Language of document : ECLI:EU:C:2012:714

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 15 de novembro de 2012 (1)

Processo C‑103/11 P

Comissão Europeia

contra

Systran SA e Systran Luxembourg SA

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Contratos públicos da União — Concurso público relativo à manutenção e ao reforço linguístico de um programa informático — Programa informático de tradução automática da Comissão — Comunicação do código‑fonte sem autorização do autor — Contrafação dos direitos de autor — Divulgação não autorizada do saber‑fazer — Responsabilidade extracontratual — Responsabilidade contratual — Competências do juiz da União — Natureza do litígio — Ilegalidade — Violação suficientemente caracterizada — Prejuízo real e certo — Nexo de causalidade — Quebra do nexo de causalidade — Avaliação do montante fixo do prejuízo»





1.        O presente processo coloca, a título preliminar, um problema de delimitação dos contenciosos contratuais e extracontratuais e, assim, no caso concreto, das competências materiais do juiz da União, suscitando uma questão inédita de repartição vertical das competências entre jurisdição da União e jurisdições nacionais. Em minha opinião, o seu principal desafio reside na definição das regras segundo as quais a jurisdição da União, no respeito do princípio das competências de atribuição, deve pronunciar‑se sobre a sua competência para conhecer de uma ação de responsabilidade extracontratual em cujo âmbito é invocada uma exceção de incompetência relativa à natureza contratual do litígio.

2.        No presente caso, a Comissão Europeia interpõe no Tribunal de Justiça um recurso do acórdão do Tribunal Geral, de 16 de dezembro de 2010, Systran e Systran Luxembourg/Comissão (T‑19/07, Colet., p. II‑6083, a seguir «acórdão recorrido»), em que este condenou a União Europeia a pagar à Systran SA (2) uma indemnização no montante fixo de 12 001 000 euros pelo prejuízo resultante da violação, por parte Comissão, dos direitos de autor e de saber‑fazer que detém relativos à versão Unix do programa informático Systran.

3.        O Tribunal Geral declarou designadamente que a Comissão, sem ter autorização prévia das sociedades do grupo Systran, se atribuiu o direito de efetuar um concurso público para a realização de trabalhos de manutenção e de reforço linguístico do seu sistema de tradução automática, no caso, a versão EC‑Systran Unix do programa informático Systran e cometeu uma ilegalidade à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros (n.° 261 do acórdão recorrido), dado que o referido concurso implicava a divulgação a terceiros e a alteração de elementos da versão Systran Unix do referido programa informático, violando os direitos de autor e de saber‑fazer das referidas sociedades.

4.        Deve especificar‑se desde já que se o Tribunal de Justiça vier a declarar, como proponho, que o litígio que opõe a Comissão à Systran SA e à Systran Luxembourg SA (a seguir «Systran Luxembourg») deve prioritariamente ser analisado e eventualmente dirimido pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes e que, consequentemente, o Tribunal Geral não dispunha de competência para dirimir o referido litígio, não há que analisar os fundamentos invocados pela Comissão. No entanto, e para o caso de o Tribunal de Justiça não seguir a minha posição quanto a este primeiro aspeto fundamental, analisarei os outros fundamentos de maneira a esclarecer todos os aspetos deste processo.

5.        Importa salientar, nesta perspetiva, que a Comissão põe designadamente em causa, no âmbito dos seus outros fundamentos, a apreciação por parte do Tribunal Geral das três condições da responsabilidade extracontratual da União, desde sempre exigidas por jurisprudência constante, a saber, tanto a declaração da ilegalidade do seu comportamento, como a existência de prejuízos materiais e morais dele resultantes, e a existência de um nexo de causalidade direto entre esta ilegalidade e os referidos prejuízos. Embora estas três condições invariáveis devam estar reunidas de forma cumulativa para que seja reconhecido um direito a indemnização, parece‑me, no entanto, oportuno examiná‑las de forma sucessiva, no limite dos fundamentos invocados pela Comissão, para verificar se o Tribunal Geral efetivamente se assegurou de que estavam clara e inquestionavelmente preenchidas.

6.        Parece‑me igualmente oportuno especificar desde já que, atentos os fundamentos do recurso, não será necessário abordar outras problemáticas indiretamente suscitadas pelo presente litígio, designadamente relativas às competências respetivas do juiz da União e dos órgãos jurisdicionais nacionais para analisar as ações por contrafação intentadas contra as instituições, órgãos ou organismos da União (3) ou à prática de adjudicação de contratos públicos de desenvolvimento e de manutenção informática das instituições, órgãos e organismos da União (4).

I —    Factos na origem do litígio

7.        O Dr. Toma, presidente da sociedade americana World Translation Centre Inc. (a seguir «WTC»), com sede em La Jolla, na Califórnia (Estados Unidos), criou em 1968 um programa informático de tradução automática denominado «Systran» (SYStem TRANslation).

8.        Em 22 de dezembro de 1975, a Comissão e a WTC celebraram um primeiro contrato relativo à instalação e ao desenvolvimento do programa informático Systran para o par de línguas inglês‑francês e para o desenvolvimento inicial do referido programa para o par de línguas francês‑inglês.

9.        As relações contratuais entre a Comissão e a WTC prosseguiram, entre 1976 e 1987, e terminaram com a realização de um sistema de tradução automática que funciona no ambiente Mainframe, denominado «EC‑Systran Mainframe», composto por um núcleo, por rotinas linguísticas e por dicionários para nove pares de línguas da União.

10.      A partir de 1985, a sociedade francesa Gachot foi adquirindo as sociedades do grupo WTC, proprietárias da tecnologia Systran e da versão Mainframe do programa informático Systran. Em seguida, a sociedade Gachot alterou a sua denominação social e passou a denominar‑se Systran SA.

11.      Em 4 de agosto de 1987, a Systran e a Comissão celebraram um «contrato de colaboração» relativo à organização em comum do desenvolvimento e do aperfeiçoamento do sistema de tradução Systran para as línguas oficiais, atuais e futuras, da Comunidade Europeia, e à sua aplicação.

12.      Em 11 de dezembro de 1991, a Comissão resolveu o contrato de colaboração celebrado com a Systran.

13.      Em 22 de dezembro de 1997, a Systran e a Comissão celebraram o primeiro de quatro contratos sucessivos de migração, que tinham por objetivo permitir ao programa informático EC‑Systran Mainframe funcionar nos sistemas operativos Unix e Windows.

14.      Em 4 de outubro de 2003, a Comissão abriu um concurso público para a manutenção e para o reforço linguístico do seu sistema de tradução automática.

15.      Por carta de 31 de outubro de 2003, a Systran indicou, no essencial, à Comissão que os trabalhos previstos no concurso público eram suscetíveis de lesar os seus direitos de propriedade intelectual e convidou‑a a pronunciar‑se a esse respeito. A Systran especificou que, por essas razões, não podia participar no concurso público.

16.      Por carta de 17 de novembro de 2003, a Comissão respondeu que os trabalhos previstos não lhe pareciam suscetíveis de lesar os direitos de propriedade intelectual da Systran.

17.      Na sequência deste concurso público, apenas dois dos oito lotes do concurso foram adjudicados, no caso, à sociedade Gosselies SA (5).

II — Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

18.      Foi nestas circunstâncias que a Systran e a Systran Luxembourg (6), por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de janeiro de 2007, intentaram uma ação por meio da qual pediram ao Tribunal que, primeiro, ordenasse a cessação imediata dos atos de contrafação e de divulgação cometidos pela Comissão, segundo, ordenasse a apreensão de todos os suportes detidos pela Comissão e pela Gosselies, nos quais estão reproduzidos os desenvolvimentos informáticos realizados por esta última a partir das versões EC‑Systran Unix e Systran Unix, em violação dos direitos das demandantes, e ordenasse a sua entrega à Systran, ou, pelo menos, a sua destruição sob fiscalização, terceiro, condenasse a Comissão no pagamento de uma indemnização mínima de 1 170 328 euros à Systran Luxembourg e de 48 804 000 euros, a título provisório, à Systran, quarto, ordenasse a publicação da decisão que viesse a ser proferida pelo Tribunal, a expensas da Comissão, nos jornais especializados, nas revistas especializadas e nos sítios especializados da Internet escolhidos pela Systran e, quinto e último, condenasse a Comissão nas despesas.

19.      O Tribunal Geral, antes de mais, julgou improcedentes as várias exceções de inadmissibilidade da ação de indemnização invocadas pela Comissão (n.os 52 a 125 do acórdão recorrido). Declarou, em primeiro lugar, depois de analisados os pedidos das demandantes e os vários elementos apresentados pelas partes, que não se podia considerar que o litígio revestia uma natureza contratual e que, consequentemente, o Tribunal não se podia considerar incompetente para dele conhecer (n.os 57 a 104 do acórdão recorrido). Em segundo lugar, julgou improcedente a exceção relativa à falta de clareza da petição (n.os 107 a 111 do acórdão recorrido). Em terceiro e último lugar, julgou improcedente a exceção de inadmissibilidade relativa à sua incompetência para declarar a existência de uma contrafação no âmbito de uma ação de responsabilidade extracontratual, depois de ter declarado que a contrafação era invocada com a exclusiva finalidade de qualificar o comportamento da Comissão de ilegal no âmbito de uma ação de responsabilidade extracontratual, para a qual é competente, e que nenhuma via de recurso nacional permitia obter a reparação do prejuízo alegadamente sofrido (n.os 113 a 117 do acórdão recorrido).

20.      Em seguida, o Tribunal Geral julgou improcedentes as exceções de inadmissibilidade dos pedidos por meio dos quais requereu que fosse ordenada a cessação imediata, por parte da Comissão, dos atos de contrafação e de divulgação, a apreensão à Comissão e à Gosselies de determinados dados informáticos e a sua destruição, e a publicação, a expensas da Comissão, da decisão que viesse a ser proferida pelo Tribunal Geral nos jornais e revistas especializados e em sítios Internet especializados (n.os 118 a 125 do acórdão recorrido).

21.      Por último, quanto ao mérito, o Tribunal Geral analisou sucessivamente os direitos invocados pelas demandantes e a ilegalidade do comportamento imputado à Comissão (n.os 127 a 261 do acórdão recorrido), os prejuízos sofridos pelas demandantes e o nexo de causalidade entre os prejuízos alegados e a ilegalidade invocada (n.os 262 a 326 desse acórdão), e em seguida as diferentes medidas distintas da indemnização requerida pelas demandantes no seu pedido (n.os 327 a 332 do referido acórdão).

22.      O Tribunal Geral julgou improcedente o pedido de indemnização apresentado pela Systran Luxembourg por considerar que não existia um nexo de causalidade entre o comportamento imputado à Comissão e os prejuízos invocados pela referida sociedade (n.os 264 a 267 do acórdão recorrido). Julgou também improcedente, pelos mesmos motivos, o pedido de indemnização apresentado pela Systran relativo à depreciação dos títulos da Systran Luxembourg (n.os 283 e 284 do acórdão recorrido). Em contrapartida, reconheceu que o comportamento da Comissão causou à Systran um prejuízo material devido a perda do valor dos seus ativos incorpóreos, avaliado no montante fixo de 12 milhões de euros, e prejuízos morais, no montante de 1 000 euros (n.os 285 a 326 do acórdão recorrido).

III — Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

23.      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de março de 2011, a Comissão interpôs o presente recurso da decisão do Tribunal Geral.

24.      Foram ouvidas as alegações das partes na audiência realizada em 19 de abril de 2012.

25.      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        declarar o recurso admissível e procedente;

¾        anular o acórdão recorrido, na parte em que foi parcialmente julgada procedente a ação de indemnização intentada contra a Comissão e, em consequência, pronunciar‑se de forma definitiva, negando provimento ao recurso em razão do seu caráter inadmissível ou improcedente, e

¾        condenar a Systran e a Systran Luxembourg na totalidade das despesas efetuadas por estas últimas e pela Comissão.

26.      A Systran e a Systran Luxembourg concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        negar provimento ao recurso da Comissão;

¾        confirmar o acórdão recorrido, e

¾        condenar a Comissão na totalidade das despesas.

IV — Fundamentos do recurso

27.      A Comissão invoca oito fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à incompetência do Tribunal Geral, por este último ter concluído de forma manifestamente errada e contraditória que o litígio não tinha natureza extracontratual. O segundo fundamento é relativo à violação dos direitos de defesa e ao desrespeito das regras sobre a produção de prova. Com o seu terceiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral fez uma aplicação incorreta das regras dos direitos de autor relativas à titularidade dos direitos invocados pela Systran. Com o seu quarto e quinto fundamentos, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto quanto à apreciação do caráter ilegal ou culposo do seu comportamento e do caráter suficientemente caracterizado da sua pretensa infração. Com o sexto fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral, por um lado, cometeu um erro de direito na interpretação da exceção prevista no artigo 5.° da Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (7), e, por outro, fundamentou insuficientemente o seu acórdão no que respeita à exceção prevista no artigo 6.° da referida diretiva. O sétimo fundamento é relativo a um erro de direito na apreciação da existência de um nexo de causalidade «suficientemente direto» entre a ilegalidade denunciada e o prejuízo invocado. Por último, o oitavo fundamento é relativo a um erro de direito na fixação da indemnização por perdas e danos no montante de 12 001 000 euros.

V —    Quanto ao primeiro fundamento

A —    Resumo da argumentação da Comissão

28.      No âmbito do primeiro fundamento do seu recurso, a Comissão alega, a título principal, que o litígio que a opõe à Systran e à Systran Luxembourg se integra não no contencioso da responsabilidade extracontratual mas, tendo em conta os diferentes contratos que celebrou com estas sociedades entre 1975 e 2002, bem como outros documentos contratuais, como certas trocas de correspondência e cartas de compromisso, no contencioso da responsabilidade contratual. Deste modo, o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto na apreciação que fez da natureza jurídica do litígio e, consequentemente, infringiu as suas próprias regras de competência (8).

