Language of document : ECLI:EU:C:2013:289

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de maio de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral ― Concorrência ― Acordos, decisões e práticas concertadas ― Mercado da borracha de butadieno e da borracha de estireno‑butadieno fabricada por polimerização em emulsão ― Imputabilidade do comportamento ilícito de filiais às suas sociedades‑mãe ― Presunção do exercício efetivo de uma influência determinante ― Dever de fundamentação ― Gravidade da infração ― Fator multiplicador a título do efeito dissuasivo ― Impacto concreto no mercado ― Circunstâncias agravantes ― Reincidência»

No processo C‑508/11 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 24 de setembro de 2011,

Eni SpA, com sede em Roma (Itália), representada por G. M. Roberti e I. Perego, avvocati,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por V. Di Bucci, G. Conte e M. L. Malferrari, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Berger (relatora), A. Borg Barthet, E. Levits e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de janeiro de 2013,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Eni SpA (a seguir «Eni») pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de julho de 2011, Eni/Comissão (T‑39/07, Colet., p. II‑4457, a seguir «acórdão recorrido»), no qual este negou parcialmente provimento ao seu recurso destinado a obter a anulação, no que lhe diz respeito, da Decisão C (2006) 5700 final da Comissão, de 29 de novembro de 2006, relativa a um processo de aplicação dos artigos 81.° CE e 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/F/38.638 ― Borracha de butadieno e borracha de estireno‑butadieno fabricada por polimerização em emulsão) (a seguir «decisão controvertida»), ou, a título subsidiário, a anulação ou a redução da coima que lhe foi aplicada.

2        A Comissão Europeia interpôs recurso subordinado do acórdão do Tribunal Geral, pedindo a anulação do acórdão recorrido, na parte em que este anulou a decisão controvertida no que respeita à imputação de uma circunstância agravante a título da reincidência e, consequentemente, reduziu o montante da coima.

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

3        Em 7 de junho de 2005, a Comissão deu início a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), a respeito do mercado da borracha de butadieno (a seguir «BR») e da borracha de estireno‑butadieno fabricada por polimerização em emulsão (a seguir «ESBR»), borrachas sintéticas essencialmente utilizadas na produção de pneus. Enviou uma primeira comunicação de acusações, nomeadamente, à Eni, à Polimeri Europa SpA (atualmente Versalis SpA, a seguir «Versalis»), sua filial detida a 100%, e à Syndial SpA (anteriormente EniChem SpA, a seguir «Syndial»), outra sociedade do grupo Eni.

4        Em 6 de abril de 2006, a Comissão adotou uma segunda comunicação de acusações. Após ter procedido, em 22 de junho de 2006, a uma audição, a Comissão decidiu encerrar o processo, designadamente, em relação à Syndial.

5        O procedimento administrativo conduziu, em 29 de novembro de 2006, à adoção da decisão controvertida. Nos termos do artigo 1.° desta decisão, a Eni, a Versalis e as outras empresas destinatárias da decisão controvertida, a saber, a Bayer AG, a The Dow Chemical Company, a Dow Deutschland Inc., a Dow Deutschland Anlagengesellschaft mbH, a Dow Europe, a Shell Petroleum NV, a Shell Nederland BV, a Shell Nederland Chemie BV, a Unipetrol a.s., a Kaučuk a.s. e a Trade‑Stomil sp. z o.o., violaram o artigo 81.° CE e o artigo 53.° EEE, por terem participado num acordo único e continuado, no âmbito do qual acordaram fixar objetivos de preços, partilhar clientes mediante acordos de não agressão e trocar informações sensíveis sobre preços, concorrentes e clientes nos setores da BR e da ESBR, durante o período, no que respeita à Eni, de 20 de maio de 1996 a 28 de novembro de 2002.

6        Durante este período, segundo os considerandos 26 e seguintes da decisão controvertida, a atividade relativa aos produtos em causa no seio do grupo Eni era inicialmente assegurada pela EniChem Elastomeri srl (a seguir «EniChem Elastomeri»), uma sociedade indiretamente controlada pela Eni, por intermédio da sua filial EniChem SpA. Em 1 de novembro de 1997, a EniChem Elastomeri fundiu‑se com a EniChem SpA, da qual a Eni controlava 99,97%. Em 1 de janeiro de 2002, a EniChem SpA cedeu à Versalis a sua atividade química estratégica, incluindo a atividade ligada à BR e à ESBR. Desde 21 de outubro de 2002, a Versalis é controlada, direta e integralmente, pela Eni.

7        A coima aplicada pela Comissão na sua decisão controvertida foi fixada de acordo com as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3; a seguir «orientações»).

8        Assim, a Comissão considerou que a infração era «muito grave» e começou por fixar o montante de partida para o cálculo da coima, diferenciando consoante as vendas de BR e de ESBR de cada uma das empresas em causa, em 2001. No tocante a qualquer sociedade detida pela Eni, na aceção do considerando 36 da decisão controvertida (a seguir «EniChem»), o montante das vendas de BR e de ESBR ascendia a 164,902 milhões de euros em 2001. Este resultado das vendas colocava a EniChem na primeira categoria das empresas que comercializavam BR e ESBR e que estavam implicadas na infração em causa. Com base nisto, a Comissão fixou em 55 milhões de euros o montante de partida da coima da Eni.

9        Seguidamente, a Comissão aplicou coeficientes multiplicadores com finalidade dissuasiva, escalonados em função dos volumes de negócios mundiais realizados pelas empresas em causa durante o ano de 2005. Entendendo que nenhum coeficiente multiplicador devia ser aplicado à Trade‑Stomil sp. z o.o. (volume de negócios de 38 milhões de euros) e à Kaučuk a.s. (volume de negócios de 2,718 mil milhões de euros), aplicou coeficientes multiplicadores de 1,5 à Bayer AG (volume de negócios de 27,383 mil milhões de euros), de 1,75 à The Dow Chemical Company, à Dow Deutschland Inc., à Dow Deutschland Anlagengesellschaft mbH e à Dow Europe (37,221 mil milhões de euros), de 2 à Eni e à Versalis (73,738 mil milhões de euros), bem como de 3 à Shell Petroleum NV, à Shell Nederland BV e à Shell Nederland Chemie BV (246,549 mil milhões de euros).

10      Além disso, no que respeita à Eni e à Versalis, este montante foi aumentado em 65%, devido a estas sociedades terem participado na infração em causa durante seis anos e seis meses.

11      Por último, entendendo que a Eni já tinha sido destinatária de duas decisões anteriores que tinham constatado infrações ao direito da concorrência da União, a saber, a Decisão 86/398/CEE da Comissão, de 23 de abril de 1986, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (IV/31.149 ― polipropileno) (JO L 230, p. 1, a seguir «decisão Polipropileno»), e a Decisão 94/599/CE da Comissão, de 27 de julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (IV/31.865 ― PVC) (JO L 239, p. 14, a seguir «decisão PVC II»), a Comissão aumentou em 50%, por reincidência, o montante de base da coima fixado para a Eni.

12      Por conseguinte, no artigo 2.°, alínea c), da decisão controvertida, a Comissão aplicou à Eni, solidariamente com a sua filial Versalis, uma coima de 272,25 milhões de euros.

 Tramitação do recurso no Tribunal Geral e acórdão recorrido

13      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de fevereiro de 2007, a Eni interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida e, a título subsidiário, de anulação ou de redução da coima que lhe tinha sido aplicada. Invocou dois fundamentos em apoio dos seus pedidos.

14      Com o seu primeiro fundamento, a Eni contestava o facto de a Comissão lhe ter imputado a responsabilidade pela infração. Este primeiro fundamento estava dividido em quatro partes. No quadro da primeira parte, a Eni alegava que a Comissão tinha aplicado um critério errado na apreciação da responsabilidade de uma sociedade‑mãe. No quadro da segunda parte, a Eni sustentava que a Comissão lhe tinha imputado, erradamente, uma «responsabilidade objetiva». No quadro da terceira parte, a Eni indicava ter fornecido, durante o procedimento administrativo, elementos que deveriam ter levado a Comissão a considerar que não tinha exercido influência nas políticas comerciais da Syndial e da Versalis. No quadro da quarta parte, a Eni afirmava que a Comissão tinha violado o princípio da responsabilidade limitada das sociedades de capitais e os princípios «comuns» em matéria de responsabilidade.

15      Com o seu segundo fundamento, a Eni sustentava que a Comissão tinha fixado de modo errado o montante da coima. Este fundamento estava dividido em três partes. No quadro da primeira parte, a Eni contestava a aplicação de um coeficiente multiplicador com efeitos dissuasivos. No quadro da segunda parte, alegava que a Comissão tinha cometido um erro quando tomou em consideração a circunstância agravante da reincidência. No quadro da terceira parte, sustentava que a Comissão deveria ter levado em conta a exclusão da Syndial quando procedeu ao cálculo da coima.

16      No seu acórdão, no respeitante à primeira parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral lembrou, no essencial, que «existe uma presunção ilidível segundo a qual uma sociedade‑mãe que detém 100% do capital da sua filial exerce uma influência determinante no seu comportamento» e que «a imputação da infração à sociedade‑mãe é uma faculdade deixada à apreciação da Comissão», a qual não está vinculada pela sua prática decisória anterior a esse respeito (n.os 63 e 64 do acórdão recorrido).

