Language of document : ECLI:EU:C:2011:215

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 7 de Abril de 2011 (1)

Processos apensos C‑106/09 P e C‑107/09 P

Comissão Europeia (C-106/09 P)

Reino de Espanha (C-107/09 P)

contra

Government of Gibraltar e Reino Unido

«Recursos de decisão do Tribunal Geral – Regime de auxílios de Estado – Reforma do imposto sobre as sociedades de Gibraltar – Competências dos Estados‑Membros no âmbito da fiscalidade directa – Conceito de vantagem – Selectividade regional e material – Paraíso fiscal – Sociedades off‑shore»





I –    Introdução

1.        Com os seus recursos, a Comissão Europeia e o Reino de Espanha pedem a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 18 de Dezembro de 2008, Government of Gibraltar e Reino Unido/Comissão (T‑211/04 e T‑215/04, Colect., p. II‑3745, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este Tribunal anulou a Decisão 2005/261/CE da Comissão, de 30 de Março de 2004, sobre o regime de auxílio que o Reino Unido pretende aplicar relativamente à reforma do imposto sobre as sociedades do Governo de Gibraltar (2). Na referida decisão, a Comissão entendeu que a reforma em questão constituía um regime de auxílio incompatível com o mercado comum.

2.        A problemática da existência da vantagem, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, e da selectividade ao nível regional e material, na acepção da mesma disposição, está no centro dos presentes recursos. Por um lado, a questão consiste em saber se um território na acepção do artigo 299.°, n.° 4, CE (3), que não faz parte do território de um Estado‑Membro, pode ser considerado como quadro de referência para efeitos da aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Mais especificamente, o presente processo impõe a análise da aplicabilidade a Gibraltar da jurisprudência existente relativa à selectividade regional.

3.        Por outro lado, o Tribunal de Justiça é chamado a fazer uma escolha que tem consequências transversais no que respeita à metodologia a utilizar no contexto de medidas indirectas susceptíveis de constituírem auxílios de Estado. Trata‑se de determinar o método que permite apreciar a selectividade material de uma medida indirecta adoptada no âmbito de um regime fiscal nacional, respeitando simultaneamente a repartição de competências entre os Estados‑Membros e a União Europeia no domínio da fiscalidade directa.

4.        Com efeito, a Comissão propõe ao Tribunal de Justiça que adopte um novo conceito de sistema fiscal «intrinsecamente discriminatório» (4), bem como um método de análise que se afaste do que figura na sua comunicação sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (5) (a seguir «método ad hoc»).

5.        Ora, a medida que, com fundamento neste conceito, é susceptível de ser qualificada, no presente caso, como vantagem selectiva, é uma medida fiscal aplicável a mais de 99% das empresas de Gibraltar (6).

6.        A questão principal suscitada pelo presente processo é, pois, a da selectividade material e a da clarificação do conceito de auxílio de Estado em relação ao fenómeno da concorrência fiscal prejudicial.

7.        Na minha análise, proponho‑me apreciar sucessivamente a selectividade regional e, em seguida, a selectividade material, sem ter em consideração a ordem dos fundamentos aduzidos pelas recorrentes no recurso.

II – Factos na origem do litígio e acórdão recorrido

A –    Reforma do imposto sobre as sociedades pelo Governo de Gibraltar

8.        Por carta de 12 de Agosto de 2002, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte notificou à Comissão, nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, a reforma do imposto sobre as sociedades que o Governo de Gibraltar pretendia aplicar (7).

9.        O sistema de tributação a introduzir pela reforma fiscal e aplicável a todas as empresas estabelecidas em Gibraltar compõe‑se de um imposto sobre o número de trabalhadores (payroll tax), de um imposto sobre a ocupação de instalações para fins comerciais (business property occupation tax, a seguir «BPOT») e de uma taxa de registo (registration fee), com as seguintes características:

–        imposto sobre o número de trabalhadores: todas as sociedades de Gibraltar estão sujeitas a um imposto sobre o número de trabalhadores assalariados em Gibraltar, no valor de 3 000 GBP por trabalhador e por ano;

–        BPOT: todas as sociedades que ocupam instalações em Gibraltar para fins profissionais pagam um imposto sobre a ocupação das referidas instalações, a uma taxa equivalente a uma percentagem do montante devido a título do imposto predial de Gibraltar;

–        taxa de registo: todas as sociedades de Gibraltar pagam uma taxa de registo anual cujo montante ascende a 150 GBP para as sociedades não destinadas a gerar receitas e a 300 GBP para as empresas destinadas a gerar receitas.

10.      A tributação em imposto sobre o número de trabalhadores e em BPOT será limitada a 15% dos lucros. Resulta da instituição deste limite que as sociedades apenas pagam o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT se obtiverem lucros.

11.      Certas actividades, a saber, os serviços financeiros e os serviços públicos à população, estão sujeitas a um imposto adicional sobre os lucros gerados por estas actividades.

12.      A tributação total das sociedades de serviços financeiros (imposto sobre o número de trabalhadores, BPOT e imposto adicional sobre os lucros gerados pelas actividades de serviços financeiros a uma taxa compreendida entre 4% e 6% dos lucros) é limitada a 15% dos lucros. As sociedades de serviços públicos à população estão sujeitas a um imposto adicional sobre os lucros gerados pelas suas actividades, à taxa de 35% dos lucros. Estas sociedades podem deduzir o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT do imposto adicional (8).

B –    Decisão controvertida

13.      Depois de ter examinado a notificação nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão considerou que a reforma do regime de fiscalidade das empresas em Gibraltar, tal como notificada pelo Reino Unido, constituía um regime de auxílio estatal incompatível com o mercado comum que, consequentemente, não podia ser aplicada.

14.      No essencial, a Comissão afirmou, nos considerandos 98 a 152 da decisão controvertida, que a referida reforma era selectiva tanto no plano regional como no plano material. Por um lado, na medida em que prevê um sistema do imposto sobre as sociedades segundo o qual as sociedades em Gibraltar estão, em geral, sujeitas a uma taxa de imposto inferior à das empresas estabelecidas no Reino Unido, segundo a Comissão, a reforma atribui uma vantagem selectiva às empresas de Gibraltar.

15.      Por outro lado, a Comissão considera que os aspectos da reforma fiscal relativos ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT a seguir indicados são selectivos no plano material. Em primeiro lugar, a condição da obtenção de lucros para que uma sociedade seja tributada favorece as sociedades que não obtenham lucros; em segundo lugar, a aplicação do limite máximo de 15% dos lucros à tributação favorece as sociedades que, no exercício fiscal em questão, apresentem lucros pouco elevados em relação ao número de trabalhadores e às instalações que ocupam; em terceiro lugar, o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT favorecem, por natureza, as sociedades que não estão realmente estabelecidas em Gibraltar e que, consequentemente, não são tributadas em imposto sobre as sociedades.

16.      Finalmente, a Comissão concluiu que a concessão das isenções e das reduções fiscais referidas implica uma perda de receitas fiscais que equivale ao consumo de recursos do Estado sob a forma de despesas fiscais. Consequentemente, as medidas em causa foram qualificadas como vantagem conferida pelo Estado com recursos do Estado.

C –    Tramitação no Tribunal de Primeira Instância

17.      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Junho de 2004, o Governo de Gibraltar, recorrente no processo T‑211/04, e o Reino Unido, recorrente no processo T‑215/04, interpuseram recursos de anulação da decisão controvertida. Por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de 14 de Dezembro de 2004, foi deferido o pedido de intervenção do Reino de Espanha em apoio das conclusões da Comissão. Por despacho de 18 de Dezembro de 2006, os processos foram apensados para efeitos da fase oral.

18.      O Tribunal julgou procedentes dois dos três fundamentos apresentados pelas recorrentes em primeira instância relativos, respectivamente, à selectividade regional e à selectividade material, razão pela qual não analisou o terceiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais. Em consequência, anulou a decisão controvertida.

III – Quanto aos recursos

A –    Tramitação no Tribunal de Justiça

19.      Por despacho do Presidente do Tribunal de Justiça, de 26 de Junho de 2009, os processos C‑106/09 P e 107/09 P foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão. Por despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 2009 nos processos apensos, foi deferido o pedido de intervenção da Irlanda nos presentes processos, em apoio dos pedidos do Reino Unido e do Governo de Gibraltar.

20.      No seu recurso, a Comissão invoca um fundamento único, dividido em seis partes, respeitante à análise efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no que respeita à selectividade material e fundado numa violação do artigo 87.°, n.° 1, CE. No seu recurso, o Reino de Espanha invoca onze fundamentos relativos à análise efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no que respeita à selectividade regional e material. Invoca igualmente fundamentos relativos a irregularidades processuais.

21.      Na sua contestação dos recursos interpostos pela Comissão e pelo Reino de Espanha, o Governo de Gibraltar e o Reino Unido concluem pedindo que seja negado provimento aos recursos. A Irlanda interveio em apoio das conclusões do Reino Unido apenas no processo C‑106/09.

22.      A Comissão, o Governo de Gibraltar, o Governo do Reino Unido, a Irlanda e o Governo espanhol apresentaram observações na audiência de 16 de Novembro de 2010.

B –    Observações preliminares sobre os aspectos processuais dos recursos – sobre as consequências de uma anulação parcial do acórdão recorrido

23.      No seu recurso, a Comissão critica unicamente a parte do acórdão do Tribunal de Primeira Instância relativa à selectividade material. Segundo a Comissão, na decisão controvertida, concluiu‑se pelo carácter selectivo da reforma tanto do ponto de vista regional como material. Portanto, a sua anulação só podia ser decidida se, no acórdão que a censurasse, tivesse sido demonstrado claramente que ambas as conclusões estavam erradas. Consequentemente, no caso de o Tribunal de Justiça dar provimento ao recurso da Comissão, a anulação da decisão controvertida perderia a sua justificação e o acórdão devia ser revogado.

24.      A este respeito, considero que o facto de dar provimento ao recurso da Comissão não bastaria para anular integralmente o acórdão recorrido. Pelo contrário, se o acórdão recorrido fosse anulado na parte relativa à selectividade material, a parte dispositiva do mesmo acórdão manter‑se‑ia inalterada, o que bastava para justificar a anulação da decisão controvertida, uma vez que a solução jurídica nela estabelecida em relação à selectividade regional estava errada.

25.      Com efeito, no caso de um território na acepção do artigo 299.°, n.° 4, CE, ou de colectividades infra‑estatais, a análise da selectividade regional na decisão controvertida da Comissão é um elemento constitutivo da apreciação da existência de um auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.° CE. Para completar o aspecto relativo à selectividade regional, a Comissão deverá pois adoptar uma nova decisão relativamente à legalidade do regime em causa na perspectiva do artigo 87.° CE.

26.      Além disso, no caso de o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância relativo à selectividade material ser rejeitado pelo Tribunal de Justiça, daí decorria a anulação da fundamentação correspondente do acórdão recorrido e não a confirmação da parte dispositiva da decisão controvertida. Com efeito, por um lado, o Tribunal não se pronunciou sobre o terceiro fundamento dos recorrentes, suscitado em primeira instância, e, por outro, não pôde analisar a argumentação da Comissão relativa à compatibilidade das medidas em causa com o mercado comum numa situação em que o quadro de referência geográfica era diferente do referido na decisão controvertida (a saber, Gibraltar, em vez do conjunto formado pelo Reino Unido e por Gibraltar).

27.      Tendo em conta o que precede, parece‑me que o Tribunal de Justiça tanto pode negar provimento aos dois recursos como dar provimento aos recursos e remeter para o Tribunal Geral a apreciação do terceiro fundamento suscitado em primeira instância. Em todo o caso, considero que o litígio, tal como se encontra, não permite que o Tribunal de Justiça se pronuncie definitivamente sobre todos os seus aspectos.

IV – Quanto à selectividade regional (9)

A –    Quanto à admissibilidade do recurso interposto pelo Reino de Espanha

28.      Nos seus articulados, o Governo de Gibraltar alega que os argumentos invocados pelo Reino de Espanha e pela Comissão relativos à selectividade regional se limitam, no essencial, a repetir os argumentos aduzidos no Tribunal de Primeira Instância.

29.      A este respeito, observo que o Reino de Espanha era interveniente no Tribunal de Primeira Instância, enquanto a Comissão defendia a decisão controvertida. Em princípio, o âmbito do litígio no Tribunal de Primeira Instância não foi delimitado pelas suas alegações, mas pelos fundamentos invocados nas petições apresentadas pelos Governos de Gibraltar e do Reino Unido.

30.      Segundo jurisprudência consagrada, resulta do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que os intervenientes no Tribunal de Primeira Instância são considerados partes perante aquele órgão jurisdicional. Assim, o artigo 40.°, quarto parágrafo, do referido estatuto não se opõe a que o interveniente apresente argumentos diferentes dos da parte que apoia, desde que vise apoiar os pedidos dessa parte (10).

31.      Observo que, se o Reino de Espanha tivesse interposto o seu recurso no presente caso sem anteriormente ter sido interveniente no Tribunal de Primeira Instância, não estaria sujeito a qualquer outra restrição para além da relativa ao objecto do litígio, tal como definido pelas recorrentes no Tribunal de Primeira Instância. O mesmo ocorreria se o Reino de Espanha não tivesse interposto recurso do acórdão recorrido, mas se tivesse limitado a apresentar observações em apoio do pedido da Comissão. Com efeito, tendo a parte interveniente o direito de apresentar uma resposta, nos termos do artigo 115.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, deve poder, na falta de uma limitação expressa, suscitar fundamentos relacionados com qualquer questão de direito que constitua o fundamento do acórdão recorrido (11). Tendo em conta estes elementos, a posição processual de uma parte privilegiada como um Estado‑Membro que tenha sido interveniente no Tribunal de Primeira Instância, implica necessariamente que o âmbito material do recurso dessa parte só pode ser limitado pelo objecto do litígio, e não pelo alcance das observações que tenha apresentado no Tribunal de Primeira Instância.

32.      Além disso, resulta dos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso deve indicar de forma precisa os elementos que critica no acórdão cuja anulação pede, bem como os argumentos jurídicos que suportam especificamente esse pedido. Não preenche esse requisito um recurso que se limite a reproduzir os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal de Primeira Instância, que constitui, na realidade, um simples pedido de reexame da petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância, o que se exclui da competência do Tribunal de Justiça (12).

33.      Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal de Primeira Instância, as questões jurídicas analisadas em primeira instância podem ser novamente discutidas em segunda instância. Se assim não fosse, o recurso em segunda instância ficaria privado de uma parte do seu sentido (13).

34.      Por conseguinte, há que declarar improcedente, no seu conjunto, a argumentação relativa à inadmissibilidade do recurso do Reino de Espanha.

35.      Além disso, alega‑se também que o Reino de Espanha invocou tardiamente, na fase da réplica, a violação dos artigos 5.° CE e 307.° CE. Com efeito, ao tomar posição sobre as contestações do Governo de Gibraltar e do Reino Unido, o Reino de Espanha afirma, na sua réplica, que a posição do Tribunal de Primeira Instância equivalia a reconhecer a Gibraltar uma soberania fiscal, apesar do seu estatuto de «território não autónomo», o que contraria o disposto nos artigos 5.° CE e 307.° CE.

36.      É certo que o Tribunal de Justiça tem por regra excluir todos os fundamentos apresentados pela primeira vez na fase da réplica, excepto numa das três situações específicas seguintes: quando é evidente que o fundamento em questão constitui na prática apenas uma ampliação de um fundamento enunciado anteriormente (14), quando este fundamento é um fundamento de ordem pública que deve ser suscitado oficiosamente (15), ou quando se baseia num elemento novo revelado no decurso do processo (16).

37.      No presente caso, a alegação da violação dos artigos 5.° CE e 307.° CE poderia ser considerada como uma ampliação do primeiro fundamento do Reino de Espanha enunciado anteriormente no recurso e que tem uma conexão estreita com este fundamento. Contudo, porque esta problemática não é expressamente associada pelo Governo espanhol ao referido fundamento do seu recurso, não incumbe ao Tribunal de Justiça estabelecer essa ligação em vez da recorrente no recurso. Por conseguinte, proponho que seja julgada inadmissível.

B –    Quanto ao alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal de Justiça no recurso de decisão do Tribunal Geral no que respeita à apreciação do direito nacional feita por este Tribunal

38.      Tendo em conta a pertinência da questão suscitada no sexto fundamento do Reino de Espanha, proponho‑me examiná‑lo numa fase preliminar. A este propósito, o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se sobre o valor a atribuir aos elementos de direito nacional que foram examinados pelo Tribunal de Primeira Instância no caso vertente.

39.      Cumpre, desde já, sublinhar que a questão colocada é relativa a um recurso directo (17).

40.      Observo que, na sua jurisprudência mais antiga, o Tribunal de Justiça entendeu que não tinha que se pronunciar sobre disposições de direito interno e, portanto, que não poderia analisar a alegação de que, ao adoptar a sua decisão, a Alta Autoridade infringiu princípios ou disposições do direito constitucional nacional (18).

41.      Contudo, é incontestável que, no exercício das suas competências jurisdicionais, o Tribunal de Primeira Instância, no âmbito de recursos directos, é levado a basear‑se numa certa concepção ou interpretação, que qualifico de «reconstrução interpretativa», das disposições da ordem jurídica interna do Estado‑Membro em questão. A este respeito, parece‑me necessário distinguir entre três situações.

42.      Em primeiro lugar, o Tribunal pode ser levado a aplicar e a interpretar directamente as normas de direito interno de um Estado‑Membro. Esta situação pode ocorrer através de uma remissão para o direito nacional prevista numa disposição do direito da União ou através de uma cláusula compromissória (19). Nesse caso, o Tribunal aplica o direito nacional como uma jurisdição competente. Uma disposição do direito nacional traduz‑se, pois, para o Tribunal como uma norma jurídica que associa certas consequências aos factos juridicamente pertinentes. Compete, pois, ao Tribunal retirar dela as conclusões jurídicas (20), apesar das dificuldades aparentes no que respeita à verificação do conteúdo do direito nacional.

43.      A segunda situação diz respeito à aplicação indirecta do direito nacional pelo Tribunal. Nesse caso, aplica as normas do direito nacional como normas jurídicas, mas não intervém na qualidade de jurisdição competente no que respeita à sua interpretação. Esta hipótese pode ser ilustrada pela qualificação, pelo Tribunal, de uma relação jurídica integrada num conceito que não é um conceito autónomo do direito da União, tal como o casamento ou o contrato (21). Podem igualmente enquadrar‑se nesta categoria as situações em que o Tribunal deve pronunciar‑se sobre uma questão preliminar, seja de carácter processual ou relativa ao mérito, respeitante, por exemplo, à qualidade de advogado do representante de uma parte na acepção do estatuto do Tribunal de Justiça ou à existência de uma transferência válida do direito de propriedade duma empresa (22).

44.      Verifica‑se assim que, em alguns casos de aplicação do direito nacional pelo Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Justiça, no âmbito do recurso, será chamado a controlar o teor das disposições do direito nacional como questão de direito e não como questão de facto.