29.      Alega, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de interpretação do acórdão de 20 de maio de 2009, Guigard/Comissão (9). Embora reconhecendo que uma violação dos direitos de autor pode dar origem a uma ação de responsabilidade extracontratual, a Comissão considera que o presente litígio não configura essa situação, na medida em que as partes acordaram regras de cessão ou de concessão dos direitos de autor em causa no presente caso.

30.      A Comissão dedica‑se, em seguida, a demonstrar a procedência da sua tese, efetuando uma análise dos contratos em causa, da sua natureza jurídica e das suas cláusulas, bem como dos direitos que estes últimos lhe concedem. Conclui daí que o Tribunal Geral, não tendo tomado em consideração a medida exata dos direitos de utilização que a Comissão detém sobre o programa informático EC‑Systran Unix, efetuou uma desvirtuação do sentido claro dos referidos contratos, que o conduziu a um erro de apreciação da natureza do litígio.

31.      Por último, a Comissão invoca uma violação das regras de interpretação dos contratos, na medida em que o Tribunal Geral não pode interpretar os contratos de migração, designadamente o seu artigo 13.°, no sentido de que não lhe atribuem nenhum direito. Alega igualmente que o Tribunal Geral cometeu um erro ao concluir que, uma vez que a Systran não era signatária dos contratos de migração, estes últimos não lhe eram oponíveis como tais, por aplicação do princípio do efeito relativo dos contratos.

32.      A resposta a dar a este primeiro fundamento da Comissão suscita algumas reflexões prévias da minha parte.

B —    A problemática de uma exceção de incompetência fundada na natureza contratual do litígio

1.      Uma questão de distribuição vertical das competências jurisdicionais entre a União e os Estados‑Membros

33.      Importa começar por recordar que, em conformidade com o disposto no artigo 274.° TFUE, os litígios em que a União seja parte não ficam, por este motivo, subtraídos à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, «[s]em prejuízo da competência atribuída ao Tribunal de Justiça», isto é, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, exceto nos casos em que estejam abrangidos pela competência exclusiva do juiz da União (10).

34.      O artigo 274.° TFUE estabelece, assim, uma repartição vertical das competências entre jurisdições da União e órgãos jurisdicionais nacionais para o conhecimento dos litígios em que a União seja parte, orientada pelo princípio das competências de atribuição ou, mais precisamente, determinada pelas diferentes disposições do Tratado FUE que atribuem aos órgãos jurisdicionais da União competências materiais exclusivas.

35.      Além disso, em conformidade com jurisprudência assente, as jurisdições da União dispõem designadamente de competência exclusiva para conhecer dos litígios relativos à reparação dos prejuízos causados pelas instituições da União ou pelos seus agentes no exercício das suas funções, prevista nos artigos 268.° TFUE e 340.°, segundo e terceiro parágrafos, TFUE (11), bem como no artigo 41.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

36.      Por último, nos termos do artigo 272.° TFUE, as jurisdições da União são competentes (12) para decidir com fundamento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito público ou de direito privado, celebrado pela União(13).

37.      Resulta, pois, da leitura conjugada dos artigos 272.° TFUE, 274.° TFUE, 268.° TFUE e 340.°, primeiro e segundo parágrafos, TFUE, que quando a União é objeto de uma ação de responsabilidade, intentada por uma pessoa singular ou coletiva, é a natureza contratual ou extracontratual do litígio, salvo eventual cláusula atributiva de jurisdição, que determina imediatamente a competência jurisdicional. Dito de outro modo, os órgãos jurisdicionais nacionais dispõem de uma competência de princípio para conhecerem dos litígios contratuais, salvo quando exista uma cláusula compromissória que atribua competência às jurisdições da União. Por seu lado, as jurisdições da União dispõem de competência exclusiva para conhecer dos litígios extracontratuais.

38.      Como resulta do acima recordado, a questão da natureza contratual ou extracontratual de um determinado litígio suscita, assim, uma questão de repartição vertical das competências entre órgãos jurisdicionais nacionais e jurisdições da União (14), que excede assim amplamente, e pela sua natureza, a questão da delimitação dos contenciosos contratual e extracontratual nas ordens jurídicas dos Estados‑Membros.

2.      Uma questão de determinação do direito aplicável: o artigo 340.° TFUE

39.      A determinação da natureza, contratual ou extracontratual, de um litígio em que a União é parte não é no entanto apenas fundamental por condicionar a competência jurisdicional da União ou dos Estados‑Membros. É‑o igualmente no que respeita ao direito aplicável ao litígio, com consequências imediatas sobre a resposta a dar a uma exceção assente na natureza contratual do referido litígio.

40.      Resulta do artigo 340.°, primeiro parágrafo, TFUE, que, no caso de um litígio de natureza contratual, a responsabilidade da União é «regulada pela lei aplicável ao contrato em causa». Em contrapartida, em matéria de responsabilidade extracontratual, por força do artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, a União deve «indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros».

41.      Se o litígio tiver natureza contratual, é aplicável um direito substantivo por força das próprias cláusulas do contrato. É designadamente a lei do contrato que regulará os respetivos direitos e obrigações das partes neste contrato e que determinará a legislação aplicável a este último e, finalmente, o órgão jurisdicional competente para conhecer dos litígios que digam respeito ao referido contrato, em conformidade tanto com a lei aplicável ao contrato como com a lei do contrato (15).

42.      Em contrapartida, se o litígio tiver natureza extracontratual, o direito ao abrigo do qual se poderá responder ao pedido de indemnização, como prevê o artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, é constituído unicamente pelos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros. Isso implica que o juiz da União só se poderá pronunciar com base nos referidos princípios, que, dito por outras palavras, este juiz da União não terá nenhum outro direito à sua disposição e que, por conseguinte, não é competente para aplicar as leis de eventuais contratos, nem a lei destes contratos nem as leis aplicáveis aos referidos contratos. No entanto, esta situação não tem em si mesma nada de surpreendente no quadro de uma ação de responsabilidade extracontratual assente, por hipótese, na inexistência de uma cláusula contratual pertinente, ou seja, que tenha um nexo suficiente com o litígio.

C —    Como proceder perante uma exceção de incompetência assente na natureza contratual do litígio?

43.      Um litígio de natureza extracontratual apresenta‑se, a priori, como um litígio que opõe partes que não estão vinculadas por nenhuma relação contratual pertinente, ou seja, que tenha uma conexão com o objeto do litígio.

44.      Ora, se se verificar que um litígio que reveste esta configuração não pode ser resolvido sem que seja feita uma análise do conteúdo e do âmbito dos vínculos contratuais que unem as partes e que, consequentemente, a «lei do contrato» deve ser tomada em consideração para efeitos desta resolução, parece claro que este litígio se torna, em primeiro lugar e em princípio, um litígio de «caráter contratual». Deve pois ser analisado como tal, pelo menos à partida, especificando‑se que nada se opõe a que, seguidamente e em resultado dessa análise efetuada pelo órgão jurisdicional competente em matéria de responsabilidade contratual, o litígio possa ser atribuído ao órgão jurisdicional competente para conhecer de uma ação em matéria de responsabilidade extracontratual. Com efeito, não se pode esquecer que, para efeitos de julgar procedente uma exceção de incompetência relativa à natureza contratual de um litígio, não se pode exigir que se conclua pela inexistência de quaisquer atos suscetíveis de gerar responsabilidade extracontratual, mas unicamente concluir pela existência de um contexto contratual que revista as características anteriormente descritas.

45.      Tudo isto equivale a dizer que uma exceção de inadmissibilidade formalmente invocada por uma demandada numa ação de responsabilidade extracontratual, por meio da qual seja invocada a existência de uma relação contratual entre as partes que tenha relação com o objeto do litígio, não pode ser considerada uma qualquer exceção, mas deverá antes ser considerada uma questão, por assim dizer, qualificada, chamada a ser resolvida de forma prévia e prioritária.

46.      Em contrapartida, a lógica inversa, segundo a qual, no presente caso, a análise de uma responsabilidade extracontratual em conformidade com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros deve prevalecer, não pode ser razoavelmente admitida. Com efeito, o juiz da União não pode analisar um pedido de indemnização baseado na responsabilidade extracontratual abstraindo a lei que, prima facie, vincula as partes, antes de se ter assegurado de que é razoavelmente competente para conhecer do mesmo, devendo ter afastado uma eventual exceção relativa à natureza contratual do litígio.

47.      Em conclusão, em minha opinião, a análise da existência ou não de uma «lei do contrato» que regula as relações entre as partes numa ação de responsabilidade extracontratual deve, tendo em conta as competências atribuídas pelo Tratado ao juiz da União, impor‑se logicamente de modo prévio e prioritário.

48.      Dito isto, importa ainda determinar o objeto e a intensidade desta análise prévia em tais circunstâncias e para esses fins precisos.

49.      Formulado em termos muito simples, tal significa que o juiz da União, quando lhe é submetida uma ação de responsabilidade extracontratual em cujo âmbito é oposta a natureza contratual do litígio, não pode pronunciar‑se sobre a sua competência no termo de uma análise relativa ao mérito do litígio, ou seja, de uma análise que se refira à procedência das alegações feitas perante si, designadamente pela parte que invoca a exceção. Bem pelo contrário, deve orientar a sua análise apenas com o objetivo de determinar a existência ou não daquilo que me permitirei descrever como um contexto contratual suficientemente denso e pertinente para que, como foi já salientado, o litígio não possa razoavelmente encontrar resposta sem que sejam incorporadas as relações que vinculam as partes (16). O sentido da análise a efetuar tem repercussões imediatas sobre a intensidade do controlo a realizar.

50.      Mais precisamente, devendo o juiz da União determinar a natureza, assim submetida à sua apreciação, do referido litígio, para efeitos de se pronunciar sobre a sua própria competência, o juiz da União pode apenas efetuar uma análise global, prima facie, das relações contratuais que vinculam as partes, e apenas com o objetivo de, tendo em conta o objeto do litígio, determinar a presença enquanto tal de uma «lei do contrato» que se impõe às mesmas e permite que o juiz da União conclua de maneira razoavelmente previsível que o litígio não pode ser dirimido sem que seja tida em conta, de modo apropriado, a referida «lei do contrato» (17).

51.      Permito‑me ainda insistir sobre este aspeto específico. Tendo‑lhe sido submetido, com fundamento em responsabilidade extracontratual, um litígio integrado num quadro contratual, o juiz da União, que na ausência de cláusula compromissória não está em condições de analisar o conteúdo das relações contratuais por não poder aplicar a lei que regula as relações contratuais, não pode pronunciar‑se sobre a sua competência, precisamente com base na procedência ou não das pretensões da demandada. O que, no entanto, é determinante é que ele não é chamado, para efeitos de declarar ou de declinar a sua competência, a ir além de uma apreciação global da existência de uma relação contratual suficientemente pertinente, conexa com o objeto do litígio, para que se possa concluir que este último não pode razoavelmente ser dirimido sem serem, previamente, avaliadas as cláusulas contratuais invocadas à luz do direito que lhes é aplicável.

D —    Os erros cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação da exceção de incompetência

52.      Parece‑me claro que o Tribunal Geral, quando da análise que efetuou no presente caso, não seguiu a posição proposta anteriormente, conforme resulta tanto das observações preliminares sobre as competências em matéria contratual que figuram nos n.os 57 a 64 do acórdão recorrido, nas quais expõe as grandes linhas da análise que decidiu realizar, como dos fundamentos subsequentes que desenvolvem a referida análise (n.os 65 a 104 do acórdão recorrido).

53.      Recapitulando, depois de ter apresentado as disposições pertinentes do Tratado que regulam a responsabilidade contratual e extracontratual da União (n.os 57 a 59 do acórdão recorrido), o Tribunal Geral, em primeiro lugar, indicou com razão, no n.° 60 do acórdão recorrido, que para determinar a sua competência nos termos do artigo 235.°CE, tinha que verificar, face aos vários elementos relevantes dos autos, se o pedido de indemnização apresentado pelas demandantes assentava, objetiva e globalmente, em obrigações de origem contratual ou extracontratual, reportando‑se ao acórdão Guigard/Comissão, já referido. Baseando‑se nesta premissa, o Tribunal Geral indicou os elementos que entendia tomar em consideração na sua análise, citando, de maneira não exaustiva, os pedidos das partes, o facto gerador do prejuízo alegado e o conteúdo das disposições contratuais invocadas (18).

54.      Deste modo, partindo desta premissa, o Tribunal Geral analisou em seguida formalmente, num primeiro momento, o pedido de indemnização apresentado pelas demandantes e a natureza dos comportamentos danosos que denunciam, no caso, uma divulgação ilegal do seu saber‑fazer e um ato de contrafação do programa informático Systran Unix (n.os 65 a 83 do acórdão recorrido), tendo examinado, num segundo momento, os «elementos invocados pela Comissão para fundamentar a existência de uma autorização contratual de divulgar a um terceiro informações suscetíveis de serem protegidas a título do direito de autor e do saber‑fazer» (n.os 84 a 100 do acórdão recorrido).

55.      A atuação concretamente seguida pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido merece, em minha opinião, ser duplamente criticada pelo Tribunal de Justiça.

56.      Deve observar‑se, desde logo, que o Tribunal Geral não efetuou pura e simplesmente a análise prévia da situação que prevalece entre as partes no litígio para determinar a sua própria competência para conhecer a situação. Juntando, de certo modo, a exceção de incompetência ao mérito, ou antes, juntando desde logo o mérito, abordado nesta fase, à exceção (19), procurou garantir, em primeiro lugar, a justeza do pedido das demandantes à luz dos princípios comuns ao direito dos Estados‑Membros.

57.      Só num segundo momento, quando dava uma resposta sobre o sentido estrito da exceção de incompetência, é que o Tribunal Geral se esforçou por demonstrar a inexistência de uma cláusula compromissória explícita, clara e precisa que autorizava o comportamento da Comissão, para daí deduzir, no n.° 103 do acórdão recorrido, que «o litígio em causa é de natureza extracontratual».