17      No tocante a esta prática decisória anterior, a Comissão «detalhou suficientemente os motivos pelos quais decidiu imputar à Eni o comportamento das suas filiais» (n.° 65 do acórdão recorrido). Dado que a prática da Comissão, como resultava do caso em apreço, «se baseia numa interpretação correta do artigo 81.°, n.° 1, CE», o princípio da segurança jurídica «não pode, pois, obstar a uma eventual reorientação da prática decisória da Comissão» (n.° 66 do acórdão recorrido). Por conseguinte, o Tribunal Geral julgou improcedente esta parte do primeiro fundamento.

18      No referente à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à errada aplicação de uma «responsabilidade objetiva», o Tribunal Geral realçou, designadamente, que o facto de a Comissão «não ter acolhido os argumentos apresentados pela Eni para refutar a presunção decorrente do controlo a 100% das suas filiais não equivale a tornar inilidível a referida presunção» (n.° 78 do acórdão recorrido) e que «daqui também se infere que a falta de fundamentação que a Eni a este respeito alega não procede» (n.° 79 do acórdão recorrido).

19      No que diz respeito à terceira parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral constatou, designadamente, que «a imputação do comportamento ilícito de uma filial à sua sociedade‑mãe não implica a prova de que a sociedade‑mãe influencia a política da sua filial no domínio específico que constitui o objeto da infração [...]. Em particular, o facto de a Eni desempenhar um papel de simples coordenador técnico e financeiro e fornecer, às suas filiais, a assistência financeira necessária não basta para se excluir que exerce uma influência decisiva sobre o comportamento das referidas filiais, coordenando, nomeadamente, os investimentos financeiros do grupo» (n.° 97 do acórdão recorrido).

20      Quanto à circunstância alegada de as atividades químicas terem uma importância relativa na política industrial do grupo Eni, o Tribunal Geral constatou que «não prova que a Eni deixou às suas filiais uma total autonomia para definirem o respetivo comportamento no mercado» (n.° 98 do acórdão recorrido). Além disso, o Tribunal Geral realçou que, segundo a Comissão, as relações hierárquicas conduzem diretamente ao presidente‑diretor‑geral da EniChem SpA (atualmente Syndial) e ao da Versalis e que os presidentes‑diretores‑gerais da EniChem SpA e da Versalis eram responsáveis perante o respetivo conselho de administração, o que a Eni não tinha contestado. Ora, estes conselhos de administração tinham sido direta ou indiretamente nomeados pela Eni (n.° 99 do acórdão recorrido).

21      Além disso, o Tribunal Geral concluiu que o facto de a Eni só indiretamente deter 100% do capital das empresas ativas na produção de BR e de ESBR «não é suscetível, por si só, de demonstrar que a Eni e as empresas em causa não constituem uma entidade económica única» (n.° 102 do acórdão recorrido). A Eni não demonstrou a violação do princípio da boa administração pela Comissão (n.° 103 do acórdão recorrido).

22      No tocante à quarta parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral considerou que «a Comissão, no presente caso, não estabeleceu uma presunção inilidível» (n.° 114 do acórdão recorrido). Os argumentos aduzidos pela Eni a propósito das regras aplicáveis em matéria de sucessão de empresas eram inoperantes, uma vez que «a responsabilidade da Eni, considerada provada pela Comissão no presente caso, não resulta de uma tal situação» (n.° 117 do acórdão recorrido).

23      O Tribunal Geral julgou, pois, improcedentes todas as partes do primeiro fundamento, bem como, no n.° 118 do acórdão recorrido, o primeiro fundamento, na sua integralidade.

24      No que respeita à primeira parte do segundo fundamento, o Tribunal Geral constatou designadamente que «os acordos ou práticas concertadas que visem nomeadamente, como neste caso, a fixação de objetivos de preços ou a repartição de quotas de mercado podem obter, apenas com base na sua própria natureza, a qualificação de ‘muito graves’, sem que a Comissão seja obrigada a demonstrar um impacto concreto da infração no mercado» (n.° 140 do acórdão recorrido).

25      Ao que acresce que, no n.° 143 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, «no que toca à [...] dimensão do mercado em causa no território do EEE no ano de 2001 (a saber, 550 milhões de euros), ou à quota de mercado das empresas em causa», há que «ter em conta os outros elementos relevantes do caso», a saber, o facto de que a infração em causa é «intrinsecamente muito grave e cobre todo o território do EEE».

26      Além disso, o Tribunal Geral, no n.° 143 do acórdão recorrido, considerou que, «com base no ponto 1 A das orientações, o montante da coima previsto para as infrações muito graves é superior a 20 milhões de euros». Dado que as vendas de todas as sociedades detidas direta ou indiretamente pela Eni «com os produtos em questão, em 2001, foram de montante superior a 164 milhões de euros [e que] o montante da sua coima não excede o limite de 10% do seu volume total de negócios realizado no exercício social precedente, previsto pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento [(CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1)]», a fixação do montante de partida da coima em 55 milhões de euros não era desproporcionada.

27      Por último, o Tribunal Geral rejeitou também o argumento da Eni de que as empresas em causa só detinham uma parte limitada da totalidade do mercado da BR e da ESBR, uma vez que este argumento «se baseava num mercado que incluía tanto esses dois produtos como a borracha natural, sendo que este produto não se inclui entre os abrangidos pela decisão [controvertida]» (n.° 144 do acórdão recorrido).

28      No respeitante à segunda parte do segundo fundamento, o Tribunal Geral começou por recordar, no n.° 164 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha considerado que a EniChem já tinha sido destinatária de decisões da Comissão em matéria de cartéis, a saber, as decisões Polipropileno e PVC II.

29      Segundo o Tribunal Geral, resulta da decisão controvertida que a Comissão atendeu, no caso em apreço, ao conceito de «empresa», na aceção do artigo 81.° CE, para efeitos da aplicação da circunstância agravante que é a reincidência. O Tribunal Geral realçou, porém, que a Comissão, quando «invoca o conceito de ‘empresa’, [...] deve apresentar elementos circunstanciados e precisos que apoiem a sua asserção» (n.° 166 do acórdão recorrido).

30      Ora, a Comissão fazia «referência, no considerando 487 da decisão [controvertida], à ‘EniChem’, de uma maneira geral, encontrando‑se esse termo definido, no considerando 36 da decisão [controvertida], no sentido de abranger ‘qualquer sociedade detida pela Eni[…] SpA’», o que o Tribunal Geral considerou como sendo «relativamente impreciso». Além disso, segundo o Tribunal Geral, «a sociedade visada na decisão Polipropileno, ou seja, a [Anic SpA], não faz parte das pessoas coletivas mencionadas» nos considerandos 26 a 35 da decisão controvertida, os quais visam «essencialmente descrever a evolução das sociedades detidas pela Eni durante a infração, a qual é posterior às decisões Polipropileno e PVC II» (n.° 167 do acórdão recorrido).

31      A Comissão remetia para as decisões Polipropileno e PVC II, «indicando que a ‘Eni’ estava implicada nessas decisões». Todavia, este termo não era objeto, na decisão controvertida, de uma convenção redatorial. Em particular, «ressalta dos considerandos 26 a 36 da decisão [controvertida] que, quando a Comissão pretende referir‑se à sociedade Eni, enquanto sociedade‑mãe das outras sociedades, emprega o termo ‘Eni SpA’» (n.° 168 do acórdão recorrido).

32      O Tribunal Geral especificou que, «admitindo que, ao utilizar o termo ‘Eni’ [...], a Comissão pretende referir‑se às sociedades que fazem parte da ‘empresa’ [...] constituída pelas pessoas coletivas controladas pela Eni, há que salientar que a Comissão não fornece qualquer elemento circunstanciado e preciso a este respeito no quadro da decisão [controvertida]» (n.° 169 do acórdão recorrido). Porém, dado que, no caso em apreço, a evolução da estrutura e do controlo das sociedades em causa era particularmente complexa, «[n]este contexto, a Comissão devia ser particularmente precisa e fornecer todos os elementos circunstanciados necessários para se poder considerar que as sociedades objeto da decisão [controvertida] e as sociedades objeto das decisões Polipropileno e PVC II formavam uma única ‘empresa’ na aceção do artigo 81.° CE» (n.° 170 do acórdão recorrido). Entendendo que a Comissão não tinha cumprido este dever de fundamentação que lhe incumbia, o Tribunal Geral considerou, pois, procedente esta segunda parte do segundo fundamento.

33      Por fim, no tocante à terceira parte do segundo fundamento, respeitante à aplicação do limite máximo previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal Geral concluiu que «o limite máximo de 10%, na aceção dessa disposição, deve ser calculado com base no volume de negócios cumulado de todas as sociedades que constituem a entidade económica única que age como empresa na aceção do artigo 81.° CE» (n.° 177 do acórdão recorrido). Donde resultava que eram inoperantes os argumentos da Eni que visavam demonstrar que o montante da coima por cujo pagamento esta devia ser considerada solidariamente responsável deveria ter sido limitado a 10% do volume de negócios da Syndial (n.° 178 do acórdão recorrido).

34      Por conseguinte, o Tribunal Geral, tendo acolhido a segunda parte do segundo fundamento, anulou o artigo 2.°, alínea c), da decisão controvertida, na parte em que fixa o montante da coima aplicada à Eni em 272,25 milhões de euros, e fixou este montante em 181,5 milhões de euros. O Tribunal Geral negou provimento ao recurso quanto ao restante.