45.      Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância pode ser levado a apoiar‑se numa disposição de direito nacional para determinar uma situação factual específica. A aplicação das normas do direito da União relativas aos auxílios de Estado dá disso numerosos exemplos, nomeadamente, no que respeita aos conceitos de vantagem e de selectividade. Neste tipo de situações, a análise do direito nacional é, pois, exigível com o objectivo de determinar uma situação de facto que entra em linha de conta no âmbito da aplicação do direito da União (23).

46.      No presente caso, há que evidenciar que a questão do estatuto de Gibraltar tal como regulada pelo direito da União constitui inquestionavelmente uma questão de direito submetida ao controlo do Tribunal de Justiça.

47.      Tal como resulta dos autos, o estatuto de Gibraltar rege‑se, a nível nacional, pelas normas constitucionais que foram objecto de análise pelo Tribunal de Primeira Instância (24). Com efeito, as considerações do Tribunal de Primeira Instância sobre o estatuto de Gibraltar no plano político e administrativo, constitui uma reconstrução interpretativa do direito nacional destinada a determinar a situação de facto de Gibraltar face aos critérios decorrentes da jurisprudência Açores (25). Portanto, o Tribunal de Primeira Instância, no exercício das suas funções jurisdicionais, não aplica as disposições constitucionais relativas ao estatuto jurídico de Gibraltar enquanto normas jurídicas. Pelo contrário, apoia‑se nas referidas disposições com o objectivo de apreciar a situação de Gibraltar face ao direito da União.

48.      Por conseguinte, para preservar o equilíbrio estrutural estabelecido entre a ordem jurídica nacional e o direito da União, proponho ao Tribunal de Justiça que considere que, no âmbito do presente processo, quando o Tribunal de Primeira Instância procede a uma reconstrução interpretativa das disposições do direito nacional, incluindo as de valor constitucional, para poder aplicar a jurisprudência Açores, se trata, para efeitos do presente recurso, de observações factuais efectuadas pelo Tribunal de Primeira Instância que só podem ser objecto do controlo pelo Tribunal de Justiça no caso de desvirtuação.

C –    Quanto ao estatuto singular de Gibraltar

49.      É facto assente que Gibraltar (26) é um território europeu cujas relações externas na acepção do artigo 299.°, n.° 4, CE, são assumidas por um Estado‑Membro e ao qual são aplicáveis as disposições do Tratado CE (27). O Acto relativo às condições de adesão às Comunidades Europeias do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e às adaptações dos Tratados dispõe, contudo, que determinadas partes do Tratado não são aplicáveis a Gibraltar (28).

50.      Nos termos da Declaração n.° 55 anexa ao Tratado de Lisboa, os Tratados aplicam‑se a Gibraltar enquanto território europeu por cujas relações externas é responsável um Estado‑Membro. Este facto não implica quaisquer alterações nas posições respectivas dos Estados‑Membros em causa.

51.      Além disso, como resumiu o Tribunal de Justiça (29), Gibraltar foi cedido pelo Rei de Espanha à Coroa britânica pelo Tratado de Utrecht, celebrado entre o primeiro e a Rainha da Grã‑Bretanha, em 13 de Julho de 1713, no âmbito dos tratados que puseram fim à guerra de sucessão de Espanha. O artigo X, último período, do referido tratado precisa que embora a Coroa britânica nunca tivesse a intenção de doar, vender ou alienar por qualquer meio a propriedade da cidade de Gibraltar, seria obrigada a fazê‑lo preferencialmente à Coroa de Espanha, com prioridade em relação a qualquer outro interessado.

52.      O Tribunal de Justiça também referiu que Gibraltar é actualmente uma colónia da Coroa britânica sem fazer parte do Reino Unido. O poder executivo é exercido em Gibraltar por um governador nomeado pela Rainha e, em relação a determinadas competências internas, por um Chief minister e por ministros eleitos a nível local. Estes últimos são responsáveis perante a Assembleia Legislativa (House of Assembly), cuja eleição se realiza de cinco em cinco anos. A Assembleia Legislativa tem o poder de votar leis relativas a determinadas matérias internas. O governador, todavia, tem o poder de recusar promulgar uma lei. O Parlamento do Reino Unido e a Rainha no âmbito do seu Conselho Privado (Queen in Council) têm, além disso, o poder de adoptar leis aplicáveis em Gibraltar. Foram instituídos órgãos jurisdicionais próprios em Gibraltar. Todavia, há a possibilidade de recurso das decisões dos tribunais superiores de Gibraltar para a Comissão Judicial do Conselho Privado (Judicial Committee of the Privy Council) (30).

53.      Finalmente, cabe referir a Resolução n.° 1514 das Nações Unidas e o direito a uma auto‑determinação (self‑determination) reivindicado pelas autoridades de Gibraltar (31). Por ocasião de uma sessão extraordinária realizada em 4 de Agosto de 2004, o Parlamento de Gibraltar adoptou por unanimidade uma moção que proclama o «direito inalienável à auto‑determinação do povo de Gibraltar». Uma nova Constituição, a «Gibraltar Constitution Order» (32), entrou em vigor depois de ter sido aprovada através de um referendo (33) e atribuiu a Gibraltar uma autonomia muito grande, ainda que reafirmando a soberania britânica neste território (34).

D –    Aplicabilidade das normas relativas aos auxílios de Estado aos territórios referidos no artigo 299.°, n.° 4, CE

54.      A título preliminar, cabe recordar que a selectividade regional de uma medida fiscal é apreciada em relação à taxa de tributação normal, ou seja, a taxa em vigor na área geográfica que constitui a zona de referência. A dificuldade com que o Tribunal de Primeira Instância se debateu neste caso consistia em determinar se se podia raciocinar como fez a Comissão ao considerar o Reino Unido e Gibraltar como um todo, ou se se devia admitir que Gibraltar constituía o quadro de referência apropriado.

55.      Para mim, esta questão suscita uma questão de interpretação autónoma do direito da União. Com efeito, o direito primário atribuiu a Gibraltar um estatuto particular na ordem jurídica da União. Logo, os efeitos jurídicos deste estatuto quanto à aplicação das normas do direito da União relativas aos auxílios de Estado não dependem do estatuto de Gibraltar tal como é definido em direito internacional ou, menos ainda, do estatuto definido no direito constitucional do Reino Unido, resultando exclusivamente de uma interpretação do Tratado. Evidentemente, o direito internacional e o direito constitucional de um Estado‑Membro em questão podem definir os elementos que constituem os factos jurídicos a que é aplicável o direito da União. No entanto, estes elementos não têm qualquer incidência sobre a natureza exclusivamente comunitária das questões jurídicas sobre as quais o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se no âmbito dos presentes recursos.

56.      No acórdão Açores (35), a questão fundamental consistia em saber se as reduções fiscais em causa podiam ser consideradas como uma medida de aplicação geral aos Açores ou se se tratava antes de uma medida selectiva, que conferia uma vantagem unicamente aos operadores estabelecidos nos Açores, em relação aos que exerciam a actividade em Portugal.

57.      Como propôs o advogado‑geral L. A. Geelhoed, a região deve ser autónoma no sentido institucional, processual e económico a fim de poder considerar que a medida não assume carácter selectivo (36). Com efeito, no acórdão Açores, o Tribunal de Justiça considerou que, para que se possa considerar que uma decisão tomada em tais circunstâncias foi adoptada no exercício de poderes suficientemente autónomos, importa que tenha sido adoptada por uma autoridade local dotada, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do do Governo central. Além disso, deve ter sido adoptada sem que o Governo central possa intervir directamente no seu conteúdo. Finalmente, as consequências financeiras de uma redução da taxa de imposto nacional aplicável às empresas presentes na região não deviam ser compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do Governo central (37). O Tribunal de Justiça retomou estes princípios, estabelecendo algumas especificações no acórdão Rioja. No que respeita à terceira condição, especificou designadamente que se tratava da «autonomia económica e financeira» (38).

58.      A importância do acórdão Açores assenta incontestavelmente no facto de, ainda que não sendo relativo a um Estado federal com uma distribuição simétrica das competências fiscais, o Tribunal de Justiça não ter considerado que o quadro de referência devia necessariamente corresponder à totalidade do território nacional (39). Pelo contrário, o Tribunal de Justiça admitiu que o quadro de referência de uma regulamentação fiscal de uma colectividade regional podia corresponder ao seu próprio território quando esta entidade era suficientemente autónoma em relação ao Governo central do Estado‑Membro em questão.

59.      Tendo em conta o seu estatuto referido no artigo 299.°, n.° 4, CE, as disposições do Tratado, designadamente as relativas aos auxílios de Estado, são aplicáveis a Gibraltar. Além disso, a adesão do Reino Unido às Comunidades Europeias foi possível sem existir um sistema fiscal comum entre este Estado‑Membro e o território de Gibraltar, que pertence a uma categoria dos territórios com uma relação específica com a União Europeia.

60.      Tendo em conta as considerações precedentes, parece‑me excluído que uma interpretação conforme com o objectivo do Tratado permita exigir que o Reino Unido aplique o seu próprio sistema fiscal ao território de Gibraltar. Pelo contrário, na medida em que os tratados não estabelecem qualquer derrogação da aplicação das normas relativas aos auxílios de Estado no território em questão, parece‑me lógico que as condições da selectividade regional sejam apreciadas segundo os mesmos princípios que os aplicáveis às outras entidades intra‑estatais (40) que disponham das suas próprias competências fiscais. Esta interpretação é, em meu entender, a única que preserva o efeito útil do artigo 299.°, n.° 4, CE, conjugado com o princípio de aplicabilidade a Gibraltar das disposições do direito da União que regulam os auxílios de Estado.

61.      Além disso, o facto de o Tribunal de Justiça nunca antes ter tido que se pronunciar sobre o caso de um território cujas relações são asseguradas por um Estado‑Membro não poderia bastar, contrariamente às alegações do Reino de Espanha, para excluir de imediato a aplicabilidade da jurisprudência Açores em Gibraltar.

62.      Por conseguinte, impõe‑se observar que o Tribunal de Primeira Instância podia aplicar a referida jurisprudência ao caso de Gibraltar sem que esta abordagem violasse, por si só, um dos critérios do conceito de auxílios de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. É à luz destas observações gerais que inicio a análise dos diferentes fundamentos invocados pelo Reino de Espanha.

E –    Primeiro fundamento do recurso do Reino de Espanha relativo ao desrespeito do estatuto de Gibraltar

1.      Argumentação

63.      Com o seu primeiro fundamento, o Reino de Espanha argumenta que o Tribunal de Primeira Instância violou o disposto no artigo 299.°, n.° 4, CE, já que não respeitou o estatuto jurídico de Gibraltar face ao direito internacional, negligenciando o artigo 74.° da Carta das Nações Unidas, e face ao direito da União, e na medida em que erigiu Gibraltar como novo Estado‑Membro da União Europeia em matéria de fiscalidade. Resulta da posição do Tribunal de Primeira Instância que Gibraltar poderia adoptar medidas fiscais prejudiciais sem que se pudesse exercer um controlo efectivo.

2.      Quanto à admissibilidade

64.      O Governo de Gibraltar suscita a inadmissibilidade da argumentação do Reino de Espanha nos termos da qual o Tribunal de Primeira Instância deveria ter tido por referência o artigo 74.° da Carta das Nações Unidas. Tendo em conta os argumentos apresentados nos n.os 35 e 36 das presentes conclusões, proponho que este aspecto do primeiro fundamento seja declarado admissível.

3.      Quanto ao mérito

65.      Considero que o aspecto fundamental e único pertinente na perspectiva da resposta ao recurso do Reino de Espanha em geral consiste em saber se o Tribunal de Primeira Instância procedeu a uma aplicação correcta do estatuto de Gibraltar previsto no direito da União.

66.      A este respeito, basta salientar que, nos n.os 5 a 10 do acórdão recorrido, o Tribunal resumiu o estatuto de Gibraltar em termos análogos aos utilizados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Espanha/Reino Unido, já referido. No n.° 10 do acórdão recorrido, também recordou, com razão, a situação de Gibraltar face ao artigo 299.°, n.° 4, CE.

67.      No que respeita aos n.os 98 a 100 do acórdão recorrido consagrados à análise do direito nacional, tal como antes referi, o controlo do Tribunal de Justiça limita‑se à hipótese de desvirtuação dos factos, que não foi alegada e, em quaisquer circunstâncias, se mostra excluída à leitura dos pontos pertinentes.

68.      Além disso, observo que o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, que recorda o teor do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, se insere numa argumentação destinada a verificar se Gibraltar preenche a segunda condição considerada pelo acórdão Açores, a saber, a relativa à autonomia legislativa.

69.      Neste contexto, basta recordar que o Tribunal de Justiça sublinhou, em múltiplas ocasiões, que as competências comunitárias devem ser exercidas em conformidade com o direito internacional (41), sendo o acórdão Racke (42) o exemplo mais marcante desta jurisprudência. Portanto, o Tribunal de Primeira Instância podia legitimamente fazer referência à Carta das Nações Unidas na sua análise da aplicação das condições do acórdão Açores a Gibraltar. No entanto, disso não resulta que o Tribunal tinha a obrigação de alargar a sua análise às outras disposições da referida Carta, tal como o artigo 74.°, que me parece, diga‑se de passagem, abranger aspectos que, por um lado, não foram dirimidos na decisão controvertida e, por outro, não figuravam nas petições apresentadas ao Tribunal.

70.      Com efeito, no que respeita a saber se a reforma fiscal em causa foi concebida sem que o Governo central do Reino Unido pudesse intervir directamente quanto ao seu conteúdo, a problemática do respeito da boa vizinhança visada no artigo 74.° da Carta das Nações Unidas parece‑me distinta da análise efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 99 a 100 do acórdão recorrido. Por conseguinte, presumindo que a argumentação do Reino de Espanha deva ser interpretada como tendo por objecto uma falta de fundamentação do acórdão recorrido, a mesma não pode ser acolhida.

71.      Finalmente, não resulta de qualquer ponto do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância tivesse equiparado Gibraltar a um novo Estado‑Membro. Em especial, não poderiam ser interpretados neste sentido as considerações feitas pelo Tribunal sobre a selectividade regional, quando, após ter analisado a situação de Gibraltar face aos critérios da jurisprudência Açores, o Tribunal, no n.° 115 do acórdão recorrido, concluiu que o quadro de referência correspondia exclusivamente a Gibraltar.

72.      Ao fazê‑lo, limitou‑se a aplicar a jurisprudência do Tribunal de Justiça nos termos da qual, para apreciar a selectividade da medida, o quadro de referência não deve necessariamente ser definido nos limites do território do Estado‑Membro em causa (43).

73.      Tendo em conta todos os elementos precedentes, proponho que o primeiro fundamento do Reino de Espanha seja julgado improcedente.

F –    Quarto fundamento do recurso interposto pelo Reino de Espanha, relativo ao desrespeito da exigência de que um auxílio de Estado deve ser atribuído por um Estado ou com recursos do Estado

1.      Argumentação

74.      Com o seu quarto fundamento, o Reino de Espanha argumenta que o quadro de referência geográfico para a aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE deve necessariamente ser o território de Gibraltar e o do Reino Unido ou o do Reino de Espanha. Com efeito, o conceito de auxílio na acepção deste artigo implica que as vantagens sejam atribuídas directa ou indirectamente através dos recursos de um Estado‑Membro. Ora, Gibraltar não era um Estado‑Membro, mas apenas um território que não faz parte de qualquer Estado‑Membro, nos termos do artigo 299.°, n.° 4, CE.

2.      Apreciação

75.      Tal como observei anteriormente, a única interpretação conforme com o espírito do artigo 299.°, n.° 4, CE, conjugado com o princípio de aplicabilidade a Gibraltar das normas relativas aos auxílios de Estado, é a que consiste em aplicar, no presente caso, os princípios enunciados na jurisprudência relativa às regiões e territórios que disponham de competências fiscais próprias.

76.      Por consequência, proponho que o quarto fundamento apresentado pelo Reino de Espanha seja julgado improcedente.

G –    Quinto fundamento do recurso interposto pelo Reino de Espanha relativo à violação do princípio da não discriminação

1.      Argumentação

77.      Com o seu quinto fundamento, o Reino de Espanha argumenta que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da não discriminação, na medida em que aplicou a jurisprudência Açores ao caso em apreço, o qual, todavia, correspondia a uma situação inteiramente diferente. Por um lado, o Tribunal aplicou os critérios estabelecidos no acórdão Açores concebidos pelo Tribunal de Justiça em relação à situação de uma região de um Estado‑Membro no caso de Gibraltar que tem um estatuto de colónia. Por outro, o processo Açores abrangeu unicamente uma redução da taxa de imposto sobre as sociedades e não a instituição de um sistema completo de tributação das sociedades.

2.      Quanto à admissibilidade

78.      O Governo de Gibraltar alega que o quinto fundamento deve ser considerado um fundamento novo que, consequentemente, deve ser declarado inadmissível.

79.      Nos termos do artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, no recurso não pode ser modificado o objecto do litígio que foi apreciado no Tribunal de Primeira Instância. No âmbito do recurso, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se efectivamente limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos debatidos em primeira instância. Uma parte não pode, pois, invocar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento que não invocou no Tribunal de Primeira Instância, dado que isso equivaleria a permitir‑lhe apresentar ao Tribunal de Justiça, cuja competência para julgar recursos em segunda instância é limitada, um litígio com um objecto mais lato do que o submetido ao Tribunal de Primeira Instância (44).

80.      No entanto, observo que uma interpretação restritiva da jurisprudência corre o risco de privar uma parte privilegiada, como um Estado‑Membro, da possibilidade de invocar perante o Tribunal de Justiça fundamentos distintos dos suscitados perante o Tribunal de Primeira Instância. Ora, uma vez que estes últimos se dirigem contra a decisão controvertida, parece‑me natural que evoluam na fase do recurso, quando são dirigidos contra um acórdão proferido em resposta aos primeiros recursos. Considero que os fundamentos susceptíveis de serem invocados por um Estado‑Membro contra um acórdão do Tribunal de Primeira Instância não devam ser limitados pelo simples facto de ele ter participado no processo em primeira instância, ainda que apenas na qualidade de parte interveniente.

81.      Portanto, se Gibraltar pretende imputar ao Reino de Espanha o facto de ter modificado o litígio, esta crítica não pode ser acolhida na medida em que não pode resultar da violação do princípio de não discriminação em relação à aplicação da jurisprudência Açores qualquer modificação do litígio. Pelo contrário, a referida jurisprudência encontra‑se no centro do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, de modo que proponho que o quinto fundamento seja julgado admissível.

3.      Quanto ao mérito

82.      A título preliminar, recordo que o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objectivamente justificado (45).

83.      No presente caso, o Reino de Espanha suscita a questão de saber se, tendo em conta as diferenças entre o estatuto dos Açores e o de Gibraltar, tem fundamento jurídico aplicar directamente a jurisprudência Açores a Gibraltar.