58.      É certo que, e importa realçá‑lo, a dificuldade com que o Tribunal Geral foi confrontado era significativa, agravada pela própria argumentação da Comissão que invocava, no quadro da sua exceção de incompetência, disposições contratuais precisas para, simultaneamente, pôr desde logo em dúvida os direitos das demandantes e reivindicar os seus.

59.      Por um lado, o Tribunal Geral dedicou‑se a demonstrar que as próprias reivindicações das demandantes tinham um fundamento. Concluiu, aliás, de modo significativo, a sua demonstração indicando que as demandantes «fizeram prova bastante dos elementos de direito e de facto necessários para permitir ao Tribunal Geral exercer a competência extracontratual que lhe é conferida pelo Tratado» (n.° 101 do acórdão recorrido).

60.      Ora, e daqui decorre a primeira crítica que deve fazer‑se à atuação do Tribunal Geral, a Comissão, em boa lógica, não pretendia, com a sua exceção de incompetência e nesta fase, negar a aparência de legitimidade das reivindicações das demandantes, mas, em contrapartida, pretendia conseguir que fosse inteiramente tomado em consideração, no quadro da apreciação da sua exceção, o contexto contratual muito vincado em que as reivindicações se inscreviam, embora a sua argumentação se centrasse em certas cláusulas determinadas. É neste sentido que deve ser entendida a insistência com que a Comissão invoca o acórdão Guigard/Comissão, já referido.

61.      Por outro lado, e daqui decorre a segunda crítica que deve fazer‑se à atuação do Tribunal Geral, este último, no que respeita à exceção propriamente dita apresentada pela Comissão, e como acima já salientei, procedeu a uma análise orientada do conteúdo do litígio, ou seja, circunscrita às disposições invocadas pela Comissão, para garantir que as referidas cláusulas contratuais não eram suscetíveis de justificar o comportamento da Comissão denunciado e de afastar a exceção de incompetência do juiz da União. Ora, a fiscalização que cumpria ao Tribunal Geral efetuar no quadro da sua análise da exceção de incompetência da Comissão não podia ter sido objeto neste momento da legalidade dos direitos contratuais reivindicados pela Comissão.

62.      Ao atuar deste modo, o Tribunal Geral não efetuou a análise de conjunto, que acabei de defender, do contexto contratual do litígio que devia efetuar para determinar se podia razoavelmente concluir‑se com certeza bastante que o litígio estava diretamente abrangido pela sua competência.

63.      À luz das considerações precedentes, considero que o Tribunal Geral cometeu um duplo erro de direito quando efetuou a sua análise das relações contratuais que se estabeleceram entre a Comissão e as diferentes sociedades do grupo Systran que desenvolveram ou contribuíram para o desenvolvimento das diversas versões do programa informático Systran ao longo do tempo e que, por conseguinte, foi sem razão que se declarou competente para conhecer da ação de indemnização do prejuízo que o comportamento da Comissão alegadamente causou à Systran.

64.      Por conseguinte, sem que seja necessário examinar nesta fase os outros fundamentos articulados pela Comissão no âmbito do seu primeiro fundamento, este deve ser julgado procedente devendo, por conseguinte, ser anulado o acórdão recorrido.

E —    O Tribunal de Justiça tem condições para ele próprio se pronunciar sobre a exceção de incompetência

65.      Resta examinar o seguimento a dar à anulação proposta e, mais concretamente, determinar se o Tribunal de Justiça deve avocar o processo e pronunciar‑se a título definitivo sobre a exceção de incompetência invocada pela Comissão em primeira instância ou se, pelo contrário, deve remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie de forma definitiva sobre a exceção de incompetência.

66.      Resulta do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

67.      No presente processo, considero que o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre a exceção de incompetência invocada pela Comissão no processo perante o Tribunal Geral (20).

68.      Como resulta dos desenvolvimentos precedentes, o litígio que opõe a Comissão à Systran e à Systran Luxembourg inscreve‑se no quadro de um conflito que diz essencialmente respeito ao âmbito dos seus respetivos direitos sobre o programa informático EC‑Systran Unix. Dado o referido programa informático ser o fruto de uma longa colaboração entre as partes, juridicamente materializada por sucessivos contratos de desenvolvimento conjunto, de manutenção e de migração, incluindo designadamente cláusulas de licença de direitos de propriedade intelectual, o litígio teve assim origem num contexto contratual muito vincado.

69.      Além disso, há que salientar aqui que, longe de incluir uma cláusula compromissória em benefício do juiz da União, os diferentes contratos celebrados apresentam cláusulas que subordinam todos os diferendos entre as partes à competência dos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro (contratos de migração) ou à arbitragem (contratos de colaboração) e designam o direito aplicável aos referidos contratos (21).

70.      A existência deste contexto contratual, cujo conteúdo foi já amplamente apresentado nos desenvolvimentos anteriores, permite, sem que seja necessário efetuar uma análise mais alargada e mais precisa deste último, concluir com suficiente certeza que, atento o objeto do pedido de indemnização e tendo em conta os direitos e obrigações contratuais das partes, não se pode razoavelmente decidir sobre o litígio sem um exame aprofundado dos diferentes contratos (22) à luz do direito que lhes é aplicável (23).

71.      Em consequência, convido o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se de forma definitiva sobre a exceção de incompetência invocada pela Comissão, decidindo que o Tribunal Geral se devia ter declarado incompetente para conhecer, nos termos dos artigos 268.° TFUE e 340.°, segundo e terceiro parágrafos, TFUE, do litígio, tal como este se apresentava perante ele e convidar as partes a recorrerem aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes designados de comum acordo para que, em aplicação da lei aplicável aos contratos e na medida em que tal seja pertinente, se pronunciem sobre o âmbito dos seus respetivos direitos e obrigações e deliberem sobre a existência de eventuais incumprimentos contratuais e sobre a eventual responsabilidade contratual da União.

72.      Nesta perspetiva, pode salientar‑se de maneira geral que a avaliação dos respetivos direitos e obrigações das partes no litígio implica, designadamente, um exame preciso e circunstanciado da natureza, do objeto e da finalidade dos diferentes contratos em causa e das principais estipulações contratuais estabelecidas, na perspetiva tanto do direito aplicável aos referidos contratos como dos usos da profissão (24), tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes e, em especial, o princípio de execução de boa‑fé das convenções e das obrigações de lealdade, de ponderação e de colaboração que incumbem às partes (25).

73.      Acrescente‑se que, para além do que possa resultar da resolução do litígio intentado nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, tal não prejudica em nada a competência do juiz da União para eventualmente ordenar a reparação dos prejuízos que poderão resultar não de um incumprimento contratual mas de qualquer comportamento constitutivo de uma infração, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros.

VI — Quanto aos outros fundamentos

74.      Como anteriormente indiquei, a análise que se segue é apresentada apenas a título subsidiário, para o caso de o Tribunal de Justiça não partilhar da conclusão a que me conduziu a análise do primeiro fundamento invocado pela Comissão. Examinarei, em primeiro lugar, o segundo fundamento invocado pela Comissão, relativo à violação das regras sobre a produção da prova e dos direitos de defesa (título A), em seguida o seu terceiro fundamento, em cujo âmbito a Comissão contesta a existência dos direitos de autor reivindicados pelas demandantes (título B). Em seguida, analisarei (título C) os diferentes fundamentos e argumentos por meio dos quais foi posta em causa a apreciação, pelo Tribunal Geral, dos diferentes requisitos para que se verifique a existência de responsabilidade extracontratual da União, a saber, a ilegalidade do comportamento censurado (título 1), a existência dos prejuízos alegados (título 2), a existência de um nexo de causalidade entre o referido comportamento e os referidos prejuízos (título 3) e, por último, a avaliação desses prejuízos (título 4).

A —    Quanto à violação das regras sobre a produção de prova e dos direitos de defesa da Comissão (segundo fundamento)

75.      Com o seu segundo fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral violou as regras sobre a produção de prova e os seus direitos de defesa, quando declarou que a apresentação do relatório Golvers e do atestado Gosselies foi tardia e, por conseguinte, inadmissível, nos termos do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral (n.os 252 e 253 do acórdão recorrido).

76.      Em conformidade com o disposto nos artigos 44.°, n.° 1, alínea e), e 46.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, cabe ao demandante e ao demandado apresentar as provas oferecidas na petição e na contestação, respetivamente.

77.      Estas disposições, que correspondem aos artigos 120.°, alínea e), e 124.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, determinam assim a fase do processo em que as ofertas de prova iniciais (26) devem normalmente ser apresentadas. Estabelecidas no interesse de uma boa administração da justiça e no pleno respeito dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, traduzem as exigências resultantes de um processo equitativo e, mais especificamente, de uma proteção dos direitos de defesa (27).

78.      No entanto, em conformidade com o disposto no artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que corresponde ao artigo 128.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, as partes podem ainda, em apoio da sua argumentação, oferecer provas na réplica e na tréplica, desde que justifiquem o atraso no oferecimento das referidas provas.

79.      O Tribunal de Justiça declarou que, enquanto exceção às regras que regulam a apresentação do oferecimento de provas, o artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral exige que as partes fundamentem o atraso na apresentação do seu oferecimento de provas (28), obrigação que implica que seja reconhecido ao juiz o poder de fiscalizar a justeza da fundamentação do atraso no oferecimento destas provas e, consoante os casos, o conteúdo destas últimas, bem como, se o pedido não for suficientemente fundado, o poder de as recusar (29).

80.      No presente caso, impõe‑se desde logo salientar que, como observou o Tribunal Geral, o relatório Golvers e o atestado Gosselies foram efetivamente apresentados numa fase extremamente tardia (30), muito posterior à conclusão da fase escrita do processo.

81.      Com efeito, resulta do n.° 251 do acórdão recorrido que a Comissão apresentou o relatório Golvers e o atestado Gosselies em resposta à terceira série de questões colocadas às partes, pelo Tribunal Geral, sobre os elementos a ter em conta para a avaliação do prejuízo. Ora, a petição foi apresentada em 25 de janeiro de 2007 e o Tribunal Geral colocou uma primeira série de questões em 1 de dezembro de 2008, e mais tarde uma segunda série de questões no início da fase oral do processo. A audiência teve lugar em 27 de outubro de 2009, tendo depois o Tribunal, por despacho de 26 de março de 2010, ordenado a reabertura da fase oral para convidar as partes a responderem à terceira série de questões em causa.

82.      Por outro lado, o Tribunal Geral constatou expressamente que este atraso era desprovido de fundamentação. No entanto, analisou com grande cuidado estes documentos (31) a título superabundante, no contexto em que foram apresentados, isto é, enquanto elementos de resposta à questão da avaliação do prejuízo.

83.      Nestas condições, o Tribunal Geral não pode ser acusado de não ter respeitado o acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido.

84.      O segundo fundamento invocado pela Comissão, relativo à violação das regras de produção de prova e dos direitos de defesa, é assim desprovido de fundamento e deve, consequentemente, ser rejeitado.

B —    Quanto à titularidade dos direitos de autor da Systran (terceiro fundamento)

85.      Com o seu terceiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na aplicação dos princípios gerais dos direitos de autor resultantes da Diretiva 91/250, designadamente ao declarar, no âmbito da apreciação da sua própria competência extracontratual para conhecer do litígio (n.os 70 a 76 do acórdão recorrido), que as demandantes eram titulares dos direitos de autor que reivindicavam.

86.      Salienta, desde logo, que o artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 prevê que o autor de um programa de computador é a pessoa singular ou o grupo de pessoas singulares que criaram o programa. Embora recordando que esta regra tem exceções no que respeita às obras coletivas ou à criação de programas de computador por um trabalhador no exercício das suas funções, a Comissão considera que estas últimas não foram invocadas pelas demandantes nem evocadas pelo Tribunal Geral.

87.      Em seguida, a Comissão critica a aplicação, por parte do Tribunal Geral, da regra da presunção de qualidade de autor, prevista designadamente no artigo 5.° da Diretiva 2004/48 (32), segundo a qual uma pessoa que atua num processo de contrafação está dispensada de fazer a prova dos seus direitos se demonstrar que o seu nome figura na obra. A este respeito, a Comissão salienta que o programa informático litigioso é denominado EC‑Systran Unix, o que prova que é coautora do mesmo com a Systran, que os direitos sobre o referido programa informático são detidos em comum e que qualquer litígio sobre o âmbito dos referidos direitos deve ser dirimido com base no contrato. Acrescenta que esta presunção é apenas iuris tantum, e que provou ser titular dos direitos de utilização do programa informático EC‑Systran Unix.

88.      No presente caso, o Tribunal Geral, no n.° 71 do acórdão recorrido, declarou que a Comissão não logrou provar que as demandantes não eram titulares dos direitos de autor que reivindicavam relativos à versão Systran Unix do programa informático Systran, fazendo sua a argumentação das recorrentes segundo a qual decorre dos princípios gerais resultantes da Convenção de Berna e das Diretivas 91/250 e 2004/48 que a qualidade de autor pertence, salvo prova em contrário, àquele ou àqueles sob cujo nome o programa de computador é divulgado (n.° 69 do acórdão recorrido).

89.      É forçoso observar que, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral deu corpo à presunção legal estabelecida no artigo 15.° da Convenção de Berna e retomada no artigo 5.° da Diretiva 2004/48, segundo a qual, para efeitos de aplicação das medidas, procedimentos e recursos previstos na referida diretiva, a fim de que, na falta de prova em contrário, o autor de uma obra literária ou artística seja considerado como tal e, por conseguinte, tenha direito a intentar um processo por violação, será considerado suficiente que o seu nome apareça na obra do modo habitual.

90.      É, pois, com fundamento numa leitura errada do acórdão recorrido que a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro ao aplicar a presunção de titularidade ao programa informático EC‑Systran Unix, pelo que o argumento deve ser rejeitado como sendo manifestamente infundado.

91.      Por outro lado, o Tribunal Geral constatou, no n.° 209 do acórdão recorrido, que, segundo os dados apresentados pelas demandantes, no caso, um parecer jurídico, a qualidade de autor de uma pessoa coletiva é consagrada pela jurisprudência em França e na Bélgica, especificando que a Comissão não conseguiu refutar este parecer.

