do regulamento) da relativa à recusa do acto por motivos linguísticos (ponto 14 do mesmo formulário). Além disso, o artigo 8.°, n.° 2, do regulamento trata do envio de documentos cuja tradução é solicitada, e não de todos os documentos, como seria o caso se a notificação não produzisse nenhum efeito. A Comissão salienta que nenhuma norma estabelece a nulidade automática da citação no caso de não existir tradução e que admitir tal nulidade seria contrário ao princípio de que a nulidade tem de estar expressamente prevista na lei («pas de nullité sans texte»). Finalmente, salienta que a nulidade absoluta excede o necessário para proteger os interesses da pessoa em cujo interesse é estabelecida, sendo que uma nulidade não se concebe sem prejuízo («pas de nullité sans grief»).

35      A Berlin Chemie sustenta que a simplificação das notificações não se pode fazer em detrimento da segurança jurídica nem dos direitos do destinatário. É necessário que o destinatário esteja em condições de compreender rapidamente em que tipo de processo está envolvido e de preparar a sua defesa. A Berlin Chemie afirma que, em caso de dúvida sobre a eventual natureza urgente do processo em causa, o próprio destinatário do acto promoverá, por prudência, a sua tradução, quando não lhe caberia a ele suportar o risco e os custos da falta de tradução. Em contrapartida, o remetente está informado dos riscos decorrentes da falta de tradução e pode tomar as medidas necessárias para não os correr. Finalmente, o facto de se permitir sanar a falta de tradução atrasa os processos, especialmente na hipótese de o juiz dever, em primeiro lugar, determinar se a recusa de recebimento do acto não traduzido é justificada. Isso pode sempre dar origem a abusos.

36      No que se refere à protecção do destinatário, réu num processo, G. Leffler e o Governo neerlandês afirmam que está suficientemente assegurada pelo artigo 19.° do regulamento. Tal como o Governo francês, consideram que o juiz tem competência para fixar os prazos por forma a ter em conta os interesses das partes e, designadamente, para permitir ao réu preparar a sua defesa. Quanto ao atraso do processo causado pela necessidade de sanar a falta de tradução, o Governo neerlandês sustenta que é essencialmente o autor que fica prejudicado e não o réu destinatário.

 Resposta do Tribunal

37      Tem de constatar‑se que o artigo 8.° do regulamento não prevê consequências jurídicas para a recusa de um acto pelo seu destinatário por não estar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que o destinatário compreenda.

38      Contudo, as outras disposições do regulamento, o objectivo, recordado nos segundo e sexto a nono considerandos deste regulamento, de assegurar a rapidez e a eficácia da transmissão dos actos e o efeito útil que deve ser reconhecido à possibilidade, prevista nos artigos 5.° e 8.° do referido regulamento, de não traduzir o acto na língua oficial do Estado requerido justificam que seja excluída a nulidade do acto, quando este tiver sido recusado pelo destinatário com o motivo de não estar redigido na referida língua ou numa língua do Estado‑Membro de origem compreendida pelo destinatário, e que, pelo contrário, seja admitida a possibilidade de se sanar a falta de tradução.

39      Em primeiro lugar, há que constatar que nenhuma disposição do regulamento prevê que a recusa do acto por não observância do referido artigo 8.° implique a nulidade do acto. Pelo contrário, embora o regulamento não precise exactamente as consequências da recusa do acto, pelo menos várias das suas disposições permitem pensar que pode sanar‑se a falta de tradução.

40      Assim, a menção «documentos cuja tradução é solicitada», constante do artigo 8.°, n.° 2, do regulamento, significa que o destinatário pode pedir uma tradução e, portanto, que o remetente pode sanar a falta de tradução enviando a tradução solicitada. Com efeito, esta menção é diferente dos termos «documentos transmitidos» utilizados no artigo 6.°, n.os 2 e 3, do regulamento para designar o conjunto dos documentos comunicados pela entidade remetente à entidade requerida e não apenas alguns desses documentos.

41      De igual modo, o formulário‑tipo que certifica o cumprimento ou não cumprimento da citação ou da notificação, elaborado em conformidade com o artigo 10.° do regulamento, não inclui a recusa do acto devido à língua utilizada como motivo possível de falta de citação ou de notificação, prevendo essa menção num local distinto. Isto permite concluir que a recusa do acto não deve ser considerada como falta de citação ou de notificação.

42      Além disso, admitir que nunca se pudesse sanar essa recusa prejudicaria de tal forma os direitos do remetente que este nunca correria o risco de comunicar um acto não traduzido, pondo assim em causa a utilidade do regulamento e, mais particularmente, das suas disposições relativas à tradução dos actos, que contribuem para o objectivo de assegurar a rapidez da sua transmissão.