84.      A este respeito, cumpre observar, antes de mais, que, apesar de o Tribunal de Primeira Instância se ter referido a essa jurisprudência, não procedeu a um exercício de comparação entre estes dois territórios. Consequentemente, considero que a questão suscitada pelo Reino de Espanha não é pertinente quanto à aplicação das disposições que regem os auxílios de Estado.

85.      Pelo contrário, na medida em que a solução adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Açores constitui uma grelha de interpretação do artigo 87.°, n.° 1, CE, susceptível de ser aplicada a diversos territórios e colectividades, mostra‑se indispensável definir previamente o âmbito de aplicação do direito da União nestas hipóteses.

86.      Assim, no que respeita aos territórios e regiões que beneficiam de relações particulares com certos Estados‑Membros em razão do seu passado comum ou de uma evolução recente de autonomia regional, considero que se deve aplicar um raciocínio em duas etapas.

87.      Em primeiro lugar, cumpre averiguar se o Tratado CE é aplicável a esse território. Em caso afirmativo, e independentemente da questão de saber se se trata de uma entidade infra‑estatal, de um território autónomo ou de um território externo ao de um Estado‑Membro, a segunda etapa consiste em identificar o quadro de referência adequado na perspectiva da jurisprudência Açores.

88.      É por essa razão que considero que o Tribunal de Primeira Instância teve razão quando, depois de ter determinado o estatuto de Gibraltar na perspectiva do Tratado CE, aplicou os critérios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Açores sem incorrer no risco de violação do princípio da não discriminação.

89.      Finalmente, uma eventual diferença quanto ao nível de intensidade da reforma fiscal susceptível de ser aplicada nos Açores e em Gibraltar, em minha opinião, não tem qualquer incidência a este respeito.

90.      Por conseguinte, proponho que o quinto fundamento seja julgado improcedente.

H –    Quanto ao sexto fundamento do recurso do Reino de Espanha relativo a uma violação das condições estabelecidas no acórdão Açores

1.      Argumentação

91.      Com o seu sexto fundamento, o Reino de Espanha alega que o Tribunal violou o disposto no artigo 87.°, n.° 1, CE, na medida em que considerou erradamente que as condições estabelecidas no acórdão Açores estavam reunidas para concluir pela ausência de selectividade regional. Critica os n.os 76 a 117 do acórdão recorrido.

2.      Apreciação

92.      Como anteriormente referi, proponho ao Tribunal de Justiça que limite a sua fiscalização no que respeita às considerações relativas à interpretação do direito nacional pelo Tribunal de Primeira Instância à desvirtuação dos elementos do referido direito na apreciação das condições da jurisprudência Açores.

93.      Em conformidade com esta jurisprudência, para que se possa considerar que uma decisão tomada por uma autoridade regional foi adoptada no exercício de poderes suficientemente autónomos desta autoridade, devem estar preenchidos os três critérios da autonomia institucional, processual, bem como económica e financeira (46).

94.      Em primeiro lugar, no que respeita à autonomia institucional, o Tribunal limitou‑se a observar, no n.° 89 do acórdão recorrido, que «as partes principais» reconhecem que as autoridades de Gibraltar são dotadas, no plano constitucional, de um estatuto distinto. No entanto, o Reino de Espanha põe em causa a existência desse acordo utilizando os termos «acordo entre todas as partes» e, pela sua parte, argumenta que nunca aderiu a uma tese da autonomia política e administrativa de Gibraltar.

95.      A este respeito, sublinho que o acordo referido no n.° 89 do acórdão recorrido se refere às «partes principais». Ora, o Reino de Espanha participou no processo no Tribunal de Primeira Instância na sua qualidade de interveniente, o que exclui que fosse tida em conta a propósito do referido acordo. Assim, o n.° 89 do acórdão não está afectado por qualquer desvirtuação, uma vez que se baseia na existência de uma convergência de posição entre as partes principais, elemento que, além disso, não é contestado pelas outras partes no recurso perante o Tribunal de Justiça.

96.      Além disso, devo salientar o carácter contraditório do recurso do Reino de Espanha, na medida em que este, no âmbito do seu quarto fundamento, argumenta que Gibraltar não faz parte do Reino Unido, enquanto alega, no sexto fundamento, que Gibraltar não dispõe de um estatuto político e administrativo distinto do do Governo do Reino Unido.

97.      Em segundo lugar, no que respeita à autonomia processual, o Tribunal, após ter recordado as disposições pertinentes da Constituição de Gibraltar, concluiu que os poderes atribuídos ao governador pelos artigos 33.° e 34.° da referida Constituição, que nunca foram exercidos em matéria fiscal, não demonstram uma capacidade de intervenção directa do Governo do Reino Unido no conteúdo da reforma fiscal.

98.      A este respeito, recordo que os artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça da União Europeia e 112.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c), do Regulamento de Processo do mesmo Tribunal impõem, em especial, ao recorrente que alega desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância, que indique de modo preciso os elementos que por este foram desvirtuados e que demonstre os erros de análise que, do seu ponto de vista, levaram o Tribunal de Primeira Instância a essa desvirtuação (47). Com efeito, existe uma desvirtuação quando, sem recorrer a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se mostrar manifestamente errada (48).

99.      Ora, à luz dos argumentos do Reino de Espanha que visam essencialmente pôr em causa o sentido das disposições nacionais em apreço e, em particular, realçar a existência hipotética do poder de intervenção do Reino Unido, não se pode observar qualquer alteração pelo Tribunal de Primeira Instância do sentido exacto da constituição de Gibraltar.

100. Finalmente, no que respeita à autonomia económica e financeira, sublinhe‑se que decorre claramente da jurisprudência que, para não preencher a terceira condição da jurisprudência Açores, deve haver uma compensação, ou seja, uma relação de causa‑efeito entre uma medida fiscal adoptada pelas autoridades na origem desta e os montantes postos a cargo do Estado (49). Por conseguinte, o Tribunal teve razão ao apoiar‑se nessa interpretação do acórdão Açores, no n.° 106 do acórdão recorrido.

101. Além disso, no seu fundamento, o Reino de Espanha não invoca qualquer elemento susceptível de demonstrar uma desvirtuação dos elementos analisados pelo Tribunal nos n.os 108 a 113 do acórdão recorrido, que lhe serviram de fundamento para concluir que, na falta de prova em contrário apresentada pela Comissão, Gibraltar não receberia qualquer apoio do Reino Unido destinado a compensar as consequências financeiras da reforma fiscal.

102. Tendo em conta o que antecede, proponho que o sexto fundamento seja integralmente julgado improcedente.

I –    Sétimo e nono fundamentos do Reino de Espanha relativos à alegada existência de um quarto requisito no âmbito da jurisprudência Açores

1.      Argumentação

103. Com o seu sétimo fundamento, o Reino de Espanha argumenta que o Tribunal de Primeira Instância fez uma interpretação errada do acórdão Açores na medida em que não aplicou o quarto requisito cuja existência o Reino de Espanha invoca. Com efeito, segundo o Reino de Espanha, a autonomia deve ser enquadrada por algumas exigências mínimas com o objectivo de evitar ao nível regional a existência de regimes fiscais profundamente divergentes que ponham em perigo o mercado comum.

104. Com o seu nono fundamento, o Reino de Espanha invoca uma falta de fundamentação do acórdão recorrido, na medida em que rejeitou a existência desse quarto requisito, limitando‑se a indicar, no n.° 88 do acórdão recorrido, que este requisito não encontra qualquer apoio no acórdão Açores.

2.      Apreciação

105. Com o seu sétimo fundamento, o Reino de Espanha esforça‑se por demonstrar que o Tribunal cometeu um erro de direito no n.° 88 do acórdão recorrido. A este respeito, pretende retirar do n.° 47 do acórdão Açores um quarto requisito a acrescer aos três requisitos apresentados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Açores.

106. No acórdão UGT‑Rioja, o Tribunal de Justiça rejeitou a existência de um quarto requisito, nesse caso uma condição prévia à aplicação dos três critérios especificados no acórdão Açores (50). O Tribunal de Justiça considerou que «as únicas condições que devem estar preenchidas para que o território da competência de uma entidade infra‑estatal seja o contexto pertinente para apreciar se uma decisão adoptada por essa entidade tem carácter selectivo são as condições de autonomia institucional, de autonomia processual, bem como de autonomia económica e financeira, conforme especificadas no n.° 67 do acórdão Portugal/Comissão».

107. Há que concluir que a quarta condição que o Reino de Espanha julga poder retirar do acórdão Açores nunca foi apresentada pelo Tribunal de Justiça. Por conseguinte, proponho que o sétimo fundamento seja julgado improcedente.

108. Tendo em conta esta resposta, não há que analisar o nono fundamento.

J –    Segundo e terceiro fundamentos do recurso do Reino de Espanha

109. Na medida em que estes dois fundamentos têm natureza semelhante, proponho‑me tratá‑los conjuntamente.

1.      Argumentação

110. No seu segundo fundamento, o Reino de Espanha afirma que o Tribunal de Primeira Instância, ao considerar que não se pode efectuar uma comparação entre o regime fiscal aplicável às empresas estabelecidas em Gibraltar e o aplicável às empresas estabelecidas no Reino Unido, esvaziou de conteúdo o artigo 87.°, n.° 1, CE. A interpretação desta disposição deveria ter em conta o facto de Gibraltar ser considerado como um «paraíso fiscal» pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e como um «centro financeiro extraterritorial» pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

111. Com o seu terceiro fundamento, o Reino de Espanha argumenta que o Tribunal de Primeira Instância deveria ter interpretado o artigo 87.°, n.° 1, CE à luz da orientação do Banco Central Europeu (BCE) de 16 de Julho de 2004. Resulta deste documento, que constitui uma disposição vinculativa em direito da União, que Gibraltar se enquadra no conceito de «centro financeiro extraterritorial». Na sua réplica, o Reino de Espanha alega designadamente que o Reino Unido faz parte do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e que o artigo 5.° do Estatuto deste constitui a base jurídica da orientação do BCE acima referida.

2.      Apreciação

112. Com estes dois fundamentos, o Reino de Espanha censura ao Tribunal não ter tido em conta, na sua apreciação da reforma fiscal de Gibraltar à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE, aspectos relativos à qualificação de Gibraltar pelas organizações e instituições financeiras ao nível internacional.

113. Assim, estes fundamentos podem ser entendidos como resultantes de uma alegada falta de fundamentação do acórdão recorrido, o que constitui uma questão de direito que, como tal, pode ser invocada num recurso (51).

114. No entanto, sem necessidade de analisar o segundo e o terceiro fundamentos na perspectiva de uma falta de fundamentação, impõe‑se observar que estes fundamentos são inoperantes, uma vez que, ainda que fossem procedentes, não permitiriam obter a anulação do acórdão recorrido.

115. Com efeito, no âmbito do recurso jurisdicional, a função do Tribunal de Justiça limita‑se a analisar se o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito no exercício da sua fiscalização jurisdicional. A única questão consiste, pois, em verificar se o Tribunal pôde apreciar validamente que o projecto da reforma fiscal em Gibraltar respeitava as regras em matéria de auxílios de Estado e, consequentemente, se podia anular a decisão controvertida. Ora, os estudos internacionais no âmbito da luta contra a fiscalidade prejudicial não poderiam invalidar a conclusão a que chegou o Tribunal de Primeira Instância.

116. Portanto, o primeiro e o segundo fundamentos devem ser rejeitados por serem inoperantes.

V –    Fiscalidade directa e auxílios de Estado (52)

A –    Observações preliminares relativas à estrutura do recurso interposto pela Comissão

117. Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca um fundamento único relativo à violação, pelo Tribunal de Primeira Instância, do artigo 87.°, n.° 1, CE. Ainda que a Comissão tenha dividido o seu fundamento em seis partes, parece‑me que põe especialmente em causa três elementos do raciocínio do Tribunal.

118. O primeiro ponto, desenvolvido na primeira parte, prende‑se com a avaliação feita pelo Tribunal da relação entre as disposições comunitárias relativas aos auxílios de Estado e as competências dos Estados‑Membros no domínio da fiscalidade directa. O segundo ponto, que é desenvolvido na segunda à quinta partes, prende‑se, no essencial, com a apreciação alegadamente errada do critério da selectividade. Finalmente, a sexta parte do fundamento único da Comissão aborda um terceiro ponto, intimamente ligado ao segundo, a saber, uma alegada falta de fundamentação no que respeita à análise dos três elementos da selectividade destacados na decisão controvertida.

119. Em consequência, proponho‑me analisar o recurso na perspectiva destas três alegações principais da Comissão.

120. Sublinho desde já, que, no seu recurso, a Comissão convida o Tribunal de Justiça a abandonar um sistema estabelecido até ao presente, relativo à aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE a medidas de apoio indirecto susceptíveis de constituírem auxílios de Estado na acepção da referida disposição, tais como as derrogações, as isenções fiscais ou outras formas de apoio indirecto.

121. A apreciação dessas medidas implica uma comparação entre, por um lado, a situação das empresas interessadas em caso de aplicação das referidas medidas e, por outro, um critério de referência, ou seja, um padrão objectivo como o regime fiscal de direito comum ou o critério do comportamento dum investidor privado. Com efeito, a apreciação de medidas de apoio fiscal assenta numa comparação entre a situação factual dos beneficiários das disposições adoptadas pelos Estados‑Membros no exercício das suas competências fiscais e o regime de direito fiscal aplicável no mesmo território de referência.

B –    Quanto ao conceito de concorrência fiscal prejudicial

122. A mundialização da actividade económica, das trocas comerciais e dos investimentos, bem como a multiplicação das empresas que operam para além das fronteiras nacionais são fenómenos que colocam desafios importantes à fiscalidade e aos sistemas fiscais. Com efeito, muitas entidades passíveis de tributação atravessam hoje as fronteiras para se fixarem nos Estados que oferecem melhores condições globais. Entre estas condições, a fiscalidade desempenha um papel muito importante, ainda que seja difícil, na prática, determinar com exactidão o seu impacto real (53).

123. Um grande número de territórios fiscalmente soberanos e de Estados utilizam incentivos fiscais e não fiscais para atraírem actividades financeiras e outras prestações de serviços. Geralmente, estes territórios oferecem ao investidor estrangeiro um ambiente em que uma tributação nula ou mínima é frequentemente acompanhada por uma atenuação das obrigações regulamentares ou administrativas (54). Estas «jurisdições» são geralmente qualificadas como paraísos fiscais e constituem um dos aspectos cruciais do conceito de fiscalidade prejudicial (55).

124. Segundo uma definição doutrinal, a «concorrência fiscal» traduz‑se numa redução da taxa global da pressão fiscal com o objectivo de melhorar a situação macroeconómica do país, reforçando a competitividade da indústria nacional e/ou atraindo investimentos estrangeiros (56). Este conceito desempenha um papel importante tanto ao nível de relações económicas internacionais como no interior do mercado comum da União.

125. Por seu lado, a Comissão admite que um certo grau de concorrência fiscal na União é, sem dúvida, inevitável, podendo contribuir para diminuir a pressão fiscal (57). No que respeita à fiscalidade directa, sublinha que, desde que respeitem as regras comunitárias, os Estados‑Membros são livres de escolher os sistemas fiscais que considerem mais adequados e conformes às suas preferências (58).

126. Consequentemente, a União Europeia adopta medidas destinadas a enquadrar a concorrência fiscal, dado que esta é susceptível de falsear a concorrência económica e industrial. O objectivo não é pôr termo a toda a concorrência fiscal, mas contê‑la (59).

127. Especificamente no que respeita à fiscalidade directa, a Comissão, após diversas tentativas destinadas a harmonizar a fiscalidade das empresas (60), que falharam face ao receio dos Estados‑Membros de perderem uma parte das suas receitas fiscais, decidiu adoptar uma nova abordagem, propondo o que se convencionou chamar um «pacote fiscal» (61), incluindo um conjunto de medidas destinadas a lutar contra a concorrência fiscal prejudicial na União.

128. Entre estas medidas, figurava o código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas que tinha por objectivo melhorar a transparência no sector da fiscalidade graças ao estabelecimento de um sistema de informação mútua entre Estados‑Membros (62).

129. No âmbito do debate sobre a política fiscal prejudicial, a doutrina criticou uma falta de clareza no que respeita à identificação das condições equitativas ou da situação comparável («level playing field») em matéria de fiscalidade internacional (63). Está, no entanto, adquirido que não se trata de aplicar uma taxa igual e uma matéria colectável igual em todos os países, uma vez que, em especial, os pequenos Estados são confrontados com dificuldades próprias associadas à dimensão das suas jurisdições fiscais (64).

130. No que respeita à luta contra a fiscalidade prejudicial, pode parecer, face aos elementos precedentes, que a Comissão recorreu ao único instrumento ao seu alcance, a saber, o artigo 87.°, n.° 1, CE (65). A questão que se coloca consiste, pois, em saber se esta disposição constitui um instrumento adaptado a esse fim e, se assim for, quais deveriam ser os limites da sua utilização, na perspectiva da repartição de competências no domínio da fiscalidade directa.

131. Tal como resulta do seu preâmbulo, o código de conduta é um compromisso político que, portanto, não afecta os direitos e as obrigações dos Estados‑Membros nem as competências respectivas dos Estados‑Membros e da Comunidade tal como decorrem do Tratado. As práticas prejudiciais abrangidas pelo código visam as medidas que tenham ou sejam susceptíveis de ter uma incidência sensível na localização das actividades económicas na Comunidade. São igualmente consideradas prejudiciais e, portanto, abrangidas pelo código, as medidas fiscais que prevejam um nível de tributação efectivo, incluindo a taxa zero, significativamente inferior ao normalmente aplicado no Estado‑Membro em causa.

132. Portanto, o código visa a concorrência em que os Estados‑Membros entrariam uns contra os outros para atraírem os investimentos ou capitais estrangeiros pela via fiscal. A intenção do código é, pois, atingir as medidas dos Estados destinadas a favorecer empresas ou capitais estrangeiros, e não proteger as empresas ou os capitais nacionais, o que significa que o código visa aplicar‑se à discriminação a contrario sensu, isto é, a que desfavorece os residentes dos Estados‑Membros (66).

133. Pelo contrário, o regime dos auxílios de Estado visa proteger a concorrência entre as empresas das distorções de concorrência ou das trocas intracomunitárias geradas pelos Estados‑Membros através da concessão de medidas que favoreçam certas empresas ou certos produtos em detrimento de outros. Além disso, tem por objectivo proteger o mercado interno contra a sua segmentação através dos auxílios de Estado, garantindo que não existem discriminações injustificadas contra estrangeiros ou não residentes ou de formas de proteccionismo a favor de empresas ou de capitais nacionais (67).