92.      É certo que esta observação ocorre no âmbito da análise do mérito do litígio e não no âmbito do exame da admissibilidade da ação e dos desenvolvimentos especificamente consagrados à presunção de titularidade dos direitos da Systran. No entanto, foi tida em consideração pelo Tribunal Geral no âmbito da análise dos direitos das demandantes sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran, sem ter sido posta em causa pela Comissão no âmbito do seu recurso. Assim, o Tribunal Geral não pode ser acusado de não ter evocado formalmente as disposições invocadas da Diretiva 91/250/CEE.

93.      Por conseguinte, o terceiro fundamento invocado pela Comissão deve ser rejeitado por ser desprovido de fundamento.

C —    Quanto à apreciação pelo Tribunal Geral da responsabilidade extracontratual da União (quarto a oitavo fundamentos)

94.      No âmbito dos seus outros fundamentos, a Comissão contesta a apreciação pelo Tribunal Geral dos três requisitos para que se verifique a existência de responsabilidade extracontratual da União, que consistem no caráter ilegal ou culposo do seu comportamento (quarto, quinto e sexto fundamentos), na existência de qualquer prejuízo, bem como na existência de um nexo de causalidade entre a ilegalidade invocada e os prejuízos alegados (sétimo fundamento). Por último, critica a avaliação dos prejuízos invocados (oitavo fundamento). Esses diferentes fundamentos serão, pois, abordados por esta ordem, especificando‑se que é no âmbito do seu oitavo fundamento que a Comissão invoca formalmente a inexistência de qualquer prejuízo.

1.      Quanto à ilegalidade do comportamento (quarto, quinto e sexto fundamentos)

a)      Resumo dos fundamentos do acórdão recorrido

95.      No que respeita ao mérito, o Tribunal Geral, nos n.os 200 a 261 do acórdão recorrido, concluiu a sua análise do comportamento alegadamente ilegal da Comissão indicando que «ao atribuir‑se o direito de efetuar trabalhos que implicariam uma alteração dos elementos relativos à versão Systran Unix do programa informático Systran que se encontravam na versão EC‑Systran Unix, sem ter obtido o prévio acordo do grupo Systran, [a Comissão] cometeu uma ilegalidade à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros aplicáveis na matéria», ilegalidade que constitui «uma violação suficientemente caracterizada dos direitos de autor e de saber‑fazer que o grupo Systran tem sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran» (n.° 261 do acórdão recorrido).

96.      O Tribunal Geral chegou a esta conclusão no final de um exame efetuado em três etapas. Examinou, desde logo, se as demandantes podiam invocar, face aos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, o direito de se oporem a que a Comissão, sem o seu acordo, atribua trabalhos relativos a certos aspetos da versão EC‑Systran Unix a um terceiro (n.os 204 a 215 do acórdão recorrido). Em seguida, verificou a alegação da Comissão segundo a qual os diversos contratos celebrados desde 1975 a autorizavam a atribuir a um terceiro os trabalhos definidos no concurso público controvertido (n.os 216 a 227 do acórdão recorrido). Por último, analisou o conteúdo dos trabalhos mencionados no concurso público, para determinar se destes decorria a alteração ou a divulgação de elementos ou de informações protegidos a título de direitos de autor e do saber‑fazer das demandantes (n.os 228 a 260 do acórdão recorrido).

b)      Resumo dos argumentos da Comissão

97.      Primeiro, a Comissão alega, no âmbito do seu quarto fundamento, que o seu comportamento não pode ser qualificado de ilegal ou culposo. Este fundamento subdivide‑se em duas partes, sendo uma consagrada aos direitos de autor e a outra ao saber‑fazer.

98.      Por um lado, a alteração, pela própria Comissão ou por um terceiro, das componentes do programa informático EC‑Systran Unix não pode ser qualificada de contrafação (primeira parte do quarto fundamento). O Tribunal Geral, mais precisamente e em primeiro lugar (primeira alegação), desvirtuou os factos e os elementos de prova ao considerar que devido à semelhança substancial dos programas informáticos Systran Unix e EC‑Systran Unix se podia concluir que as demandantes podiam invocar os seus direitos sobre o programa informático Systran Unix para se oporem à divulgação a um terceiro, sem o seu consentimento, da versão EC‑Systran Unix (n.os 143, 147 e 212 do acórdão recorrido) (33). O Tribunal Geral cometeu igualmente, e em segundo lugar (segunda alegação), um erro manifesto de apreciação e uma desvirtuação dos factos ao concluir pela existência de uma contrafação, uma vez que foi o núcleo da versão EC‑Systran Unix do programa informático, sobre a qual possui direitos não contestados por força dos contratos de migração, que foi alterado e não o núcleo da sua versão Systran Unix.

99.      Por outro lado, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que através da atribuição de dois lotes do concurso litigioso à Gosselies e da subsequente comunicação de informações relativas à Systran Unix, a Comissão procedeu a uma divulgação culposa do saber‑fazer da Systran (segunda parte do quarto fundamento).

100. Segundo, a Comissão alega, no âmbito do seu quinto fundamento, que o referido comportamento não constitui, em caso nenhum, uma violação «suficientemente caracterizada» dos direitos de autor e do saber‑fazer da Systran, na aceção do acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão(34), na medida em que não reveste um caráter não desculpável e em que a norma infringida não apresenta as características exigidas (35). Acrescenta que, nesta apreciação, importa ter em conta o contexto em que as alegadas infrações foram cometidas, a saber, o funcionamento da sua direção‑geral responsável pela tradução de todos os documentos oficiais da instituição imposta por um interesse público superior (36).

101. Por último, em terceiro, a Comissão invoca, no quadro do seu sexto fundamento, duas acusações relativas a exceções ao direito exclusivo do autor previstas na Diretiva 91/250. O Tribunal Geral cometeu um erro de interpretação da exceção prevista no artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 ao declarar, no n.° 226 do acórdão recorrido, que a Comissão não logrou provar por que razões podia invocar esta exceção legal aos atos sujeitos a restrições para confiar a um terceiro os trabalhos a realizar no âmbito do contrato público controvertido. Por um lado, a referida diretiva não excluiu que os trabalhos referidos no seu artigo 5.°, n.° 1, possam ser realizados por terceiros. Por outro, a exceção legal abrange a adaptação de um programa a um sistema de exploração atualizado, o que constituía o objeto do concurso público de 4 de outubro de 2003. Além disso, a Comissão invocou também a exceção de descompilação, prevista no artigo 6.° da Diretiva 91/250, no âmbito das suas respostas à segunda série de questões colocadas pelo Tribunal Geral, aspeto sobre o qual este último nunca se pronunciou, infringindo o artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

c)      Apreciação

102. Dado que a Comissão contesta, sem seguir a análise ternária do Tribunal Geral, simultaneamente qualquer contrafação do direito de autor (título i) e, neste quadro, um erro de interpretação da Diretiva 91/250 (título ii) , e qualquer divulgação do saber‑fazer da Systran (título iii), alegando no entanto que, admitindo que estas ilegalidades que estão provadas, não estão, de modo nenhum, «suficientemente caracterizadas» (título iv), examinarei estes quatro aspetos sucessivamente, especificando‑se que importa tomar em consideração os fundamentos adotados pelo Tribunal Geral no âmbito da sua apreciação das exceções de inadmissibilidade, uma vez que, por um lado, o próprio Tribunal Geral faz uma remissão para essa análise nos fundamentos do seu acórdão relativos ao mérito (37), e que, por outro, a Comissão invoca formalmente, no âmbito do seu quarto fundamento, uma acusação que tem por objeto as referidas apreciações do Tribunal Geral.

i)      Quanto à contrafação dos direitos de autor (primeira parte do quarto fundamento)

—       Quanto à segunda acusação da primeira parte do quarto fundamento

103. A segunda acusação formulada pela Comissão no âmbito da primeira parte do seu quarto fundamento deve, antes de mais, ser rejeitada por ser manifestamente desprovida de fundamento.

104. Com efeito, o Tribunal Geral declarou, remetendo para a análise da sua própria competência, nos n.os 68 a 73 do acórdão recorrido, que «o grupo Systran [tinha] o direito de invocar direitos de autor sobre a versão Systran Unix do programa informático Unix que desenvolveu e comercializou sob o seu nome, sem ter de produzir outros elementos de prova» (n.° 205 do acórdão recorrido). A este respeito, especificou que «[a] discussão não se centra[va] […] na versão EC Systran Unix, mas sim nos direitos suscetíveis de serem invocados pelas demandantes, nos casos de obras que incidem sobre a versão EC Systran Unix, por terem direitos sobre a versão original e anterior Systran Unix» (n.° 211 do acórdão recorrido).

105. Deste modo, o Tribunal Geral indicou muito claramente que era a alteração da versão EC‑Systran que infringia os direitos detidos pelas demandantes sobre a versão Systran Unix (n.° 211 do acórdão recorrido).

106. A constatação assim efetuada pelo Tribunal Geral quanto ao mérito é, além disso, perfeitamente coerente com a análise efetuada no âmbito do exame da admissibilidade, nos n.os 137 a 147 do acórdão recorrido, no termo da qual considerou que as demandantes fizeram prova bastante de que há uma semelhança significativa entre a versão Systran Unix e a versão EC Systran Unix, pelo que aquelas podem invocar os direitos que detêm sobre a versão Systran Unix para se oporem à divulgação a um terceiro, sem o seu acordo, da versão derivada EC‑Systran Unix.

107. Por conseguinte, a Comissão não pode acusar o Tribunal Geral de ter cometido um erro manifesto de apreciação ou de ter desvirtuado os factos pelo facto de este se ter recusado a declarar que foi a versão EC‑Systran Unix que foi alterada.

—       Quanto à primeira acusação da primeira parte do quarto fundamento

108. A primeira acusação formulada pela Comissão no âmbito da primeira parte do seu quarto fundamento, suscita, em sua opinião, um problema de admissibilidade. A Comissão considera, repita‑se, que as conclusões jurídicas que o Tribunal Geral retira da semelhança substancial das versões Systran Unix e EC‑Systran Unix do programa informático Systran constituem uma desvirtuação dos factos e dos elementos de prova, aduzindo três argumentos.

109. Salienta, primeiro, que não tendo estado na posse da versão Systran Unix, não teve condições de contestar a alegada semelhança substancial entre a versão EC‑Systran Unix e a versão Systran Unix. Segundo, realça que, admitindo que esta está provada, essa semelhança resulta da filiação comum dos sistemas Systran Unix e EC‑Systran Unix, no caso, o sistema EC‑Systran Mainframe e da circunstância de ter encomendado à Systran a migração da versão EC‑Systran Mainframe para o ambiente Unix, referindo‑se, a este respeito, ao relatório Golvers. Por último e em terceiro, alega que a existência de um ilícito ou de uma contrafação estava excluída, por um lado, devido aos direitos que considera deter por força dos diferentes contratos sucessivamente celebrados desde 1975, argumentos que desenvolveu no âmbito do seu primeiro fundamento em que denuncia a incompetência do Tribunal Geral, e, por outro, devido às exceções aos direitos exclusivos do autor que invoca no âmbito do seu sexto fundamento.

110. Os dois primeiros argumentos da Comissão são inadmissíveis, na medida em que denunciam uma desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova, sem que seja facultada a menor precisão sobre as constatações materiais inexatas e sobre a desvirtuação dos elementos de prova que alegadamente afetam o acórdão recorrido.

111. A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, resulta dos artigos 256.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE, e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, nos termos dos quais o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito, que o Tribunal Geral é o único competente para, por um lado, apurar a matéria de facto, exceto em casos em que a inexatidão material das suas conclusões resulte dos documentos dos autos que lhe foram apresentados, e, por outro, para apreciar esses factos. Quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 256.° TFUE, para exercer a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí extraídas pelo Tribunal Geral (38).

112. O Tribunal de Justiça não tem, portanto, competência para apreciar a matéria de facto nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal Geral considerou determinantes no apuramento de tais factos. Tendo as provas sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito em matéria de prova e de produção de prova sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal Geral a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos (39). Esta apreciação não constitui, por conseguinte, exceto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (40).

113. Em qualquer caso, como acima se expôs no âmbito do exame do segundo fundamento, foi com razão que Tribunal Geral julgou inadmissível o relatório Golvers, pelo que o Tribunal de Justiça não pode tomá‑lo em consideração, ainda que esse relatório permitisse revelar a desvirtuação de factos ou de elementos de prova. Além disso, a Comissão já tinha alegado, no âmbito do processo que correu no Tribunal Geral, que nunca esteve na posse dos códigos‑fonte da versão Systran Unix (n.° 197 do acórdão recorrido), aspeto sobre o qual o Tribunal Geral se pronunciou, no n.° 254 do acórdão recorrido, no âmbito do exame que efetuou, a título subsidiário, do referido relatório Golvers, sem que a Comissão ponha precisamente esta apreciação em causa.

114. Ora, segundo jurisprudência assente, um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve, por força do disposto no artigo 256.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 168.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão do Tribunal Geral cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido. Não responde a esta exigência o recurso que se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos que já foram alegados no Tribunal Geral, incluindo os assentes em factos expressamente não acolhidos por este órgão jurisdicional. Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reanálise da petição apresentada no Tribunal Geral, o que, de acordo com o disposto no artigo 49.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, não é da competência deste último (41).

115. O terceiro argumento requer um exame particularmente atento. Com efeito, a Comissão argumenta formalmente que o Tribunal Geral cometeu um erro ao concluir que nem os contratos invocados nem as exceções aos direitos exclusivos de autor constituíam um obstáculo à qualificação do comportamento da Comissão de ilegal ou culposo.

116. Dado que a incidência das exceções aos direitos exclusivos do autor constitui o centro do sexto fundamento da Comissão, esta será analisada adiante.