43      Contra esta interpretação não se pode sustentar que as consequências da recusa do acto devem ser determinadas pelo direito nacional. Não se podem validamente invocar a este respeito os comentários que constam do relatório explicativo da Convenção, a decisão do Tribunal de Justiça no acórdão Lancray, já referido, ou os trabalhos preparatórios do regulamento.

44      Com efeito, o facto de se deixar que seja o direito nacional a determinar se o próprio princípio da possibilidade de sanar a falta de tradução é admitido impediria qualquer aplicação uniforme do regulamento, uma vez que não se exclui que os Estados‑Membros prevejam soluções diferentes para essa questão.

45      Ora, o objectivo do Tratado de Amesterdão de criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, dando com isso uma dimensão nova à Comunidade, e a transferência, do Tratado UE para o Tratado CE, do regime que permite a adopção de medidas que se incluem no domínio da cooperação judiciária em matéria civil com efeitos transfronteiriços atestam a vontade dos Estados‑Membros de ancorar essas medidas na ordem jurídica comunitária e de consagrar o princípio da sua interpretação autónoma.

46      Da mesma forma, a escolha da forma de regulamento, em vez da forma de directiva inicialmente proposta pela Comissão, prova a importância que o legislador comunitário atribuiu à aplicabilidade directa das disposições do referido regulamento e à sua aplicação uniforme.

47      Daqui decorre que os comentários constantes do relatório explicativo da Convenção, celebrada antes da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, embora úteis, não podem ser invocados contra uma interpretação autónoma do regulamento que impõe uma consequência uniforme para a recusa do acto com o motivo de o mesmo não se encontrar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem compreendida pelo seu destinatário. De igual forma, deve salientar‑se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça decorrente do acórdão Lancray, já referido, se situa no contexto da interpretação de um instrumento jurídico de outra natureza e que, ao contrário do regulamento, não pretendia instituir um sistema intracomunitário de citação e de notificação.

48      Finalmente, no que se refere às conclusões tiradas pelo Governo alemão dos trabalhos preparatórios descritos por um comentador, basta realçar que a suposta vontade das delegações dos Estados‑Membros não se materializou no próprio texto do regulamento. Daqui decorre que estes alegados trabalhos preparatórios não podem ser invocados contra uma interpretação autónoma do regulamento com vista a assegurar um efeito útil às disposições que ele consagra, com o objectivo da sua aplicação uniforme na Comunidade, no respeito da sua finalidade.

49      Interpretar o regulamento no sentido de que impõe a possibilidade de sanar a falta de tradução como consequência uniforme da recusa do acto por não estar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem compreendida pelo destinatário não põe em causa a importância do direito nacional e a função do juiz nacional. Com efeito, como resulta de jurisprudência constante, na falta de regulamentação comunitária, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a protecção dos direitos que decorrem, para os cidadãos, do efeito directo do direito comunitário (v., designadamente, acórdão de 16 de Dezembro de 1976, Rewe, 33/76, Colect., p. 813, n.° 5).

50      O Tribunal precisou no entanto que estas modalidades não podem ser menos favoráveis do que as modalidades relativas a direitos com origem na ordem jurídica interna (princípio da equivalência) nem podem tornar impossível ou excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v. acórdãos Rewe, já referido, n.° 5; de 10 de Julho de 1997, Palmisani, C‑261/95, Colect., p. I‑4025, n.° 27, e de 15 de Setembro de 1998, Edis, C‑231/96, Colect., p. I‑4951, n.° 34). A este respeito, como salientou a advogada‑geral nos n.os 38 e 64 das suas conclusões, o princípio da efectividade deve levar o juiz nacional a só aplicar modalidades processuais previstas pela sua ordem jurídica interna quando elas não ponham em causa a razão de ser e a finalidade do regulamento.

51      Daqui decorre que, quando o regulamento não prevê as consequências de determinados factos, cabe ao juiz nacional aplicar, em princípio, o seu direito nacional, zelando por assegurar a plena eficácia do direito comunitário, o que o pode conduzir a afastar, se necessário, uma norma nacional que isso obste ou a interpretar uma norma nacional elaborada tendo apenas em vista uma situação puramente interna com o objectivo de a aplicar à situação transfronteiriça em causa (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 9 de Março de 1978, Simmenthal, 106/77, Colect., p. 243, n.° 16; de 19 de Junho de 1990, Factortame e o., C‑213/89, Colect., p. I‑2433, n.° 19; de 20 de Setembro de 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, Colect., p. I‑6297, n.° 25, e de 17 de Setembro de 2002, Muñoz e Superior Fruiticola, C‑253/00, Colect., p. I‑7289, n.° 28).