 Pedidos das partes

35      Com o presente recurso, a Eni pede que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        anular, total ou parcialmente, o acórdão recorrido, na parte em que negou provimento ao recurso interposto pela Eni no processo T‑39/07 e, consequentemente,

¾        anular, total ou parcialmente, a decisão controvertida,

¾        e/ou anular, ou, pelo menos, reduzir, a coima aplicada à Eni pela decisão controvertida;

¾        a título subsidiário, anular, total ou parcialmente, o acórdão recorrido, na parte em que negou provimento ao recurso interposto pela Eni no processo T‑39/07, e remeter o processo ao Tribunal Geral, para que decida do mérito dos autos à luz das indicações fornecidas pelo Tribunal de Justiça;

¾        condenar a Comissão nas despesas das duas instâncias;

¾        negar provimento ao recurso subordinado da Comissão, por ser parcialmente inadmissível e, em todo o caso, improcedente, e condenar a Comissão nas despesas.

36      A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        negar provimento ao presente recurso;

¾        anular o acórdão recorrido, na parte em que o Tribunal Geral anulou parcialmente a decisão no que respeita à imputação de uma circunstância agravante a título da reincidência e, consequentemente, reduziu o montante da coima;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto aos presentes recursos principal e subordinado

 Quanto ao presente recurso principal

37      A Eni invoca dois fundamentos em apoio do presente recurso. O primeiro fundamento é relativo, no essencial, ao facto de que o Tribunal Geral, segundo a Eni, deveria ter anulado a decisão controvertida, na medida em que esta lhe imputa a responsabilidade pela infração cometida pela Syndial e/ou a Versalis. O segundo fundamento assenta em alegados erros de direito no respeitante à determinação do montante da coima.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a violações do artigo 101.° TFUE, dos artigos 41.°, 47.° a 49.° e 52.° da Carta, dos artigos 6.° e 7.° da CEDH e de princípios gerais do direito, bem como a deficiência de fundamentação

38      O primeiro fundamento invocado pela Eni é relativo a violações do artigo 101.° TFUE, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e dos artigos 6.° e 7 da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), à violação dos princípios da presunção de inocência, da legalidade, da pessoalidade das penas e da responsabilidade pessoal, à violação do princípio da proporcionalidade, dos direitos de defesa e do direito a um processo equitativo, bem como à deficiência de fundamentação em violação do artigo 296.° TFUE.

39      Este primeiro fundamento está dividido, no essencial, em quatro partes. A primeira parte é relativa a alegados erros de direito que foram cometidos pelo Tribunal Geral no que respeita aos requisitos de imputabilidade da infração e aos meios de prova. A segunda e terceira partes são relativas à apreciação do Tribunal Geral, alegadamente errada, no que respeita à possibilidade de ilidir a presunção de responsabilidade, a qual teve por consequência um caráter objetivo da responsabilidade imputada à Eni e um caráter inilidível da presunção de responsabilidade. A quarta parte é relativa à alegada violação do princípio da responsabilidade limitada das sociedades de capitais, dos princípios comuns em matéria de responsabilidade e dos princípios em matéria de sucessão de empresas.

¾       Quanto à admissibilidade de determinadas alegações

40      No que respeita às alegações relativas à pretensa violação do artigo 47.° da Carta e do artigo 6.° da CEDH, as quais não podem ser atribuídas indubitavelmente a uma parte precisa do primeiro fundamento, a Comissão alega, em primeiro lugar, que não foram aduzidas na primeira instância e, consequentemente, são inadmissíveis. O mesmo vale no tocante à alegação da Eni de que a presunção de responsabilidade assente no controlo a 100% conduz a uma diferença de tratamento injustificada entre a hipótese geral de um controlo não total por parte da sociedade‑mãe e as situações em que a sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial.

41      A este respeito, cumpre constatar que estas alegações, tal como referiu a Comissão, não foram efetivamente aduzidas perante o Tribunal Geral. Todavia, esta circunstância não basta, por si só, para tornar inadmissíveis as referidas alegações, na medida em que estas visam, não introduzir um novo fundamento para justificar o recurso interposto no Tribunal Geral mas sim contestar o bem‑fundado do acórdão recorrido. No caso vertente, as alegações evocadas no número anterior podem efetivamente ser interpretadas neste último sentido.

42      Por conseguinte, há que julgar admissíveis as alegações aduzidas pela Eni, relativas à alegada violação do artigo 47.° da Carta e do artigo 6.° da CEDH, bem como à alegada diferença de tratamento injustificada, baseada exclusivamente na percentagem da participação que uma sociedade‑mãe detém na sua filial.

¾       Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a alegados erros de direito que foram cometidos pelo Tribunal Geral no que respeita aos requisitos de imputabilidade da infração e aos meios de prova

i)     Argumentos das partes

43      A Eni alega que o Tribunal Geral, contrariamente ao que o Tribunal de Justiça impôs à Comissão no seu acórdão de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão (C‑90/09 P, Colet., p. I‑1, n.° 78), não tomou concretamente posição sobre os argumentos que apresentou a respeito da alegada obrigação de a Comissão prestar a prova do exercício efetivo de uma influência determinante da Eni na sua filial Versalis.

44      A este respeito, o Tribunal Geral limitou‑se a reproduzir fielmente o acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, Colet., p. I‑8237), o que faz com que o acórdão recorrido enferme de fundamentação deficiente. Além do mais, a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante de uma sociedade na sua filial detida a 100% é desprovida de fundamento e está em contradição, designadamente, com os princípios da legalidade, da pessoalidade das penas, da responsabilidade pessoal e da segurança jurídica.

45      A Comissão considera, no essencial, que, nos termos de jurisprudência bem assente, lhe assiste o direito de pressupor um controlo efetivo da sociedade‑mãe, unicamente, com base na detenção a 100% do capital de uma filial.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

46      Cabe lembrar, em primeiro lugar, que resulta de jurisprudência assente que o comportamento de uma filial pode ser imputado, para efeitos da aplicação do artigo 101.° TFUE, à sociedade‑mãe, designadamente, quando, apesar de ter uma personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de modo autónomo o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas. Com efeito, numa situação como essa, visto a sociedade‑mãe e a sua filial fazerem parte da mesma unidade económica e, portanto, constituírem uma única empresa na aceção do artigo 101.° TFUE, a Comissão pode tomar uma decisão que impõe coimas à sociedade‑mãe, sem necessitar de demonstrar o envolvimento pessoal desta na infração (v., designadamente, despacho de 13 de dezembro de 2012, Transcatab/Comissão, C‑654/11 P, n.° 29 e jurisprudência referida).

47      Resulta igualmente de jurisprudência assente que, no caso especial em que uma sociedade‑mãe detém a totalidade ou a quase totalidade do capital da sua filial que tenha cometido uma infração às regras da concorrência da União, existe uma presunção ilidível segundo a qual essa sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante na sua filial. Nessa situação, basta que a Comissão prove que a totalidade ou a quase totalidade do capital de uma filial é detido pela sua sociedade‑mãe, para considerar que a referida presunção está satisfeita (v., designadamente, acórdão de 3 de maio de 2012, Legris Industries/Comissão, C‑289/11 P, n.° 46 e jurisprudência referida).

48      Acresce que, no caso particular em que uma sociedade holding detém 100% do capital de uma sociedade interposta, que, por sua vez, detém a totalidade do capital de uma filial do seu grupo, autora de uma infração às regras da concorrência da União, existe igualmente uma presunção ilidível segundo a qual esta sociedade holding exerce uma influência determinante no comportamento da sociedade interposta e indiretamente, através desta última, igualmente no comportamento da referida filial (acórdão General Química e o./Comissão, já referido, n.° 88).

49      No caso vertente, ao longo de toda a duração da infração em causa, a Eni deteve direta ou indiretamente, pelo menos, 99,97% do capital das sociedades que estavam diretamente ativas no seio do seu grupo nos setores da BR e da ESBR, a saber, a EniChem Elastomeri, a EniChem SpA e a Versalis, o que a Eni não contesta. Por conseguinte, a presunção evocada nos n.os 47 e 48 do presente acórdão e resultante de jurisprudência assente é aplicável à Eni.

50      Quanto à argumentação da Eni segundo a qual a referida presunção do exercício efetivo de uma influência determinante está em contradição com os princípios da legalidade, da pessoalidade das penas, da responsabilidade pessoal, bem como da segurança jurídica, basta recordar que esta presunção tem precisamente por objetivo conseguir um equilíbrio entre a importância, por um lado, do objetivo de reprimir os comportamentos contrários às regras de concorrência, em particular o artigo 101.° TFUE, e prevenir a sua reprodução e, por outro, das exigências decorrentes de certos princípios gerais de direito da União, como, nomeadamente, os princípios da presunção de inocência, da pessoalidade das penas e da segurança jurídica, bem como os direitos de defesa, incluindo o princípio da igualdade das armas. É, nomeadamente, por esta razão que a presunção em causa é ilidível (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 59). Não sendo a argumentação da Eni procedente, o acórdão recorrido não enferma, pois, de erros a este respeito.

