Language of document : ECLI:EU:C:2012:456

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 12 de julho de 2012 (1)

Processo C‑202/11

Anton Las

contra

PSA Antwerp NV

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo arbeidsrechtbank te Antwerpen (Bélgica)]

«Interpretação do artigo 45.° TFUE — Livre circulação dos trabalhadores — Restrições — Utilização das línguas — Regulamentação que prevê, sob pena de nulidade, a obrigação de as empresas situadas na região de língua neerlandesa do Reino da Bélgica redigirem em língua neerlandesa todos os documentos relativos às relações de trabalho — Contrato de trabalho com caráter internacional — Artigo 4.° TUE — Diversidade linguística — Identidade nacional — Falta de proporcionalidade das medidas em causa»





I —    Introdução

1.        No presente processo, o arbeidsrechtbank te Antwerpen (Tribunal de trabalho de Antuérpia) (Bélgica) pede ao Tribunal de Justiça que decida quanto à questão de saber se as disposições do artigo 45.° TFUE (2) se opõem a uma regulamentação como o Decreto da Comunidade Flamenga do Reino da Bélgica, adotado em 19 de julho de 1973, que regula a utilização das línguas em matéria de relações sociais entre os empregadores e os trabalhadores, bem como em matéria de atos e documentos das empresas, prescritos pela lei e pelos regulamentos (3) (a seguir «decreto flamengo relativo à utilização das línguas»).

2.        Por força desse diploma, quando um empregador tem a sua sede de exploração na região de língua neerlandesa (4), é imposta a utilização dessa língua em todas as «relações sociais» em sentido lato, dado que este conceito parece englobar, para além dos contratos de trabalho, a totalidade dos contactos individuais e coletivos, tanto verbais como escritos, que se estabelecem entre os empregadores e os trabalhadores e que têm uma relação direta ou indireta com o emprego.

3.        Exigências similares figuram mutatis mutandis nas normas de direito do trabalho das outras entidades do Reino da Bélgica e de alguns Estados‑Membros da União Europeia, mas dão lugar a modalidades de aplicação diferentes.

4.        O pedido de decisão prejudicial foi apresentado ao Tribunal de Justiça no âmbito de um litígio, relativo ao pagamento de diversos montantes na sequência de um despedimento, entre A. Las, nacional neerlandês residente nos Países Baixos, mas que exerce as suas atividades assalariadas principalmente na Bélgica, e o seu antigo empregador, PSA Antwerp NV (a seguir «PSA Antwerp»), sociedade com sede na Flandres pertencente a um grupo de dimensão internacional.

5.        Em substância, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que determine se o princípio da livre circulação dos trabalhadores se opõe, pelo facto de constituir um entrave não justificado e/ou desproporcionado a essa liberdade, a que uma regulamentação de um Estado‑Membro imponha, em condições equivalentes às previstas no decreto em causa, a utilização de uma língua definida para a redação de documentos de trabalho, e isso quando as relações de trabalho em causa se inscrevem num contexto transfronteiriço.

6.        O Tribunal de Justiça já fixou alguns marcos essenciais para a resposta ao presente pedido, ao declarar, no acórdão Groener (5), que «[a]s disposições do Tratado CEE não se opõem à adoção de uma política que tenha por fim a defesa e promoção da língua de um Estado‑Membro que é simultaneamente a língua nacional e a primeira língua oficial. Todavia, a execução desta política não deve atentar contra uma liberdade fundamental como a livre circulação dos trabalhadores. Portanto, as exigências resultantes das medidas destinadas a pôr em prática essa política não devem, em caso algum, ser desproporcionadas ao objetivo prosseguido e as condições da sua aplicação não devem implicar discriminação em detrimento dos nacionais de outros Estados‑Membros».

II — Quadro jurídico

7.        O decreto flamengo relativo à utilização das línguas (6), que constitui o objeto do pedido de decisão prejudicial, foi adotado com base no artigo 129.°, § 1.°, n.° 3, da Constituição belga, nos termos do qual «[o]s Parlamentos da Comunidade francesa e da Comunidade flamenga, cada um no que lhe diz respeito, regulam por decreto, com exclusão do legislador federal, a utilização das línguas para: [...] as relações sociais entre os empregadores e o respetivo pessoal, bem como os atos e documentos das empresas impostos pela lei e pelos regulamentos».

8.        O artigo 1.°, primeiro parágrafo, do decreto flamengo relativo à utilização das línguas define o âmbito de aplicação do mesmo nestes termos:

«O presente decreto é aplicável às pessoas singulares e coletivas que tenham uma sede de exploração na região de língua neerlandesa (7). Este regula a utilização das línguas em matéria de relações sociais entre empregadores e trabalhadores, bem como em matéria de atos e documentos das empresas prescritos pela lei. [...]»

9.        O artigo 2.° desse decreto dispõe que «[a] língua a utilizar nas relações sociais entre os empregadores e os trabalhadores, bem como nos atos e documentos das empresas prescritos pela lei é o neerlandês».

10.      O artigo 5.° do referido decreto tem a seguinte redação:

«São redigidos pelo empregador em língua neerlandesa todos os atos e documentos dos empregadores, prescritos por lei, e todos os documentos destinados ao respetivo pessoal.

Todavia, se a composição do pessoal o justificar e a pedido unânime dos delegados dos trabalhadores no conselho de empresa ou, na falta de conselho de empresa, a pedido unânime da delegação sindical ou, na falta de ambos, a pedido de um delegado de uma organização sindical representativa, o empregador deve juntar aos pareceres, comunicações, atos, certidões e formulários destinados ao pessoal, uma tradução numa ou mais línguas.

[...]»

11.      O artigo 10.°, primeiro, segundo e quinto parágrafos, do mesmo decreto prevê, a título de sanções de natureza cível:

«Os documentos ou atos que violem as disposições do presente decreto são nulos. A nulidade é declarada oficiosamente pelo juiz.

O inspetor de trabalho competente, o funcionário da Comissão permanente de controlo linguístico e qualquer pessoa ou associação que possa demonstrar um interesse direto ou indireto podem pedir a declaração de nulidade ao tribunal de trabalho do lugar onde o empregador está sediado.

[...]

A declaração de nulidade não pode causar prejuízo ao trabalhador e não afeta os direitos de terceiros. O empregador responde pelo dano causado ao trabalhador ou a terceiros pelos seus documentos ou atos nulos.

[...]»

III — Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

12.      Com base numa «Letter of Employment» (carta de contratação) redigida em língua inglesa, de 10 de julho de 2004 (a seguir «contrato de trabalho»), A. Las, nacional neerlandês residente nos Países Baixos, foi contratado por tempo indeterminado como diretor financeiro «Chief Financial Officer», pela PSA Antwerp (8), sociedade sediada em Antuérpia (Bélgica), mas pertencente a um grupo multinacional que explora terminais portuários, com sede em Singapura. O contrato de trabalho previa que A. Las exercesse as suas atividades profissionais principalmente na Bélgica, embora também devessem ser realizadas prestações de trabalho a partir dos Países Baixos.

13.      Por carta de 7 de setembro de 2009, redigida em língua inglesa, A. Las foi despedido com efeitos imediatos. Em aplicação do artigo 8.° do referido contrato de trabalho, a PSA Antwerp pagou a A. Las uma indemnização de despedimento equivalente a três meses de salário e uma compensação adicional equivalente a seis meses de salário.