52      É igualmente ao juiz nacional que cabe zelar por que sejam garantidos os direitos das partes em causa, designadamente, a possibilidade de um destinatário de um acto dispor de tempo suficiente para preparar a sua defesa ou o direito do remetente de um acto, por exemplo, num processo urgente em que o réu é revel, não sofrer as consequências negativas de uma recusa puramente dilatória e manifestamente abusiva da recepção de um acto não traduzido, quando se possa provar que o destinatário deste acto compreende a língua do Estado‑Membro de origem em que o referido acto está redigido.

53      Assim, deve responder‑se à primeira questão que o artigo 8.°, n.° 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que, quando o destinatário de um acto o recusar por não estar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que esse destinatário compreenda, o remetente pode sanar essa deficiência enviando a tradução solicitada.

 Quanto à segunda questão

54      A segunda questão, colocada para o caso de o artigo 8.° do regulamento ser interpretado no sentido de que não é possível sanar a falta de tradução, visa saber se a recusa do acto tem por consequência que a notificação não produza quaisquer efeitos.

55      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda.

 Quanto à terceira questão

56      Com a terceira questão, colocada para o caso de a resposta à primeira questão ser afirmativa, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, em que prazo e de que forma a tradução deve ser levada ao conhecimento do destinatário do acto e se o direito processual nacional se aplica à possibilidade de sanar a falta de tradução.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

57      No que se refere ao prazo durante o qual se pode sanar a falta de tradução, os Governos neerlandês e português referem‑se ao artigo 7.°, n.° 2, do regulamento, considerando que o envio da tradução deve ocorrer no mais curto prazo possível e que um prazo de um mês pode ser considerado razoável.

58      Quanto ao efeito do envio da tradução sobre os prazos, o Governo neerlandês sustenta que, mesmo que o destinatário tenha o direito de recusar o acto, o efeito de salvaguarda do prazo previsto no artigo 9.°, n.os 2 e 3, do regulamento deve, em qualquer caso, ser mantido. A Comissão salienta que a data da citação é determinada de acordo com o referido artigo 9.° Para o destinatário, só a citação ou a notificação dos actos traduzidos pode ser tomada em consideração, o que explica a expressão «sem prejuízo do artigo 8.°», constante do artigo 9.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Para o requerente, a data continua a ser determinada em conformidade com o n.° 2 do artigo 9.°

59      O Governo francês recorda que os prazos processuais devem poder ser fixados pelo juiz a fim de permitir ao destinatário do acto preparar a sua defesa.

60      No que se refere às modalidades do envio da tradução, G. Leffler, à semelhança dos Governos francês e português, considera que a comunicação da tradução deve ser efectuada de acordo com as exigências do regulamento. Em contrapartida, o Governo neerlandês sustenta que a comunicação pode efectuar‑se de modo informal, mas que, para evitar qualquer mal‑entendido, é desejável evitar o envio directo da entidade de origem ao destinatário, sendo preferível passar pela entidade requerida.

61      A Berlin Chemie sustenta que, se o Tribunal considerar que o envio da tradução é possível, será conveniente que, por razões de segurança jurídica, as consequências dessa faculdade sejam harmonizadas em conformidade com os objectivos do regulamento.

 Resposta do Tribunal

62      Embora o artigo 8.° do regulamento não contenha disposições precisas relativamente às regras a seguir quando seja necessário sanar um acto recusado por não estar traduzido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que o destinatário do acto compreenda, deve apesar de tudo considerar‑se que os princípios gerais do direito comunitário e as outras disposições do regulamento permitem fornecer um conjunto de indicações ao tribunal nacional a fim de dar um efeito útil ao regulamento.

63      Por razões de segurança jurídica, o regulamento deve ser interpretado no sentido de que a falta de tradução deve ser sanada de acordo com as modalidades nele previstas.

64      Quando a entidade de origem é informada da recusa de recepção do acto pelo destinatário por falta de tradução, depois de, sendo caso disso, ouvir o requerente, cabe‑lhe, como pode inferir‑se do artigo 4.°, n.° 1, do regulamento, sanar essa falta pelo envio de uma tradução no mais curto prazo possível. A este respeito, como sugerem os Governos neerlandês e português, um prazo de um mês a contar da recepção pela entidade de origem da informação relativa à recusa pode ser considerado adequado, mas este prazo pode ser apreciado segundo as circunstâncias pelo juiz nacional. Com efeito, deve levar‑se em conta, designadamente, o facto de certos documentos serem de uma extensão inabitual ou de terem de ser traduzidos para uma língua de que existam poucos tradutores disponíveis.