51      Seguidamente, no que respeita à alegada deficiência de fundamentação, o Tribunal Geral explicou pormenorizadamente, nos n.os 56 a 67 do acórdão recorrido, a razão pela qual concluiu, em conformidade com a jurisprudência assente, que a Comissão, quando considerou a Eni responsável pela infração cometida, designadamente, pela Versalis, se podia validamente basear na presunção em causa. Estas explicações não deixam subsistir dúvidas a respeito das considerações em que o Tribunal Geral fundamentou o acórdão recorrido nesta matéria e permitem ao Tribunal de Justiça exercer a sua missão de fiscalização. Consequentemente, o acórdão recorrido também não enferma de deficiência de fundamentação neste contexto. Por outro lado, contrariamente ao que a Eni pretende sustentar, é irrelevante, a este respeito, que o Tribunal Geral se tenha baseado no acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, para fundamentar o seu acórdão.

52      Vistas as precedentes considerações, há, pois, que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

¾       Quanto à segunda e terceira partes do primeiro fundamento, relativas à apreciação do Tribunal Geral, alegadamente errada, no que respeita à possibilidade de ilidir a presunção de responsabilidade, a qual teve por consequência um caráter objetivo da responsabilidade imputada à Eni e um caráter inilidível da presunção de responsabilidade

i)     Argumentos das partes

53      Com a segunda e terceira partes do primeiro fundamento, que importa examinar conjuntamente, a Eni sustenta que os elementos de prova que tinha apresentado à Comissão no decurso do procedimento administrativo deveriam ter sido considerados suficientes para inverter a presunção de responsabilidade. O Tribunal Geral não procedeu a um exame completo, imparcial e concreto do conjunto dos elementos dos autos. Mais especificamente, o Tribunal Geral não levou em conta o facto de que a Eni nunca tinha operado diretamente no setor em causa, que nunca houve sobreposição nos lugares de direção da sociedade‑mãe e das filiais, que a Eni não dispunha de elementos de informação sobre os planos estratégicos e comerciais, nem sobre a sua execução, tais como tinham sido definidos pelas sociedades operacionais, e que a Eni não tinha estado minimamente implicada nos processos decisórios de definição dos planos estratégicos e comerciais, bem como, designadamente, dos volumes de vendas anuais e dos preços.

54      O Tribunal Geral limitou‑se, porém, a insistir em dois aspetos, a saber, por um lado, o papel desempenhado pela Eni como coordenador técnico e financeiro e, por outro, a importância relativa do setor químico no seio do grupo. O argumento da Eni de que a sua filial tinha exercido uma atividade distinta e muito afastada das outras atividades foi rejeitado pelo Tribunal Geral com base numa simples remissão para a sua jurisprudência. Porém, o Tribunal de Justiça criticou tal abordagem nos n.os 76 e seguintes do seu acórdão General Química e o./Comissão, já referido.

55      Além do mais, o Tribunal Geral repetiu as observações da Comissão segundo as quais, no seio das filiais, as relações hierárquicas conduziam aos administradores delegados das filiais, sendo eles próprios responsáveis perante os seus conselhos de administração nomeados, indiretamente, pela Eni. Todavia, a nomeação do conselho de administração não é mais do que uma prerrogativa típica de um acionista principal e não constitui, por si só, o exercício de uma influência determinante no comportamento da filial. O Tribunal Geral, no n.° 100 do acórdão recorrido, remeteu unicamente para o exame efetuado a esse respeito pela Comissão e concluiu que este exame não se revelava manifestamente errado, sem tomar posição sobre os argumentos aduzidos pela Eni. A fundamentação do acórdão recorrido é, pois, manifestamente insuficiente.

56      Além disso, segundo a Eni, a conclusão a que o Tribunal Geral chegou no n.° 102 do acórdão recorrido, segundo a qual o facto de a recorrente só indiretamente deter 100% do capital das empresas ativas na produção de BR e de ESBR não era suscetível de demonstrar que a Eni e as empresas em causa não constituíam uma entidade económica única, não está suficientemente alicerçada e é contrária à própria jurisprudência do Tribunal Geral.

57      Ademais, a Eni alega que o seu raciocínio a respeito do caráter objetivo da responsabilidade que lhe é imputada não assenta numa premissa errada, contrariamente ao que concluiu o Tribunal Geral. Com efeito, o caráter ilidível da presunção de uma influência determinante efetiva deve assumir um alcance real no momento da sua aplicação. Ora, a Comissão sustenta a tese de que, no essencial, o exercício efetivo de uma influência determinante coincide com a detenção do controlo. O Tribunal Geral confirmou esta tese, tendo rejeitado, a priori, a pertinência dos elementos objetivos invocados pela Eni. Esta abordagem é contrária aos direitos de defesa, aos princípios fundamentais do direito que estão também consagrados na Carta, ao princípio da presunção de inocência e ao princípio da legalidade, e constitui uma violação do princípio da pessoalidade das penas e da responsabilidade pessoal.

58      Por último, à luz das observações da Eni, foi erradamente que o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha cometido uma violação do princípio da boa administração.

59      Segundo a Comissão, as alegações aduzidas pela Eni são inadmissíveis na medida em que visam, na realidade, uma nova apreciação dos factos. Em todo o caso, são improcedentes. O Tribunal Geral levou em consideração os elementos de facto evocados pela Eni para inverter a presunção baseada no controlo a 100% e explicou por que razão eram inoperantes ou improcedentes. A Eni deveria ter demonstrado que a sua filial devia ser gerida como uma empresa distinta, por razões jurídicas ou regulamentares, ou ainda que a participação a 100% era apenas temporária e transitória, para assim demonstrar que ela e a sua filial não formavam uma empresa única que cometeu a infração em causa. A fundamentação do acórdão no que respeita a esta questão é correta, suficiente e convincente.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

60      Antes de mais, importa responder aos argumentos da Comissão a respeito da alegada inadmissibilidade da segunda parte do primeiro fundamento, na medida em que visa pôr em causa a apreciação dos factos efetuada pelo Tribunal Geral.

61      A este propósito, cabe constatar que a Eni, na petição do presente recurso, aduz determinados elementos de facto, mencionados no n.° 53 do presente acórdão, para alicerçar a sua afirmação de que inverteu a presunção a respeito da sua responsabilidade como sociedade‑mãe que detém 100% ou quase 100% do capital da sua filial.

62      Todavia, como a Eni confirmou na audiência, não contesta, neste contexto, a apreciação destes elementos no plano factual, mas sim a apreciação jurídica que deles fez o Tribunal Geral para chegar à conclusão de que estes elementos, mesmo supondo que a sua materialidade tivesse sido demonstrada, não permitiriam concluir que a Eni e, nomeadamente, a Versalis não formaram uma empresa única na aceção do artigo 101.° TFUE. Por conseguinte, esta alegação, na medida em que com ela se pretende que o Tribunal de Justiça fiscalize esta apreciação jurídica, é admissível.

63      Seguidamente, no tocante à procedência desta alegação, importa, em primeiro lugar, recordar a jurisprudência referida nos n.os 47 e seguintes do presente acórdão, segundo a qual a Comissão, numa situação de controlo a 100% ou quase 100%, pode dirigir uma decisão que impõe coimas à sociedade‑mãe, sem necessitar de demonstrar o envolvimento pessoal desta última na infração, visto a sociedade‑mãe e a sua filial formarem uma única empresa na aceção do artigo 101.° TFUE (v., neste sentido, despacho Transcatab/Comissão, já referido, n.° 29 e jurisprudência referida), e isto igualmente nos casos, evocados no n.° 48 do presente acórdão, de um controlo indireto como o do presente caso.

64      Ora, no tocante aos elementos aduzidos pela Eni para inverter a presunção em causa, é forçoso constatar que estes, supondo que tivessem sido efetivamente demonstrados perante o Tribunal Geral, seriam de natureza a provar que a Versalis gozou de uma certa autonomia no que respeita às suas atividades químicas. Porém, esta circunstância não basta, por si só, para demonstrar que a Eni e, nomeadamente, a Versalis não formaram uma única empresa na aceção do artigo 101.° TFUE. Ao que acresce que a circunstância de a Eni ter desempenhado um papel de «simples» coordenador técnico e financeiro ou de ter fornecido a estas sociedades uma assistência financeira e patrimonial, como alegou, demonstra que não se absteve de exercer uma influência determinante nas suas filiais. Como acertadamente constatou o Tribunal Geral no n.° 97 do acórdão recorrido, «no contexto de um grupo de sociedades, uma sociedade que coordena, nomeadamente, os investimentos financeiros do grupo tem por vocação agrupar as participações nas diversas sociedades e por função assegurar a respetiva unidade de direção, nomeadamente através desse controlo orçamental».

65      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de a Eni nunca ter operado diretamente no setor químico ou de nunca ter havido sobreposição dos lugares de direção da sociedade‑mãe e das filiais. Com efeito, a circunstância de a sociedade‑mãe não ter participado diretamente nesta infração nem incitado à sua prática não é suscetível de demonstrar que estas duas sociedades não constituíam uma mesma unidade económica (v., neste sentido, acórdão General Química e o./Comissão, já referido, n.° 103, e acórdão de 29 de setembro de 2011, Arkema/Comissão, C‑520/09 P, Colet., p. I‑8901, n.os 48 a 50). Além disso, a coordenação dos investimentos financeiros do grupo podia ser assegurada pela Eni, mesmo na ausência de tal sobreposição ou da sua implicação direta na gestão operacional das suas filiais, o que ela não contesta.