14.      Por carta de 26 de outubro de 2009, o advogado de A. Las defendeu junto da PSA Antwerp que o contrato de trabalho, nomeadamente o seu artigo 8.°, não tinha sido redigido em língua neerlandesa e que, portanto, essa cláusula violava o direito aplicável. Exigiu o pagamento de uma indemnização de despedimento equivalente a 20 meses de salário, a retribuição das férias em atraso, o bónus de 2008 e a retribuição das férias correspondente a este bónus, bem como o pagamento de uma indemnização pelas férias não gozadas.

15.      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, embora o contrato de trabalho em causa contenha uma cláusula que atribui a competência aos tribunais neerlandeses, bem como uma cláusula que prevê a aplicação do direito neerlandês, as partes no litígio no processo principal admitiram que o tribunal de trabalho belga era competente e que era aplicado o direito belga, por força do artigo 6.o, n.os 1 e 2, da Convenção de Roma, de 19 de junho de 1980, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (9). Em contrapartida, as partes não estão de acordo no que diz respeito à língua que deveria ter sido utilizada para a redação do contrato de trabalho e às consequências que daí decorrem.

16.      Em 23 de dezembro de 2009, A. Las propôs uma ação no arbeidsrechtbank te Antwerpen a fim de obter a condenação da PSA Antwerp no pagamento de montantes consideravelmente mais elevados do que os obtidos. Em apoio das suas pretensões, o mesmo invocou, nomeadamente, que o artigo 8.° do seu contrato de trabalho redigido em língua inglesa era nulo, por violação das disposições do decreto flamengo relativo à utilização das línguas que preveem a utilização da língua neerlandesa nas empresas cuja sede de exploração se situe na região de língua neerlandesa do Reino da Bélgica.

17.      A PSA Antwerp respondeu que o referido decreto não pode ser aplicado a situações em que a pessoa em causa faz uso do direito de livre circulação dos trabalhadores, dado que esse texto constituiria um obstáculo a essa liberdade fundamental uma vez que não pode ser justificado por razões imperiosas de interesse geral na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. A PSA Antwerp acrescentou que o contrato de trabalho devia ser respeitado, uma vez que o documento em causa correspondia à vontade das partes expressa numa língua compreensível para as duas partes, a saber, a língua inglesa, tendo precisado que o diretor da referida sociedade que o assinou é um nacional de Singapura, que não domina a língua neerlandesa.

18.      Dando seguimento ao pedido de reenvio prejudicial formulado pela PSA Antwerp e tendo dúvidas quanto ao facto de um motivo de interesse geral obrigar a exigir que o contrato de trabalho seja redigido em língua neerlandesa, numa situação transfronteiriça como a que está em causa, na qual as partes — neste caso, um empregado neerlandófono e um empregador não neerlandófono — manifestamente optaram, devido à importância da função a desempenhar, por redigir um contrato de trabalho numa língua compreendida pelas duas partes, o arbeidsrechtbank te Antwerpen decidiu suspender a instância e, por decisão de reenvio que deu entrada em 28 de abril de 2011, submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O decreto flamengo relativo à utilização das línguas, de 19 de julho de 1973, viola o artigo [45.° TFUE], relativo à livre circulação dos trabalhadores na União Europeia, na medida em que impõe, sob pena de nulidade, a uma empresa situada na região linguística [neerlandesa], no caso de recrutamento de um trabalhador no contexto de relações de emprego de caráter internacional, que redija em língua neerlandesa todos os documentos atinentes à relação de trabalho?»

19.      Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça por A. Las, pela PSA Antwerp, pelos Governos belga e grego, pela Comissão Europeia, bem como pelo Órgão de Fiscalização da EFTA (10).

20.      Na audiência de 17 de abril de 2012, todas essas partes estiveram representadas.

IV — Análise

A —    Considerações preliminares

21.      As partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça discordam quanto à resposta que deve ser dada à questão prejudicial acima referida. A PSA Antwerp e o Órgão de Fiscalização da EFTA consideram que o princípio da livre circulação dos trabalhadores se opõe a uma regulamentação como a que está em causa, enquanto os outros intervenientes, a saber, A. Las, a título subsidiário, os Governos belga e grego, bem como a Comissão, consideram o contrário.

22.      Quanto à aplicabilidade do direito da União no âmbito do presente processo, sublinho que o caráter transfronteiriço da relação de trabalho em causa no processo principal provém de vários elementos: o assalariado em questão é um nacional neerlandês que reside nos Países Baixos, mas que, em virtude de um contrato de trabalho redigido em língua inglesa, exerce as suas prestações de trabalho, tanto na Bélgica como nos Países Baixos, para uma empresa pertencente a um grupo multinacional e cuja sede de exploração se situa na Bélgica, mais precisamente na região de língua neerlandesa.

23.      Uma vez que A. Las fez, assim, uso da liberdade de os cidadãos da União circularem de um Estado‑Membro para outro na qualidade de trabalhador, daí resulta que a sua situação não é «puramente interna», na aceção da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (11), e, portanto, está efetivamente abrangida no âmbito de aplicação das disposições do direito da União cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

24.      Por outro lado, o facto de a livre circulação dos trabalhadores ser aqui invocada, não por ele próprio, mas pelo seu antigo empregador, não torna inaplicável o direito da União, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, como este já realçou, para ser eficaz e útil, o direito de os trabalhadores ser recrutados e de exercer uma atividade, sem discriminação, tem por corolário necessário o direito de os empregadores os contratarem, no respeito das regras relativas à liberdade de circulação de trabalhadores. Caso contrário, os Estados‑Membros facilmente poderiam contornar estas regras, impondo aos empregadores condições de contratação que conduzissem a restringir o exercício dessa liberdade que o trabalhador pode invocar (12).

B —    Quanto à existência de um entrave à livre circulação dos trabalhadores

25.      Em conformidade com jurisprudência assente (13), todas as disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas se opõem a medidas nacionais que possam obstar ou de tornar menos atrativo o uso, pelos cidadãos da União, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado. Em especial, são proibidas as medidas que tornem mais difícil o exercício de uma atividade económica no território de outro Estado‑Membro.

26.      Saliento que não existe qualquer norma de harmonização no direito derivado da União que seja aplicável à utilização das línguas no que diz respeito à redação de documentos de trabalho (14). Em especial, como sublinha a Comissão, a Diretiva 91/533/CEE do Conselho, de 14 de outubro de 1991, relativa à obrigação de o empregador informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato ou à relação de trabalho, não contém quaisquer disposições relativas à língua a utilizar para esse efeito (15).

27.      Nesse aspeto, o presente processo deve ser distinguido de outros processos nos quais o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre entraves resultantes de exigências linguísticas em matéria de livre circulação de pessoas (16). A jurisprudência anterior relativa a restrições dessa natureza que violavam outras liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado não fornece quaisquer indicações que permitam responder facilmente à questão prejudicial submetida no presente processo (17).

28.      Sublinho que, no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio delimitou expressamente o objeto do seu pedido. Com efeito, a questão prejudicial diz respeito à redação de documentos de trabalho e, portanto, unicamente a relações de trabalho escritas, embora a regulamentação em causa pareça regular também as relações de trabalho orais. Além disso, segundo a sua redação, a questão submetida situa‑se no contexto especial de um «emprego de caráter internacional».

29.      Segundo as informações de que disponho, a grande maioria das legislações dos Estados‑Membros não formula quaisquer obrigações quanto à língua a utilizar no quadro das relações de trabalho. Tanto quanto tenho conhecimento, em 17 dos 25 Estados‑Membros (18), não existem quaisquer exigências linguísticas equivalentes à que existe no decreto flamengo relativo à utilização das línguas, mas uma obrigação desse tipo figura em normas em vigor em 8 Estados‑Membros (19).