65      No que se refere aos efeitos do envio de uma tradução sobre a data da citação ou da notificação, devem ser determinados por analogia com o sistema da dupla data consagrado no artigo 9.°, n.os 1 e 2, do regulamento. A fim de preservar o efeito útil do regulamento, importa zelar por que os direitos das diversas partes em causa sejam protegidos o melhor possível e de maneira equilibrada.

66      A data de uma citação ou de uma notificação pode ser importante para um requerente, por exemplo, quando o acto citado constitua o exercício de uma acção que deva ser proposta num prazo peremptório ou com a qual se pretenda interromper um prazo de prescrição. Além disso, como se indicou no n.° 38 do presente acórdão, a não observância do artigo 8.°, n.° 1, do regulamento não tem como efeito a nulidade da citação ou da notificação. Face a estes elementos, tem de se considerar que o requerente deve poder beneficiar, no que se refere à data, do efeito da citação ou da notificação inicial, na medida em que tenha diligenciado no sentido de sanar o acto através do envio de uma tradução no prazo mais curto possível.

67      Contudo, a data de uma citação ou de uma notificação pode igualmente ser importante para o destinatário, designadamente por ser o momento a partir do qual se conta o prazo para o exercício de um eventual direito de acção ou para apresentação da defesa. A protecção efectiva do destinatário do acto leva a que se tenha em consideração, relativamente a ele, apenas a data em que ele pôde não apenas tomar conhecimento da citação ou da notificação mas também compreendê‑las, ou seja, a data em que recebeu a tradução.

68      Cabe ao juiz nacional ter em conta e proteger os interesses das partes em causa. Assim, por analogia com o artigo 19.°, n.° 1, alíneas a) e b), do regulamento, se um acto tiver sido recusado por não estar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que seja compreendida pelo seu destinatário e se o réu não comparecer, o juiz deve sobrestar na decisão enquanto não se provar que o vício do acto foi sanado pelo envio de uma tradução e que esta foi recebida pelo réu em tempo útil para apresentar a sua defesa. Esta obrigação resulta igualmente do princípio referido no artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 e o controlo da sua observância é prévio ao reconhecimento da decisão, de acordo com o artigo 34.°, ponto 2, do mesmo regulamento.

69      Para resolver os problemas relacionados com a forma como se deve sanar a falta de tradução, não previstos pelo regulamento tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, cabe ao juiz nacional, como indicado nos n.os 50 e 51 do presente acórdão, aplicar o direito processual nacional respectivo, zelando por que seja assegurada a plena eficácia do regulamento, no respeito da sua finalidade.

70      Por outro lado, importa recordar que, quando uma questão relativa à interpretação do regulamento se lhe suscitar, o juiz nacional pode, nas condições previstas no artigo 68.°, n.° 1, CE, interrogar o Tribunal de Justiça a esse respeito.

71      Visto o conjunto destes elementos, deve responder‑se à terceira questão da seguinte forma:

–        o artigo 8.° do regulamento deve ser interpretado no sentido de que, quando o destinatário de um acto o recusar por não estar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que ele compreenda, esta situação pode ser sanada através do envio de uma tradução do acto segundo as modalidades previstas no regulamento e no prazo mais curto possível;

–        para resolver os problemas relacionados com a forma como se deve sanar a falta de tradução, não previstos pelo regulamento tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, cabe ao juiz nacional aplicar o direito processual nacional respectivo, zelando por que seja assegurada a plena eficácia do referido regulamento, no respeito da sua finalidade.

 Quanto às despesas

72      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados‑Membros, deve ser interpretado no sentido de que, quando o destinatário de um acto o recusar por não estar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que esse destinatário compreenda, o remetente pode sanar essa deficiência enviando a tradução solicitada.

2)      O artigo 8.° do Regulamento n.° 1348/2000 deve ser interpretado no sentido de que, quando o destinatário de um acto o recusar por não estar redigido numa língua oficial do Estado‑Membro requerido ou numa língua do Estado‑Membro de origem que ele compreenda, esta situação pode ser sanada através do envio de uma tradução do acto segundo as modalidades previstas no Regulamento n.° 1348/2000 e no prazo mais curto possível.

Para resolver os problemas relacionados com a forma como se deve sanar a falta de tradução, não previstos pelo Regulamento n.° 1348/2000 tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, cabe ao juiz nacional aplicar o direito processual nacional respectivo, zelando por que seja assegurada a plena eficácia do referido regulamento, no respeito da sua finalidade.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.