134. Daí resulta que a concorrência institucional ou fiscal prejudicial entre Estados não é, evidentemente, abrangida pelo mecanismo de controlo dos auxílios de Estado estabelecido pelo Tratado (68), ainda que existam casos susceptíveis de constituir tanto medidas de concorrência fiscal prejudicial como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum. No entanto, o objectivo legítimo de lutar contra a concorrência fiscal prejudicial não poderia justificar uma desvirtuação do quadro jurídico da União estabelecido no domínio do direito da concorrência aplicável aos auxílios de Estado, ou mesmo a adopção de soluções ad hoc, em contradição com o princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.° TUE.

135. O recurso da Comissão deve ser analisado à luz destes elementos.

VI – Quanto às competências dos Estados‑Membros no domínio da fiscalidade directa e à sua relação com a regulamentação dos auxílios de Estado (69)

A –    Argumentação no âmbito do primeiro aspecto do fundamento único da Comissão

136. Na primeira parte do seu fundamento único, a Comissão argumenta que o Tribunal de Primeira Instância avaliou mal a relação entre o artigo 87.°, n.° 1, CE e a competência dos Estados‑Membros em matéria fiscal. A este respeito, a Comissão considera que as competências dos Estados‑Membros em matéria fiscal são enquadradas pelos limites impostos pelo direito da União, em particular, pelo artigo 87.°, n.° 1, CE, e que a simples circunstância de uma disposição nacional se integrar no direito fiscal não pode excluir esta disposição do respeito pelo referido artigo, dado que este mesmo artigo define as medidas estatais não segundo a sua causa ou os seus objectivos, mas segundo os seus efeitos. O Reino de Espanha partilha a análise da Comissão, mas unicamente na medida em que esta se prende com as competências do Reino Unido enquanto Estado‑Membro em matéria de fiscalidade directa.

B –    Observações gerais

137. Apesar de, de acordo com a repartição de competências estabelecida pelo Tratado, a fiscalidade directa ser da competência exclusiva dos Estados‑Membros, é facto assente que, no exercício dos seus poderes, os Estados‑Membros devem respeitar o Tratado. Assim, segundo jurisprudência constante, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência com observância do direito da União (70).

138. Além disso, o facto de uma medida susceptível de constituir um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, ter sido adoptada ao abrigo de uma competência exclusiva dos Estados‑Membros, o que me parece ocorrer frequentemente, não poderia, por si só, influir sobre a aplicação das disposições relativas aos auxílios de Estado.

139. No entanto, no domínio da fiscalidade directa, os Estados‑Membros beneficiam de um elevado nível de soberania legislativa, regulamentar e administrativa. O poder tributário continua a ser uma prerrogativa interna dos governos, que podem escolher os sistemas fiscais mais adequados em função das suas preferências, desde que respeitem o direito da União.

140. É facto assente que as disposições do direito da União relativas aos auxílios de Estado visam apenas remediar as distorções concorrenciais que resultam da vontade de um Estado‑Membro de, em derrogação das suas orientações políticas gerais, conceder uma vantagem específica a determinadas empresas ou produções. Por conseguinte, dado que o sistema fiscal assume carácter geral, escapa à aplicação do disposto no artigo 87.°, n.° 1, CE (71). Com efeito, desde que as medidas adoptadas pelo Estado‑Membro respeitem à totalidade do sistema fiscal, constituem medidas de organização da política fiscal geral e não auxílios de Estado (72).

141. O mesmo princípio é aplicável às medidas fiscais prejudiciais, desde que não preencham o critério da vantagem selectiva: o único instrumento aplicável face a elas é o código de conduta já referido (73). Com efeito, uma parte importante das medidas fiscais prejudiciais é constituída por medidas fiscais gerais às quais, segundo a doutrina maioritária, não é aplicável o artigo 87.°, n.° 1, CE (74).

142. As isenções fiscais ou outras formas de apoio indirecto atribuídas com um fundamento sectorial ou regional constituem, em contrapartida, auxílios de Estado (75). Assim, uma medida que não se aplica a todos os operadores económicos não pode ser considerada uma medida geral de política económica (76).

143. Observo, a este respeito, que foi realçado na doutrina que, através do conceito de selectividade, o artigo 87.°, n.° 1, CE abriu o caminho a uma verdadeira harmonização das regras fiscais, apesar de não ser essa a sua finalidade (77). Com efeito, considera‑se que a aplicação dos princípios reguladores dos auxílios de Estado à política fiscal nacional leva a uma regulação da concorrência de sistemas fiscais, uma vez que os Estados estão submetidos a uma obrigação indirecta de neutralidade fiscal (78).

144. No entanto, entendo que é impossível alcançar uma neutralidade fiscal na acepção económica estrita no domínio da fiscalidade directa (79). Considero antes que cada sistema fiscal se funda numa certa selectividade em função dos objectivos prosseguidos pelo legislador nacional. Assim, a questão fundamental é a da existência da vantagem na acepção do direito da União que possam resultar de uma configuração estabelecida no sistema fiscal nacional (80).

145. Por consequência, é essencial preservar a distinção entre medidas fiscais que constituem um auxílio de Estado e as que correspondem à configuração normal que o legislador nacional pretendeu dar ao seu sistema fiscal e que pode dar lugar a diferenciações necessárias à prossecução de objectivos gerais de interesse público fixados pelo Estado no exercício dos seus direitos soberanos (81).

C –    Quanto ao raciocínio do Tribunal de Primeira Instância relativo às competências dos Estados‑Membros no domínio da fiscalidade directa

146. No n.° 146 do acórdão recorrido, o Tribunal citou adequadamente a jurisprudência segundo a qual a fiscalidade directa está incluída na competência dos Estados‑Membros, sublinhando ao mesmo tempo que a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais não prejudica o poder dos Estados de escolherem a sua política económica e, portanto, o sistema fiscal e o seu regime comum ou «normal». Em seguida, o Tribunal analisou se a Comissão observou estes princípios quando apreciou o carácter selectivo da medida.

147. A citação constante do n.° 146 do acórdão recorrido apoia um raciocínio do Tribunal de Primeira Instância segundo o qual a Comissão devia ter feito uma análise em três etapas para poder qualificar uma medida fiscal como selectiva. Designadamente, como resulta do n.° 145 do acórdão recorrido, o Tribunal pretendeu salientar que a omissão das duas primeira etapas levaria a Comissão a exceder as suas competências, dado que se substituiria ao Estado‑Membro no que diz respeito à determinação do seu sistema fiscal. Além disso, segundo o Tribunal, essa posição colocaria o Estado‑Membro na impossibilidade de justificar as diferenciações em causa pela natureza e pela economia do sistema fiscal notificado.

148. Visto nesta perspectiva e independentemente da questão de saber se a metodologia adoptada pelo Tribunal constitui um quadro de referência juridicamente correcto que podia impor à Comissão, o esclarecimento da existência da competência fiscal pelos Estados‑Membros é certamente incompleto, mas não constitui um erro de direito face à jurisprudência recordada nos n.os 137 a 145 das presentes conclusões.

149. Por conseguinte, proponho que a primeira parte do fundamento único da Comissão seja julgada improcedente.

VII – Discussão do método que permite identificar a selectividade de um apoio fiscal susceptível de constituir um auxílio de Estado

A –    Elementos da decisão controvertida da Comissão

150. Segundo as declarações da Comissão na audiência, o novo sistema fiscal em Gibraltar é composto por uma combinação de impostos sobre o número de assalariados e por um imposto pela ocupação das instalações profissionais, limitado a 15% dos lucros, bem como por dois tipos de impostos adicionais para certos tipos de sociedades. A Comissão alega que o sistema apresentado como sendo um sistema único é, de facto, uma conjugação de regimes fiscais diferentes e mutuamente incompatíveis, de modo que é impossível determinar um regime de referência e identificar um regime especial. Pelo contrário, o próprio regime que é apresentado como sendo um sistema fiscal efectua uma diferenciação entre categorias de sociedades, de modo que apresenta vantagens para certas sociedades, em particular para as da economia off‑shore.

151. A Comissão censura o acórdão recorrido por ter seguido uma abordagem formal, inspirada na sua comunicação de 1998, abordagem que é alheia à realidade económica, quando, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as medidas estatais devem ser julgadas com base nos seus efeitos.

152. Face à decisão controvertida, pretendo chamar a atenção do Tribunal de Justiça para um aspecto que me parece fundamental para tratar o presente processo e que está intimamente associado à rejeição, pela Comissão, do método derrogatório apresentado na sua comunicação de 1998.

153. Com efeito, a apreciação feita pela Comissão da reforma do sistema fiscal de Gibraltar assenta, antes de mais, na análise da selectividade regional e material do regime. Pelo contrário, a existência da vantagem é deduzida, no n.° 153 da decisão, da demonstração da natureza selectiva da reforma. A Comissão analisa o sistema fiscal de Gibraltar no seu conjunto, atribuindo‑lhe uma natureza intrinsecamente discriminatória, o que equivale, segundo ela, à existência de uma vantagem selectiva e, portanto, à existência de um auxílio de Estado.

154. Ora, independentemente da questão de saber qual deveria ser o quadro de referência no presente caso, essa escolha metodológica parece‑me errada por razões relativas à estrutura da apreciação de uma medida indirecta susceptível de constituir um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. A fundamentação desta posição assenta nos elementos acima explicitados.

B –    Quanto ao papel fundamental da identificação da vantagem no exame do conceito de selectividade no caso das medidas indirectas

155. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida como auxílio, na acepção do Tratado, pressupõe que estejam preenchidos os quatro critérios cumulativos estabelecidos no artigo 87.°, n.° 1, CE (82). Estão, pois, abrangidos os auxílios atribuídos pelos Estados ou mediante recursos estatais, sob qualquer forma, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência favorecendo certas empresas ou produções, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. O conceito de auxílio, na acepção desta disposição, é mais geral do que o de subvenção, pois abrange não apenas prestações positivas, como as próprias subvenções, mas também as intervenções que, de diversas formas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa comparativamente com uma empresa que se encontre numa situação comparável (83).

156. Para apreciar se essa vantagem constitui um auxílio na acepção do artigo 87.° CE, há que determinar se a empresa beneficiária obtém uma vantagem económica que não teria obtido em condições normais de mercado (84). Tendo em conta a especificidade das medidas fiscais, foi sugerido na doutrina que se considere que existe um auxílio de Estado quando há uma perda ou renúncia a receitas fiscais pelas autoridades fiscais ou pelo Governo (85).

157. A este respeito, estou convencido de que o conceito central no contexto do presente recurso da Comissão é o conceito de vantagem.

158. Com efeito, considero que uma medida susceptível de constituir um auxílio de Estado que é atribuída de forma indirecta, como uma medida fiscal, não pode ser definida sem quadro de referência (86). Uma posição oposta levaria a uma confusão entre o conceito de selectividade e o de vantagem dado que a selectividade de uma medida significa, em meu entender, uma distribuição desigual das vantagens entre as empresas que se encontrem numa situação comparável. Ora, a análise do critério de selectividade é distinta da análise do critério da vantagem (87).

159. No presente caso, se a estrutura do sistema fiscal que leva, em definitivo, a não tributar as sociedades offshore em Gibraltar devesse ser considerada como uma medida que constitui um auxílio de Estado, ficaria por saber como quantificar o montante do alegado auxílio sem ter previamente identificado qual é o regime de direito comum ou o quadro de referência geral. Assim, em especial, os limites de 15% e de 35% não são reveladores do montante de auxílio, uma vez que não existem, no sistema fiscal de Gibraltar, disposições de referência que permitam compreender como deviam ser tributadas as sociedades off‑shore.

160. Com efeito, cumpre sublinhar que uma medida susceptível de ser considerada como um auxílio fiscal deve corresponder a despesa fiscal (88). A Comissão deve ter a possibilidade de identificar o valor do imposto actual ou potencialmente «perdido» que representa o montante do alegado auxílio. O único meio de que a Comissão dispõe para calcular o valor «perdido» consiste em reportar‑se a um regime geral aplicável no quadro de referência que é objecto da análise.

161. A este respeito, recordo a jurisprudência segundo a qual uma vantagem concedida mediante um encargo potencial suplementar para o Estado é susceptível de constituir um auxílio de Estado (89). É o que acontece frequentemente com garantias que estão geralmente associadas a um empréstimo ou a uma outra obrigação financeira contraída por um devedor junto de um credor (90). Graças à garantia do Estado, o devedor pode beneficiar de taxa inferior ou oferecer uma garantia de menor valor. Para determinar a existência de um auxílio, há que avaliar as possibilidades de uma empresa beneficiária obter o empréstimo no mercado de capitais na ausência desta garantia (91). Uma simples declaração de um representante das autoridades públicas pode, contudo, ter um impacto considerável no sentido de que a empresa readquire a confiança dos mercados financeiros para poder ter acesso a novos créditos (92).

162. Ora, no que respeita a medidas de natureza fiscal, seria errado considerar que uma medida fiscal conduz automaticamente à atribuição de uma vantagem à empresa em questão. É por essa razão que é necessário que a Comissão disponha de uma visão de conjunto do sistema «normalmente» aplicável.

163. O ponto de partida da análise das medidas fiscais deve, pois, ser uma comparação factual, ou seja, qual seria a situação sem a adopção da medida susceptível de constituir um auxílio de Estado.

164. No acórdão Bélgica e Fórum 187 (93), o Tribunal de Justiça considerou que, para examinar se a determinação dos lucros tributáveis, como prevista no regime dos centros de coordenação, conferia uma vantagem a estes últimos, importava comparar o referido regime com o do direito comum baseado na diferença entre proveitos e custos de uma empresa que exercesse as suas actividades em condições de livre concorrência.

165. Numa primeira etapa, é, pois, necessário averiguar se um sujeito devia ter sido tributado e, em caso afirmativo, se a ausência de tributação constitui uma vantagem. Depois, há que averiguar se as outras empresas que se encontram numa situação comparável beneficiam da mesma vantagem. Se assim não for, é provável que se trate de uma vantagem selectiva. Portanto, a vantagem só pode ser identificada através da referida comparação factual.

166. A título exemplificativo, se numa determinada jurisdição fiscal, o estabelecimento de um limiar fiscal implicar a não tributação de metade das empresas, enquanto a outra metade paga um imposto no valor de 10% dos lucros, não pode considerar‑se de modo algum que a primeira categoria de empresas beneficia de uma vantagem. Com efeito, se um Estado‑Membro optar por não tributar um determinado bem, factor ou actividade, isso não implica a existência de uma vantagem, porque esta representa a isenção da tributação inexistente ou inaplicável (94).

167. Um outro exemplo podia ser o de uma medida de política económica aplicável a todas as empresas que autorizasse uma amortização acelerada dos investimentos realizados durante os anos civis A e B. Esta medida implica uma vantagem, enquanto a sua selectividade, à primeira vista, é incerta. Com efeito, as empresas que não optassem por investir no decurso do período de referência não beneficiariam dela. Assim, a medida parece‑me economicamente selectiva, mas esta selectividade é justificada pela lógica inerente ao sistema fiscal, de modo que a existência de um auxílio pode ser excluída. Em contrapartida, se a medida continua a aplicar‑se durante o ano C num determinado sector, então trata‑se de um auxílio de Estado.

168. Além disso, é facto assente que certos sectores ou certos tipos de empresas podem exigir um tratamento fiscal distinto em razão da sua natureza ou finalidade. Um bom exemplo parece‑me ser uma organização sem fins lucrativos ou uma sociedade cooperativa (95).

169. Tal como referi anteriormente, a abordagem adoptada pela Comissão na decisão controvertida não me parece fundada. A Irlanda salientou, com razão, na audiência que parece tratar‑se de uma abordagem ad hoc que a Comissão justifica pela reduzida dimensão de Gibraltar. Ora, parece‑me que esse critério não poderia fundamentar a análise a que a Comissão deve proceder na apreciação de medidas fiscais susceptíveis de ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Se o Tribunal de Justiça optasse pela posição proposta pela Comissão, isso equivaleria a introduzir na aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE um critério suplementar associado à dimensão da jurisdição fiscal na origem da medida controvertida.

170. Aderir à tese da Comissão baseada num conceito de um sistema intrinsecamente discriminatório levaria igualmente ao abandono da metodologia do exame das medidas concedidas sob forma indirecta num caso isolado que, em minha opinião, não é abrangido pelo regime dos auxílios de Estado mas pela problemática da concorrência fiscal prejudicial. Com efeito, não ignoro que Gibraltar foi identificado pela OCDE como um paraíso fiscal. O Tribunal de Justiça é, pois, chamado a decidir se está disposto a prescindir da análise clássica do conceito de auxílio de Estado sob forma indirecta a fim de estigmatizar o regime fiscal de Gibraltar (96).

171. Embora partilhe plenamente a vontade da Comissão de reforçar a luta contra a fiscalidade prejudicial na União, considero que não poderia aplicar‑se uma interpretação inovadora do artigo 87.°, n.° 1, CE para tal efeito. A criação de um método ad hoc destina‑se a permitir que a Comissão combata más práticas fiscais e económicas, sem que isso seja associado ao regime dos auxílios de Estado em sentido estrito (97).

172. Finalmente, parece‑me também essencial sublinhar que, ainda que o sistema fiscal em causa leve à não tributação das empresas off‑shore, as sociedades cuja actividade em Gibraltar não exige emprego de assalariados nem ocupação de instalações em Gibraltar encontram‑se exactamente na mesma situação. Por exemplo, as sociedades holding que parecem constituir, de um ponto de vista qualitativo, a categoria mais importante entre as empresas de Gibraltar (98), são colocadas na mesma situação fiscal, porque esta situação não depende do facto de os valores mobiliários ou os bens mobiliários ou imobiliários pertencentes a estas sociedades estarem localizados em Gibraltar ou fora do seu território. O sistema não é, pois, selectivo no sentido de os seus efeitos diferirem em função do local de exercício das actividades. Além disso, poder‑se‑ia realizar uma exclusão similar das actividades off‑shore através de um sistema de fiscalidade das empresas que, na determinação da base de incidência, utilizasse apenas critérios relativos ao consumo de energia ou à produção dos resíduos.

173. No caso de Gibraltar, o sistema fiscal adoptou como abordagem geral uma tributação quase nula, embora admitindo que as entidades que utilizam factores de produção locais como a mão‑de‑obra e as instalações sejam mais tributadas. Paradoxalmente, em minha opinião, este sistema apresenta essencialmente desvantagens, de modo que poderia ser caracterizado como um sistema «anti‑auxílio de Estado».

174. Pelo contrário, como referi anteriormente, não tenho qualquer dúvida de que o legislador de Gibraltar pretendeu dotar‑se de um sistema de concorrência fiscal desleal em relação aos Estados‑Membros (99).

175. Na medida em que o direito da União não inclui qualquer sistema fiscal supletivo, o quadro de referência deve continuar a ser o quadro de referência nacional ou o identificado em conformidade com a jurisprudência Açores. Por conseguinte, se o Tribunal de Justiça considerar que Gibraltar pode constituir, por si só, um quadro de referência apropriado, deve cingir‑se à análise clássica da vantagem e da selectividade.