30.      Ao impor a utilização da língua neerlandesa para todos os atos e documentos relativos à relação de trabalho, tanto aos nacionais belgas como aos nacionais estrangeiros empregados por empresas com sede na região de língua neerlandesa, em minha opinião, o decreto em causa é suscetível de ter um efeito dissuasivo para os trabalhadores e para os empregadores não neerlandófonos, ou seja, geralmente, os provenientes de outros Estados‑Membros diferentes do Reino da Bélgica e do Reino dos Países Baixos.

31.      Considero que existe um entrave linguístico para estes últimos, não apenas no que diz respeito às condições de acesso a uma atividade profissional, mas, igualmente, no que diz respeito às condições de exercício dessa atividade.

32.      Assim, é concebível que um trabalhador que não domine a língua neerlandesa hesite em assinar um contrato redigido nessa língua, por receio de não entender bem aquilo a que se compromete. Logicamente, pode ser dada preferência, pelos recrutadores abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido decreto, a um candidato pelo facto de o mesmo ser neerlandófono, e não em função de outros critérios de contratação que esses recrutadores poderiam ter querido privilegiar se não existisse uma regulamentação desse tipo.

33.      Esta conclusão é válida, apesar do facto de que, no âmbito do litígio no processo principal, A. Las, na prática, não teria sido desfavorecido se o referido decreto tivesse sido respeitado, uma vez que domina a língua neerlandesa, como ele mesmo alega ao reclamar a aplicação da referida regulamentação em seu benefício.

34.      Por efeito de espelho do entrave assim resultante para os trabalhadores, os empregadores originários de outros Estados‑Membros, que têm sede na região de língua neerlandesa do Reino da Bélgica, não podem oferecer condições de emprego isentas das restrições linguísticas criadas pelo decreto em causa. Na prática, os mesmos são incitados a recrutar apenas trabalhadores que compreendam a língua neerlandesa, para os quais a comunicação nessa língua será mais fácil. Além disso, ao contrário das empresas originárias da referida região, os empregadores de dimensão internacional que aí estabelecem a sua sede de exploração devem fazer face a complicações administrativas e a custos de funcionamento adicionais. Com efeito, a língua de trabalho, de administração e de gestão desses empregadores é, frequentemente, numa língua diferente da neerlandesa, pelo que estes são obrigados a substituir os seus formulários habituais de contratos de trabalho e de todos os outros atos ou documentos de trabalho que digam respeito à gestão de pessoal, e a recorrer à ajuda, para esse efeito, de juristas neerlandófonos.

35.      Além disso, no acórdão já referido Comissão/Alemanha, o Tribunal de Justiça admitiu que a obrigação imposta por um Estado‑Membro aos empregadores estrangeiros com trabalhadores ao seu serviço no território nacional de traduzirem para a língua desse Estado‑Membro determinados documentos de trabalho era suscetível de constituir uma restrição à livre prestação de serviços, na medida em que implicava custos e despesas administrativas e financeiras suplementares para as empresas estabelecidas noutro Estado‑Membro (20).

36.      Acrescento que tais empregadores podem ser confrontados com uma insegurança jurídica considerável se, como acontece por força da regulamentação em causa no processo principal, a violação da exigência linguística for sancionada com uma nulidade que altera o equilíbrio das relações contratuais.

37.      A importância das sanções aplicáveis em caso de não observância das regras estabelecidas no decreto flamengo relativo à utilização das línguas (21), ponto ao qual voltarei, pode constituir outro elemento suscetível de obstar ao pleno exercício da liberdade de circulação dos trabalhadores. A esse respeito, resulta da jurisprudência que podem existir sanções que se revistam de uma gravidade tal que produzam um entrave às liberdades fundamentais garantidas no direito primário, cabendo ao tribunal nacional que conhece do processo apreciar a amplitude dessa gravidade (22).

38.      Sendo, deste modo, possível que os empregados e os empregadores não neerlandófonos sejam desencorajados de exercer as referidas liberdades, pelos condicionalismos linguísticos resultantes de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, em meu entender, existe, nesse âmbito, um entrave à livre circulação dos trabalhadores, entrave esse que não é nem aleatório, nem indireto, ao contrário do que defende A. Las. A questão que se coloca, em seguida, é a de saber se tal obstáculo pode, no entanto, ser justificado, em condições conformes com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

39.      Observo, de passagem, embora se trate de uma outra problemática jurídica, que é evidente que não existe discriminação direta no presente processo, dado que a regulamentação em causa é aplicável aos empregadores e aos empregados sem distinção em razão da sua nacionalidade. Em contrapartida, parece‑me que existe uma discriminação indireta na medida em que, a coberto de critérios aparentemente neutros, a barreira linguística relativa à utilização obrigatória do neerlandês torna mais difícil, tanto o acesso ao emprego como as modalidades de exercício de uma atividade profissional na região de língua neerlandesa do Reino da Bélgica, para os nacionais de outros Estados‑Membros, excetuando os provenientes dos Países Baixos. Contudo, tal discriminação indireta é inerente a qualquer exigência relativa ao conhecimento ou à utilização de uma língua e é suscetível de ser justificada com fundamentos análogos aos invocados relativamente a um entrave linguístico. Em consequência, não dedicarei a essa questão qualquer desenvolvimento separado.

C —    Quanto às eventuais justificações do entrave existente

40.      Resulta da jurisprudência que as medidas nacionais que constituem entraves ao exercício efetivo das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado podem, todavia, ser admitidas se prosseguirem um objetivo que se possa incluir na qualificação de razão imperiosa de interesse geral, se forem adequadas a garantir a realização de tal objetivo e se não ultrapassarem o necessário para o atingir (23).

41.      No caso em apreço, a questão que se coloca é a de saber se o obstáculo criado à livre circulação dos trabalhadores garantida pelo artigo 45.° TFUE é devidamente justificado por objetivos legítimos, bem como pela utilização de meios ao mesmo tempo adequados e proporcionados para o atingir. Em meu entender, esse não é o caso, pelas razões que se seguem, precisando, antes de mais, que embora admita a legitimidade, em si mesma, dos três fundamentos invocados na defesa da regulamentação em causa, recuso, pelo contrário, tanto o caráter necessário como o caráter proporcionado dos métodos utilizados para esse fim (24).

1.      Quanto ao caráter inadequado das medidas em causa tendo em conta os objetivos de interesse geral invocados

42.      O decreto flamengo relativo à utilização das línguas não menciona as razões precisas pelas quais o legislador da região linguística em causa previu a utilização exclusiva da língua neerlandesa para todas as relações de trabalho, nas condições definidas nessa regulamentação. O único elemento seguro é que esse decreto tem como base jurídica o artigo 129.°, § 1.°, n.° 3, da Constituição belga, que confere competência exclusiva ao Parlamento da Comunidade Flamenga para regular, no âmbito do território que lhe diz respeito, as modalidades de utilização das línguas nas relações sociais entre os empregadores e o seu pessoal, bem como nos atos e documentos das empresas impostos pela lei e pelos regulamentos, sendo precisado que a mesma competência é fixada paralelamente a favor do Parlamento da Comunidade francesa.