117. O argumento relativo aos contratos pode ser entendido no sentido de que contesta essencialmente a qualificação jurídica dos factos que o Tribunal Geral considerou serem constitutivos de um erro ou de uma ilegalidade, questão de direito suscetível de ser objeto de recurso. Efetivamente, este último pode ser interpretado, em coerência com a argumentação apresentada no quadro do primeiro fundamento no n.° 29 das presentes conclusões, no sentido de que denuncia não a desvirtuação de disposições contratuais claras e precisas, mas a desvirtuação global dos contratos invocados. Trata‑se, pois, de apreciar não a desvirtuação de um qualquer facto, mas a desvirtuação de um ato, ou de um grupo de atos, no caso, os contratos em causa, e o erro de qualificação jurídica que daí decorre necessariamente.

118. No entanto, na medida em que a Comissão se limita a denunciar uma desvirtuação dos factos e dos elementos de prova, remetendo para os diferentes contratos invocados, sem apresentar a menor precisão nem a menor explicação a este respeito, e em que não invocou explicitamente uma desvirtuação dos referidos contratos nem mesmo a fé devida aos atos, considero que esta acusação deve igualmente ser afastada. Deve, em particular, salientar‑se a este respeito que a Comissão não entendeu ter de contestar formalmente, no âmbito do seu recurso, a conclusão a que o Tribunal Geral chegou no n.° 221 do acórdão recorrido relativa à «filosofia» dos contratos de encomenda que tinha invocado em primeira instância.

119. Por conseguinte, a primeira parte do quarto fundamento da Comissão deve ser rejeitada na íntegra por ser inadmissível.

120. Tendo em conta que o exame da incidência das exceções aos direitos exclusivos do autor previstos no artigo 5.° da Diretiva 91/250, objeto do sexto fundamento, se impõe logicamente na sequência dos desenvolvimentos precedentes, a segunda parte do quarto fundamento, relativa à divulgação do saber‑fazer, apenas será analisada posteriormente.

ii)    Quanto à incidência das exceções aos direitos exclusivos do autor previstas na Diretiva 91/250 (sexto fundamento)

121. No âmbito do seu sexto fundamento, a Comissão invoca duas acusações, a primeira relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 e a segunda ao artigo 6.° da referida diretiva.

—       Quanto à primeira acusação

122. Com a sua primeira acusação invocada no âmbito do seu sexto fundamento, a Comissão, no essencial, acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 quando declarou que a exceção legal aos atos abrangidos pelo direito exclusivo do autor de um programa de computador apenas é suscetível de se aplicar aos trabalhos realizados pelo legítimo adquirente do referido programa e não aos trabalhos confiados a um terceiro por esse adquirente (n.° 225 do acórdão recorrido).

123. O artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 dispõe que salvo disposições contratuais específicas em contrário, os atos previstos no artigo 4.°, alíneas a) e b), designadamente «a tradução, adaptação, ajustamentos ou outras modificações do programa e a reprodução dos respetivos resultados», não se encontram sujeitos à autorização do titular sempre que sejam necessários para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa se destina, bem como para a correção de erros.

124. O Tribunal de Justiça, que ainda não teve oportunidade de examinar a questão de saber se, como afirma o Tribunal Geral, a exceção ao direito exclusivo do autor é suscetível de se aplicar aos trabalhos de adaptação atribuídos a um terceiro pelo legítimo adquirente de um programa, é assim chamado a pronunciar‑se sobre este aspeto (42).

125. A este respeito, resulta dos considerandos 20 e 22 da Diretiva 91/250 que um dos objetivos desta exceção consiste em permitir a interoperabilidade de um programa criado de forma independente com outros programas ou a interação de todos os elementos de um sistema informático, incluindo os de diferentes fabricantes, de forma a poderem funcionar conjuntamente. O considerando 21 da referida diretiva especifica que os atos de reprodução e tradução previstos no artigo 4.°, alíneas a) e b), da mesma diretiva, podem ser realizados pela pessoa que tem o direito de usar uma cópia do programa, ou em seu nome.

126. Assim sendo, ainda que a conjugação do disposto nos artigos 4.° e 5.° da Diretiva 91/250, na medida em que preveem uma exceção ao direito exclusivo do titular do direito de autor de um programa de computador de fazer ou autorizar, deva ser objeto de interpretação estrita, parece difícil admitir que a diretiva exclua, em princípio, que trabalhos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação possam ser realizados por um terceiro em nome de uma pessoa titular de um direito de autorização.

127. A primeira acusação formulada pela Comissão no âmbito do seu sexto fundamento parece‑me, pois, procedente pelo que o acórdão recorrido deve, igualmente, ser anulado apenas com base neste fundamento, ainda que se trate apenas de um elemento subsidiário no raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral.

128. A este respeito, importa acrescentar que a Comissão invocou as disposições pertinentes das leis belga e luxemburguesa (n.° 224 do acórdão recorrido), mas que o Tribunal Geral rejeitou os seus argumentos com base numa interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 (n.° 225 do acórdão recorrido) depois de ter declarado que devia apreciar a natureza ilícita do comportamento da Comissão à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros (n.° 103 do acórdão recorrido).

129. Nestas condições, caso o Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido apenas devido a este fundamento, o processo deverá então ser remetido ao Tribunal Geral para que este último examine as outras condições de aplicação desta exceção e, mais especificamente, se, como sustenta a Comissão, a adaptação de um programa a um novo sistema de exploração é abrangido pelo seu âmbito de aplicação e se os trabalhos descritos no concurso público litigioso e realizados pela Gosselies eram, em conformidade com o disposto no artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250, necessários para utilizar o programa de acordo com a sua afetação.

—       Quanto à segunda acusação

130. A segunda acusação formulada pela Comissão, relativa à inexistência de exame da exceção de descompilação, prevista no artigo 6.° da Diretiva 91/250, deve, em sua opinião, ser rejeitada por ser manifestamente inadmissível. Embora seja verdade que o acórdão recorrido não contém nenhuma análise da exceção de descompilação aduzida pela Comissão, o Tribunal Geral não pode, no entanto, ser acusado de, por esse motivo, ter fundamentado de forma insuficiente o seu acórdão ou de não se ter pronunciado sobre um aspeto, ou mesmo de ter deliberado infra petita.

131. Com efeito, a Comissão, como a própria salienta na sua petição de recurso, apenas evocou a exceção de descompilação na sua resposta à segunda série de questões colocadas pelo Tribunal Geral. Nem a contestação nem a réplica apresentadas no âmbito do processo no Tribunal Geral mencionam esta exceção ou as disposições do artigo 6.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 91/250, que a prevê. Assim, o argumento relativo à exceção de descompilação não pode ser considerado um fundamento de defesa que exija uma resposta expressa do Tribunal Geral, sob pena de censura.

iii) Quanto à divulgação do saber‑fazer (segunda parte do quarto fundamento)

132. Com a segunda parte do seu quarto fundamento, a Comissão acusa também o Tribunal Geral de ter decidido que ao adjudicar o contrato resultante do concurso público de 4 de outubro de 2003 à sociedade Gosselies, a Comissão divulgou ilicitamente o saber‑fazer da Systran, abrangendo simultaneamente os fundamentos relativos à admissibilidade, nos n.os 78 a 82 do acórdão recorrido, e os relativos ao mérito do referido acórdão, no n.° 200 deste. Por um lado, as condições de aplicação do artigo 339.° TFUE não estão preenchidas no caso em apreço, como resulta do acórdão de 7 de novembro de 1985, Adams/Comissão (145/83, Recueil, p. 3539). Por outro, as demandantes, tal como o Tribunal Geral, não identificaram uma norma nem nenhum outro princípio geral que garanta a proteção do saber‑fazer, pelo que o pedido relativo a este aspeto devia ter sido julgado inadmissível.

133. A este respeito, deve observar‑se, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral declarou efetivamente, a pedido das demandantes (43), que a Comissão divulgou ilegalmente o saber‑fazer da Systran(44). Em particular, concluiu, no n.° 215 do acórdão recorrido, no final da análise dos direitos invocados pelas demandantes, que o grupo Systran tinha o direito de invocar a proteção do saber‑fazer sobre as informações técnicas e secretas relativas à versão Systran Unix do programa informático Systran (45), remetendo, a este respeito, para a análise efetuada nos n.os 78 a 81 do acórdão recorrido relativa à admissibilidade da ação de indemnização.

134. No caso vertente, declarou que uma informação técnica que está abrangida pelo segredo comercial de uma empresa e que foi transmitida à Comissão para fins precisos não pode ser divulgada a um terceiro sem autorização da empresa em causa (n.° 81 do acórdão recorrido).

135. O Tribunal Geral chegou a esta conclusão recordando, em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, por um lado, o dever de confidencialidade imposto pelo artigo 339.° TFUE à Comissão e ao seu pessoal constitui um princípio geral de direito e, por outro, que esta mesma disposição constitui a expressão do princípio geral segundo o qual as empresas têm direito à proteção dos seus segredos comerciais. Recordou igualmente as disposições do artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que garantem o respeito dos interesses legítimos da confidencialidade e do segredo profissional e comercial. Em seguida, definiu os segredos comerciais e as condições de aplicação do artigo 287.° CE.

136. Consequentemente, a segunda parte do quarto fundamento invocado pela Comissão deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente.

iv)    Quanto à violação suficientemente caracterizada (quinto fundamento)

137. A Comissão alega, no essencial, que à luz dos critérios estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (46), o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que os alegados ilícitos de contrafação e de divulgação do saber‑fazer constituíam uma violação suficientemente caracterizada na aceção da jurisprudência. As condições de existência de uma violação suficientemente caracterizada, designadamente as exigências relativas ao caráter não desculpável do comportamento denunciado e à clareza da regra violada, não estavam manifestamente reunidas e o Tribunal Geral não tomou em consideração o interesse público superior.

138. Em primeiro lugar, o Tribunal Geral, citando a jurisprudência do Tribunal de Justiça (47), recordou que o comportamento ilegal imputado a uma instituição devia consistir numa violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares e que, quando a instituição em causa apenas dispunha de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infração ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (48).

139. No final da sua análise dos direitos invocados pelas demandantes e da ilegalidade do comportamento da Comissão (49), o Tribunal Geral declarou que «a Comissão, ao atribuir‑se o direito de efetuar trabalhos que implicariam uma alteração dos elementos relativos à versão Systran Unix do programa informático Systran que se encontravam na versão EC‑Systran Unix, sem ter obtido o prévio acordo do grupo Systran, cometeu uma ilegalidade à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros aplicáveis na matéria» e que este ilícito constitui uma violação suficientemente caracterizada dos direitos de autor e de saber‑fazer que o grupo Systran tem sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran (50).

140. Ao contrário do que as demandantes alegam, esta acusação não pode ser declarada inadmissível pelo facto de não ter sido invocada pela Comissão no âmbito do processo que correu no Tribunal Geral. Efetivamente, a referida acusação é suscitada no âmbito de um fundamento relativo ao erro de qualificação do comportamento da Comissão e à inexistência de ilegalidade ou infração cometida por esta última, e contesta assim a própria existência de um dos três elementos constitutivos de responsabilidade extracontratual da União, analisada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido. Em qualquer caso, é admissível uma acusação da Comissão que tenha origem no próprio acórdão recorrido e que se destine a criticar a procedência deste último (51).

141. No caso em apreço, as críticas efetuadas pela Comissão no âmbito do recurso não são suscetíveis de permitir que se conclua pela existência de um erro de direito cometido a este respeito pelo Tribunal Geral, ainda que, por outro lado, o acórdão recorrido seja certamente objeto de censura do Tribunal de Justiça quanto a este aspeto.

142. Importa efetivamente recordar que, em conformidade com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça na qual o Tribunal Geral se baseou no acórdão recorrido, o critério decisivo para considerar que uma violação do direito comunitário é suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando esta instituição disponha apenas de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, uma simples infração ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (52).

143. Daqui resulta que, como o Tribunal de Justiça teve oportunidade de precisar, o Tribunal Geral não podia, sem cometer um erro de direito, concluir pela existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário sem ter determinado a margem de apreciação de que dispõe a instituição ou, pelo menos, sem ter explicitado de forma juridicamente bastante as razões ou as circunstâncias que pudessem ter justificado que, excecionalmente, essa análise fosse inútil (53).

144. Ora, não tendo o Tribunal Geral determinado esta margem de apreciação nem explicado a razão pela qual não era necessário efetuar essa análise, o acórdão recorrido deverá ser objeto de crítica do Tribunal de Justiça quanto a este aspeto.

145. No entanto, o acórdão recorrido não deve ser anulado com base neste fundamento.

146. Com efeito, a ação contra a Comissão baseia‑se não nas suas atividades normativas, e mais especificamente nas consequências prejudiciais resultantes de um ato normativo adotado no âmbito de uma ampla margem de apreciação (54), mas em condições de adjudicação de um contrato público de serviços. Embora uma instituição da União disponha, com evidência, de toda a latitude necessária para decidir efetuar um procedimento de adjudicação de um contrato público, em contrapartida, não dispõe de nenhuma margem de apreciação quanto ao respeito do direito que se lhe impõe no quadro desse procedimento.

147. Assim, sem que seja necessário examinar a questão de saber se não será oportuno que o Tribunal de Justiça defina (55) um regime de responsabilidade extracontratual decorrente da atividade administrativa distinto do regime de responsabilidade extracontratual resultante da atividade normativa, considero, como declarou o Tribunal Geral, que a violação por uma instituição, no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público, dos direitos de autor ou do saber‑fazer de uma pessoa singular ou coletiva, admitindo que está provada, constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma regra jurídica cujo objeto consiste em conferir direitos aos particulares suscetível de dar origem a um direito a indemnização.

148. A acusação relativa a um erro cometido pelo Tribunal Geral na sua apreciação da existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares deve igualmente ser rejeitada.