C –    Selectividade material no domínio da fiscalidade directa

176. O artigo 87.°, n.° 1, CE proíbe os auxílios de Estado «favorecendo certas empresas ou certas produções», isto é, os auxílios selectivos. A condição de selectividade é constitutiva do conceito de auxílio de Estado (100). Sem prejuízo da abundância de jurisprudência nesta matéria, o conceito de selectividade parece difícil de circunscrever, designadamente, no que respeita às medidas fiscais.

177. O conceito de selectividade é analisado na perspectiva material, tratando‑se de medidas aplicáveis a certos sectores da economia ou a certas formas de empresas (101) ou na perspectiva regional (geográfica) (102). A selectividade material pode abranger tanto medidas fiscais limitadas às empresas caracterizadas por certos tipos de actividade (selectividade sectorial) como as aplicáveis em função de situações pré‑definidas em que as empresas possam encontrar‑se (selectividade horizontal), por exemplo, na hipótese de incentivos fiscais ou no caso de medidas destinadas a favorecer um certo tipo de mão‑de‑obra (103).

178. Tendo em conta a diversidade das medidas fiscais, traçar uma linha de separação entre medidas gerais e medidas selectivas revela‑se cada vez mais complexo (104). Por consequência, a determinação do quadro de referência, por difícil que seja, é fundamental para saber se o regime em causa é «anormal» e, portanto, «selectivo».

179. Resulta da jurisprudência que o respeito da exigência de selectividade deve ser objecto de uma apreciação casuística, visando verificar se, pela sua natureza, âmbito de aplicação, modalidades de execução e efeitos, a medida em causa implica ou não vantagens em benefício exclusivo de certas empresas ou de certos sectores de actividade (105).

180. A selectividade da vantagem conferida pela medida em questão é susceptível de ser justificada, numa etapa seguinte, pela natureza do sistema, desde que a medida seja concedida com base em critérios objectivos (conformidade interna da medida com a economia do sistema) e compatível com a natureza do regime (conformidade externa da medida) (106). Com efeito, resulta de jurisprudência consagrada que o conceito de auxílio de Estado não abrange as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas quando esta diferenciação resulta da natureza e da economia do sistema de encargos em que essas medidas se inscrevem. Nessa hipótese, a medida em questão não pode, em princípio, ser considerada selectiva, embora ofereça uma vantagem às empresas que dela podem beneficiar (107).

181. Deve, pois, apreciar‑se o carácter selectivo da vantagem conferida pela medida em questão em duas etapas sucessivas.

182. Na apreciação da condição de selectividade no domínio fiscal, o critério adoptado desde as conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Sloman Neptun é o da «derrogação» do sistema geral de tributação (108). Segundo o advogado‑geral M. Darmon, «o único elemento fundamental requerido para a aplicação do n.° 1 do artigo 92.° é o carácter derrogatório da medida, na sua própria natureza, em relação à estrutura do sistema geral em que se insere».

183. Esta metodologia foi retomada na comunicação da Comissão de 1998, que se inspira igualmente na posição da OCDE (109). Segundo a comunicação de 1998, o que importa antes de mais para efeitos da aplicação do artigo 86.°, n.° 1, CE a uma medida fiscal, é saber se essa medida institui, a favor de determinadas empresas do Estado‑Membro, uma excepção à aplicação do sistema fiscal (110).

184. Esta visão derrogatória é criticada na doutrina uma vez que nem a Comissão nem o Tribunal de Justiça chegaram a determinar exactamente o que abrange o conceito de «derrogação da norma», nem o que constitui a «norma» ou «um sistema geral» (111). Os autores sublinharam igualmente a dificuldade de determinar a taxa de tributação «normalmente aplicável» a fim de fixar qual a taxa que se considera afastar‑se da norma (112).

185. Além disso, resulta de uma análise da jurisprudência que foram propostas diversas soluções pelos advogados‑gerais. Para além de uma visão derrogatória, foi sugerido que se considerasse uma medida como geral quando ela resulta da lógica interna do regime fiscal (113) ou quando visa alcançar a igualdade entre os operadores económicos (114).

186. Entre as posições propostas pela doutrina, foi designadamente sugerido que se considerasse que uma medida assume carácter geral desde que qualquer empresa, independentemente do seu sector de actividade, possa beneficiar dela. Conviria proceder a uma análise em duas etapas, consistindo a primeira em identificar os objectivos (alvos) da medida («revealed potential targets»), e visando a segunda, por seu lado, identificar o âmbito da medida («revealed potential scope»). Com efeito, é ao nível da segunda etapa que há a possibilidade de identificar as razões subjacentes à medida proposta pelo Estado‑Membro (115).

187. Segundo outra proposta, uma análise em três etapas sucessivas consistiria, em primeiro lugar, em averiguar se a medida é susceptível de ser aplicada a todas as empresas que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável, em seguida, em verificar se certas empresas beneficiam de um tratamento mais favorável (discriminação) e, finalmente, em assegurar que a medida pode ser justificada pela natureza ou estrutura do regime fiscal (116).

188. Admito que o critério da derrogação, que serve principalmente para a determinação da vantagem, pode mostrar‑se incerto, quando se trata de saber que regra derroga (117). No entanto, é precisamente no interior do sistema fiscal definido pelo quadro de referência, que a maior parte das vezes é o sistema fiscal nacional, que se deve procurar um eventual subsistema e, consequentemente, as excepções ou derrogações.

189. Apesar das críticas anteriormente referidas, a visão derrogatória não me parece a mais conforme com a repartição de competências entre Estados‑Membros e Comissão. Com efeito, embora admitindo que os Estados‑Membros continuam a ser competentes para determinarem os seus regimes fiscais, parece‑me justificado considerar que a autoridade conferida à Comissão pelo artigo 87.°, n.° 1, CE, deve ser circunscrita apenas às medidas que constituem uma derrogação ao sistema geralmente aplicável.

190. Além disso, considero que a justificação da perspectiva que, numa primeira etapa, visa identificar um regime geral e, numa segunda etapa, uma derrogação do referido regime, decorre da lógica subjacente ao conceito de auxílio de Estado, que exige que se identifique a existência da vantagem antes de averiguar se se trata de uma vantagem selectiva.

VIII – Quanto ao método adoptado para determinar a selectividade da reforma fiscal – análise dos fundamentos

A –    Qual é o método que permite identificar o sistema fiscal «geral» de um Estado‑Membro (118)

1.      Argumentação da Comissão constante da segunda e da terceira partes do fundamento único

191. Na segunda parte do seu fundamento único, a Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, censura o Tribunal de Primeira Instância por ter considerado erradamente que ela tinha a obrigação de identificar previamente o regime fiscal comum ou «normal» e, depois, de demonstrar o carácter derrogatório das medidas em causa em relação a este regime. Segundo a Comissão, esta posição ignora a possibilidade de um Estado‑Membro ou um território autónomo de um Estado‑Membro aplicar um sistema fiscal intrinsecamente discriminatório em razão da sua estrutura. Com efeito, graças a uma selecção judiciosa dos critérios a aplicar no seu sistema de tributação alegadamente «normal», Gibraltar conseguiu, segundo a Comissão, reproduzir em larga medida os efeitos de um regime que incorporasse manifestamente um auxílio de Estado em favor de determinadas categorias de empresas (119).

192. Segundo a Comissão, nenhum princípio de direito da União impõe que se siga a estratégia de análise definida pelo Tribunal de Primeira Instância. Além disso, a Comissão rejeita o carácter vinculativo da sua comunicação de 1998. Em resposta às alegações de intervenção da República da Irlanda, a Comissão observa ainda que a comunicação de 1998 não tinha em vista uma situação específica análoga à do regime fiscal de Gibraltar, e que, em qualquer caso, a mesma comunicação não poderia derrogar o disposto no artigo 87.° CE. A particularidade do presente caso exige uma abordagem inovadora com o objectivo de evitar uma falha no controlo dos auxílios de Estado, devendo essa abordagem ser limitada aos casos de selectividade particularmente claros.

193. Na terceira parte do fundamento único, a Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, alega que o Tribunal de Primeira Instância infringiu o princípio de que as medidas nacionais devem ser analisadas à luz dos seus efeitos e não à luz do objectivo prosseguido (120). Segundo a Comissão, o Tribunal considerou que esta tinha a obrigação de tomar como ponto de partida da sua análise o sistema que o Estado‑Membro ou o território autónomo afirmam constituir o regime comum ou «normal» (121). Segundo ela, o Tribunal errou ao considerar que a lógica inerente a um sistema fiscal e o regime comum ou «normal» estabelecido por este podem ser identificados por referência aos objectivos alegadamente prosseguidos pelas autoridades nacionais ou locais.

194. Em resposta aos argumentos da Irlanda, a Comissão argumenta que não se justifica recear que os Estados‑Membros deixem de poder prosseguir objectivos legítimos através do seu regime fiscal, uma vez que a posição defendida pela Comissão só é válida em casos excepcionais, sem, no entanto, enquadrar melhor estes «casos excepcionais».

2.      Apreciação

195. Observo, em primeiro lugar, que, nos n.os 143 a 146 do acórdão recorrido, o Tribunal fez uma evocação isenta de qualquer desvirtuação dos termos da Comunicação de 1998, da qual resulta que a qualificação de uma medida fiscal como selectiva feita pela Comissão pressupõe, numa primeira etapa, a identificação e a análise prévias do regime comum para se poder, numa segunda etapa, apreciar e determinar o carácter selectivo da vantagem atribuída. Em seguida, o Tribunal reproduziu, com razão, no n.° 144 do acórdão recorrido, a jurisprudência que permite justificar o carácter selectivo de uma medida pela natureza ou pela estrutura do sistema fiscal em que se inscreve.

196. Foi à luz destes princípios que o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 170 do acórdão recorrido, criticou a Comissão por esta não ter cumprido correctamente o seu dever de análise do sistema fiscal em causa na perspectiva do artigo 87.° CE, atendendo aos elementos apresentados pelo Governo de Gibraltar e pelo Reino Unido.

197. A este propósito, em primeiro lugar, na medida em que admito a necessidade e a legalidade da posição derrogatória baseada numa análise comparativa no que respeita a medidas de apoio indirecto susceptíveis de constituírem auxílios de Estado, e tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que considere que o Tribunal de Primeira Instância teve razão ao censurar à Comissão o facto de não ter seguido a posição preconizada na sua comunicação de 1998.

198. Observo que, no caso vertente, a argumentação do Tribunal de Primeira Instância se funda mais na problemática da repartição das competências entre os Estados‑Membros e a Comissão no domínio da fiscalidade do que apenas no estatuto da comunicação de 1998.

199. Em todo o caso, recordo que resulta claramente da jurisprudência que, ao adoptar regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará aos casos a que essas regras respeitam, a Comissão autolimita‑se no exercício do referido poder de apreciação e não pode desrespeitar essas regras, sob pena de poder ser penalizada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, como o da igualdade de tratamento ou o da protecção da confiança legítima (122). Os órgãos jurisdicionais comunitários precisaram numerosas vezes que a Comissão estava vinculada pelas suas comunicações sobre as questões de direito da concorrência, por exemplo, em matéria de coimas (123).

200. Resulta desta jurisprudência, no domínio específico dos auxílios de Estado, que a Comissão tem de respeitar os enquadramentos e comunicações que adopta, na medida em que não se afastem das normas do Tratado (124). Consequentemente, a Comissão não pode estar vinculada de forma definitiva pelas suas comunicações.

201. A problemática do carácter intrinsecamente discriminatório do regime fiscal de Gibraltar foi abordada implicitamente pela Comissão na decisão controvertida; só na audiência é que a Comissão se explicou a este respeito.

202. Em minha opinião, admitir tal posição equivaleria a realizar uma revolução metodológica na aplicação das regras relativas a auxílios de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Seguindo esta posição, a existência de uma vantagem deixaria de ser apreciada com base numa comparação entre a medida e o regime fiscal geralmente aplicável, mas em razão de uma comparação entre o regime fiscal tal como ele se apresenta e um outro sistema, hipotético e inexistente. Ora, tal posição exigiria a construção de um tertium comparationis fiscal para a União Europeia a fim de poder apreciar o efeito alegadamente discriminatório decorrente das opções efectuadas quanto à base tributável (ou quanto à taxa de imposto) no domínio da fiscalidade de empresas. Ora, esse critério comum não existe e a aplicação do quadro jurídico relativo aos auxílios de Estado não justifica a adopção de facto dessa medida de harmonização fiscal (125).

203. O argumento de que esta abordagem só se aplicaria em casos excepcionais não pode ser aceite. A metodologia jurídica adoptada até ao presente baseia‑se directamente na economia do artigo 87.°, n.° 1, CE e mostra‑se conforme com os objectivos do direito da concorrência da União. Não poderia ser abandonada pela simples razão de não ter o resultado pretendido pela Comissão num caso concreto.

204. No que respeita ao alegado erro de direito denunciado na terceira parte do fundamento único da Comissão, é facto assente que, segundo jurisprudência consagrada, a finalidade prosseguida por intervenções estatais não basta para as fazer automaticamente escapar à qualificação de «auxílio» na acepção do artigo 87.° CE. Com efeito, o artigo 87.°, n.° 1, CE não faz distinções em função das causas ou dos objectivos das intervenções estatais, antes definindo essas intervenções em função dos respectivos efeitos (126).

205. No entanto, lendo o acórdão recorrido, considero que as alegações referidas na terceira parte do fundamento único da Comissão assentam numa leitura incorrecta dos n.os 145, 146 e 171 a 174 do acórdão recorrido.

206. Com efeito, o n.° 145 do referido acórdão insere‑se no raciocínio seguido pelo Tribunal para determinar em que medida incumbia à Comissão aplicar as três etapas do método derrogatório no quadro da análise da medida selectiva do regime em causa. O Tribunal de Primeira Instância indicou que, ao limitar‑se à terceira etapa do método referido, a Comissão colocava o Estado‑Membro na impossibilidade de justificar as diferenciações do regime fiscal, dado que a Comissão não identificou previamente o seu regime comum ou «normal» nem demonstrou o carácter derrogatório das referidas diferenciações. Além disso, nada permite concluir que o Tribunal impôs à Comissão que esta seguisse uma posição predefinida sem poder fazer uso das suas prerrogativas de análise decorrentes do Tratado.

207. Tendo em conta os elementos precedentes, proponho que a segunda e a terceira partes do fundamento único da Comissão sejam rejeitadas por falta de fundamento.

B –    Quanto à natureza da análise de um regime fiscal feita pela Comissão (127)

1.      Argumentação apresentada na quarta parte do fundamento único da Comissão

208. Na quarta parte do fundamento único, a Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, acusa o Tribunal de ter considerado erradamente que a lógica inerente a um sistema fiscal e o regime comum ou «normal» no âmbito do referido sistema pode resultar da aplicação de técnicas diferentes a diferentes contribuintes. Em seu entender, tal posição levaria a considerar que qualquer característica do sistema, independentemente da vantagem que confere a certos beneficiários, constitui automaticamente uma parte integrante do sistema e não uma derrogação e, consequentemente, escapa à aplicação das normas relativas aos auxílios de Estado (128).

209. Além disso, a Comissão contesta que tenha suscitado a problemática do ónus da prova. Censura o Tribunal por este ter cometido um erro de direito, não ao declarar que a Comissão não tinha cumprido o ónus da prova que lhe incumbia, mas ao excluir liminarmente que o regime fiscal «normal» de uma colectividade territorial possa ser entendido como subsumível no conceito de auxílio de Estado.

2.      Apreciação da quarta parte do fundamento único

210. Na quarta parte, a Comissão critica os n.os 175 a 183 do acórdão recorrido. No n.° 175 do referido acórdão, o Tribunal salientou que nem as considerações reproduzidas na decisão controvertida nem os argumentos invocados pela Comissão e pelo Reino de Espanha foram suficientes para pôr em causa a justeza da definição do regime comum ou «normal» do sistema fiscal notificado.

211. Decorre do n.° 187 do acórdão recorrido que a problemática em causa está associada ao ónus da prova. Ora, a este respeito, cabe recordar que, em princípio, só o Tribunal é competente para verificar e apreciar os factos. É igualmente o único a poder apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos, desde que as provas que aceitou em apoio destes factos tenham sido obtidas regularmente e tiverem sido respeitados os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova (129). O Tribunal de Justiça só tem competência para exercer a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância ao abrigo do artigo 225.° CE (130).

212. No que respeita ao primeiro elemento da argumentação do Tribunal referido no n.° 176 do acórdão recorrido, observe‑se que o Tribunal, no n.° 177 do mesmo acórdão, considerou que a Comissão não rebateu suficientemente o argumento de Gibraltar segundo o qual a condição de realização de lucros é inerente à lógica de um sistema de tributação fundado no número de trabalhadores e na utilização do espaço ocupado. Além disso, no n.° 178 do acórdão recorrido, o Tribunal indicou que a simples afirmação da Comissão de que, num sistema fiscal como o proposto pelas autoridades de Gibraltar, quanto mais trabalhadores uma empresa empregar e quanto mais instalações ocupar, mais elevada será a sua obrigação fiscal, não é suficiente para pôr em causa a justeza da escolha efectuada pelas referidas autoridades quanto aos elementos que constituem o regime comum ou «normal» do referido sistema fiscal.

213. No que respeita ao segundo elemento da argumentação do Tribunal de Primeira Instância, que figura nos n.os 179 a 181 do acórdão recorrido, o Tribunal considerou que a qualificação do sistema fiscal de Gibraltar como sistema híbrido não demonstra, por si só, que este sistema não pode constituir um regime fiscal comum ou «normal». O Tribunal também criticou a Comissão e o Reino de Espanha por terem aduzido argumentos puramente hipotéticos sobre dois objectivos atribuídos ao sistema fiscal e ao regime comum introduzidos pela reforma.

214. No que respeita ao terceiro elemento do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, que figura nos n.os 182 a 185 do acórdão recorrido, depois de ter invocado diversos pontos da decisão controvertida sem os desvirtuar, o Tribunal considerou que os argumentos da Comissão não eram susceptíveis de pôr em causa a posição das autoridades de Gibraltar.

215. Uma vez que, no presente caso, a Comissão não alega qualquer desvirtuação dos elementos sobre os quais o Tribunal se pronunciou, a quarta parte do fundamento único podia ser de imediato qualificada como não fundada.

216. Contudo, se o Tribunal de Justiça considerar útil pronunciar‑se sobre as consequências jurídicas retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância dos argumentos invocados pelo Governo de Gibraltar, resulta claramente do n.° 184 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância baseou a sua rejeição dos argumentos da Comissão no erro metodológico que, segundo ele, a Comissão cometeu no presente caso.

217. A este respeito, embora partilhando a análise do Tribunal quanto à abordagem metodológica errada seguida pela Comissão, sublinho, na perspectiva da repartição do ónus da prova, que era à Comissão que competia identificar a existência de uma medida que atribuía uma vantagem de carácter selectivo. Depois, competia ao Estado‑Membro que introduziu uma diferenciação entre empresas em matéria de cargas fiscais, demonstrar que essa diferenciação se justificava efectivamente pela natureza e pela economia do sistema em causa (131). Ora, ao não seguir as etapas estabelecidas para efeitos da determinação do carácter selectivo da vantagem atribuída pela reforma fiscal de Gibraltar, a Comissão impossibilitou a aplicação deste princípio.