43.      No entanto, segundo as indicações fornecidas pelo Governo belga ao Tribunal de Justiça, podem ser invocados três fundamentos de justificação: um, relativo à proteção dos trabalhadores; outro, relativo ao exercício de uma fiscalização eficaz pelas autoridades administrativas e judiciárias; e o último, relativo à defesa e ao estímulo à utilização da língua oficial de uma entidade regional. Há que examinar se o entrave existente pode ser justificado por algum desses fundamentos, a título de razões imperiosas de interesse geral, na aceção da jurisprudência acima indicada.

a)      Quanto ao fundamento relativo à proteção dos trabalhadores

44.      Em apoio do decreto flamengo relativo à utilização das línguas, o Governo belga invoca preocupações de ordem social, recordando que o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que a proteção dos trabalhadores figura entre os objetivos de interesse geral, suscetíveis de servir de fundamento a uma restrição às liberdades fundamentais (25).

45.      No entanto, a utilização obrigatória e exclusiva da língua neerlandesa só pode, na realidade, proteger os trabalhadores que dominam essa língua de forma suficiente para compreender o significado das informações que o empregador lhes comunique, oralmente ou por escrito, em língua neerlandesa. Em contrapartida, os trabalhadores não neerlandófonos são desfavorecidos em relação aos outros, não apenas quando pretendam aceder a um emprego, cujo exercício, por força do decreto em causa, deverá dar lugar a comunicações em língua neerlandesa, mas também ao longo de toda a duração desse emprego, na hipótese de conseguirem ultrapassar a barreira à contratação. Para estes últimos, pode resultar da referida regulamentação uma incerteza relativamente ao conteúdo preciso dos direitos e dos deveres decorrentes do seu contrato de trabalho e às condições exatas da sua atividade profissional, insegurança essa, ao mesmo tempo jurídica e prática, que os mesmos só podem sanar mediante a assistência de terceiros.

46.      A proteção efetiva de todas as categorias de trabalhadores exigiria antes que o contrato de trabalho fosse acessível numa língua que o empregado compreendesse facilmente, de forma a que o seu consentimento fosse plenamente esclarecido, e não viciado. Recordo que a Diretiva 91/533 prevê que o empregador é obrigado a levar ao conhecimento do trabalhador a que se aplica a diretiva, por escrito, todos os elementos essenciais do contrato ou da relação de trabalho, cuja lista figura no artigo 2.° da referida diretiva. Para que tenha um efeito útil, parece‑me necessário que essa informação, relativa a um mínimo de dados que o trabalhador não deve ignorar, lhe seja transmitida numa língua que o mesmo domine de forma suficiente para entender as implicações da relação de trabalho. Ora, o decreto flamengo relativo à utilização das línguas prevê meios que não são apropriados para atingir esse objetivo, uma vez que não determina que seja verificado se as partes no contrato têm um domínio suficiente da língua neerlandesa para o assinarem com conhecimento de causa.

47.      A Comissão concorda com a posição do Governo belga, argumentando que, no acórdão Everson e Barrass (26), o Tribunal de Justiça teria reconhecido o interesse especial da língua nacional do lugar onde os trabalhadores exercem a sua atividade. É verdade que quando um trabalhador assalariado é chamado a trabalhar em vários Estados‑Membros, o locus laboris corresponde, na maior parte dos casos, ao ambiente social e linguístico que lhes é familiar (27). Contudo, esta regra geral também tem algumas exceções na prática. Em meu entender, o acórdão em causa não significa que seja necessariamente no interesse dos trabalhadores que é exigida a utilização sistemática no contrato de trabalho de uma língua definida, a do seu lugar de atividade principal ou mesmo uma outra. Com efeito, a língua veicular, ou seja uma língua comum ao trabalhador e ao seu empregador que garanta uma comunicação efetiva e equilibrada entre os mesmos, não é forçosamente a língua oficial do lugar onde a atividade profissional é exercida, seja ela nacional ou regional.

48.      Assim, não é, nem adequado, nem necessário à realização do objetivo legítimo prosseguido, impor a utilização exclusiva da língua neerlandesa para assegurar que um empregado de uma empresa cuja sede está situada na região em causa terá realmente um acesso efetivo às informações de que necessita, tanto antes como depois da sua contratação. Em meu entender, uma alternativa pela qual fosse permitido às partes utilizar outras línguas para além da utilização da língua neerlandesa, independentemente de ser imposta, sendo o caso, a tradução para esta última língua, poderia ser mais eficaz para assegurar a salvaguarda dos interesses do trabalhador.

b)      Quanto ao fundamento relativo à eficácia dos controlos administrativos e judiciários

49.      Este segundo fundamento de legitimação parece estar relacionado com o anterior, na medida em que, como salienta a Comissão, se trataria de garantir a efetiva proteção dos trabalhadores através de uma fiscalização do respeito da mesma. Esse fundamento é, realmente, legítimo, enquanto tal (28), mas, no caso em apreço, é tão inoperante como o primeiro, do qual é o corolário.

50.      É verdade que a intervenção das autoridades administrativas, como a inspeção do trabalho, ou das autoridades jurisdicionais, se o litígio for levado a tribunal, é facilitada quando estas podem examinar os documentos atinentes à relação de trabalho que são objeto de litígio, numa língua que os representantes dessas autoridades conhecem. Encontram‑se as mesmas preocupações em legislações em vigor noutros Estados‑Membros que são análogas à regulamentação em causa (29).

51.      Em meu entender, no entanto, esse objetivo pode, aqui também, ser atingido de forma mais adequada por intermédio da realização, sempre que necessário, de traduções desses documentos de trabalho para a língua oficial localmente utilizada, sem que seja necessário impor a utilização exclusiva ab initio.

52.      Com efeito, no acórdão Comissão/Alemanha, já referido (30), o Tribunal de Justiça declarou que a obrigação de tradução de documentos de trabalho imposta aos empregadores estrangeiros podia ser justificada por um objetivo de interesse geral ligado à proteção social dos trabalhadores, desde que a mesma permitisse às autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento efetuar as fiscalizações necessárias para garantir o respeito das disposições nacionais sobre essa matéria. Todavia, o Tribunal de Justiça, também precisou, nesse acórdão, que somente na medida em que exigia apenas a tradução de um número limitado de documentos e não implicava um encargo administrativo ou financeiro pesado para o empregador, esta exigência era conforme com as disposições do Tratado CE relativas à livre prestação de serviços (31).

53.      Por analogia, em matéria de livre circulação dos trabalhadores, afigura‑se‑me que o meio extensivo, ao qual recorreu o decreto flamengo relativo à utilização das línguas, ao impor a utilização da língua neerlandesa em todos os documentos de trabalho, ao que parece, com esse mesmo objetivo, não é indispensável para que os controlos em causa possam ser realizados.

c)      Quanto ao fundamento relativo à defesa da língua oficial

54.      Essa terceira justificação foi posta em evidência pelo Governo belga, que argumentou que a promoção da utilização da língua oficial estaria prevista na Constituição belga. Saliento que vários Estados‑Membros e entidades linguísticas do Reino da Bélgica baseiam em fundamentos dessa ordem a sua legislação que impõe a utilização, nas relações de trabalho, de uma língua definida (32).

55.      A proteção de uma língua oficial, seja ela nacional ou regional, constitui um objetivo de interesse geral cuja legitimidade para justificar a adoção de uma política que vise a defesa e a promoção dessa língua foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça (33). No entanto, considero que, no presente processo, a exigência estabelecida pela regulamentação em causa implica o recurso a meios que não são adequados para responder efetivamente a esse objetivo.

56.      A esse respeito, o Governo grego invocou o princípio da diversidade linguística, baseando‑se, nomeadamente, no artigo 165.° TFUE e no artigo 3.°, n.° 3, quarto parágrafo, TUE. O artigo 22.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (34), que tem força obrigatória, também contém uma referência a esse conceito, uma vez que prevê que a União respeita a referida diversidade.