66      Neste contexto, os outros argumentos aduzidos pela Eni, segundo os quais não dispunha de elementos de informação sobre os planos estratégicos e comerciais, nem sobre a sua execução, e não tinha estado minimamente implicada nos processos decisórios de definição dos planos estratégicos e comerciais, bem como dos volumes de vendas anuais e dos preços, na medida em que estes apenas se relacionam com as atividades operacionais no setor químico, também não podem prosperar.

67      Seguidamente, quanto à argumentação da Eni segundo a qual, no essencial, dispunha unicamente das prerrogativas típicas de um acionista principal e de que o facto de dispor desses poderes não constitui, por si só, o exercício de uma influência determinante no comportamento da filial, há que recordar que a presunção de uma influência determinante efetiva assenta no facto de que são precisamente estas prerrogativas de uma sociedade‑mãe que detém 100% ou quase 100% do capital da sua filial que permitem a esta sociedade‑mãe, salvo circunstâncias excecionais, exercer uma influência determinante no comportamento da sua filial (v., neste sentido, acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.° 60) e que a prova da ausência de tal influência efetiva incumbe, pois, não à Comissão mas à própria sociedade‑mãe.

68      Esta interpretação do alcance da presunção da influência determinante efetiva, aplicada pela Comissão e confirmada pelo Tribunal Geral, também não transforma esta presunção numa presunção inilidível. Com efeito, o facto de ser difícil produzir a prova contrária necessária para ilidir uma presunção não implica, por si só, que esta presunção seja de facto inilidível (v. acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.° 70). Mais concretamente, para inverter a presunção em causa, a Eni deveria ter demonstrado que a Versalis podia agir com total autonomia não só no plano operacional mas também no plano financeiro, o que não fez.

69      Consequentemente, não sendo procedente a tese da Eni segundo a qual o Tribunal Geral atribuiu à presunção da influência determinante efetiva um caráter objetivo ou inilidível, também não podem prosperar as alegações relativas ao facto de o Tribunal Geral, tendo admitido tal caráter da referida presunção, ter violado os princípios da presunção de inocência, da pessoalidade das penas, da responsabilidade pessoal, da igualdade de tratamento e da legalidade, na aceção do artigo 52.° da Carta, e os artigos 47.° da Carta e 6.° e 7.° da CEDH.

70      Foi, pois, sem cometer nenhum erro de direito que o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, confirmou o raciocínio da Comissão segundo o qual nem os argumentos da Eni tratados expressamente nos considerandos 382 a 398 da decisão controvertida nem os outros argumentos que a Eni aduziu perante o Tribunal Geral podiam bastar para inverter a presunção em causa. Por conseguinte, há que rejeitar as alegações aduzidas a esse respeito.

71      Em segundo lugar, quanto à alegada violação do dever de fundamentação pela Comissão e, seguidamente, pelo Tribunal Geral, cabe recordar, antes de mais, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade, além de permitir uma fiscalização jurisdicional, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade (v., neste sentido, acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.° 148 e jurisprudência referida).

72      Ora, no caso vertente, é imperioso constatar que a fundamentação circunstanciada a respeito da responsabilidade da Eni pela infração em causa, fornecida pela Comissão nos considerandos 382 a 398 da decisão controvertida, está conforme com os requisitos resultantes da jurisprudência mencionada no número anterior. Embora a Comissão não tenha abordado, um por um, todos os elementos invocados pela Eni perante o Tribunal Geral para inverter a presunção da influência determinante efetiva, forneceu porém uma indicação suficiente para se saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade. A Comissão, no considerando 388 da decisão controvertida, esclareceu sobretudo que as prerrogativas da Eni, como resultavam designadamente das regras de gestão empresarial do grupo, permitiram à Eni controlar aspetos essenciais da política comercial das suas filiais.

73      Foi, pois, sem cometer nenhum erro de direito que o Tribunal Geral considerou suficiente a fundamentação da decisão controvertida neste contexto.

74      No que respeita à fundamentação do acórdão recorrido, basta recordar que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação de um acórdão deve evidenciar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (v., designadamente, acórdão de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, C‑202/07 P, Colet., p. I‑2369, n.° 29 e jurisprudência referida).

75      No caso vertente, nada há que indique que o raciocínio pormenorizado dos n.os 93 a 105 do acórdão recorrido, que versam sobre a fundamentação da decisão controvertida neste contexto, não preenche estes requisitos. Por conseguinte, o argumento segundo o qual a fundamentação do acórdão recorrido é deficiente, na medida em que aprova a da decisão controvertida que incide sobre a inversão da presunção da influência determinante efetiva, é igualmente improcedente.

76      Por último, à luz destas considerações, foi ainda corretamente que o Tribunal Geral concluiu, no n.° 103 do acórdão recorrido, que a Comissão também não cometeu uma violação do princípio da boa administração. Portanto, o argumento da Eni a esse respeito deve também ser julgado improcedente.

77      Não tendo prosperado nenhum dos argumentos aduzidos pela Eni em apoio da segunda e terceira partes do primeiro fundamento, há que as julgar improcedentes.

¾       Quanto à quarta parte do primeiro fundamento, relativa à alegada violação do princípio da responsabilidade limitada das sociedades de capitais, dos princípios comuns em matéria de responsabilidade e dos princípios em matéria de sucessão de empresas

i)     Argumentos das partes

78      Segundo a Eni, decorre do princípio da responsabilidade limitada das sociedades de capitais, dos princípios comuns em matéria de responsabilidade e dos princípios em matéria de sucessão de empresas que o eventual abandono da personalidade jurídica distinta das sociedades a favor de uma conceção unitária do grupo só pode ser admitido a título absolutamente excecional, caso tenham sido constatados e provados abusos do princípio da responsabilidade limitada. O Tribunal Geral, sem justificação, não procedeu à análise específica destas considerações e de dois pareceres juntos em anexo à petição, versando um sobre o direito americano das sociedades e o outro sobre o direito americano da concorrência. Em definitivo, o Tribunal Geral limitou‑se a repetir a observação feita no considerando 396 da decisão controvertida, segundo a qual «é inútil fazer referência a outros domínios jurídicos [...]». O acórdão recorrido enferma, pois, de ilegalidade neste ponto.

79      Além disso, a recorrente alega a deficiência da fundamentação do acórdão recorrido no que respeita aos argumentos da Eni relativos à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de sucessão de empresas. A Eni salienta que a possibilidade de se considerar que uma entidade distinta da autora da infração é responsável se limita a casos específicos e excecionais, pois derroga o princípio da responsabilidade pessoal. Ora, o Tribunal Geral não examinou os laços que unem a Syndial e a Versalis no plano jurídico e organizacional e se estas sociedades aplicaram, no essencial, as mesmas orientações comerciais, limitando‑se a recordar que as duas filiais tinham sido detidas integralmente, direta ou indiretamente, pela Eni.

80      A Comissão observa a este propósito que, no que respeita ao direito da concorrência da União, não podem ser retirados ensinamentos dos princípios geralmente aplicáveis no quadro do direito das sociedades. As regras previstas pelo direito americano em matéria de cartéis não são vinculativas para o direito da União. Os pareceres sobre esse direito, anexados à petição na primeira instância e oferecidos, uma vez mais, como anexos à petição do presente recurso, são, pois, manifestamente desprovidos de pertinência para os efeitos dos presentes autos e, além disso, inadmissíveis na medida em que incluem argumentos que não figuravam no texto da petição. Por último, o argumento baseado na jurisprudência sobre a sucessão económica das empresas é manifestamente desprovido de pertinência, pois a infração em causa não foi imputada à Eni com base na sucessão, como o Tribunal Geral explicou de modo bastante no n.° 117 do acórdão recorrido. Quando muito, esta jurisprudência vem confortar a posição da Comissão.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

81      No tocante, por um lado, às referências feitas pela Eni a princípios gerais de direito, a saber, o da responsabilidade limitada das sociedades de capitais e o da personalidade jurídica distinta das sociedades, que obstam a que a Eni seja responsabilizada pela infração cometida pelas suas filiais, bem como aos dois pareceres em apoio da sua tese, anexados à petição, é forçoso constatar que esta alegação é manifestamente improcedente.

82      A este respeito, basta remeter para a jurisprudência assente segundo a qual o direito da concorrência da União visa as atividades das empresas (v., designadamente, acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 59), o conceito de empresa deve ser entendido como designando uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (v., designadamente, acórdão de 14 de dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C‑217/05, Colet., p. I‑11987, n.° 40) e, quando uma tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 56 e jurisprudência referida).

83      Tendo em conta esta jurisprudência assente, o Tribunal Geral podia validamente rejeitar, nos n.os 113 e seguintes do acórdão recorrido, as alegações análogas aduzidas pela Eni na primeira instância, sem fornecer uma fundamentação pormenorizada a esse respeito. Ao que acresce que, na medida em que a Eni pretendia, na realidade, contestar a validade da presunção da influência determinante efetiva de uma sociedade‑mãe na sua filial detida a 100% ou a quase 100%, o Tribunal Geral também não cometeu nenhum erro quando remeteu para as suas considerações que versavam sobre essa questão e constatou que os argumentos da Eni a esse respeito assentavam numa premissa errada.