218. Assim, na medida em que a Comissão não seguiu o raciocínio relativo à identificação do regime comum ou «normal» e das suas derrogações, o Tribunal considerou com justeza, no n.° 184 do acórdão recorrido, que esta impôs a sua própria lógica quanto ao conteúdo e ao funcionamento do sistema fiscal notificado.

219. Além disso, como resulta do acórdão recorrido, o Tribunal considerou que a Comissão não tinha apresentado qualquer argumento plausível que permitisse compreender em que medida um regime fiscal como o que estava em causa constitui um auxílio de Estado.

220. Tendo em conta as considerações feitas nos n.os 122 seguintes das presentes conclusões relativas às medidas destinadas a lutar contra a fiscalidade prejudicial na União, bem como às competências dos Estados‑Membros no domínio da fiscalidade directa, considero que o Tribunal teve razão ao concluir que as alegações da Comissão não podiam fundar‑se no regime dos auxílios de Estado do Tratado. Com efeito, o artigo 87.° CE tem por objectivo evitar que as trocas comerciais entre Estados‑Membros sejam afectadas por vantagens consentidas pelas autoridades públicas que, sob diversas formas, falseiam ou ameaçam falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções (132). Não tendo demonstrado essa vantagem, a Comissão não poderia criticar a organização de um regime fiscal realizada por um Estado‑Membro ou por um território ao qual é aplicável o Tratado CE.

221. É verdade que, se o Estado ou o território em questão adopta um regime fiscal prejudicial e, a título de justificação, alega que as medidas em causa se integram num regime fiscal geral, o referido regime escapa ao controlo exercido pela Comissão ao abrigo das regras relativas aos auxílios de Estado. Por conseguinte, essa situação é abrangida pelas regras relativas ao código de conduta, uma vez que o problema colocado por esse regime fiscal se prende com uma eventual concorrência fiscal prejudicial, e não com o regime dos auxílios de Estado.

222. Pelas razões acima expostas, proponho que a quarta parte do fundamento único da Comissão seja julgada improcedente, por falta de fundamento.

3.      Argumentação desenvolvida na quinta parte do fundamento único da Comissão

223. Na quinta parte do seu fundamento único, a Comissão acusa o Tribunal de ter considerado erradamente que a Comissão não identificou o regime fiscal comum ou «normal» nem demonstrou que determinadas características da reforma constituíam derrogações a este regime. Com efeito, a Comissão identificou clara e regularmente o sistema fiscal notificado como baseado na tributação da mão‑de‑obra utilizada e da ocupação das instalações profissionais. Além disso, a Comissão sublinha que o fundamento invocado para a anulação da decisão controvertida não era uma falta de fundamentação, mas um erro de direito (133).

224. O Reino de Espanha considera que a Comissão fez um exame completo da reforma fiscal, o que lhe permitiu chegar à conclusão de que o regime normal era o sistema de tributação das sociedades baseado nos critérios do número de assalariados e da superfície ocupada, sem prejuízo da aplicação do limite de 15% dos lucros. Tais critérios favoreciam diferentes tipos de sociedades: as que não têm rendimentos, as que, na ausência do referido limite, seriam mais tributadas e as sociedades off‑shore.

4.      Apreciação da quinta parte do fundamento único

225. Ainda que associada à segunda parte do fundamento único relativo à aplicação da perspectiva metodológica, a quinta parte incide mais sobre a demonstração da identificação da natureza do regime fiscal em causa. No entanto, face à resposta dada à segunda parte do fundamento único, considero desde já que esta quinta parte não pode singrar, na medida em que a crítica da Comissão assenta numa leitura errada do acórdão recorrido.

226. Com efeito, ao acusar a Comissão de não ter seguido a abordagem descrita na sua comunicação de 1998, o Tribunal não declarou que a Comissão se tinha abstido de proceder a uma análise aprofundada do regime fiscal em causa. Pelo contrário, diversos aspectos do acórdão recorrido reproduzem as passagens da decisão controvertida, confirmando assim que o Tribunal procedeu a uma apreciação da análise efectuada pela Comissão.

227. Para efeitos da análise da quinta parte do fundamento único da Comissão, cumpre, no entanto, determinar apenas se a Comissão se conformou aos princípios de análise da selectividade recordados pelo Tribunal nos n.os 143 a 145 do acórdão recorrido. Na medida em que a própria Comissão, no seu recurso, se pronuncia a favor da aplicação de um método ad hoc que se afasta dos referidos princípios, a quinta parte do fundamento único é manifestamente desprovida de fundamento.

IX – Os três elementos de selectividade salientados na decisão controvertida

A –    Argumentação apresentada na sexta parte do fundamento único da Comissão, bem como no oitavo fundamento do Reino de Espanha

228. Na sexta parte do fundamento único, qualificado como «essencial» pela própria Comissão, esta alega que o Tribunal de Primeira Instância não analisou os três elementos de selectividade salientados na decisão controvertida, tendo designadamente deixado por apreciar as observações da Comissão fundadas nos efeitos concretos da medida, a saber, que ela estabelece níveis de tributação diferentes para diferentes sectores da economia de Gibraltar e que proporciona uma vantagem selectiva às empresas da economia off‑shore que não tenham assalariados e não ocupem instalações em Gibraltar.

229. A Comissão censura ao Tribunal o facto de não ter tomado posição sobre os aspectos selectivos assim identificados, apesar de ter reproduzido as passagens pertinentes da decisão controvertida nos n.os 157 a 162 do acórdão recorrido. Só o n.° 186 do acórdão incluiu uma observação a este respeito mas a jurisprudência invocada não era pertinente. A este respeito, a Comissão admite que uma comparação com o sistema anterior não é, em si mesma, pertinente para efeitos da apreciação da selectividade de uma medida, mas recorda que, referindo‑se ao sistema anterior, salientara que o regime analisado na decisão controvertida visava perpetuar a situação anterior, produzindo os mesmos efeitos pela utilização de uma técnica diferente. Em suma, a perspectiva do Tribunal atribuía um peso decisivo a considerações de técnica fiscal em detrimento do conteúdo, quando, segundo jurisprudência assente, um auxílio de Estado devia ser apreciado na perspectiva dos seus efeitos.

230. O Governo de Gibraltar e o Governo do Reino Unido consideram errónea a tese defendida pela Comissão segundo a qual o regime fiscal devia ser considerado selectivo devido ao facto de a economia off‑shore não ser tributada. Com efeito, em qualquer sistema fiscal, as sociedades que não dispõem de uma base de incidência correspondente à definida pelo regime fiscal nacional não pagam imposto nesse território. Assim, a tese da Comissão equivale a impor aos Estados‑Membros, em violação da sua soberania fiscal, as suas próprias teses quanto à escolha da base de incidência. O facto de diferentes tipos de sociedades serem tributados de maneira diferente não permite, por si só, concluir pela existência de selectividade.

231. No seu oitavo fundamento, o Reino de Espanha acusa o Tribunal de ter considerado que as condições do artigo 87.°, n.° 1, CE não estavam reunidas do ponto de vista da selectividade material. Com efeito, a grande maioria das empresas estabelecidas em Gibraltar, a saber 28 798 em 29 000, conseguia obter uma taxa de tributação nula. Por conseguinte, o regime que o Tribunal qualifica como «geral», é, na realidade, um regime especial que cria uma «selectividade de facto».

B –    Apreciação

232. A sexta parte do fundamento único da Comissão parece basear‑se na falta de fundamentação do acórdão recorrido. Cabe ao Tribunal de Justiça exercer o seu controlo a este respeito no âmbito do recurso.

233. Na decisão controvertida, a Comissão salientou três elementos de selectividade, resumidos no n.° 15 das presentes conclusões. No que respeita à vantagem selectiva susceptível de ter sido atribuída às empresas integradas na economia off‑shore que não têm assalariados e não ocupam instalações em Gibraltar, a Comissão sustentou que o sistema apresentava igualmente uma selectividade material ao manter de facto níveis de tributação muito baixos para as «sociedades isentas» e, mais geralmente, ao estabelecer níveis de tributação diferentes em função dos sectores, o que conferia uma vantagem selectiva às empresas pertencentes aos sectores a que são aplicáveis taxas menos elevadas. Por consequência, a Comissão considerou que o sistema constituía um regime de auxílios de Estado e que, dado que nenhuma das derrogações previstas pelo Tratado era aplicável, o auxílio era incompatível com o mercado comum.

234. No acórdão recorrido, o Tribunal recordou, em primeiro lugar, nos n.os 143 a 146, os princípios que, em seu entender, regem a análise do carácter selectivo de uma medida fiscal susceptível de constituir um auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. A fim de apreciar se a Comissão respeitou estes princípios, o Tribunal reproduziu, sem as desvirtuar, as passagens pertinentes da decisão controvertida nos n.os 148 a 162 do acórdão recorrido.

235. Nos n.os 163 a 168 do acórdão recorrido, o Tribunal iniciou a análise da vantagem selectiva, apresentando a argumentação defendida principalmente pelo Governo de Gibraltar, segundo a qual o conjunto dos elementos referidos da reforma fiscal constituía um sistema fiscal completo que devia ser tratado como o regime fiscal comum ou «normal», introduzido pela reforma fiscal no território de Gibraltar. No âmbito deste regime, não havia taxas «normais» de imposto e não havia impostos «principais» e impostos «secundários» ou «derrogatórios». A carga fiscal de uma sociedade durante um dado ano era determinada em função dos dois elementos interligados: o número de trabalhadores empregados e a superfície fundiária ocupada pela sociedade, por um lado, e os lucros realizados por esta, por outro.

236. Foi perante esta observação que o Tribunal censurou à Comissão, no n.° 170 do acórdão recorrido, o facto de não ter cumprido o seu dever de identificar previamente o regime comum ou «normal» do sistema fiscal notificado e, sendo caso disso, de pôr em causa a qualificação feita pelas autoridades de Gibraltar.

237. Na medida em que o Tribunal, com justeza, se dedicou sobretudo a refutar o método ad hoc da Comissão, considero que não cometeu qualquer erro de direito ao abster‑se de analisar os aspectos considerados selectivos pela Comissão.

238. Uma vez que considerou errada a própria metodologia adoptada pela Comissão na decisão controvertida, o Tribunal podia limitar‑se a constatar, como resulta do n.° 187 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha demonstrado a existência de vantagens selectivas decorrentes dos três aspectos controvertidos da reforma fiscal.

239. Além disso, o argumento do Reino de Espanha relativo à «selectividade de facto» do regime fiscal em causa não poderia ter sucesso, uma vez que separa o conceito de auxílio fiscal da atribuição de uma vantagem, o que, pelas razões anteriormente expostas, está excluído na ausência de uma determinação prévia de um sistema que constitua um quadro de referência. Além disso, sob o prisma dos seus efeitos económicos, o regime de Gibraltar parece antes ter por objecto a atribuição de «desvantagens selectivas», uma vez que menos de 1% das sociedades são efectivamente tributadas.

240. Por conseguinte, proponho que a sexta parte do fundamento único da Comissão e o oitavo fundamento do recurso do Reino de Espanha sejam julgados improcedentes.

X –    Quanto à violação do prazo razoável e à não suspensão do processo no Tribunal de Primeira Instância (134)

A –    Argumentação

241. Com o seu décimo fundamento, o Reino de Espanha invoca a violação do direito que qualquer pessoa tem a que o seu recurso seja decidido num prazo razoável e, em particular, do direito a um processo num prazo razoável, consagrado no artigo 6.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»). Com efeito, o acórdão foi proferido 54 meses após o recurso ter sido interposto no Tribunal, quando devia ter sido objecto de um tratamento prioritário. Esta circunstância teve uma incidência sobre o litígio, dado que a duração excessiva do processo permitiu que o Tribunal de Justiça proferisse o seu acórdão no processo Açores num momento em que o Tribunal de Primeira Instância já se devia ter pronunciado.

242. O décimo primeiro fundamento do recurso do Reino de Espanha baseia‑se na violação do artigo 77.°, alíneas a) e d), do Regulamento de Processo do Tribunal, na medida em que este último não ordenou formalmente a suspensão do processo depois de ter ouvido as partes, em vez de «o deixar adormecido». Com efeito, o Tribunal, ao não tratar o processo sem, no entanto, decidir uma suspensão formal, privou as partes da faculdade proporcionada pelo artigo 78.° do Regulamento de Processo de invocar o seu ponto de vista antes de o Tribunal de Primeira Instância proceder à suspensão do processo.

B –    Apreciação

243. Antes de mais, gostaria de precisar o alcance do artigo 6.° da CEDH para, em seguida, me pronunciar sobre uma eventual violação do direito a que o recurso seja dirimido num prazo razoável no âmbito do processo jurisdicional perante o Tribunal de Primeira Instância.

244. No que respeita à irregularidade invocada no décimo fundamento, o Tribunal de Justiça já decidiu que o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH prevê que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela (135).

245. No entanto, impõe‑se observar que, no presente caso, o fundamento relativo à violação do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH é invocado pelo Governo de um Estado‑Membro. Ora, considero que um sujeito de direito público, no exercício das suas prerrogativas e gozando do estatuto de Estado co‑contratante, não pode invocar directamente as disposições da CEDH a seu respeito.

246. No sistema da protecção dos Direitos do Homem, o artigo 34.° da CEDH exclui a admissibilidade das petições de organismos públicos defendendo os seus direitos humanos (136). Além disso, considero que resulta do artigo 1.° da CEDH que os Estados são os garantes dos direitos enumerados na convenção, e não os beneficiários directos das suas disposições. Não encontram nela a fonte da sua protecção mas a das suas obrigações.

247. Em minha opinião, este raciocínio é igualmente válido, mutatis mutandis, em relação à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (137). Com efeito, a União, tal como os Estados‑Membros, estão vinculados pela Carta, o que exclui que gozem dos direitos garantidos pela mesma.

248. Esta constatação de princípio não exclui que uma disposição da Carta possa reflectir um princípio geral do direito que protege igualmente os Estados‑Membros. No entanto, dum ponto de vista conceptual, é importante preservar a distinção entre, por um lado, os sujeitos que estão vinculados pelos direitos fundamentais, a saber, os sujeitos passivos, e, por outro, os que deles beneficiam, a saber, os sujeitos activos, isto é, as pessoas singulares e colectivas, com excepção das entidades públicas que exercem poderes públicos.

249. O princípio geral do direito da União segundo o qual todas as pessoas têm direito a um processo equitativo, que se inspira nestes direitos fundamentais, designadamente no direito a um processo num prazo razoável, é aplicável num recurso judicial (138). Com efeito, o princípio de protecção jurisdicional efectiva constitui um princípio geral do direito da União, que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado pelos artigos 6.° e 13.° da CEDH (139) e que foi igualmente reafirmado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

250. Verifica‑se, assim, que os direitos inerentes à protecção jurisdicional efectiva, designadamente, o direito a um processo equitativo, o respeito dos direitos da defesa e o direito a ser ouvido, podem utilmente ser invocados por sujeitos de direito como os Estados‑Membros em processos judiciais (140).

251. No acórdão Der Grüne Punkt – Duales System Deutschland/Comissão (141), o Tribunal de Justiça afirmou que resulta do artigo 58°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e da jurisprudência que o Tribunal de Justiça tem competência para fiscalizar se o Tribunal de Primeira Instância cometeu irregularidades processuais que prejudiquem os interesses da recorrente e deve assegurar‑se de que foram respeitados os princípios gerais de direito da União (142). Cumpre, no entanto, recordar que o carácter razoável do prazo do processo deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, tais como a complexidade do litígio e o comportamento das partes (143).

252. A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que a lista desses critérios não é exaustiva e que a apreciação do carácter razoável do prazo não exige uma análise sistemática das circunstâncias da causa à luz de cada um deles, quando a duração do processo se revela justificada à luz de apenas um. Assim, a verificação da complexidade de um processo ou de um comportamento dilatório do demandante pode justificar um prazo à primeira vista demasiado longo (144).

253. No presente caso, a duração do processo teve como ponto de partida a entrada, na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, dos pedidos de anulação do Governo de Gibraltar e Governo do Reino Unido, em 9 de Junho de 2004. O processo terminou em 18 de Dezembro de 2008, data em que o acórdão recorrido foi proferido. O processo no Tribunal de Primeira Instância durou, pois, cerca de quatro anos e seis meses.

254. Não me parece, pois, que a duração do processo possa ser qualificada como especialmente longa para um processo com um tal grau de complexidade e de importância. Além disso, a argumentação do Reino de Espanha não me parece convincente no que respeita às consequências da referida duração sobre o desfecho do litígio. Pelo contrário, em minha opinião, a complexidade e os desafios do processo que foi submetido ao Tribunal militam a favor de uma justificação da duração do processo.

255. Assim, entendo que, no presente caso, não se pode verificar a existência de uma violação do princípio geral de direito da União relativo ao direito a um processo equitativo num prazo razoável.

256. Finalmente, no que respeita ao décimo primeiro fundamento, considero que não pode ser invocada qualquer violação dos direitos das partes no processo. Com efeito, tal teria acontecido se o Tribunal tivesse suspendido a instância sem antes ter ouvido as partes. Ora, o facto de não recorrer à aplicação do artigo 78.° do Regulamento de Processo não implica qualquer violação de uma regra processual que constitua um erro de direito submetido à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso.

XI – Conclusão

257. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que:

–        declare inadmissível o fundamento do Reino de Espanha fundado na violação dos artigos 5.° CE e 307.° CE;

–        negue provimento aos recursos da Comissão, no processo C‑106/09, e do Reino de Espanha, no processo C‑107/09 quanto ao restante;

–        condene cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.


1 – Língua original: francês.


2 – JO 2005, L 85, p. 1 (a seguir «decisão controvertida»).


3 – Uma vez que o acórdão recorrido foi proferido em 18 de Dezembro de 2008, as referências às disposições do Tratado seguem a numeração aplicável antes da entrada em vigor do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


4 – Por este conceito de sistema «intrinsecamente discriminatório», a Comissão entende um regime fiscal que, pela sua própria estrutura, atribua uma vantagem a uma ou várias categorias de empresas através de uma selecção de critérios a aplicar no sistema de tributação alegadamente «normal».


5 – Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (JO L 384, pp. 3 a 9, a seguir «comunicação de 1998»).


6 – Se admito que, de acordo com a jurisprudência, a qualificação de uma medida estatal na perspectiva do artigo 87.° CE deve fundar‑se nos seus efeitos económicos sobre a concorrência sem que o número significativo de empresas susceptível de beneficiar da medida possa pôr em causa a sua natureza selectiva (v. acórdão de 3 de Março de 2005, Heiser, C‑172/03, Colect., p. I‑1627, n.° 42), não é menos verdade que, se os efeitos económicos são determinantes, uma medida que abrange a quase totalidade das empresas não me parece que possa ser qualificada como vantagem selectiva.