149. Em consequência, o quinto fundamento invocado pela Comissão deve ser rejeitado na íntegra.

2.      Quanto à existência dos prejuízos

a)      Resumo dos fundamentos do acórdão recorrido

150. No n.° 291 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que não obstante a proposta de avaliação inicial insuficientemente precisa do prejuízo das demandantes, não podia abstrair que o grupo Systran sofreu «um prejuízo real e certo», que se concretizava na «perda de valor do saber‑fazer da Systran subsequente à sua divulgação pela Comissão» (n.° 292 do acórdão recorrido). Concluiu, mais exatamente, pela existência de um prejuízo material, composto por três elementos principais, e de um prejuízo moral.

151. Constatou, primeiro, que os atestados passados pelos distribuidores provavam que a atitude da Comissão lesou as atividades comerciais do grupo Systran, materializando‑se este prejuízo «na perda de clientes potenciais e na complicação das conversações com os clientes atuais» (n.° 293 do acórdão recorrido). Segundo, os atestados ou depoimentos redigidos por sociedades financeiras (n.° 295 do acórdão recorrido) permitem constatar a diminuição da «atratividade da Systran junto dos seus acionistas, investidores atuais ou potenciais ou ainda de adquirentes da sociedade» (n.° 295 do acórdão recorrido). Terceiro, um atestado dos revisores oficiais de contas da Systran (n.° 298 do acórdão recorrido) demonstra que a Systran foi levada a efetuar uma provisão de 11,6 milhões de euros devido à depreciação dos seus ativos incorpóreos, isto é, à desvalorização dos seus direitos de propriedade intelectual (n.° 298 do acórdão recorrido).

152. O Tribunal Geral declarou, além disso, que para a determinação de um montante fixo para a indemnização, o prejuízo moral sofrido devia ser tido em conta, referindo, a este respeito, que com o seu comportamento a Comissão negou à Systran os direitos que esta podia extrair da sua criação, comportamento esse que é tanto mais grave quanto é certo que a Comissão, enquanto instituição, está na origem das várias disposições que harmonizam o direito da Comunidade em matéria de direitos de autor e que não foram respeitadas no presente processo (n.° 324 do acórdão recorrido).

b)      Resumo dos argumentos da Comissão

153. No âmbito do seu oitavo fundamento, que, como veremos adiante, critica essencialmente a quantificação dos prejuízos material e moral sofridos pelas demandantes e os elementos acolhidos pelo Tribunal Geral para a sua determinação de um montante fixo destes últimos, a Comissão contesta no entanto formalmente a existência de um prejuízo material. Com efeito, considera que a adjudicação à Gosselies do concurso público litigioso não é, em nada, constitutiva de um ilícito e que, portanto, não podia causar nenhum prejuízo. Contesta também, de forma explícita, a existência de um prejuízo moral, salientando em especial que o Tribunal Geral não identificou um prejuízo moral distinto do prejuízo material avaliado em 12 milhões de euros.

154. Cabe pois ao Tribunal de Justiça examinar estas duas acusações, ainda que, como a seguir demonstro, possam facilmente ser afastadas.

c)      Apreciação

155. É imperioso, em primeiro lugar, constatar que o recurso da Comissão não indica, de modo preciso, os elementos criticados do acórdão relativos à existência do prejuízo material identificado pelo Tribunal Geral, cuja anulação é pedida, nem os argumentos jurídicos que sustentam, de modo específico, o referido pedido. A argumentação da Comissão não põe de modo nenhum em causa nem as dificuldades comerciais e financeiras nem mesmo a constituição da provisão de 11,6 milhões de euros identificadas pelo Tribunal Geral como elementos constitutivos dos prejuízos materiais invocados pelas demandantes.

156. Na medida em que não cumpre as exigências do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 168.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento de Processo deste último (56), esta acusação deve, pois, ser julgada inadmissível.

157. Por outro lado, o Tribunal Geral declarou claramente que o prejuízo moral sofrido pela Systran residia na negação dos direitos que esta podia obter com a sua criação. É certo que a fundamentação do acórdão recorrido quanto a este aspeto é muito sucinta, mesmo elítica, mas constitui uma resposta à argumentação precisa das demandantes, resumida no n.° 272 do acórdão recorrido.

158. Nestas condições, o Tribunal Geral não pode ser acusado de não ter identificado o referido prejuízo moral.

159. Resulta da análise precedente que as acusações por meio das quais a Comissão põe em causa a análise efetuada pelo Tribunal Geral sobre a própria existência dos prejuízos material e moral identificados devem ser rejeitadas por serem, em parte, manifestamente inadmissíveis e, em parte, por serem desprovidas de fundamento, devendo especificar‑se que os fundamentos do acórdão recorrido (n.os 301 a 326 deste) consagrados à evolução do montante dos referidos prejuízos serão examinados em seguida, no âmbito da análise do oitavo fundamento invocado pela Comissão.

3.      Quanto ao nexo de causalidade (sétimo fundamento)

a)      Resumo dos argumentos da Comissão

160. O sétimo fundamento invocado pela Comissão, consagrado à crítica da análise do nexo de causalidade entre as ilegalidades constatadas e os prejuízos identificados, subdivide‑se em duas partes.

161. No âmbito da primeira parte, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito resultante de constatações materialmente erradas e da desvirtuação dos elementos de prova, ao concluir que existia um nexo suficientemente direto entre o seu próprio comportamento e o prejuízo que a Systran sofreu por ter tido que constituir, no final do ano 2008, uma parte da provisão de 11,6 milhões de euros devido à depreciação dos seus ativos incorpóreos. Considera também que o seu comportamento não está na origem da perturbação das relações comerciais da Systran e que não constituía um obstáculo importante para um investidor suscetível de estar interessado na Systran (primeira acusação). A Comissão salienta igualmente que, com a remissão para os n.os 324 e 325 do acórdão recorrido, efetuada no n.° 300 deste, o Tribunal Geral continuou a não fundamentar o seu acórdão no que respeita ao nexo de causalidade entre o prejuízo moral invocado pela Systran e o seu comportamento (segunda acusação).

162. No âmbito da segunda parte, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir pela existência de um nexo de causalidade sem ter examinado se a Systran tinha feito prova de uma diligência razoável para evitar ou limitar o seu prejuízo. Salienta, a este respeito, que as demandantes se abstiveram de explorar as vias de recurso à sua disposição, no caso, o recurso de anulação previsto no artigo 263.° TFUE ou a ação por contrafação do direito belga ou luxemburguês.

b)      Apreciação

163. Devo desde já precisar que a acusação formulada pela Comissão no âmbito da segunda parte do seu sétimo fundamento, relativa à inexistência de exame pelo Tribunal Geral da eventual quebra do nexo de causalidade, é, em minha opinião, fundada, pelo que não devia ser necessário analisar as duas acusações formuladas no âmbito da primeira parte do referido fundamento. No entanto, em conformidade com a orientação seguida até este momento nas presentes conclusões, apresento algumas reflexões a este respeito, de modo a esclarecer o Tribunal de Justiça, se necessário, sobre o conjunto dos aspetos de direito em discussão no presente processo.

i)      Quanto à quebra do nexo de causalidade (segunda parte do sétimo fundamento)

164. Há que recordar que segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, em conformidade com um princípio geral comum aos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, a pessoa lesada deve fazer prova de uma diligência razoável para evitar o prejuízo ou limitar a extensão do mesmo, sob pena de ter de suportar ela própria o prejuízo (57).

165. O Tribunal de Justiça declarou também que o facto de o Tribunal Geral, chamado a conhecer de um pedido de indemnização, não examinar se a vítima de um prejuízo tinha contribuído para a realização do mesmo, constituía um erro de direito (58).

166. No caso vertente, impõe‑se observar que, como salienta a Comissão, não resulta dos fundamentos do acórdão recorrido (n.os 291 a 300), consagrados à análise do nexo de causalidade entre a ilegalidade invocada e os prejuízos invocados, que o Tribunal Geral tenha examinado esta questão.

167. A circunstância, salientada pelas demandantes, de o Tribunal Geral ter ordenado a reabertura da fase oral para convidar as partes a pronunciarem‑se, no âmbito da sua resposta à terceira série de questões (59), sobre a questão de saber se se devia ter em conta, para a avaliação do montante do prejuízo, que as demandantes tinham feito tudo o que era possível para reduzir o montante dos prejuízos sofridos, não podia ser considerado suscetível de colmatar esta lacuna.

168. Ainda que o Tribunal Geral tivesse efetivamente tomado em consideração estas circunstâncias na sua avaliação do montante fixo do prejuízo, não deixa de ser certo que, por não haver fundamentação no acórdão recorrido sobre este aspeto, o Tribunal de Justiça não pode exercer a sua fiscalização sobre esta questão.

169. A segunda parte do sétimo fundamento invocado pela Comissão, relativa ao facto de não ter sido examinada uma eventual quebra do nexo de causalidade, deve, consequentemente, ser acolhida.

170. O acórdão recorrido deve assim ser também anulado com base neste fundamento, devendo o processo ser remetido ao Tribunal Geral para que este último analise este aspeto, dado que o Tribunal de Justiça não tem condições para ele próprio o dirimir a título definitivo.

ii)    Quanto à existência de um nexo de causalidade direto (primeira parte do sétimo fundamento)

171. Em conformidade com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, quando o Tribunal Geral apurou ou apreciou os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 225.° CE, para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas daí extraídas pelo Tribunal Geral (60).

172. O Tribunal de Justiça declarou mais especificamente que, em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade, a questão da existência de um nexo de causalidade entre o facto gerador e o prejuízo, requisito para que essa responsabilidade venha a verificar‑se, constitui uma questão de direito que, consequentemente, está sujeita à sua fiscalização. Nestas condições, é admissível um fundamento relativo ao facto de o Tribunal Geral ter erradamente considerado que existia um nexo de causalidade direto entre um ato ilícito da Comissão e o alegado prejuízo sofrido pela empresa recorrida no recurso, na medida em que visa precisamente proceder a uma fiscalização da qualificação jurídica dos factos efetuada pelo Tribunal Geral para dar como assente a existência do nexo de causalidade direto, e na medida em que esta fiscalização pode ser realizada sem pôr em causa constatações e apreciações de facto efetuadas (61).

173. No caso em apreço, impõe‑se observar que o Tribunal Geral, nos n.os 291 a 300 do acórdão recorrido, examinou em conjunto a realidade do prejuízo sofrido pela Systran e o nexo de causalidade entre este prejuízo e o comportamento da Comissão, ao qualificar este nexo de «suficientemente direto» por duas vezes, no início e no final da sua análise (n.os 291 e 300 do acórdão recorrido).

174. No entanto, o facto de estes fundamentos do acórdão recorrido serem dificilmente dissociáveis ou de o Tribunal Geral não ter analisado distintamente o nexo de causalidade exigido com base em fundamentos específicos que lhe sejam consagrados não permite, por si só, que se conclua que o Tribunal Geral cometeu um erro de qualificação jurídica dos factos, na medida em que decorre claramente dos referidos fundamentos que este retirou as consequências das suas próprias constatações ao qualificar o comportamento da Comissão de causa direta e certa dos prejuízos verificados (62).

175. A este respeito, deve salientar‑se que o Tribunal Geral, no n.° 292 do acórdão recorrido, especificou que se tinha esforçado por «medir os efeitos do comportamento da Comissão nas atividades do grupo Systran», tendo dirigido a segunda série de questões às partes.

176. Considerou que os atestados emitidos pelos distribuidores das demandantes, apresentados por estas últimas em resposta a estas questões «ilustra[va]m o facto, perfeitamente plausível, de que um litígio que opõe uma empresa […] a um dos seus clientes institucionais […] torna mais difíceis as relações comerciais dessa empresa com os clientes atuais e potenciais» (n.° 294 do acórdão recorrido). Considerou do mesmo modo que os depoimentos e os atestados das sociedades financeiras faziam «prova suficiente das reações de vários investidores face à ideia de se manterem em, de investirem em ou adquirirem uma sociedade que comercializa um programa informático cujos direitos são contestados pela Comissão» (n.° 296 do acórdão recorrido). Por último, constatou que o atestado dos revisores oficiais de contas da Systran permitia provar que a provisão de 11,6 milhões de euros devido à depreciação dos ativos incorpóreos estava ligada às três razões referidas nesse atestado, sendo a primeira dessas razões o litígio existente com a Comissão.

177. É imperioso constatar que os diferentes elementos assim acolhidos pelo Tribunal Geral não lhe permitiam declarar a existência de um nexo suficientemente direto e imediato de causa e efeito entre o comportamento da Comissão denunciado e os diferentes componentes do prejuízo alegado pelas demandantes. Quando muito, permitem constatar que o litígio relativo à propriedade intelectual que opõe a Systran à Comissão pôde ter uma incidência na degradação da situação económica e contabilística desta.

178. Assim, por um lado, o nexo entre este litígio e a complicação das relações comerciais da Systran é considerado como sendo, segundo os termos empregues pelo Tribunal Geral, «perfeitamente plausível». Por outro lado, o próprio Tribunal Geral salienta que a provisão de 11,6 milhões de euros devido à depreciação dos ativos incorpóreos se justificava por três razões. No entanto, não faculta nenhuma especificação sobre a parte do prejuízo daí resultante que considerou ser imputável ao conflito que opõe a Systran à Comissão e que justifica a sua avaliação num montante fixo do prejuízo material sofrido.

179. Cumpre aqui acrescentar que, embora, em princípio, e como se recordou anteriormente, não incumba ao Tribunal de Justiça pôr em causa, no quadro de um recurso, a opção por uma avaliação de montante fixo do prejuízo efetuada pelo Tribunal Geral, no entanto, esta opção não pode autorizar este último a não efetuar um controlo rigoroso da terceira condição para determinar a existência de responsabilidade extracontratual da União, que constitui a existência de um nexo de causalidade direto e imediato entre a ilegalidade invocada e o prejuízo alegado.

180. A primeira acusação invocada pela Comissão no âmbito da primeira parte do seu sétimo fundamento e relativa a um erro de qualificação jurídica do nexo de causalidade deve, consequentemente, ser acolhida.