84      No que toca, por outro lado, à alegação relativa à deficiência de fundamentação do acórdão recorrido a respeito da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de sucessão de empresas, está desprovida de fundamento.

85      Com efeito, como o Tribunal Geral constatou, no essencial, no n.° 117 do acórdão recorrido, a responsabilidade que, no caso vertente, foi imputada à Eni não resulta de uma situação de sucessão de empresas, uma vez que que, no momento da infração, a Eni mantinha o controlo total ou quase total das suas filiais, o que não foi contestado. A Comissão podia então, com base na jurisprudência mencionada nos n.os 47 e 48 do presente acórdão, presumir que a Eni, sem prejuízo da prova em contrário, nunca deixou, durante a infração em causa, de fazer parte da «empresa», na aceção do artigo 101.° TFUE, que é a autora da infração e que constitui o objeto da decisão controvertida. Ora, como o Tribunal Geral corretamente concluiu no acórdão recorrido, não foi produzida a prova em contrário. Portanto, o Tribunal Geral fundamentou suficientemente o acórdão recorrido.

86      Por conseguinte, há igualmente que julgar improcedente a quarta parte do primeiro fundamento.

87      Não tendo prosperado nenhuma das quatro partes do primeiro fundamento, este deve ser julgado improcedente na sua integralidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 e do princípio da proporcionalidade, bem como à deficiência de fundamentação em violação do artigo 296.° TFUE

88      O segundo fundamento em apoio do presente recurso da Eni divide‑se, no essencial, em duas partes. A primeira parte é relativa a erros de apreciação do Tribunal Geral no que diz respeito à gravidade da infração e ao coeficiente multiplicador e a segunda parte é relativa à não tomada em consideração dos efeitos da exclusão da Syndial no cálculo da coima.

¾       Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a erros de apreciação do Tribunal Geral no que diz respeito à gravidade da infração e ao coeficiente multiplicador

i)     Argumentos das partes

89      Com a primeira parte do segundo fundamento, a Eni alega que o Tribunal Geral, para determinar o montante de base da coima em função da gravidade da infração, só levou em conta a sua natureza, definida exclusivamente à luz do objeto ilícito do cartel, sem tomar em consideração uma série de outros fatores pertinentes.

90      Em primeiro lugar, o Tribunal Geral não levou em conta o facto de que os efeitos dos comportamentos anticoncorrenciais constatados na decisão controvertida eram «quantificáveis» na aceção do ponto 1 A das orientações e foram efetivamente quantificados pela Comissão na primeira comunicação de acusações. Por conseguinte, segundo a Eni, a Comissão estava obrigada a proceder a um exame destes efeitos.

91      Seguidamente, o Tribunal Geral não explica, através da sua própria argumentação, quais foram os critérios que conduziram ao montante de partida de 55 milhões de euros, em vez do mínimo de 20 milhões de euros.

92      Por último, a Eni censura ao Tribunal Geral a rejeição da sua argumentação segundo a qual não tinha tido consciência do caráter anticoncorrencial dos comportamentos em causa, constatando, no n.° 145 do acórdão recorrido, que a EniChem SpA tinha necessariamente tido consciência de tal comportamento. No entender da Eni, a fundamentação do Tribunal Geral é contraditória, visto que a Comissão tinha considerado a Eni responsável, unicamente, devido ao seu papel de sociedade‑mãe, e não devido ao facto de que tinha tido consciência dos comportamentos em causa.

93      No tocante ao coeficiente multiplicador com finalidade dissuasiva, a Eni sustenta que o Tribunal Geral não levou em conta o facto de que a química nunca fez parte da atividade principal da recorrente e apenas assumiu uma importância relativa na política industrial do grupo. O Tribunal Geral também não apreciou corretamente a errada aplicação de um coeficiente multiplicador de 2 pela Comissão, a qual, por seu turno, não apreciou corretamente o volume de negócios das destinatárias da decisão controvertida e também não forneceu uma fundamentação adequada sobre esse ponto.

94      A Comissão refere, designadamente, que constitui jurisprudência assente que os acordos horizontais em matéria de preços podem ser qualificados, por si sós, de «muito graves». A identificação de efeitos específicos teria, quando muito, constituído um elemento adicional a tomar em consideração a fim de aumentar o montante de partida da coima. A tal não obsta o facto de a Comissão, só após uma tentativa frustrada na primeira comunicação de acusações, ter entendido não estar em posição de proceder a essa avaliação.

95      A alegação da recorrente de que o cartel respeitou apenas a uma parte limitada do mercado relevante visa elementos de facto e, consequentemente, é inadmissível. Quanto ao montante de 55 milhões de euros como ponto de partida para o cálculo da coima, o Tribunal Geral explicou a razão para tal, de modo exaustivo, no n.° 143 do acórdão recorrido. A Comissão, considerando embora que o elemento subjetivo não é pertinente, entende que a Eni, tendo encabeçado a empresa que participou no cartel em causa, também estava ao corrente dos comportamentos anticoncorrenciais em questão.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

96      No que respeita, em primeiro lugar, à pertinência dos efeitos da infração em causa, cabe lembrar que, em conformidade com jurisprudência assente, a gravidade das infrações ao direito da União relativo à concorrência deve ser determinada em função de um grande número de elementos, e isto sem que exista uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (v., designadamente, acórdão de 19 de dezembro de 2012, Bavaria/Comissão, C‑445/11 P, n.° 59 e jurisprudência referida). No tocante, mais concretamente, ao impacto concreto da infração no mercado, este não é um critério decisivo para a determinação do nível das coimas (v. acórdãos de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, Colet., p. I‑12789, n.° 34, e C‑389/10 P, Colet., p. I‑13125, n.° 44).

97      Ao que acresce que os acordos horizontais de preços ou de repartições de mercados podem ser qualificados de infrações muito graves apenas com base na sua própria natureza, não estando a Comissão obrigada a demonstrar um impacto concreto da infração no mercado (v., designadamente, despacho Transcatab/Comissão, já referido, n.° 42). Nessa hipótese, o impacto concreto da infração constitui apenas um entre vários elementos que, se for quantificável, pode permitir à Comissão aumentar o montante de partida da coima para além do montante mínimo previsto de 20 milhões de euros (acórdão de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colet., p. I‑7415, n.° 75).

98      Por conseguinte, se o Tribunal Geral tivesse levado em conta os efeitos do impacto concreto da infração em causa no mercado, supondo que esses efeitos tivessem efetivamente sido quantificáveis, tê‑lo‑ia feito a título supérfluo. Além disso, sendo a infração em causa intrinsecamente muito grave, a tomada em consideração do seu impacto concreto apenas teria podido conduzir a um aumento da coima. Portanto, esta alegação é inoperante (v., neste sentido, acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido, n.° 75, e despacho Transcatab/Comissão, já referido, n.os 43 e 44).

99      Em segundo lugar, no que toca à alegação relativa ao facto de que o Tribunal Geral não explicou, através da sua própria argumentação, quais os critérios que conduziram ao montante de partida de 55 milhões de euros, em vez do mínimo de 20 milhões de euros, basta constatar que o Tribunal Geral forneceu, no n.° 143 do acórdão recorrido, uma exposição pormenorizada dos fatores que levou em conta para avaliar a gravidade da infração. Esta alegação é, pois, manifestamente infundada. O simples facto de o Tribunal Geral ter igualmente aprovado, a esse respeito, no exercício da sua competência de plena jurisdição, vários elementos da apreciação efetuada pela Comissão na decisão controvertida não pode pôr em causa esta conclusão (v., neste sentido, acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, n.° 133).

100    No que respeita, em terceiro lugar, ao facto de que a Eni não teve consciência do caráter anticoncorrencial dos comportamentos infratores, basta recordar que a responsabilidade pela infração foi imputada a esta sociedade devido ao facto de ela, como resulta das considerações do presente acórdão a respeito do primeiro fundamento em apoio do presente recurso, ter formado com a EniChem SpA, atualmente Syndial, uma única empresa na aceção do artigo 101.° TFUE. Posto isto, a constatação do Tribunal Geral, no n.° 145 do acórdão recorrido, que não foi contestada, segundo a qual a EniChem SpA estava necessariamente ao corrente da infração cometida, basta para rejeitar o argumento aduzido na primeira instância e assente no facto de que a Comissão determinou erradamente o montante de partida da coima sem levar em consideração o elemento subjetivo correspondente à Eni. Esta alegação é, pois, manifestamente infundada, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a questão de saber se a consciência do caráter anticoncorrencial dos comportamentos em causa é ou não pertinente para a determinação do montante da coima.

101    Em quarto lugar, a alegação relativa ao facto de que o Tribunal Geral não levou em conta a importância, pretensamente relativa, do setor químico na política industrial do grupo é inoperante. Com efeito, esta circunstância, só por si, mesmo que tivesse sido demonstrada, seria desprovida de pertinência para a determinação do montante de base para o cálculo da coima. Também não é suscetível de constituir uma circunstância atenuante na aceção do ponto 2 das orientações.

102    Quanto, em quinto lugar, à alegação relativa à apreciação incorreta, pelo Tribunal Geral, da aplicação pretensamente errada de um coeficiente multiplicador de 2, pela Comissão, e da deficiência de fundamentação do acórdão recorrido a esse respeito, cabe recordar que, segundo jurisprudência assente, o recurso de uma decisão de primeira instância deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v., nomeadamente, acórdão Arkema/Comissão, já referido, n.° 59 e jurisprudência referida).