7 – Cabe notar que, antes desta notificação, em 11 de Julho de 2001, a Comissão tinha decidido iniciar o procedimento formal de exame, ao abrigo do artigo 88.°, n.° 2, CE, de duas regulamentações aplicadas em Gibraltar, relativas ao imposto sobre as sociedades e incidindo, respectivamente, sobre as «empresas isentas» (JO 2002 C 26, p. 13) e as «empresas elegíveis» (JO 2002, C 26, p. 9). Por acórdão de 30 de Abril de 2002, Government of Gibraltar/Comissão (T‑195/01 e T‑207/01, Colect., p. II‑2309), o Tribunal, por um lado, anulou a decisão que dava início ao procedimento formal de exame sobre as sociedades isentas e, por outro, negou provimento ao pedido de anulação da decisão que dava início ao procedimento sobre as sociedades elegíveis. Em 27 de Abril de 2002, o Governo de Gibraltar anunciou a sua intenção de criar um regime fiscal inteiramente novo para todas as sociedades de Gibraltar. Esta reforma do imposto sobre as sociedades pelo Governo de Gibraltar é o objecto do presente processo.


8 – A legislação relativa à reforma fiscal é aplicada pelo Governo de Gibraltar depois de ter sido adoptada pela House of Assembly. Cabe referir, a título adicional, que, em conformidade com as observações do Governo de Gibraltar, em Junho de 2009, o Chief Minister de Gibraltar anunciou que a reforma não entraria em vigor, mas que um novo sistema de imposto sobre as sociedades entraria em vigor em 2010.


9 – Primeiro a sétimo e nono fundamentos do recurso do Reino de Espanha.


10 – Acórdão de 8 de Julho de 1999, Chemie Linz/Comissão (C‑245/92 P, Colect., p. I‑4643).


11 – Acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão (C‑390/95 P, Colect., p. I‑769, n.os 21 e 22).


12 – V., nomeadamente, acórdãos de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.os 34 e 35), e de 30 de Setembro de 2003, Eurocoton e o./Conselho (C‑76/01 P, Colect., p. I‑10091, n.os 46 e 47). V., também, acórdãos de 19 de Janeiro de 2006, Comunità montana della Valnerina/Comissão (C‑240/03 P, Colect., p. I‑731, n.os 105 e 106), e de 14 de Outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).


13 – V., designadamente, acórdãos de 16 de Maio de 2002, ARAP e o./Comissão (C‑321/99 P, Colect., p. I‑4287, n.° 49); British Aggregates/Comissão, já referido (n.os 121 e segs.); acórdão C‑280/08 P, Deutsche Telekom/Comissão, já referido na nota 10 (n.° 25). V., igualmente, acórdão Comunità montana della Valnerina/Comissão, já referido na nota 10 (n.° 107), e, ex multis, despachos de 11 de Novembro de 2003, Martinez/Parlamento (C‑488/01 P, Colect., p. I‑13355, n.° 39), e de 13 de Julho de 2006, Front national e o./Parlamento e Conselho (C‑338/05 P, Colect., p. I‑88, n.° 23).


14 – Acórdão de 30 de Setembro de 1982, Amylum/Conselho (108/81, Recueil, p. 3107, n.° 25).


15 – Acórdão de 20 de Fevereiro de 2007, Comissão/Daffix (C‑166/95 P, Colect., p. I‑983, n.° 24).


16 – Acórdão de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.os 369 a 379).


17 – Por conseguinte, os elementos de jurisprudência relativos aos recursos indirectos, como os pedidos de decisões prejudiciais, não se mostram nada decisivos (v. acórdãos de 25 de Outubro de 2001, Ambulanz Glöckner, C‑475/99, Colect., p. I‑8089, n.° 10; de 2 de Junho de 2005, Dörr e Ünal, C‑136/03, Colect., p. I‑4759, n.° 46; de 22 de Junho de 2006, Conseil général de la Vienne, C‑419/04, Colect., p. I‑5645, n.° 24, e de 14 de Fevereiro de 2008, Dynamic medien, C‑244/06, n.° 19).


18 – Processo 1/58 e processos apensos 36/59 a 38/59 e 40/59.


19 – V., no domínio do direito das marcas, acórdãos do Tribunal Geral, de 9 de Dezembro de 2010, Tresplain Investments/IHMI–Hoo Hing (Golden Elephant Brand) (T‑303/08, ainda não publicado na Colectânea); de 14 de Maio de 2009, Fiorucci/IHMI–Edwin (ELIO FIORUCCI) (T‑165/06, Colect., p. II‑1375). Este acórdão foi objecto do recurso Edwin‑IHMI (C‑263/09 P), v. conclusões da advogada‑geral J. Kokott, de 27 de Janeiro de 2011, neste processo (n.os 49 a 78). V., no domínio da contratação pública, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 2009, Evropaïki Dynamiki/BCE (T‑279/06, Colect., 2009 p. II‑99). Este despacho foi objecto do recurso Evropaïki Dynamiki/BCE (C‑401/09 P), v. conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi, de 27 de Janeiro de 2011, neste processo (n.os 66 a 76). V., igualmente, ainda recentemente, no domínio da cláusula compromissória; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Junho de 2009, ArchiMEDES/Comissão (T‑396/05 e T‑397/05, Colect., p. II‑70) e acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 2010, ArchiMEDES/Comissão (C‑317/09 P, ainda não publicado na Colectânea); acórdãos do Tribunal Geral de 17 de Dezembro de 2010, Comissão/Acentro Turismo (T‑460/08, ainda não publicado na Colectânea) e de 16 de Dezembro de 2010, Systran e Systran Luxembourg/Comissão (T‑19/07, ainda não publicado na Colectânea). V. nota n.° 10, Clause compromissoire, Europe, Janeiro de 2011, p. 19.


20 – Assinalo que a diferença principal entre o primeiro e o segundo exemplos assentam na força de caso julgado que, em minha opinião, o acórdão do Tribunal assume na primeira hipótese. Na segunda hipótese, o acórdão dispõe de uma autoridade considerável quanto aos factos, mas não estabelece de forma definitiva as conclusões jurídicas que decorrem dos factos juridicamente pertinentes do processo, em conformidade com uma disposição de direito nacional.


21 – V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 21 de Abril de 2004, M/Tribunal de Justiça (T‑172/01, Colect., p. II‑1075), e acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2005, Gaki‑Kakouri/ Tribunal de Justiça (C‑243/04 P). V., igualmente, quanto à jurisprudência do Tribunal da Função Pública, acórdão de 14 de Outubro de 2010, W/Comissão (F‑86/09, ainda não publicado na Colectânea) sobre a análise do conceito de acesso ao casamento civil e as implicações das disposições da ordem jurídica de um Estado terceiro. No domínio dos auxílios de Estado, v., designadamente, acórdão do Tribunal Geral de 3 de Março de 2010, Bundesverband deutscher Banken/Comissão (T‑163/05, ainda não publicado na Colectânea), em que o Tribunal teve que analisar as disposições do direito nacional a fim de determinar a existência de uma desvantagem.


22 – No que respeita ao estatuto de advogado, v. despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Fevereiro de 2005, ET/IHMI ‑ Aparellaje eléctrico (UNEX) (T‑445/04, Colect., p. II‑677, n.os 7 e 9); acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Setembro de 2005, Cargo Partner/IHMI (CARGO PARTNER) (T‑123/04, Colect., p. II‑3979, n.os 20 e 22); despacho do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Setembro de 2004, Alto de Casablanca/IHMI ‑ Bodegas Chivite (VERAMONTE) (T‑14/04, Colect., p.II‑3077, n.° 11); acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 8 de Junho de 2005, Wilfer/IHMI (ROCKBASS) (T‑315/03, Colect., p. II‑1981, n.° 11) e de 3 de Fevereiro de 2010, Enercon/IHMI–Hasbro (ENERCON) (T‑472/07, Colect., p. II‑12, n.os 12 a 15), e despacho do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2009, Hasbro (C‑59/09 P, Colect., p. I‑126).


23 – Por exemplo, no n.° 82 do acórdão de 11 de Setembro de 2008, Unión General de Trabajadores de la Rioja (C‑428/06 a C‑434/06, Colect., p. I‑6747), o Tribunal de Justiça observou que «são as normas aplicáveis tal como são interpretadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais que determinam os limites das competências de uma entidade infra‑estatal e que devem ser tidas em conta para verificar se essa entidade dispõe de autonomia suficiente».


24 – Nos n.os 98 a 100 do acórdão recorrido, o Tribunal procedeu à interpretação das referidas disposições nacionais em conexão com as disposições da Carta das Nações Unidas. Não compete ao juiz comunitário, no âmbito da competência exclusiva prevista no artigo 220.° CE, fiscalizar a legalidade de tal resolução adoptada por esse órgão internacional. V. acórdão de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colect., p. I‑6351, n.° 287). Além disso, no que respeita à qualificação de Gibraltar como «território ultramarino» em direito constitucional britânico adoptada pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 5 do acórdão recorrido, impõe‑se observar que o Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol utiliza a mesma qualificação. V., a este propósito, «The Question of Gibraltar», Gobierno de España, Ministerio de asuntos exteriores y de cooperación, Madrid 2008, p. 15.


25 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2006, Portugal/Comissão (C‑88/03, Colect., p. I‑7115) (a seguir «acórdão Açores»).


26 – Deve sublinhar‑se que o âmbito geográfico de Gibraltar é objecto de um conflito entre o Reino Unido e o Reino de Espanha, dado que este último não reconhece que o istmo que liga o rochedo de Gibraltar à Península Ibérica pertença ao território cedido à Coroa britânica pelo Reino de Espanha ao abrigo do Tratado de Utrecht, de 1713.


27 – Aquando da criação da Comunidade Económica Europeia, em 1957, o disposto no referido n.° 4 não abrangia qualquer hipótese concreta, selando antes uma forma de petição de princípio, herança do Tratado CECA que continha uma especificação idêntica no seu artigo 79.°, especificação que, em 1951, se destinava a abranger o caso do Sarre. Foi a adesão do Reino Unido às Comunidades que lhe permitiu adquirir um efeito útil. V., a este propósito, Ziller, J., «Champ d’application du droit communautaire», Juris Classeur, ed. 1991, n.° 36.


28 – (JO 1972, L 73, p. 14). Gibraltar beneficia, portanto, de um tratamento derrogatório. V., igualmente, Relatório Especial n.° 2/93 do Tribunal de Contas sobre o território aduaneiro da Comunidade e os regimes comerciais correspondentes acompanhado das respostas da Comissão (JO 1993, C 347). Cumpre sublinhar que, embora não esteja prevista qualquer derrogação explícita no que respeita às regras de concorrência, a exclusão de Gibraltar da união aduaneira implica restrições ratione materiae neste domínio. V., a este respeito, conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo que foi objecto do acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2003, Comissão/Reino Unido (C‑30/01, Colect., p. I‑9481).


29 – V. acórdão de 12 de Setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, Colect., p. I‑7917, n.os 14 a 19).


30 – V. acórdão Espanha/Reino Unido, já referido (n.os 14 a 19).


31 – Lincoln, S., «The Legal Status of Gibraltar, Whose Rock is it anyway ?», Fordham International Law Journal, 1994‑1995, volume 18, n°1‑5, p. 285‑330, p. 319.


32 – No preâmbulo pode ler‑se: «this order […] gives the people of Gibraltar that degree of self‑government which is compatible with British sovereignty of Gibraltar and with the fact that the United Kingdom remains fully responsible for Gibraltar’s external relations».


33 – Os dois outros referendos tiveram lugar em 1967 e em 2002. Observe‑se que a Constituição de 2007 não era aplicável ao caso vertente.


34 – Lombart, L., «Gibraltar et le droit à autodétermination – perspectives actuelles», Annuaire français du droit international, LIII‑2007, p. 157.


35 – Acórdão já referido na nota 25.


36 – Conclusões no processo Açores, já referido na nota 25 (n.° 54).


37 – Acórdão Açores, já referido (n.os 67 e 68).


38 – Acórdão UGT‑Rioja, já referido (n.° 51).


39 – Observe‑se que, nos Estados com uma descentralização simétrica que constitui um modelo da soberania fiscal partilhada, não existe um sistema de referência comum ao nível nacional. Com efeito, num sistema de descentralização simétrica, os poderes são distribuídos de maneira uniforme, sendo disso exemplo um Estado federal. Em contrapartida, a descentralização assimétrica visa um modelo em que existem entidades infra‑estatais que dispõem de poderes autónomos, estando o resto do território do Estado‑Membro sujeito a um regime geral. V. os argumentos apresentados pela Comissão que figuram nos n.os 22 a 24 do acórdão Açores, já referido, bem como a argumentação do Tribunal de Justiça apresentada nos n.os 64 a 65 do mesmo acórdão.


40 – Considero que o conceito de entidade intra‑estatal ou infra‑estatal no contexto dos auxílios de Estado visa os sujeitos do direito público distintos dos Estados soberanos.


41 – Acórdão de 24 de Novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, Colect., p. I‑6019); de 5 de Julho de 1994, Anastasiou e o. (C‑432/92, Colect., p. I‑3087, n.° 43); de 2 de Agosto de 1993, Levy (C‑158/91, Colect., p. I‑4287, n.° 19; de 9 de Agosto de 1994, França/Comissão (C‑327/91, Colect., p. I‑3641, n.° 25). V., igualmente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho (T‑115/94, Colect., p. II‑39, n.os 79 e 90 a 93).


42 – Acórdão de 16 de Junho de 1998, Racke (C‑162/96, Colect., p. I‑3655). O princípio do respeito do direito internacional foi recentemente reafirmado no acórdão de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colect., p. I‑6351, n.° 291).


43 – V. acórdão Açores, já referido (n.° 57).


44 – V., neste sentido, designadamente, acórdãos de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C‑136/92 P, Colect., p. I‑1981, n.° 59); de 26 de Outubro de 2006, Koninklijke Coöperatie Cosun/Comissão (C‑68/05 P, Colect., p. I‑10367, n.° 96), e de 12 de Novembro de 2009, SGL Carbon/Comissão (C‑564/08 P, Colect., p. I‑191, n.° 22).


45 – Acórdão de 17 de Setembro de 1959, Société des fonderies de Pont‑à‑Mousson/Alta Autoridade (14/59, Recueil, p. 445, Colect. 1954‑1961, p. 357). V. igualmente, ex multis, acórdãos de 9 de Setembro de 2004, Espanha/Comissão (C‑304/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 31); de 14 de Dezembro de 2004, Swedish Match (C‑210/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 70), e de 14 de Abril de 2005, Bélgica/Comissão (C‑110/03, Colect., p. I‑2801, n.° 71).


46 – Acórdãos Açores, já referido (n.° 67), e UGT‑Rioja, já referido (n.° 51).


47 – Acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 50).


48 – Acórdão de 6 de Abril de 2006, General Motors/Comissão (C‑551/03 P, Colect., p. I‑3173, n.°54).


49 – Acórdão UGT‑Rioja, já referido (n.° 129).


50 – Acórdão UGT‑Rioja, já referido (n.os 53 a 60): «Contrariamente ao que a Comissão sustenta, os n.os 58 e 66 do acórdão Portugal/Comissão, já referido, não instituem nenhuma condição prévia à aplicação dos três critérios especificados no n.° 67 do mesmo acórdão».


51 – V., designadamente, acórdão de 9 de Setembro de 2008, FIAMM e FIAMM Technologies/Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, Colect., p. I‑6513, n.° 90).


52 – Seis das partes do fundamento único do recurso da Comissão e oitavo fundamento do recurso do Reino de Espanha.


53 – Carlos dos Santos, A., «Aides d’État, Code de conduite et concurrence fiscale dans l’Union européenne», Revue internationale de Droit Économique, 2004, pp. 9‑45.


54 – Relatório OCDE – concorrência fiscal prejudicial (n.° 47).


55 – Nos termos do Relatório da OCDE, quatro factores essenciais ajudam a identificar os regimes fiscais prejudiciais: (a) a taxa de tributação efectiva imposta pelo regime relativo aos rendimentos considerados é frágil ou nula; (b) o regime é «isolado»; (c) o funcionamento do regime não é transparente; (d) o país que aplica este regime não procede a um verdadeiro intercâmbio de informações com os outros países.


56 – Pinto, C., Tax Competition and EU Law, p. 1.


57 – Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social – A política fiscal da União Europeia – prioridades para os próximos anos, COM(2001) 260 final, n.° 2.3.


58 – Comunicação (2001) 260, n.° 2.4. No entanto, aquando das negociações de adesão, a Finlândia assumiu perante os Estados‑Membros o compromisso de não deixar que as Ilhas de Åland se transformassem num paraíso fiscal. V., Kuosmanen, A., Finland’s Journey to the European Union, Maastricht 2001, pp. 262 e 264.


59 – Por ocasião da adopção da Resolução do Conselho e dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho de 1 de Dezembro de 1997 relativa a um código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas (JO 1998, C 2, p. 2, a seguir «código de conduta»), o Conselho reconheceu que uma concorrência leal podia ter efeitos benéficos. Foi por essa razão que o código foi especificamente concebido para só despistar as medidas que falseiam a localização das actividades económicas na Comunidade pelo facto de visarem unicamente os não‑residentes e lhes atribuírem um tratamento fiscal mais favorável do que o que é normalmente aplicável no Estado‑Membro em causa. O código define critérios para inventariar estas medidas potencialmente prejudiciais. Na reunião do Conselho «Ecofin» de 14 de Março de 2008, os ministros das Finanças definiram a «boa governação» no domínio fiscal como sendo fundada nos princípios de transparência, de troca de informações e da concorrência fiscal leal. A Comissão adoptou igualmente em 2008 uma comunicação a este respeito. V. Lambert, Th., «Réflexions sur la concurrence fiscale», Recueil Dalloz, 2010, p. 1733.


60 – Schön, W., «The European Commission Report», European Taxation, 2002.


61 – Conclusões do Conselho «Ecofin» de 1 de Dezembro de 2007, em matéria de política fiscal (JO 1998, C 2, p. 1). O pacote incluía um código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas, uma proposta de directiva relativa à fiscalidade da poupança e uma proposta de directiva relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e de direitos efectuados entre sociedades associadas de Estados‑Membros diferentes.


62 – Resolução do Conselho e dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho de 1 de Dezembro de 1997, relativa a um código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas (JO 1998, C 2, p. 2). Foi por força do código de conduta que a Comissão assumiu o compromisso de publicar as linhas directoras para a aplicação das regras relativas aos auxílios de Estado às medidas relativas à tributação directa. V. Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (JO 1998, C 384, p. 3)


63 – Estas condições são asseguradas no domínio da fiscalidade das empresas quando todos os países aplicam a mesma taxa efectiva marginal de imposto (marginal effective tax rate, METR) para efeitos da tributação da última unidade do investimento transfronteiriço.


64 – Vording, H., «A Level Playing Field for Business Taxation in Europe», European Taxation, Novembro de 1999.