57.      Todavia, esse princípio da diversidade linguística, que vincula apenas as instituições e os órgãos da União, não pode ser invocado por um Estado‑Membro contra cidadãos da União para justificar uma restrição às liberdades fundamentais a que estes têm direito.

58.      Nas suas conclusões no processo em que foi proferido o acórdão Espanha/Eurojust (35), o advogado‑geral P. Maduro salientou que «o respeito pela diversidade linguística é um aspeto essencial da proteção dada à identidade nacional dos Estados‑Membros» (36). No entanto, sublinho que, nesse processo, o conceito de diversidade linguística foi invocado unicamente por candidatos que se apresentaram a lugares oferecidos pela União Europeia, e contra esta, e não por Estados‑Membros para efeitos de defesa da sua política de uniformidade linguística face a princípios do direito da União. Noutros termos, esse conceito foi utilizado, não para justificar medidas nacionais que constituem entraves em relação à utilização das línguas, mas apenas para explicar o regime linguístico próprio da União.

59.      Por seu lado, o conceito de identidade nacional, que as instituições da União são obrigadas a respeitar por força do artigo 4.°, n.° 2, TUE, inclui os aspetos linguísticos da ordem constitucional dos Estados‑Membros, que definem, nomeadamente, a língua oficial ou as diversas línguas oficiais do Estado, bem como, sendo esse o caso, as subdivisões territoriais nas quais estas últimas são utilizadas (37). Assim, o conceito de «identidade nacional» diz respeito às escolhas feitas quanto às línguas utilizadas a nível nacional ou regional (38), ao passo que o conceito de «diversidade linguística» tem por objeto o multilinguismo existente a nível da União. Daí decorre, em meu entender, que este último conceito não faz parte das considerações que são oponíveis às pessoas singulares ou coletivas nacionais da União. Seria mesmo paradoxal utilizar esse fundamento para permitir que os Estados‑Membros obriguem particulares a utilizar na sua comunicação outra língua que não a da sua livre escolha.

60.      As normas do direito da União relativas ao respeito da identidade nacional dos Estados‑Membros, que, no caso do Reino da Bélgica, inclui incontestavelmente a sua divisão, de fonte constitucional, em comunidades linguísticas, sustentam, antes, a ideia de que, como o Tribunal de Justiça já declarou, a política de defesa de uma língua é um motivo que pode autorizar um Estado‑Membro a recorrer a medidas restritivas das liberdades de circulação (39).

61.      No entanto, a utilização obrigatória da língua de um Estado‑Membro pelos nacionais ou empresas de outros Estados‑Membros que exerçam as suas liberdades fundamentais, como a que resulta da regulamentação em causa, não responde verdadeiramente a esse objetivo. Não é possível afirmar que a simples redação de contratos de trabalho com caráter transfronteiriço numa língua diferente da neerlandesa, por algumas empresas que têm a sua sede na Flandres, seria suscetível de ameaçar o progresso da utilização desta última língua. Diferente é a situação quando, numa relação de trabalho, está em jogo a transmissão de conhecimentos, como no âmbito do ensino escolar ou universitário, domínio relacionado com a salvaguarda da identidade cultural dos Estados‑Membros (40), que justifica poder exigir‑se que um candidato à contratação tenha competências linguísticas especiais (41).

62.      Em minha opinião, um empregado que não tenha feito uso da sua liberdade de trabalhar num outro Estado‑Membro da União pode, normalmente, exigir poder trabalhar utilizando a sua própria língua, se esta é a língua oficial da região onde exerce as suas atividades profissionais. Em meu entender, isso resulta da natureza peculiar do lugar de trabalho, que se encontra a meio caminho entre uma esfera puramente pública e uma esfera puramente privada. Essa natureza legitima também a possibilidade de aplicação nesse lugar das políticas que visam a defesa da língua nacional ou regional, dado que a língua oficial é a que se utiliza preferencialmente como língua de comunicação.

63.      Contudo, a liberdade contratual deve ser respeitada no sentido de que o empregado pode aceitar utilizar uma língua própria do seu ambiente de trabalho, que seja diferente da sua e da utilizada localmente, sobretudo se se tratar de uma relação de trabalho que se inscreva num contexto internacional (42), como a decisão de reenvio expressamente assinala. Considero que, na União, os empregadores deveriam dispor da faculdade de definir uma língua de trabalho comum para os membros do seu pessoal que, para uma empresa estabelecida em vários Estados‑Membros, pode ser diferente da utilizada a nível regional ou nacional. Esta observação vale, pelo menos, para os postos mais elevados, como os de quadros ou de especialistas, e, de modo geral, para os postos em que é necessário comunicar na língua compreendida pelos outros trabalhadores ou pelos clientes estrangeiros da empresa.

64.      Apesar de a defesa e promoção de uma língua oficial serem objetivos legítimos enquanto tais, os meios utilizados para esse fim devem manter‑se adequados em relação a esses objetivos e não exceder o necessário para os mesmos. Ora, o facto de uma medida nacional ou regional procurar impor um monolinguismo exclusivo, que implica que as línguas dos outros Estados‑Membros não possam, de modo algum, ser utilizadas em determinado domínio, não me parece legítimo à luz dos princípios do direito da União.

65.      Tendo em conta esses elementos, a proteção da língua não pode servir de justificação válida para uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, na medida em que esta última não permite tomar em consideração a vontade das partes na relação de trabalho, nem o facto de o empregador pertencer a um grupo de empresas internacional.

66.      Em consequência, considero que o decreto flamengo relativo à utilização das línguas constitui uma violação não justificada da livre circulação dos trabalhadores prevista no artigo 45.° TFUE, na medida em que recorre a meios que não são apropriados para garantir a realização dos objetivos legítimos que foram invocados.

67.      Acrescento que pode ser formulada outra crítica contra o referido decreto, na medida em que este não respeita o critério da proporcionalidade, como foi definido na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

2.      Quanto ao caráter desproporcionado dos meios utilizados nas medidas em causa

68.      Em meu entender, existem dois fatores que permitem considerar que o decreto flamengo relativo à utilização das línguas contém medidas que não são proporcionadas em relação aos objetivos invocados e que, portanto, as disposições do artigo 45.° TFUE se lhe opõem. Trata‑se, por um lado, do alcance excessivamente amplo da obrigação de utilização exclusiva de uma língua, a saber, a língua neerlandesa, nas relações de trabalho abrangidas pelo referido decreto, e, por outro, da importância das sanções aplicadas caso essa obrigação não seja respeitada.

a)      Quanto à extensão da exigência linguística

69.      Aparentemente, o decreto controvertido impõe a todos os empregadores, cuja sede de exploração esteja situada na região de língua neerlandesa do Reino da Bélgica, a utilização dessa língua em todas as relações de trabalho que estabeleçam com os seus empregados, tanto escritas como orais, ainda que as necessidades linguísticas possam ser diferentes, em função do tipo de relações de trabalho em causa e à luz do contexto eventualmente transfronteiriço em que estas se inscrevam.

70.      Em minha opinião, os interesses que, segundo o Governo belga, são defendidos por esta regulamentação regional, poderiam ser preservados de forma mais adequada por meios diferentes de um condicionalismo linguístico com alcance tão absoluto e geral. Assim, considero que, para atingir os três objetivos anteriormente referidos, poderia bastar uma tradução para língua neerlandesa dos principais documentos de trabalho que estivessem redigidos noutra língua.