103    Ora, é forçoso constatar que a Eni, neste contexto, não indica de modo preciso os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente o seu pedido de anulação do acórdão recorrido. Com efeito, limita‑se a afirmar, no n.° 72 da sua petição no presente recurso, que a Comissão não tinha apreciado «corretamente» os fatores de cálculo «pertinentes», entre os quais o volume de negócios, e que o Tribunal Geral não tinha apreciado «corretamente» esta aplicação pretensamente errada. De igual modo, a Eni não explicou a razão pela qual o acórdão recorrido não estava corretamente fundamentado a esse respeito. Nestas condições, o Tribunal de Justiça não está em condições de exercer a sua fiscalização da legalidade, sob pena de decidir ultra petita (v., por analogia, acórdão Arkema/Comissão, já referido, n.° 61 e jurisprudência referida). Estas alegações são, portanto, inadmissíveis.

104    Por último, quanto à alegação relativa à violação do princípio da proporcionalidade, cabe constatar que a Eni não aduz uma argumentação distinta da que serve de apoio às outras alegações avançadas no quadro da primeira parte do segundo fundamento. Importa, além disso, recordar que a recorrente invocou, no essencial, os mesmos argumentos perante o Tribunal Geral, a fim de que este reduzisse, exercendo a sua competência de plena jurisdição, a coima aplicada à recorrente, e que o Tribunal Geral, após ter examinado esses argumentos, concluiu que estes não justificavam tal redução (v. despacho de 2 de fevereiro de 2012, Elf Aquitaine/Comissão, C‑404/11 P, n.° 89), pese embora o facto de ter reduzido a coima por outras razões.

105    Nestas circunstâncias, não compete ao Tribunal de Justiça substituir, por razões de equidade, a apreciação do Tribunal Geral pela sua própria apreciação, decidindo no exercício da sua competência de plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação, por estas, das regras do direito da União (v. despacho Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.° 90 e jurisprudência referida). Por conseguinte, esta alegação também não pode prosperar.

106    Não prosperando nenhuma das alegações que figuram na primeira parte do segundo fundamento, há que julgá‑la improcedente.

¾       Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à não tomada em consideração dos efeitos da exclusão da Syndial no cálculo da coima

i)     Argumentos das partes

107    No entender da Eni, a exclusão da Syndial como destinatária da decisão controvertida provocou graves consequências na aplicação do limite máximo de 10% previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. A Eni reitera o seu argumento assente na jurisprudência segundo a qual a responsabilidade, em caso de sucessão de empresas, pressupõe necessariamente que a sociedade autora da infração tenha deixado de existir no plano económico e/ou jurídico, o que não acontece no presente caso.

108    A Comissão retorque que o Tribunal Geral, que tratou os argumentos referentes a esta matéria nos n.os 177 a 179 do acórdão recorrido, não cometeu nenhum erro. Durante todo o período de duração do cartel, a Eni exerceu o seu controlo sobre a sociedade que participava diretamente no cartel, pelo que o facto de não ter sido imposta nenhuma coima à Syndial não tem influência na sua responsabilidade. Ao que acresce que o limite de 10% previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 se referia ao grupo, como o Tribunal Geral explicou nos n.os 177 a 179 do acórdão recorrido.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

109    Antes de mais, o Tribunal Geral, que tinha já rejeitado, nos n.os 177 a 179 do acórdão recorrido, a argumentação da Eni segundo a qual a exclusão da Syndial como destinatária da decisão controvertida provocou «graves consequências» na aplicação do limite máximo de 10% previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, recordou, a este respeito, a sua jurisprudência segundo a qual esse limite deve ser calculado com base no volume de negócios cumulado de todas as sociedades que constituem a entidade económica única que age como empresa na aceção do artigo 101.° TFUE. O Tribunal de Justiça confirmou já que esta jurisprudência não enferma de erro de direito (v. despacho de 3 de maio de 2012, World Wide Tobacco España/Comissão, C‑240/11 P, n.os 45 e 46).

110    Por conseguinte, a alegação aduzida pela Eni a este respeito é inoperante, dado que, mesmo supondo que a Syndial tenha sido destinatária da decisão controvertida, o montante da coima pelo pagamento do qual a Eni teria sido solidariamente responsável não deveria ser limitado a 10% do volume de negócios da Syndial.

111    Seguidamente, tendo em conta a jurisprudência referida no n.° 109 do presente acórdão, o argumento segundo o qual a responsabilidade, em caso de sucessão de empresas, pressupõe que a sociedade autora da infração tenha deixado de existir no plano económico e/ou jurídico, o que não acontece no presente caso, também não é pertinente. O que é determinante, neste contexto, é o facto de que a Syndial, o que a Eni não contesta, estava diretamente implicada na infração em causa, pelo menos, até à transferência da sua atividade química para a Versalis, e que a Syndial, quando esta sociedade estava diretamente implicada na infração, era controlada pela Eni.

112    Por último, a Eni não afirmou que a Syndial, após a transferência da sua atividade química para a Versalis, tinha deixado de fazer parte do grupo controlado pela Eni, antes da adoção da decisão controvertida. Consequentemente, durante a infração em causa e até à adoção da decisão controvertida, a recorrente nunca deixou de ser a sociedade à cabeça da empresa que cometeu a infração em causa, de modo que os argumentos da Eni a respeito da sucessão de empresas são desprovidos de pertinência neste contexto.

113    Donde se conclui que a segunda parte do segundo fundamento do presente recurso também deve ser julgada improcedente, devendo, portanto, ser julgado improcedente o segundo fundamento na sua integralidade.

114    Não tendo prosperado nenhum dos fundamentos do presente recurso principal, há que lhe negar integralmente provimento.

 Quanto ao recurso subordinado

 Argumentos das partes

115    Em apoio do seu recurso subordinado da decisão do Tribunal Geral, a Comissão invoca um fundamento único, relativo à violação do artigo 296.° TFUE, em conjugação com o artigo 101.° TFUE, a vícios processuais que prejudicaram os interesses da Comissão e à violação do princípio do contraditório. Foi erradamente que o acórdão recorrido concluiu que eram insuficientes os elementos fornecidos na decisão controvertida com vista a estabelecer a circunstância agravante da reincidência relativamente à Eni e à Versalis.

116    A Comissão recorda, em primeiro lugar, que, no n.° 430 da segunda comunicação de acusações, tinha anunciado que tencionava levar em consideração, a título de circunstância agravante, infrações precedentes já constatadas e tinha expressamente mencionado a participação da Eni nas infrações evidenciadas nas decisões Polipropileno e PVC II. A Eni não tomou posição a esse respeito durante o processo perante a Comissão. Foi, pela primeira vez, na sua petição apresentada na primeira instância, que a Eni alegou, por um lado, que a autora das infrações precedentes e a pessoa que estava agora implicada na infração não eram idênticas, sendo diferentes os setores em questão no que respeita aos produtos e aos mercados e tendo estes sido já cedidos antes da adoção das decisões Polipropileno e PVC II, e, por outro, que a empresa do grupo implicada nos processos de concorrência anteriores tinha sido a EniChem SpA.

117    Porém, a Eni nunca afirmou que as sociedades punidas nas decisões Polipropileno e PVC II não estavam sob a direção do «grupo ENI». A Comissão entende que, se quisesse, teria podido aplicar a coima à mesma sociedade‑mãe nessas decisões, a saber, a Eni, que controlava totalmente as sociedades destinatárias das referidas decisões, a EniChem SpA e a Anic SpA. O Tribunal de Primeira Instância, no seu acórdão de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão (T‑203/01, Colet., p. II‑4071), confirmou que a Comissão, em tais condições, podia considerar com razão que a mesma empresa tinha sido já condenada pelo mesmo tipo de infração.

118    Na audiência, o Tribunal Geral não colocou questões escritas às partes a respeito da reincidência e não pediu esclarecimentos sobre os factos. Foi, pois, de modo totalmente inopinado que o acórdão recorrido anulou parcialmente a decisão controvertida, com base numa pretensa deficiência de fundamentação. Consequentemente, o acórdão recorrido enferma de violação do artigo 296.° TFUE, em conjugação com o artigo 101.° TFUE. O Tribunal Geral determinou, de maneira errada, o objeto e o alcance do dever de fundamentação. Além disso, segundo a Comissão, a abordagem do Tribunal Geral comporta uma grave violação do princípio do contraditório e, por conseguinte, um vício processual que prejudica os interesses da Comissão.

119    A Comissão salienta que a fundamentação de um ato deve ser apreciada à luz, designadamente, do seu contexto. O Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão (C‑42/01, Colet., p. I‑6079, n.° 66 e jurisprudência referida), declarou, assim, que era suficiente uma fundamentação sumária contida numa decisão adotada num contexto bem conhecido do destinatário. Além disso, segundo a Comissão, o Tribunal Geral deveria ter oferecido à Comissão a possibilidade de clarificar e precisar a sua fundamentação, como fez no processo na origem do acórdão do Tribunal Geral de 13 de dezembro de 2012, Versalis e Eni/Comissão (T‑103/08).