65 – Como observou o Conselho no ponto J do código de conduta, «parte das medidas fiscais abrangidas pelo código é susceptível de cair dentro do âmbito de aplicação do disposto no […] Tratado sobre auxílios estatais».


66 – Carlos dos Santos, A., «Aides d’État, Code de conduite et concurrence fiscale», op. cit., p. 29.


67 – V. Carlos dos Santos, A., L’Union européenne et la régulation de la concurrence fiscale, Bruxelas, 2009, p. 428.


68 – V., a propósito das diferenças e pontos comuns entre o regime do código de conduta e o dos auxílios de Estado, Carlos dos Santos, A., «Aides d’État, code de conduite et concurrence fiscale», op. cit., pp. 30 e segs.


69 – Primeira parte do fundamento único da Comissão.


70 – V., designadamente, acórdãos de 7 de Setembro de 2004, Manninen (C‑319/02, Colect., p. I‑7477, n.° 19); de 6 de Março de 2007, Meilicke e o. (C‑292/04, Colect., p. I‑1835, n.° 19); de 24 de Maio de 2007, Holböck (C‑157/05, Colect., p. I‑4051, n.° 21), e de 11 de Outubro de 2007, ELISA (C‑451/05, Colect., p. I‑8251, n.° 68). V., igualmente, acórdãos de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C‑397/98 e C‑410/98, Colect., p. I‑1727, n.° 37); de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer (C‑446/03, Colect., p. I‑10837, n.° 29); de 12 de Setembro de 2006 (Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C‑196/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 40), e de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (C‑524/04, Colect., p. I‑2107, n.° 25).


71 – V., na doutrina, Schön, W., «Taxation and State aid Law in the European Union», CMLR, 36(1999), p. 911; O’Brien, M., «Company taxation, State aid and fundamental freedoms», ELRev, 2005, p. 209, e Quigley, C., European State Aid Law, 2009, p. 65.


72A contrario, quando as autoridades dispõem de um poder discricionário, trata‑se de medidas «específicas». V. acórdão de 26 de Setembro de 1996, França/Comissão (C‑241/94, Colect., p. I‑4551).


73 – A doutrina salientou a reticência da Comissão em aplicar o código às medidas fiscais gerais clássicas, como no caso da Irlanda, que introduziu uma taxa de tributação de 12,5%, claramente inferior à dos outros Estados‑Membros, mas que, no entanto, não parece entrar no âmbito de aplicação do código, excepto se se demonstrar o seu carácter prejudicial. V. Carlos dos Santos, A., «Aides d’État, Code de conduite et concurrence fiscale», op. cit., p. 35.


74 – V. Carlos dos Santos, A., L’Union européenne et la régulation de la concurrence fiscale,op. cit., p. 501.


75 – Acórdão de 12 de Julho de 1973, Comissão/Alemanha (70/72, Colect., p. 309). V., igualmente, Nicolaides, Ph., «Fiscal Aid in the EC, A Critical Review of Current Practice», World Competition, 24(3) 2001, pp. 319‑342.


76 – Acórdãos de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão (C‑66/02, Colect., p. I‑10901, n.° 10); de 15 Dezembro de 2005, Unicredito Italiano (C‑148/04, Colect., p. I‑11137, n.° 49); de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o. (C‑222/04, Colect., p. I‑289, n.° 135). Esta definição adoptada pela jurisprudência parece‑me demasiado vasta dado que, de maneira geral, as medidas fiscais não se aplicam a todas as empresas, mas apenas ás que preenchem certas condições. Assim, por exemplo, uma reforma da fiscalidade das sociedades de capitais não poderia ser qualificada como medida não geral pelo simples facto de não beneficiar as sociedades pessoais ou empresários individuais. V. Schön, W., Die «Auswirkungen des gemeinschaftsrechtlichen Beihilferechts auf das Steuerrecht», Österreichischer Juristentag (Hrsg.): Verhandlungen des Siebzehnten Österreichischen Juristentages Wien 2009, IV/2 Steuerrecht, Wien, Manzsche Verlags‑ und Universitätsbuchhandlung, 2010, p. 21 a 46.


77 – Waelbroeck D., «La condition de sélectivité de la mesure», Aides d’État, 2005, p. 90.


78 – «Les aides d’État sous forme fiscale», Revue de droit fiscal, n.° 48, 2008. Além disso cabe sublinhar que, na audiência, o agente da Comissão afirmou que, em matéria de fiscalidade directa, os Estados‑Membros deviam prosseguir uma política de neutralidade fiscal.


79 – V. Nicolaides, Ph., «Fiscal Aid in the EC», op. cit., pp. 332 a 333. Segundo o autor, dum ponto de vista económico, nenhuma medida fiscal estadual é neutra dado que modifica as condições do comportamento económico dos operadores no mercado. Além disso, os efeitos de uma medida fiscal dependem das circunstâncias particulares específicas dos indivíduos e das empresas. Daí resulta que qualquer sistema de fiscalidade directa se baseia necessariamente em escolhas políticas discricionárias que têm efeitos económicos diferentes para empresas diferentes. V., igualmente, Carlos dos Santos, A., L’Union européenne et la régulation de la concurrence fiscale, op. cit., p. 47, nota de rodapé n.° 100.


80 – Refira‑se que, excepto se o sistema for completamente uniforme, uma diferença de tratamento entre empresas com critérios distintos dos sectoriais ou regionais pode, todavia, dar lugar à violação de outras disposições do Tratado. V. acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França (270/83, Recueil, p. 273).


81 – Merola, M., Capelletti, L., «Une analyse des derniers développements en matière d’aides d’États fiscales», Fiscalité européenne, Bruylant, p. 87.


82 – V., designadamente, acórdão de 23 de Março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, Colect., p. I‑2843, n.os 38, 39 e jurisprudência referida). V., igualmente, acórdão de 17 de Novembro de 2009, Presidente del Consiglio dei Ministri (C‑169/08, Colect., p. I‑10821, n.° 52).


83 – Acórdãos de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España (C‑387/92, Colect., p. I‑877, n.° 13); de 29 de Junho de 1999, DM Transport (C‑256/97, Colect., p. I‑3913, n.° 19); de 14 de Setembro de 2004, Espanha/Comissão (C‑276/02, Colect., p. I‑8091, n.° 24); de 8 de Novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, Colect., p. I‑8365, n.° 38), e de 15 de Junho de 2006, Air Liquide Industries Belgium (C‑393/04 e C‑41/05, Colect., p. I‑5293, n.° 29).


84 – Sobre a pertinência da observação da vantagem no exame da selectividade: v., acórdãos de 8 de Novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, já referido (n.° 41); de 13 de Fevereiro de 2003, Espanha/Comissão (C‑409/00, Colect., p. I‑1487, n.° 47); Açores, já referido, n.° 54‑56; UGT‑Rioja e o., já referido (n.° 46); e de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, já referido (n.° 82).


85 – Nicolaides, Ph., «Fiscal Aid in the EC», p. 325.


86 – V., igualmente, Carlos dos Santos, A., L’Union européenne et la régulation, op. cit., p. 506.


87 – O exame do critério da selectividade é distinto do exame da vantagem ainda que, segundo a jurisprudência, «a fim de apreciar a selectividade, cumpre examinar se, no âmbito de um determinado regime jurídico, uma medida constitui uma vantagem para certas empresas em relação a outras» (v. acórdão British Aggregates/Comissão, já referido, n.° 82). Como resulta do n.° 12 da comunicação da Comissão de 1998, a possibilidade de justificar a natureza selectiva com base na natureza geral do regime faz parte da apreciação da selectividade.


88 – Isto é pertinente, em especial, na perspectiva de um reembolso eventual de um auxílio que se presume ilegal.


89 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Dezembro de 1998, Ecotrade (C‑200/97, Colect., p. I‑7907, n.° 43), e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Junho de 2000, EPAC/Comissão (T‑204/97 e T‑270/97, Colect., p. II‑2267, n.° 80).


90 – V. Comunicação da Comissão relativa à aplicação dos artigos 87.° e 88.° do Tratado CE aos auxílios estatais sob forma de garantias (JO 2000, C 71, p. 14). Segundo a Comissão, uma garantia do Estado apresenta a vantagem de fazer suportar pelo Estado o risco associado à garantia que normalmente devia ser remunerada. Quando o Estado renuncia à remuneração, existe simultaneamente um benefício para a empresa e uma utilização de recursos do Estado. V. n.° 2.1.2. da Comunicação.


91 – Acórdão de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑288/96, Colect., p. I‑8237, n.os 30 e segs.).


92 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Maio de 2010, França/Comissão (T‑425/04, T‑444/04, T‑450/04 e T‑456/04, ainda não publicado na Colectânea). No entanto, as declarações devem ser suficientemente claras, precisas e firmes para manifestar a existência de um compromisso credível do Estado. Cumpre notar que o acórdão França/Comissão, já referido, foi objecto de um recurso registado com o n.° de processo C‑399/10 P.


93 – Acórdão de 22 de Junho de 2006 (C‑182/03 e C‑217/03, Colect., p. I‑5479, n.° 95).


94 – No que respeita à tributação das pessoas singulares, a mesma constatação é válida para as jurisdições fiscais que apreciam a tributação sobre a fortuna dos contribuintes mais afortunados. Não é possível considerar que os contribuintes não tributáveis em razão do limite fixado beneficiam de alguma vantagem.


95 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão (T‑67/94, Colect., p. II‑1). V., igualmente, as minhas conclusões nos processos apensos C‑78/08 a C‑80/08, Paint Graphos e o.


96 – De resto, como já assinalei anteriormente, é provável que o regime em causa nunca entre em vigor.


97 – Cumpre referir que, no seu relatório sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas [C (2004)434], a Comissão indicou que é perfeitamente possível que uma medida qualificada como prejudicial na perspectiva do código de conduta não seja abrangida pelo conceito de auxílio (v. n.° 66 do referido relatório).


98 – Na audiência, o representante do Governo de Gibraltar confirmou que uma grande parte das empresas registadas em Gibraltar se limitar a deter activos representando residências secundárias, iates ou barcos. Uma vez que não existe actividade comercial nem lucros, não são contribuintes, seja qual for o regime fiscal adoptado. Assim, a sua situação não é abrangida pelo direito da concorrência.


99 – No entanto, convém reconhecer ao mesmo tempo que um território de cerca de 5 km2, com uma população de cerca de 27 500 pessoas não dispõe de quaisquer opções no que respeita à sua estratégia de desenvolvimento económico.


100 – Acórdão Açores, já referido (n.° 54).


101 – Acórdão Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, já referido.


102 – Acórdão UGT‑Rioja, já referido.


103 – As medidas podem, todavia, mostrar‑se igualmente selectivas sem estarem formalmente limitadas a certos sectores – v. Decisão da Comissão, de 17 de Fevereiro de 2003, relativa ao regime dos centros de coordenação belgas (JO L 282, p. 25). Segundo a jurisprudência, nem o número elevado das empresas beneficiárias nem a diversificação e a importância de sectores industriais a que pertencem estas empresas garante o carácter geral de uma medida. V., a este respeito, Rossi‑Maccanico, P., «Community Review of direct Business Tax Measures», EStAL, 4/2009, p. 497. A doutrina salienta que um sistema que se aplica à quase totalidade dos operadores não pode ser considerado selectivo. V. Schön, W., «Auswirkungen des gemeinschaftsrechtlichen Beihilferechts auf das Steuerrecht», op. cit., p. 29.


104 – Para mais considerações sobre a selectividade, v., ex multis, Waelbroeck D., «La condition de sélectivité de la mesure», op. cit.


105 – Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo que deu lugar ao acórdão British Aggregates/Comissão, já referido, n.° 82.


106 – V. Rossi‑Maccanico, P., «Community Review of direct Business Tax Measures», op. cit., p. 497


107 – Neste sentido, acórdão de 17 de Março de1993, Sloman Neptun (C‑72/91 e C‑73/91, Colect., p. I‑887, n.° 21). V. acórdão de 13 de Fevereiro de 2003, Espanha/Comissão (C‑409/00, Colect., p. I‑1487, n.° 52). Uma parte da doutrina sugeriu mesmo que não pode existir vantagem, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, quando a medida decorre da economia geral do sistema. V., neste sentido, Schön, W, «Auswirkungen des gemeinschaftsrechtlichen Beihilferechts auf das Steuerrecht», op. cit.


108 – Conclusões no processo C‑72/91, Sloman Neptun, ja referido (n.° 50).


109 – Sobre a posição da OCDE, v. First Survey on State Aids in the European Community, Commission of the European Communities, Luxembourg, Office of Official Publications, 1989, p. 6 a 8 e 13: «tax expenditure is usually defined as a departure from the generally accepted or benchmark tax structure, which produces a favourable tax treatment of particular types of activities or groups of payers».


110 – Comunicação de 1998, n.° 16.


111– Bacon, «State Aids and General Measures», YEL, 1997, Vol. 17 (ed. Barav and Wyatt) Clarendon Press, Oxford, pp. 269‑321; Schön, W., «Taxation and State aid Law in the European Union», op. cit., pp. 911‑936.


112 – Schön, W., «Taxation and State aid Law in the European Union», op. cit., pp.911‑936.


113 – Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Itália/Comissão (acórdão de 19 de Maio de 1999, C‑6/97, Colect., p. I‑2981, n.° 27).


114 – Conclusões do advogado‑geral A. La Pergola, processo C‑75/97 (acórdão de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, «Maribel», Colect., p. I‑3671).


115 – Nicolaides, Ph., «Fiscal Aid in the EC. A Critical Review of Current Practice», op. cit., pp. 319‑342.


116 – V. Bousin, J., e Piernas, J., «Developments in the Notion of Selectivity», EStAL, 4/2008, pp. 634 e segs.


117 – V. igualmente, a este respeito: Aldestam, M., EC State aid rules applied to taxes, Uppsala, 2005, p. 182.


118 – Segunda e terceira partes do fundamento único do recurso da Comissão.


119 – A Comissão refere‑se aos n.os 170 a 174, bem como aos n.os 143 a 146 do acórdão recorrido.


120 – V., designadamente, acórdão British Aggregates/Comissão, já referido.


121 – A Comissão refere‑se aos n.os 145 a 146, bem como aos n.os 171 a 174 do acórdão recorrido.


122 – V., designadamente, acórdãos de 11 de Setembro de 2008, Alemanha/Kronofrance (C‑75/05 P e C‑80/05 P, Colect., p. I‑6619, n.° 60), e de 2 de Dezembro de 2010, Holland Malt/Comissão (C‑464/09 P, ainda não publicado na Colectânea , n.° 46).


123 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri (C‑189/02 P, Colect., p. I‑5425, n.os 211 a 213). V., igualmente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang (T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 77). No domínio dos auxílios de Estado, v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 2003, Espanha/Comissão (C‑409/00, Colect., p. I‑1487, n.° 95); de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão (C‑91/01, Colect., p. I‑4355, n.° 45), e de 26 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão (C‑351/98, Colect., p. I‑8031, n.° 53). V., igualmente, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Technische Glaswerke (T‑198/01, Colect., p. II‑2717, n.° 149); de 18 de Novembro de 2004, Ferriere Nord (T‑176/01, Colect., p. II‑3931, n.° 134), e de 14 de Outubro de 2004, Pollmeier Malchow (T‑137/02, Colect., p. II‑3541, n.° 54).


124 – Acórdãos de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑288/96, Colect., p. I‑8237, n.° 62), Alemanha e o./Kronofrance, já referido (n.° 61), e Holland Malt/Comissão, já referido (n.° 47).


125 – Esta posição foi, por vezes, proposta na doutrina. O argumento decisivo para a sua rejeição é o da sua incompatibilidade com a repartição de competências entre os Estados‑Membros e a União no domínio da fiscalidade directa. V. Carlos dos Santos, A., L’Union européenne et la régulation,op. cit., pp. 505 a 508 e 522 a 528.


126 – Acórdão British Aggrgates/Comissão, já referido (n.os 84, 85 e jurisprudência aí referida).


127 – Quarta e quinta partes do fundamento único da Comissão


128 – A Comissão refere‑se aos n.os 175 a 183 do acórdão recorrido.


129 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2006, JCB Service/Comissão (C‑167/04 P, Colect., p. I‑8935, n.° 107 e jurisprudência aí referida), e de 10 de Maio de 2007, SGL Carbon/ Comissão (C‑328/05 P, Colect., p. I‑3921, n.° 41 e jurisprudência aí referida).


130 – V., designadamente, acórdãos já referidos, JCB Service/Comissão (n.° 106 e jurisprudência aí referida), e SGL Carbon/Comissão (n.° 41 e jurisprudência aí referida).


131 – Acórdão de 29 de Abril de 2004, Países Baixos/Comissão (C‑159/01, Colect., p. I‑4461, n.° 43).


132 – Acórdão de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão (173/73, Colect., p. 359).


133 – A Comissão refere‑se aos n.os 170 a 174 do acórdão recorrido.


134 – Décimo e décimo primeiro fundamentos do recurso do Reino de Espanha.


135 – Acórdão de 16 de Julho de 2009, Der Grüne Punkt – Duales System Deutschland/Comissão (C‑385/07 P, Colect., p. I‑6155, n.° 177).


136 – V., designadamente, decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a admissibilidade da petição n.° 55346/00 apresentado pelo Ayuntamiento de Mula contra o Reino de Espanha; decisão parcial sobre a admissibilidade da petição n.° 48391/99 e 48392/99, apresentada por Christos Hatzitakis e Municípios de Thermaikos e Mikra contra Grécia.


137 – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1, a seguir «Carta»).


138 – V., neste sentido, acórdãos de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 21), e de 1 de Julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o. (C‑341/06 P e C‑342/06 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45).


139 – Acórdãos de 15 de Maio de 1986, Johnston (222/84, Colect., p. 1651, n.os 18 e 19); de 15 de Outubro de 1987, Heylens e o. (222/86, Colect., p. 4097, n.° 14); de 27 de Novembro de 2001, Comissão/Áustria (C‑424/99, Colect., p. I‑9285, n.° 45); de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 39), e de 19 de Junho de 2003, Eribrand (C‑467/01, Colect., p. I‑6471, n.° 61).


140 – V., a este respeito, a jurisprudência proferida no âmbito de acções por incumprimento contra os Estados‑Membros, nos termos dos artigos 226.° CE e 228.° CE, e as garantias processuais aplicáveis.


141 – Já referido (n.os 176 a 179).


142 – Acórdãos Baustahlgewebe/Comissão, já referido (n.° 19), e de 15 de Junho de 2000, TEAM/Comissão (C‑13/99 P, Colect., p. I‑4671, n.° 36).


143 – V., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/ Comissão (C‑403/04 P e C‑405/04 P, Colect., p. I‑729, n.° 116 e jurisprudência aí referida), e despacho de 26 de Março de 2009, Efkon/Parlamento e Conselho (C‑146/08 P, n.° 54).


144 – Acórdãos Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido (n.° 188), e de 2 de Outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão (C‑194/99 P, Colect., p. I‑10821, n.° 156).