181. Em contrapartida, a segunda acusação invocada pela Comissão no âmbito da primeira parte do seu sétimo fundamento e relativa à não fundamentação do acórdão recorrido no que respeita ao nexo de causalidade entre o seu comportamento e o prejuízo moral invocado pelas demandantes deve ser rejeitada, atendendo à análise do referido prejuízo anteriormente efetuada.

4.      Quanto à quantificação dos prejuízos (oitavo fundamento)

182. Tendo em conta a conclusão a que cheguei no final da análise do sétimo fundamento respeitante à condição relativa ao nexo de causalidade, a análise do oitavo fundamento que critica a avaliação dos prejuízos identificados é efetuada apenas a título subsidiário.

a)      Resumo dos argumentos da Comissão

183. A Comissão considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao basear‑se no valor de uma licença de adaptação fictícia para avaliar o prejuízo sofrido pela Systran entre 2004 e 2010. Mais precisamente, cometeu um erro manifesto de apreciação e uma desvirtuação dos factos ao considerar este período, não obstante os trabalhos realizados pela Gosselies terem sido efetuados durante três anos, entre 2004 e 2006, facto que constatou no n.° 313 do acórdão recorrido. Por conseguinte, o acórdão recorrido está igualmente ferido devido à existência de uma contradição e à inexistência de fundamentação. Por outro lado, o Tribunal Geral, em contradição total com os elementos de prova dos autos, constatou que uma licença de alteração do código‑fonte não era habitual na medida em que não se integra no modelo económico tradicional dos editores de programas informáticos, apesar de os diversos contratos celebrados com as sociedades do grupo Systran desde 1975 preverem o direito de a Comissão realizar ou mandar realizar trabalhos de adaptação e de evolução do programa informático EC‑Systran.

184. A avaliação pelo Tribunal Geral do montante «complementar» de cinco milhões de euros assenta também numa contradição manifesta entre as constatações de facto efetuadas e o método de cálculo utilizado. Com efeito, este último considerou, no n.° 321 do acórdão recorrido, que a atividade e o desenvolvimento da Systran foram afetados todos os anos desde 2004, num montante fixo de 650 000 euros, embora tivesse anteriormente salientado que a notícia da divulgação do programa informático e do saber‑fazer associado pela Comissão só se expandiu em 2005 e só foi tornada pública em 2006.

185. A Comissão contesta também, além da existência de qualquer prejuízo moral, como indicado anteriormente, a avaliação deste último. Salienta que a reparação deve, em princípio, ser estritamente equivalente ao prejuízo, pelo que a gravidade da infração alegadamente cometida não pode ser tida em consideração na avaliação deste último. Assim, ao condenar, nos n.os 324 e 325 do acórdão recorrido, a Comunidade a pagar à Systran 1 000 euros a título de reparação do seu prejuízo moral, tendo em consideração a gravidade da alegada infração cometida pela Comissão, o Tribunal Geral infringiu os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros e à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

b)      Apreciação

186. Importa recordar, a título preliminar, que quando o Tribunal Geral tenha constatado a existência de um prejuízo, só ele é competente para apreciar, nos limites do pedido, o modo e a medida da reparação deste, especificando‑se que o acórdão do Tribunal Geral deve, no entanto, ser suficientemente fundamentado e indicar nomeadamente os critérios tomados em conta para determinar o montante fixado (63), para que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização jurisdicional.

i)      Quanto ao prejuízo material

187. No caso em apreço, o Tribunal Geral decidiu, em conformidade com o disposto no artigo 13.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2004/48, estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa (n.os 301 a 326 do acórdão recorrido). Teve o cuidado de especificar, a este respeito, que a aplicação do método das consequências económicas negativas, previsto no referido artigo 13.°, n.° 1, alínea b), suscitava sérias dificuldades, uma vez que a perita financeira da Comissão se opunha sistematicamente a todas as tentativas de avaliação efetuadas pelo perito financeiro das demandantes (n.os 303 a 306 do acórdão recorrido).

188. Em seguida, o Tribunal Geral pormenorizou os elementos com base nos quais esta indemnização de montante fixo devia ser estabelecida, distinguindo um montante principal, constituído pelo montante das remunerações ou dos direitos que seriam devidos se a Comissão tivesse pedido autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão (n.os 307 a 319 do acórdão recorrido), um montante complementar, julgado necessário para tomar em conta elementos que a simples atribuição das referidas remunerações não lograria reparar (n.os 320 a 323 do acórdão recorrido), e, por último, o montante suscetível de reparar o prejuízo moral sofrido pela Systran (n.os 324 e 325 do acórdão recorrido).

189. A Comissão critica dois elementos da avaliação, efetuada pelo Tribunal Geral, do montante principal e do montante complementar.

190. Alega, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral não podia tomar, como base de referência para o cálculo do montante fixo principal, uma licença de alteração do código‑fonte de um programa informático em vez de tomar como base de referência uma mera licença de utilização de um programa informático. Aquilo que critica, mais exatamente, é que esta escolha se baseie no argumento segundo o qual uma licença de alteração do código‑fonte de um programa informático não é habitual, porque não entra no modelo económico tradicional dos editores de programas informáticos (n.° 308 do acórdão recorrido). Considera que esta afirmação está em contradição com os elementos de prova dos autos, demonstrando os contratos que celebrou com as sociedades do grupo Systran no presente caso que essas licenças não são inabituais.

191. Impõe‑se no entanto constatar que o Tribunal Geral se esforçou por calcular o montante principal, avaliando o custo das remunerações de uma hipotética licença anual de alteração do código‑fonte de um programa informático calculada por referência ao montante de uma hipotética licença anual de utilização do referido programa informático, tendo assim partido da hipótese de que uma licença de alteração, tendo em conta o seu âmbito, era mais onerosa do que uma simples licença de utilização. Os contratos invocados pela Comissão não permitem, na medida em que não existe nenhum elemento numérico, pôr em causa a pertinência desta distinção, pelo que não se pode considerar que o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto de apreciação ao partir desta hipótese.

192. A Comissão critica, em seguida, o período tomado em consideração pelo Tribunal Geral para avaliar o montante principal do prejuízo material identificado. Na medida em que os trabalhos realizados pela Gosselies decorreram entre 2004 e 2006, o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o montante das remunerações de uma hipotética licença anual de alteração do código‑fonte devia ser calculado para o período entre 2004 e 2010 (n.° 318 do acórdão recorrido).

193. A este respeito, basta, no entanto, observar que o cálculo do montante das remunerações de uma hipotética licença anual de alteração do código‑fonte se destina não a compensar diretamente o prejuízo resultante para a Systran dos trabalhos efetuados pela Gosselies, mas a avaliar o montante fixo principal a título de indemnização por perdas e danos destinado a reparar o prejuízo, admitindo que é provado, que resulta para a Systran do facto de a Comissão se ter concedido o direito de realizar sem autorização trabalhos que implicavam uma alteração dos elementos relativos à versão Systran Unix do programa informático EC‑Systran Unix. O Tribunal Geral concluiu assim, logicamente, ainda que de modo implícito (64), que essas remunerações eram devidas todos os anos durante todo o período de utilização do programa informático, ou seja, desde 2004, ano em que o prejuízo se concretizou com a celebração do contrato litigioso com a Gosselies, até 2010, ano em que foi proferido o acórdão do Tribunal Geral.

194. Em contrapartida, é com razão que a Comissão alega que o Tribunal Geral não fundamentou a escolha do período que teve em conta para avaliar o montante complementar do prejuízo material identificado.

195. Com efeito, o Tribunal Geral indica que este montante complementar é necessário para tomar em consideração outros elementos materiais do prejuízo sofrido pela Systran desde 2004, que o simples pagamento das remunerações de uma hipotética licença anual de alteração do código‑fonte não lograria reparar (n.° 320 do acórdão recorrido). A este respeito, especifica que a atividade e o desenvolvimento da Systran foram afetados todos os anos desde 2004, num montante de 650 000 euros, correspondente a 6 % do seu volume de negócios de 2003 (n.° 321 do acórdão recorrido), e fixa este montante complementar, atualizado para os anos de 2004 a 2010, em 5 milhões de euros (n.° 322 do acórdão recorrido).

196. Ora, como a Comissão observou, o próprio Tribunal Geral constatou que a notícia do conflito que opõe a Systran à Comissão se difundiu em 2005 e foi tornada pública em 2006 (n.° 289 do acórdão recorrido). Esta constatação deve ser conjugada com as diferentes componentes dos prejuízos identificados pelo Tribunal Geral nos fundamentos examinados anteriormente (n.os 291 a 300 do acórdão recorrido). Daí resulta que não é possível situar no tempo o início das dificuldades comerciais (n.os 293 e 294 do acórdão recorrido) e financeiras (n.os 296 e 297 do acórdão recorrido) identificadas pelo Tribunal Geral, dado que apenas a necessidade de constituir a provisão está datada de 31 de dezembro de 2008.

197. Por conseguinte, a acusação relativa à não fundamentação da avaliação do montante complementar de 5 milhões de euros é procedente, devendo assim o oitavo fundamento invocado pela Comissão ser acolhido quanto a este aspeto.

ii)    Quanto ao prejuízo moral

198. Afastando‑se do pedido formulado pela Systran, o Tribunal Geral, no n.° 325 do acórdão recorrido, avaliou o seu prejuízo moral na quantia simbólica de 1 000 euros, depois de ter constatado que, com o seu comportamento, a Comissão negou os direitos que podia extrair da sua criação, comportamento tanto mais grave quanto, enquanto instituição, a Comissão está na origem das diferentes disposições que harmonizam o direito da União em matéria de direitos de autor e que não foram respeitadas no presente processo (n.° 324 do acórdão recorrido).

199. Impõe‑se pois observar que o Tribunal Geral, no quadro da determinação do montante fixo a título de indemnização por perdas e danos, avaliou soberanamente o prejuízo moral sofrido pela Systran, apreciação que escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça, tendo tomado em consideração circunstâncias agravantes, no caso, o facto de a Comissão estar na origem das disposições do direito da União violadas, de acordo com as exigências impostas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (65).

200. Por conseguinte, a segunda parte do oitavo fundamento invocado pela Comissão deve ser julgada improcedente.

D —    Conclusão subsidiária

201. Como resulta dos desenvolvimentos precedentes, considero que o acórdão recorrido deve também, em diversos aspetos, ser objeto de censura por parte do Tribunal de Justiça quanto ao mérito. Tanto as suas apreciações dos dois requisitos da responsabilidade extracontratual da União relativos à existência de um comportamento ilegal (primeira acusação do sexto fundamento) e à existência de um nexo de causalidade direto entre o comportamento culposo constatado e os prejuízos identificados (primeira acusação da primeira parte e segunda parte do sétimo fundamento), como a sua avaliação destes prejuízos (oitavo fundamento) estão afetadas por erros de direito.

202. Nestas condições, proponho, a título subsidiário, ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido com base nestes diferentes fundamentos, embora o acórdão recorrido possa ser anulado com base num único fundamento, e, tendo em conta a natureza dos erros de direito assim constatados, que lhe remeta o processo para que, em primeiro lugar, reaprecie a existência da ilegalidade alegada e, em particular, a incidência das exceções ao direito exclusivo do titular dos direitos de autor previstas no artigo 5.° da Diretiva 91/250, em seguida, que reavalie a existência de um nexo de causalidade direta entre o comportamento eventualmente culposo e os prejuízos alegados e aprecie os elementos na origem de uma eventual quebra do referido nexo de causalidade, e, por último, que reveja os fundamentos suscetíveis de justificar a quantificação dos referidos prejuízos e, em particular, do prejuízo material complementar.

VII — Conclusão

203. Tendo em conta a análise precedente, proponho ao Tribunal de Justiça declare:

¾        a título principal:

«1)      É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de dezembro de 2010, Systran e Systran Luxembourg/Comissão (T‑19/07).

2)      A ação de indemnização por responsabilidade extracontratual intentada pela Systran SA e pela Systran Luxembourg SA no Tribunal Geral da União Europeia é inadmissível.

3)      A Systran SA e a Systran Luxembourg SA são condenadas nas despesas do processo.»

¾        a título subsidiário:

«1)      É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de dezembro de 2010, Systran e Systran Luxembourg/Comissão (T‑19/07).

2)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

3)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      A seguir «Systran».


3 —      O Tribunal de Justiça já foi indiretamente chamado a pronunciar‑se sobre uma alegação de contrafação, por parte da Comissão, de várias marcas, em concreto, no âmbito do desenvolvimento do projeto europeu de serviços de navegação por satélite Galileo, não tendo no entanto tido condições para abordar as questões que a propositura de uma ação por contrafação pode suscitar. V. despacho de 20 de março de 2007, Galileo International Technology e o./Comissão (C‑325/06 P), que por ser, em parte, manifestamente inadmissível e, em parte, por ser manifestamente infundado, nega provimento ao recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de maio de 2006, Galileo International Technology e o./Comissão (T‑279/03, Colet., p. II‑1291). Em contrapartida, o Tribunal Geral já teve ocasião de analisar, para além do acórdão recorrido, ações por contrafação. V., no domínio do direito das marcas, além do acórdão Galileo International Technology e o./Comissão, já referido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de abril de 2003, Travelex Global and Financial Services e Interpayment Services/Comissão (T‑195/00, Colet., p. II‑1677), e, no domínio das patentes, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 5 de setembro de 2007, Document Security Systems/BCE (T‑295/05, Colet., p. II‑2835).