71.      Parece‑me que o projeto de integração europeia perde o seu sentido se os Estados‑Membros puderem impor aos agentes económicos, como os empregadores e os empregados, a utilização de uma determinada língua numa proporção que ultrapassa as restrições à liberdade contratual que são estritamente necessárias para cumprir objetivos de interesse geral. No âmbito das relações de trabalho internacionais, a autonomia da vontade das partes deve predominar, para que os intercâmbios transfronteiriços sejam facilitados (43), ainda que, evidentemente, deva ser encontrado um justo equilíbrio entre a liberdade de circulação dos trabalhadores e a proteção destes últimos.

72.      Em minha opinião, seria justificado permitir às partes numa relação de trabalho transfronteiriça que utilizassem a língua que escolhessem, na medida em que essa escolha corresponde à vontade comum das partes ou na medida em que as funções a exercer necessitem do recurso a uma língua que pode ser diferente da utilizada localmente (44). Ora, o decreto flamengo relativo à utilização das línguas aplica‑se de forma geral, ignorando totalmente as línguas conhecidas e habitualmente utilizadas pelo empregador e pelo empregado em causa, bem como a natureza do posto de trabalho a ocupar.

73.      Considero que seria incoerente, e mesmo paradoxal, que, segundo o acórdão Groener, já referido, não seja possível, salvo em casos especiais, exigir que um trabalhador conheça a língua do Estado‑Membro onde trabalha, mas que, em contrapartida, seja permitido impor‑lhe que o contrato de trabalho que deve assinar seja redigido numa língua que ele não domina e, portanto, não compreende.

74.      Como o Órgão de Fiscalização da EFTA sugere, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, é necessário introduzir mais flexibilidade nas exigências linguísticas, tanto quando as relações de trabalho têm lugar a nível internacional, como no caso em apreço, como quando estas têm um caráter puramente interno. Com efeito, no âmbito de relações de trabalho transfronteiriças, é preferível que as partes possam utilizar uma língua veicular que ambas compreendam, em vez de lhes ser imposta a utilização exclusiva de uma língua definida, ainda que esta última seja uma das línguas oficiais do lugar onde o empregado exerce a sua atividade.

75.      Em especial, não entendo de que modo a língua neerlandesa seria posta em perigo pelo facto de ser utilizada uma outra língua num contrato de trabalho como o que está em causa no processo principal, ou seja um contrato celebrado entre um empregado que fez uso da sua liberdade de circulação e um empregador que é uma sociedade pertencente a um grupo de dimensão internacional.

76.      Observo que a regulamentação em causa só permite uma tradução para uma língua diferente da língua neerlandesa através de um procedimento pesado, que requer condições especialmente difíceis de satisfazer (45), o que, em meu entender, faz com que, na prática, sem dúvida, estas raramente se reúnam. Existem outros meios menos condicionantes, mas, no entanto, tão ou mais eficazes, para proteger os trabalhadores, preservando a utilização da língua regional, como a abertura da possibilidade de, nos casos em que o trabalhador ou o empregador não dominam a referida língua, recorrerem mais facilmente a traduções para uma língua que o interessado compreenda suficientemente.

77.      Ora, não resulta dos elementos trazidos ao debate que a introdução dessa possibilidade na regulamentação controvertida — que facilitaria o exercício, pelos empregados e pelos empregadores de outros Estados‑Membros que não são neerlandófonos, da sua liberdade de circulação na região de língua neerlandesa do Reino da Bélgica — prejudicaria a realização dos objetivos anteriormente referidos (46).

78.      Assim, pelo seu âmbito de aplicação excessivamente amplo e pelo seu caráter exclusivo, quando existem outros meios para atingir os objetivos de interesse geral invocados, o decreto flamengo relativo à utilização das línguas prevê medidas que são desproporcionadas em relação a estes últimos.

b)      Quanto às sanções previstas em caso de incumprimento

79.      À semelhança de legislações existentes noutros Estados‑Membros, a regulamentação em vigor na região de língua neerlandesa do Reino da Bélgica prevê que a violação da obrigação de fazer uso de uma língua definida pode ser sancionada tanto no plano civil como no penal (47).

80.      É certo que, as sanções cíveis estão generalizadas nas legislações que estabelecem exigências linguísticas em matéria de relações de trabalho, mas, de todas de que tenho conhecimento, nenhuma vai tão longe na coerção como o decreto flamengo relativo à utilização das línguas. Com efeito, na região de língua neerlandesa do Reino da Bélgica, a violação desse decreto por atos ou documentos incorre em nulidade dos mesmos, produzindo essa nulidade um efeito de eliminação, ao mesmo tempo, para o futuro e para o passado (48), ao passo que, nalgumas outras entidades do Reino da Bélgica (49), como noutros Estados‑Membros (50), foi adotada a via de uma simples inoponibilidade ao trabalhador do documento irregular, acompanhada da obrigação de proceder à sua substituição por um documento conforme com a regulamentação. Parece‑me que este último meio, que permite preservar a continuidade das relações de trabalho, seria tão eficaz para atingir os objetivos de interesse geral que, segundo o Governo belga, são prosseguidos pelo referido decreto, como uma nulidade retroativa do contrato de trabalho em causa. Nisso, afigura‑se‑me que a regulamentação em causa excede as medidas necessárias para esse fim.

81.      Quanto ao alcance erga omnes, ou não, da declaração de nulidade, saliento que, segundo a decisão de reenvio prejudicial, o artigo 10.°, primeiro parágrafo, do decreto flamengo relativo à utilização das línguas, sanciona a violação das disposições do mesmo com «uma nulidade absoluta ex tunc e o documento é considerado inexistente. Daí resulta que o órgão jurisdicional não pode considerar os documentos redigidos na língua errada, nem ter em conta o seu conteúdo e, em particular, a vontade neles manifestada».

82.      É verdade que o caráter absoluto dessa nulidade foi debatido pelas partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, tendo salientado, algumas delas, que o quinto parágrafo desse mesmo artigo prevê que «[a] declaração de nulidade não pode causar prejuízo ao trabalhador e não afeta os direitos de terceiros». Parece‑me que o tribunal a quo não desconhece essa norma, dado que, na sua decisão, refere também que «o trabalhador pode invocar as cláusulas do documento nulo que lhe são favoráveis e, ao mesmo tempo, invocar a nulidade das que lhe são desfavoráveis». Na minha opinião, o caráter absoluto, e não relativo, da nulidade em questão resulta, na realidade, do facto de qualquer pessoa que possa demonstrar ter interesse poder pedir judicialmente a declaração de nulidade de um documento irregular, nas condições previstas no artigo 10.°, segundo parágrafo, do decreto flamengo relativo à utilização das línguas. De qualquer forma, do ponto de vista dos empregadores, qualquer incumprimento das exigências linguísticas do decreto flamengo é fortemente punido no plano civil, dado que, a acreditar na análise feita por esse órgão jurisdicional, em aplicação do referido decreto, um contrato de trabalho como o que foi assinado por A. Las poderia produzir efeitos unicamente contra o antigo empregador (51).

83.      Quanto ao poder coercivo das autoridades judiciárias relativamente às exigências linguísticas estabelecidas em matéria de relações de trabalho, este difere em função dos Estados‑Membros. Enquanto nalgumas legislações nacionais (52) existe a proibição de o tribunal conhecer oficiosamente do incumprimento da obrigação de utilização de uma língua definida, noutras, essa faculdade existe (53). Apenas nas regiões de línguas neerlandesa e francesa do Reino da Bélgica possibilidade de conhecimento oficioso se transforma numa obrigação que recai sobre o tribunal, o que me parece ir demasiado longe (54).

84.      Ora, é jurisprudência constante que as restrições às liberdades fundamentais que são impostas pelos Estados‑Membros devem ser limitadas ao que é estritamente necessário, o que implica escolher a via, e, portanto, a medida, menos limitativa.