120    Por último, segundo a Comissão, os considerandos 366 a 373 da decisão controvertida estabelecem claramente a continuidade entre a empresa destinatária da decisão PVC II e a implicada na infração em causa no presente processo. Por conseguinte, a Comissão conclui pedindo a anulação do acórdão recorrido, na parte em que o Tribunal Geral anulou parcialmente a decisão controvertida no que respeita à constatação da reincidência tanto relativamente à decisão Polipropileno como relativamente à decisão PVC II, e, em todo o caso, na medida em que a anulação desta decisão pelo Tribunal Geral visa a constatação da reincidência relativamente à decisão PVC II.

121    Segundo a Eni, a Comissão, no seu presente recurso subordinado, baseia‑se tanto numa leitura errada da decisão controvertida e do acórdão recorrido como numa exposição capciosa das objeções que a Eni formulou durante o procedimento administrativo e na primeira instância.

122    A Eni sustenta que o direito da União não impõe que o destinatário de uma comunicação de acusações conteste os seus diversos elementos de facto ou de direito durante o procedimento administrativo e remete, a esse respeito, para o acórdão do Tribunal Geral de 15 de setembro de 2011, Koninklijke Grolsch/Comissão (T‑234/07, Colet., p. II‑6169, n.° 37). Foi com acerto que o Tribunal Geral constatou que a Comissão não podia imputar a reincidência à Eni, atribuindo‑lhe, ex post, a responsabilidade das infrações imputadas, à época, à Enichem SpA e à Anic SPA, devido ao controlo do capital destas duas sociedades, tese que o Tribunal Geral, de resto, considerou não ter sido demonstrada.

123    A Eni salienta que, nas decisões Polipropileno e PVC II, a Comissão não implicou de modo algum a sociedade‑mãe Eni, apesar de um problema de imputabilidade das infrações constatadas ter efetivamente chamado a atenção da Comissão. Esta não pode invocar retroativamente a presunção assente no controlo, pela sociedade‑mãe, de 100% do capital das suas filiais, sem infringir, designadamente, os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima e provocar uma redução injustificada dos direitos de defesa da Eni.

124    Além disso, no procedimento administrativo, a Eni tinha já negado que a sua responsabilidade possa ser posta em causa unicamente com base na sua posição à cabeça do grupo e pela via da presunção. Entende que a Comissão deveria ter demonstrado que ela tinha efetivamente exercido uma influência determinante nas suas filiais no setor do PVC e do polipropileno e que estas não tiveram um comportamento autónomo no mercado.

125    No tocante à alegação relativa à violação do princípio do contraditório e de outras regras processuais, a Eni considera que a Comissão não identifica estas regras no seu articulado e que esta alegação, na medida em que é absolutamente vaga, é inadmissível. A violação do princípio do contraditório, segundo a Eni, só pode ser validamente invocada no caso de fundamentos suscitados oficiosamente pelo Tribunal Geral. Ora, o fundamento acolhido pelo Tribunal Geral foi invocado na petição da Eni. Além disso, a «regularização» da fundamentação da decisão controvertida só teria sido possível se tivesse versado sobre a fundamentação de um ponto específico de facto e de direito. No caso vertente, não existe tal fundamentação.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

126    Há que recordar, antes de mais, que a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem os fundamentos da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. acórdão de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Aliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 72 e jurisprudência referida).

127    Assim, no âmbito das decisões individuais, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o dever de fundamentar uma decisão desta natureza tem por finalidade, além de permitir uma fiscalização jurisdicional, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade (acórdão Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Aliance One International e o., já referido, n.° 73 e jurisprudência referida).

128    A fundamentação deve, pois, em princípio, ser comunicada ao interessado ao mesmo tempo que a decisão que lhe causa prejuízo. Não se pode considerar que a inexistência de fundamentação foi sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos da decisão no decurso do processo perante os órgãos jurisdicionais da União (v., designadamente, acórdão Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Aliance One International e o., já referido, n.° 74 e jurisprudência referida).

129    Donde resulta que a Comissão, quando aplica uma coima a uma sociedade por violação das regras da União em matéria de concorrência e, no momento do cálculo da coima, aplica um coeficiente multiplicador para levar em conta o facto de esta mesma sociedade já ter estado anteriormente implicada numa infração às regras da concorrência, está obrigada a fornecer, com a decisão que aplica a referida coima, uma exposição que permita aos órgãos jurisdicionais da União e a esta sociedade compreender em que qualidade e em que medida esteve implicada na infração anterior. Nomeadamente, se a Comissão considerar que a referida sociedade fez parte da empresa destinatária da decisão que versou sobre a infração anterior, incumbirá à Comissão fundamentar suficientemente esta afirmação.

130    No caso vertente, cabe lembrar que a Comissão, no considerando 430 da segunda comunicação de acusações, tinha indicado que teria em conta as constatações anteriores de infrações semelhantes, remetendo, a esse respeito, para as decisões Polipropileno e PVC II e indicando que a «ENI» tinha estado «implicada» nessas decisões. No essencial, a mesma constatação sucinta encontra‑se no considerando 487 da decisão controvertida, no qual a Comissão observa, além do mais, que a «Enichem» já tinha sido destinatária das referidas decisões. Por último, o considerando 488 da decisão controvertida pode ser entendido no sentido de que, segundo a Comissão, a mesma empresa na aceção do artigo 101.° TFUE é a autora das infrações que constituem o objeto das decisões Polipropileno e PVC II e da infração constatada pela decisão controvertida.

131    Ora, tendo a decisão Polipropileno sido dirigida, designadamente, à Anic SpA, e a decisão PVC II, designadamente, à Enichem SpA, é forçoso constatar que as indicações fornecidas na decisão controvertida e recordadas no número anterior não permitem de modo algum compreender em que qualidade e em que medida a Eni, que não figura entre os destinatários da decisão Polipropileno nem da decisão PVC II, esteve implicada nessas decisões.

132    Embora a Comissão alegue que os considerandos 366 a 373 da decisão controvertida incluem uma descrição precisa de todas as ocorrências relacionadas com a EniChem, estas explicações, contudo, dizem apenas respeito às mudanças verificadas no seio do grupo Eni, de 20 de maio de 1996 a 28 de novembro de 2002, como o Tribunal Geral constatou acertadamente no n.° 167 do acórdão recorrido. Todavia, os referidos considerandos não contêm nenhuma precisão a respeito das sociedades que formam as empresas destinatárias das decisões Polipropileno e PVC II, não mencionam se essas sociedades são idênticas às visadas pela decisão controvertida, o que a Eni contesta, e também não versam sobre as eventuais mudanças, neste contexto, ocorridas entre a data da adoção não só da decisão Polipropileno, a saber, 23 de abril de 1986, como da decisão PVC II, a saber, 27 de julho de 1994, e o início da infração constatada pela decisão controvertida, ou seja, 20 de maio de 1996.

133    Por conseguinte, a decisão controvertida está deficientemente fundamentada a esse respeito.

134    Seguidamente, no que toca à pretensa violação do princípio do contraditório, conducente a uma violação dos direitos de defesa da Comissão, basta recordar que a Eni, como ela própria realça com acerto, tinha aduzido a alegação da fundamentação deficiente já na sua petição apresentada na primeira instância. Por conseguinte, tendo a Comissão tido a possibilidade de tomar integralmente posição sobre esta alegação nos seus articulados de defesa e na audiência de alegações na primeira instância, não pode ser constatada uma qualquer violação do princípio do contraditório suscetível de prejudicar os direitos de defesa da Comissão.

135    Além do mais, como resulta da jurisprudência referida no n.° 128 do presente acórdão, a Comissão estava obrigada a fornecer uma fundamentação suficiente, logo no momento da adoção da decisão controvertida. Consequentemente, não é possível concluir que as mais amplas informações que a Comissão, na falta da pretensa violação do princípio do contraditório, tivesse podido fornecer ao Tribunal Geral fossem suscetíveis de ter uma qualquer incidência no resultado do acórdão recorrido.

136    No que respeita ao argumento segundo o qual a Eni, durante o procedimento tramitado na Comissão, não tinha ainda invocado que os destinatários das decisões Polipropileno e PVC II, por um lado, e da decisão controvertida, por outro, não eram idênticos, basta recordar que, como a Eni acertadamente realçou, nenhuma disposição do direito da União impõe que o destinatário de uma comunicação de acusações conteste os seus diversos elementos de facto ou de direito no decurso do procedimento administrativo.

137    Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito, ao considerar que a Comissão, na decisão controvertida, não apresentou elementos suficientemente circunstanciados e precisos que permitissem concluir que uma mesma «empresa» na aceção do artigo 101.° TFUE tinha reiterado um comportamento ilícito e, em consequência, ao anular o artigo 2.°, alínea c), da decisão controvertida, na medida em que fixa em 272,25 milhões de euros o montante da coima aplicada à Eni.

138    Por conseguinte, sendo improcedente o fundamento único invocado pela Comissão em apoio do presente recurso subordinado, há que lhe negar provimento.

 Quanto às despesas

139    Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, deste regulamento, aplicável à tramitação dos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido.

140    Quanto ao presente recurso principal, tendo a Comissão pedido a condenação da Eni e tendo esta sido vencida relativamente a todos os seus fundamentos, há que a condenar nas despesas.

141    No que toca ao presente recurso subordinado, tendo a Eni pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida relativamente ao seu fundamento único, há que a condenar nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso principal e ao recurso subordinado.

2)      A Eni SpA é condenada nas despesas referentes ao recurso principal.

3)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas referentes ao recurso subordinado.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.