85.      Esse não é o caso do decreto flamengo relativo à utilização das línguas, uma vez que parece, em si mesmo, mas também por comparação com outras normas, estabelecer exigências especialmente rígidas e acompanhadas de efeitos pesados, tanto para os particulares envolvidos, como para o tribunal que conhece de um litígio sobre esta matéria. Considero que outros meios, mais adaptados e menos restritivos da livre circulação dos trabalhadores do que os assim utilizados, poderiam permitir atingir os objetivos que parecem ser visados por esse texto.

86.      Por conseguinte, em meu entender, uma regulamentação como a que está em causa no processo principal não é compatível com o teor das disposições do artigo 45.° TFUE, que corresponde ao antigo artigo 39.° CE, cuja interpretação foi pedida.

V —    Conclusão

87.      Atendendo às considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo arbeidsrechtbank te Antwerpen, do seguinte modo:

«O artigo 45.° TFUE, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que impõe, sob pena de nulidade, a qualquer empresa cuja sede esteja situada numa região onde existe uma única língua oficial, a utilização exclusiva desta língua para a redação de todos os documentos relativos à relação de trabalho, quando contrata um trabalhador para um emprego de caráter internacional.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      A decisão de reenvio, que deu entrada em 28 de abril de 2011, na realidade, tem por objeto «o artigo 39.° do Tratado CE», mas, depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, adotado em 1 de dezembro de 2009, este tornou‑se o artigo 45.° TFUE.


3 —      Taaldecreet tot regeling van het gebruik van de talen voor de sociale betrekkingen tussen de werkgevers en de werknemers, alsmede van de door de wet en de verordeningen voorgeschreven akten en bescheiden van de ondernemingen (Belgische Staatsblad de 6 de setembro de 1973, p. 10089).


4 —      Faço notar que, no processo submetido ao Tribunal de Justiça, por vezes, é feita confusão entre a «Região da Flandres», na aceção do artigo 3.° da Constituição belga, e a «região de língua neerlandesa», na aceção do artigo 4.° da mesma.


5 —      Acórdão de 28 de novembro de 1989, Groener (C‑379/87, Colet., p. 3967, n.° 19).


6 —      A versão francesa das disposições do decreto flamengo relativo à utilização das línguas, conforme a seguir transcritas, pode ser consultada na Internet, no seguinte endereço: http://www.ejustice.just.fgov.be/cgi_loi/change_lg.pl?language=fr&la=F&cn=1973071901&table_name=loi.


7 —      Esclareço que os termos «ou que empreguem pessoal na região de língua neerlandesa» foram anulados pelo Tribunal Constitucional (anteriormente denominado Tribunal de Arbitragem) no seu acórdão de 30 de janeiro de 1986 (Moniteur belge de 12 de fevereiro de 1986, p. 1710), que também anulou termos no artigo 5.° do referido decreto.


8 —      Sendo precisado que, à época, a mesma se denominava ainda NV Hesse‑Noord Natie.


9 —      Versão consolidada (JO 2005, C 334, p. 1). A referida convenção foi substituída, a partir de 17 de dezembro de 2009, pelo Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (JO L 177, p. 6, a seguir «Regulamento Roma I»).


10 —      Faço notar que a Comissão indica, nomeadamente, que o litígio no processo principal deveria levar o Tribunal de Justiça a decidir quanto à legislação aplicável à situação de segurança social de A. Las. Em meu entender, essa problemática sai do âmbito da questão prejudicial apresentada. No entanto, sublinho que a lei aplicável ao contrato de trabalho é determinada pelas disposições do Regulamento Roma I, já referido, e não pelas regras relativas à determinação da lei aplicável em matéria de segurança social.


11 —      V., entre outros, acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, Colet., p. I‑4921, n.os 89 e segs.), e de 1 de abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e Gouvernement wallon (C‑212/06, Colet., p. I‑1683, n.os 33 e segs.).


12 —      Acórdãos de 7 de maio de 1998, Clean Car Autoservice (C‑350/96, Colet., p. I‑2521, n.os 19 a 25), e de 11 de janeiro de 2007, ITC (C‑208/05, Colet., p. I‑181, n.os 22 e 23).


13 —      V., nomeadamente, acórdão Gouvernement de la Communauté française e Gouvernement wallon, já referido (n.os 44 e segs.), e acórdão de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Hungria (C‑253/09, Colet., p. I‑12391, n.os 46 e segs. e jurisprudência aí referida.).


14 —      Na falta de uma harmonização nessa matéria, os Estados‑Membros têm liberdade para adotar medidas nacionais, ou regionais, que tenham esse objeto, contudo, estas devem respeitar o Tratado e os princípios gerais do direito da União e, nomeadamente, o artigo 45.° TFUE (v., por analogia, acórdão de 18 de julho de 2007, Comissão/Alemanha, C‑490/04, Colet., p. I‑6095, n.° 19).


15 —      JO L 288, p. 32. Faço notar que, no âmbito do presente processo, a Comissão indicou que, de acordo com o seu artigo 6.°, a referida diretiva não harmoniza as condições de forma do contrato de trabalho, nas quais está incluída a língua na qual este deve ser celebrado.


16 —      Quanto a condições de acesso a um emprego atendendo à língua, v., relativamente a trabalho assalariado: acórdão Groener, já referido; e relativamente ao estabelecimento de trabalhadores independentes, sejam médicos dentistas: acórdão de 4 de julho de 2000, Haim (C‑424/97, Colet., p. I‑5123, n.os 50 e segs.), ou advogados: acórdão de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, Colet., p. I‑8613, n.os 70 e segs.), e de 19 de setembro de 2006, Comissão/Luxemburgo (C‑193/05, Colet., p. I‑8673, n.os 40 e segs.).


17 —      Em matéria de livre circulação de mercadorias e, nomeadamente, de rotulagem, domínio em que foram proibidas as medidas nacionais que imponham a utilização de uma língua sem permitir a utilização de uma outra língua facilmente compreensível pelos compradores, v. acórdão de 12 de setembro de 2000, Geffroy (C‑366/98, Colet., p. I‑6579, n.os 24 e segs. e jurisprudência aí referida). Relativamente à igualdade de tratamento das pessoas quanto à utilização das línguas perante órgãos jurisdicionais penais, v. acórdão de 24 de novembro de 1998, Bickel e Franz (C‑274/96, Colet., p. I‑7637, n.os 13 e segs. e jurisprudência aí referida), que salienta a importância especial da proteção dos direitos e facilidades dos indivíduos em matéria linguística para salvaguardar as suas liberdades fundamentais.


18 —      Não disponho de elementos a respeito das normas aplicáveis nesse domínio em Chipre e no Luxemburgo.


19 —      Tal é o caso em França, na Letónia, na Lituânia, na Polónia, na Roménia, na Eslováquia e na Eslovénia, bem como nas diferentes entidades linguísticas da Bélgica.


20 —       N.os 68 e segs.


21 —      De acordo com o seu artigo 10.°


22 —      V. acórdão de 31 de março de 1993, Kraus (C‑19/92, Colet., p. I‑1663, n.° 41).


23 —      V., entre outros, acórdãos de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais (C‑325/08, Colet., p. I‑2177, n.° 38), e Comissão/Hungria, já referido (n.° 69 e jurisprudência aí referida).


24 —      De acordo com as regras de base definidas no acórdão Groener, já referido (n.° 19).


25 —      Nomeadamente, em matéria de livre prestação de serviços, acórdão de 7 de outubro de 2010, Santos Palhota e o. (C‑515/08, Colet., p. I‑9133, n.° 47).


26 —      Acórdão de 16 de dezembro de 1999 (C‑198/98, Colet., p. I‑8903, n.° 22), relativo à interpretação da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219).


27 —      Além disso, a Comissão remete, a esse respeito, para o n.° 43 das conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo em que foi proferido o acórdão de 10 de março de 2011, Defossez (C‑477/09, Colet., p. I‑1421).


28 —      V. Santos Palhota e o., já referido (n.° 48 e jurisprudência aí referida).


29 —      Assim, na Letónia, as normas que estabelecem a utilização da língua nacional nas relações de trabalho baseiam‑se, por um lado, na salvaguarda de interesses públicos como a segurança e a saúde, e, por outro, em exigências de prova, como na Eslovénia e na Roménia. Em França, os objetivos invocados pelo legislador são também a proteção da saúde e da segurança das pessoas, para além da limitação dos riscos de litígios.


30 —      N.os 70 e segs.


31 —      V., igualmente, acórdão de 25 de outubro de 2001, Finalarte e o. (C‑49/98, C‑50/98, C‑52/98 a C‑54/98 e C‑68/98 a C‑71/98, Colet., p. I‑7831, n.os 69 e segs.).


32 —      É feita referência à proteção da língua e da identidade nacionais, na Lituânia, na Polónia e na Eslováquia, bem como à proteção da língua e da identidade comunitárias, para além da proteção dos direitos linguísticos das populações locais, nas regiões de línguas francesa e alemã, assim como na de língua neerlandesa.


33 —      V., nomeadamente, acórdão de 12 de maio de 2011, Runevič‑Vardyn e Wardyn (C‑391/09, Colet., p. I‑3787, n.° 85), que cita o n.° 19 do acórdão Groener, já referido.


34 —      JO 2010, C 83, p. 396.


35 —      Acórdão de 15 de março de 2005, Espanha/Eurojust (C‑160/03, Colet., p. I‑2077).


36 —      V. n.° 24 das referidas conclusões.


37 —      De acordo com o artigo 4.°, n.° 2, TUE, a União respeita a identidade nacional dos seus Estados‑Membros, refletida nas suas estruturas políticas e constitucionais fundamentais, identidade da qual faz parte a proteção da língua oficial nacional do Estado, como o Tribunal de Justiça definiu no acórdão Runevič‑Vardyn e Wardyn, já referido (n.° 86).


38 —      No relatório elaborado por um grupo de trabalho junto dos membros da Convenção Europeia, datado de 4 de novembro de 2002, tinha sido recomendado que fossem esclarecidas as disposições do Tratado UE, segundo as quais a União é obrigada a respeitar as identidades nacionais dos Estados‑Membros, no sentido de que os aspetos essenciais que caracterizam a identidade nacional incluem, nomeadamente, as estruturas fundamentais e as funções essenciais dos Estados‑Membros, entre as quais figuram as suas escolhas em matéria de língua (CONV 375/1/02 REV 1, pp. 10 a 12; documento acessível na Internet http://european‑convention.eu.int/pdf/reg/pt/02/cv00/cv00375‑re01.pt02.pdf).


39 —      V., nomeadamente, acórdão Runevič‑Vardyn e Wardyn, já referido.


40 —      A esse respeito, v. n.os 19 e 20 das conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo em que foi proferido o acórdão Groener, já referido.


41 —      V. n.os 20 e segs. do acórdão Groener, já referido.


42 —      Recordo que a prevalência do consensualismo em matéria de relações de trabalho transfronteiriças é reconhecida no artigo 8.° do Regulamento Roma I, que prevê que, em princípio, as partes num contrato de trabalho têm a escolha da lei aplicável ao mesmo.


43 —      V., por analogia, a respeito da interpretação do artigo 17.° da Convenção de Bruxelas, de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32), acórdão de 24 de junho de 1981, Elefanten Schuh (150/80, Recueil, p. 1671, n.° 27), nos termos do qual, uma legislação de um Estado contratante não se pode opor à validade de uma cláusula atributiva de competência jurisdicional simplesmente por a língua utilizada pelas partes não ser a imposta por essa legislação.


44 —      Recordo que a possibilidade de estabelecer uma exigência linguística em função da natureza do emprego a preencher está expressamente prevista no artigo 3.°, n.° 1, último parágrafo, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), disposição esta que foi interpretada no acórdão Groener, já referido, o qual não é efetivamente aplicável no presente processo, mas cuja filosofia, em meu entender, pode servir de fonte de reflexão. Uma disposição idêntica, no essencial, figura no Regulamento (UE) n.° 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO L 141, p. 1), que procedeu à codificação do Regulamento n.° 1612/68 e o substituiu.


45 —      V. artigo 5.°, segundo parágrafo, do decreto flamengo relativo à utilização das línguas, citado no quadro jurídico.


46 —      V., por analogia, acórdão Bickel e Franz, já referido (n.° 29).


47 —      O litígio no processo principal é de âmbito civil, mas é, no entanto, interessante notar, a propósito da economia geral do decreto flamengo relativo à utilização das línguas, que, ao contrário do que é válido nas outras entidades da Bélgica, nas quais não se aplica qualquer sanção penal em caso de incumprimento da exigência linguística, se um ato desse tipo for cometido na região de língua neerlandesa, essa infração pode ser punida com prisão e/ou multa para o empregador ou para os seus representantes que tenham infringido as disposições do referido decreto, de acordo com o seu artigo 12.° Além disso, o artigo 11.° do decreto prevê a possibilidade de coima administrativa.


48 —      A nulidade retroativa aparece prevista também na Eslovénia, ao passo que só é válida para o futuro, na Roménia e na Letónia, precisando‑se que neste último país está associada a uma obrigação de o empregador propor a celebração de um novo contrato.


49 —      Ou seja, nos municípios dotados de um regime especial, na região de língua alemã e na região bilingue de Bruxelas‑Capital. Em contrapartida, na região de língua francesa, está prevista a nulidade dos documentos de trabalho redigidos numa outra língua.


50 —      Na Lituânia, na Polónia, na Eslováquia, está prevista a inoponibilidade das disposições do contrato ao trabalhador a quem as mesmas afetariam, tal como em França, onde existe a possibilidade de solicitar, sob sanção pecuniária compulsória, que o documento em causa seja apresentado em francês.


51 —      Recordo que o contrato de trabalho em causa tinha sido sujeito, inicialmente, por vontade das partes no processo principal, ao direito neerlandês, apesar de as mesmas estarem de acordo em afirmar perante o órgão jurisdicional de reenvio que o direito belga é aplicável. No entanto, o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Roma I prevê que qualquer modificação quanto à determinação da lei aplicável, ocorrida posteriormente à celebração do contrato, não afeta a validade formal do contrato, nos termos do artigo 11.°, nem prejudica os direitos de terceiros.


52 —      Em França, na Letónia, na Lituânia e na Eslováquia.


53 —      Na Polónia, na Roménia e na Eslovénia, bem como nos municípios belgas dotados de um regime especial, na região bilingue de Bruxelas‑Capital e na região de língua alemã.


54 —      Sobre a margem de apreciação de que o juiz nacional dispõe para poder graduar a sanção prevista em caso de violação das regras de um Estado‑Membro que exigem a utilização da língua deste em função da lesão concreta de um objetivo de interesse geral como a proteção dos consumidores nesse caso concreto, v. n.° 68 das conclusões do advogado‑geral G. Cosmas no processo em que foi proferido o acórdão de 14 de julho de 1998, Goerres (C‑385/96, Colet., p. I‑4431).