4—      Recorda‑se aqui unicamente que, em conformidade com o disposto no artigo 89.° do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1), «[o]s procedimentos de adjudicação de contratos basear‑se‑ão num convite a concorrer tão amplo quanto possível», especificando‑se que as instituições da União são consideradas entidades adjudicantes relativamente aos contratos celebrados por sua própria conta, por força do artigo 104.° do referido regulamento. Pode igualmente recordar‑se que, em aplicação do artigo 93.°, n.° 1, alínea f), do mesmo regulamento, serão excluídos da participação num contrato da União os candidatos ou os proponentes que, na sequência de um procedimento de adjudicação de um outro contrato ou de um procedimento de concessão de uma subvenção financiados pelo orçamento comunitário, tenham sido declarados em situação de falta grave em matéria de execução, em razão do não respeito das suas obrigações contratuais. Não obstante a quebra das relações contratuais ocorrida no presente processo, embora esta não pareça abrangida por esta situação, suscita, no entanto, indiretamente a questão da conciliação das regras relativas aos direitos de autor sobre os programas informáticos e as regras de celebração de contratos públicos. Com efeito, a questão que se pode colocar no âmbito dos contratos públicos de serviços informáticos celebrados pelas instituições é a da conciliação entre, por um lado, o respeito dos direitos de autor sobre um programa informático e, por outro, o respeito das regras fundamentais do Tratado aplicáveis aos referidos contratos públicos e que impõe à entidade adjudicante, para retomar os termos do acórdão de 7 de dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress (C‑324/98, Colet., p. I‑10745, n.° 62), uma obrigação de transparência que «consiste em garantir, a favor de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado para garantir a abertura à concorrência dos contratos de serviços, bem como o controlo da imparcialidade dos processos de adjudicação».


5—      A seguir «Gosselies».


6—      Por comodidade de linguagem e não obstante a Systran e a Systran Luxembourg serem recorridas no recurso, serão citadas nas presentes conclusões como sendo «as demandantes» no processo perante o Tribunal Geral.


7—      JO L 122, p. 42. Esta diretiva, conforme alterada pela Diretiva 93/98/CEE do Conselho, de 29 de outubro de 1993 (JO L 290, p. 9, a seguir «Diretiva 91/250»), foi codificada pela Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO L 111, p. 16). No entanto, tendo em conta a data dos factos do presente processo, esta última diretiva não é aplicável rationetemporis.


8—      Importa salientar que a Comissão, em contrapartida, não põe em causa a apreciação, feita pelo Tribunal Geral, da segunda exceção de inadmissibilidade que invocou, relativa à incompetência do Tribunal Geral para declarar uma contrafação no âmbito de uma ação de indemnização por responsabilidade extracontratual.


9—      C‑214/08 P.


10—      V. acórdãos de 21 de maio de 1987, Rau Lebensmittelwerke e o. (133/85 a 136/85, Colet., p. 2289, n.° 10); de 9 de outubro de 2001, Flemmer e o. (C‑80/99 a C‑82/99, Colet., p. I‑7211, n.° 39); e Guigard/Comissão, já referido (n.° 39).


11—      V. acórdãos de 14 de janeiro de 1987, Zuckerfabrik Bedburg e o./Conselho e Comissão (281/84, Colet., p. 49, n.° 12); de 27 de setembro de 1988, Asteris e o. (106/87 a 120/87, Colet., p. 5515, n.° 15); de 13 de março de 1992, Vreugdenhil/Comissão (C‑282/90, Colet., p. I‑1937, n.° 14); de 8 de abril de 1992, Cato/Comissão (C‑55/90, Colet., p. I‑2533, n.° 17); de 26 de novembro de 2002, First e Franex (C‑275/00, Colet., p. I‑10943, n.° 43); e de 29 de julho de 2010, Hanssens‑Ensch (C‑377/09, Colet., p. I‑7751, n.° 17).


12—      Sobre a repartição das competências respetivas entre o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral, v. despachos de 27 de maio de 2004, IAMA Consulting/Comissão (C‑517/03); de 8 de outubro de 2004, Comissão/Trends e o. (C‑248/03); acórdãos de 17 de março de 2005, Comissão/AMI Semiconductor Belgium e o. (C‑294/02, Colet., p. I‑2175, n.os 43 a 49); e de 12 de maio de 2005, Comissão/Huhtamaki Dourdan (C‑315/03, n.os 18 a 22).


13—      Sobre o contencioso contratual da União, v., por exemplo, Heukels, T., «The contractual liability of the European Community revisited», in Heukels, T., e McDonnel, E. (ed.), The action for damages in Communitylaw, Kluwer, 1997, p. 89, e Ritleng, D., «Les contrats de l’administration communautaire», em Droit administratif européen, 2007, p. 147.


14—      V., designadamente, acórdão de 11 de julho de 1985, Maag/Comissão (43/84, Recueil, p. 2581, n.° 26).


15—      V., designadamente, acórdãos de 18 de dezembro de 1986, Comissão/Zoubek (426/85, Colet., p. 4057, n.° 4); de 6 de abril de 1995, Bauer/Comissão (C‑299/93, Colet., p. I‑839, n.os 20 a 22); e de 27 de abril de 1999, Comissão /SNUA (C‑69/97, Colet., p. I‑2363, n.os 18 e 19).


16—      Acórdão Guigard/Comissão, já referido (n.° 42).


17—      V. acórdão Guigard/Comissão, já referido.


18—      A exposição pelo Tribunal Geral da sua perspetiva, singularmente nos n.os 61 e 62 do acórdão recorrido, não deixa de suscitar algumas interrogações. Assim, no referido n.° 61, salienta que a sua competência em matéria contratual é «derrogatória da lei geral» e deve, assim, ser interpretada «restritivamente», «pelo que [este] só pode conhecer dos pedidos que derivam do contrato ou que têm uma relação direta com as obrigações que dele decorrem», o que, em si, é correto. Ora, embora admitindo que esse é efetivamente o sentido que lhe deve ser atribuído, a oportunidade desta observação continua a ser obscura, uma vez que é facto assente que os contratos em causa no caso vertente não incluíam cláusulas compromissórias que lhe atribuíssem precisamente tal competência contratual. Além disso, no referido n.° 62, especifica‑se que, embora «tenha […] de examinar o conteúdo dos vários contratos celebrados [de 1975 a 2002], que são invocados pela Comissão para fundamentar a sua argumentação, esse exercício integra‑se no exame da competência e não pode ter a consequência — por si só — de alterar a natureza do litígio, ao atribuir‑lhe um fundamento contratual». Ora, é pois muito precisamente a questão que se coloca no presente caso ao juiz da União, se é de facto o sentido a atribuir a esta afirmação, ou seja, como se verá em seguida, se é verdadeiramente possível e mesmo necessário que este último proceda a uma análise propriamente dita do conteúdo dos diferentes contratos para se pronunciar sobre a sua competência. Além disso, e por outro lado, deve observar‑se que esta afirmação remete, discreta mas claramente, para o n.° 43 do acórdão Guigard/Comissão, já referido, mas invertendo o sentido deste último. No referido número, com efeito, o Tribunal de Justiça limitou‑se a salientar que a natureza fundamentalmente contratual do litígio que lhe foi submetido, devidamente constatada anteriormente, não podia ser alterada pelo simples facto de o interessado invocar regras jurídicas que não decorriam do contrato em causa mas que se impunham às partes.


19—      A este respeito, importa insistir muito especialmente no facto de, como veremos em seguida, o Tribunal Geral, nos fundamentos relativos ao mérito do acórdão recorrido, efetuar numerosas e muito substanciais remissões para a sua análise respeitante à admissibilidade. V., designadamente, n.os 153, 205, 215 e 219 do acórdão recorrido.


20—      V., designadamente, acórdãos de 15 de maio de 2003, Pitsiorlas/Conselho e BCE (C‑193/01 P, Colet., p. I‑4837, n.° 32); de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C‑521/06 P, Colet., p. I‑5829, n.° 66); de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão (C‑319/07 P, Colet., p. I‑5963, n.° 99); e de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão (C‑322/09 P, Colet., p. I‑11911, n.os 65 e 66).


21—      Pode igualmente observar‑se, a este respeito que durante os cerca de três anos que separam a publicação do concurso público litigioso da propositura da ação de indemnização por responsabilidade extracontratual no Tribunal Geral, a Systran dedicou‑se nomeadamente a encontrar «uma solução contratual» para o litígio, como resulta das explicações que prestou nos seus articulados em resposta à segunda parte do sétimo fundamento invocado pela Comissão, relativo à quebra do nexo de causalidade, que mais adiante será examinada.


22—      Este exame permitirá mesmo que se faça uma separação entre incumprimentos contratuais e infrações, operação que pode aliás vir a revelar‑se muito delicada. V., neste sentido, Varet, E., Le contentieux des licences de logiciel dans tous ses états, JCP‑E, 2012, n.° 10, p. 1173.


23—      No caso em apreço, o direito designado de comum acordo pelas partes nos contratos, quer se trate do direito dos contratos ou do direito material de transposição das Diretivas 91/250 e 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO L 157, p. 45, e retificações JO 2004, L 195, p. 16, e JO 2007, L 204, p. 27), e de execução da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886 (ato de Paris de 24 de julho de 1971), conforme alterada em 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»).


24—      Sobre as circunstâncias pertinentes a tomar em consideração na interpretação dos contratos, v., em especial, a título indicativo, artigo 5:102 dos princípios do direito europeu dos contratos, 1998, elaborados pela Commission on European Contract Law, dita «Commission Lando», in Lando, O., e Beale, H. (ed.), Lesprincipesdudroiteuropéendescontrats —Parties I et II, Kluwer Law International, 2000. V., igualmente, artigo 8:102 do projeto de quadro comum de referência, in von Bar, C., Clive, E., e Schulte‑Nölke, H. (ed.), Study Group on a European Civil Code and the Research Group on EC Private Law (Acquis Group), Principles, Definitions and Model Rules of European Private Law —Draft Common Frame of Reference (DCFR), Sellier, European law publishers, 2009. Sobre este tema, v. Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 11 de julho de 2001, sobre o direito europeu dos contratos [COM (2001) 398 final]; Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 11 de outubro de 2004, O direito europeu dos contratos e a revisão do acervo: o caminho a seguir [COM (2004) 651 final]; Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 12 de fevereiro de 2003, Maior coerência no direito Europeu dos contratos Plano de ação [COM (2003) 68 final (JO C 63, p. 1)].


25—      V. neste sentido, designadamente, Montero, E., «La communication des codes sources de logiciels. État de la question à la lumière de la jurisprudence belge et française et de la pratique contractuelle», Revue de droit intellectuel —l’Ingénieur Conseil, Bruylant, 1995, n.os 3 a 5, p. 60.


26—      O Tribunal de Justiça declarou que estas disposições deviam ser lidas à luz do artigo 66.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral e que, consequentemente, não abrangiam o oferecimento de prova contrária e a ampliação do oferecimento de prova (v. acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.os 71 e 72).


27—      Acórdão de 14 de abril de 2005, Gaki‑Kakouri/Tribunal de Justiça (C‑243/04 P, n.° 32). V., igualmente, acórdão do Tribunal Geral de 5 de outubro de 2009, de Brito Sequeira Carvalho/Comissão (T‑40/07 P e T‑62/07 P, n.° 113).


28—      Para exemplos de recusa, por intempestividade ou por inexistência de fundamentação, v. acórdãos de 3 de fevereiro de 1994, Grifoni/CEEA (C‑308/87, Colet., p. I‑341, n.° 7); de 10 de dezembro de 1998, Schröder e o./Comissão (C‑221/97 P, Colet., p. I‑8255, n.° 27); Baustahlgewebe/Comissão, já referido (n.os 71 a 75); e acórdão do Tribunal Geral de 25 de setembro de 1991, Nijman/Comissão (T‑36/89, Colet., p. II‑699, n.os 28 a 29).


29—      Acórdão Gaki‑Kakouri/Tribunal de Justiça, já referido (n.° 33).


30—      N.° 252 do acórdão recorrido.


31—      N.os 254 a 260 do acórdão recorrido.


32—      JO L 157, p. 45, e retificações JO 2004, L 195, p. 16, e JO 2007, L 204, p. 27, a seguir «Diretiva 2004/48».


33—      Esta acusação inclui, ela própria, vários argumentos que adiante serão analisados de forma mais precisa.


34—      C‑352/98 P, Colet., p. I‑5291.


35—      Acórdão de 5 de maio de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, Colet., p. I‑1029, n.° 56).


36—      Acórdão do Tribunal Geral de 11 de julho de 2007, Schneider Electric/Comissão (T‑351/03, Colet., p. II‑2237, n.os 122 e segs.).


37—      V. n.os 205 e 215 do acórdão recorrido.


38—      V., designadamente, acórdãos de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão (C‑551/03 P, Colet., p. I‑3173, n.° 51), e de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão (C‑90/09 P, Colet., p. I‑1, n.° 71).


39—      V., designadamente, acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido (n.° 24).


40—      V., designadamente, acórdãos de 8 de maio de 2003, T. Port/Comissão (C‑122/01 P, Colet., p. I‑4261, n.° 27), e General Química e o./Comissão, já referido (n.° 72).


41—      V., designadamente, despacho de 26 de abril de 1993, Kupka‑Floridi/CES (C‑244/92 P, Colet., p. I‑2041, n.os 9 a 11), e acórdão de 9 de junho de 2011, Evropaïki Dynamiki/BCE (C‑401/09 P, Colet., p. I‑4911).


42—      Na sua petição de recurso, a Comissão especificou que, no seu Relatório ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social, de 10 de abril de 2000, sobre a aplicação e os efeitos da Diretiva 91/250/CEE relativa à proteção jurídica dos programas de computador [COM (2000) 199 final], salientou a existência de uma divergência entre os Estados‑Membros quanto a este aspeto, mas que partilhava da opinião de certos comentadores de que o adquirente legítimo designa, de facto, um comprador, um tomador de licença, um locador ou uma pessoa autorizada a utilizar o programa por conta de uma destas pessoas.


43—      V., designadamente, n.os 66, 67, 78, 109 e 115 do acórdão recorrido.


44—      V., designadamente, n.os 215 e 261 do acórdão recorrido.


45—      N.° 215 do acórdão recorrido.


46—      Acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido (n.° 56).


47—      N.° 127 do acórdão recorrido.


48—      Acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, já referido (n.os 42 e 44).


49—      N.os 127 a 261 do acórdão recorrido.


50—      N.° 261 do acórdão recorrido.


51—      V., neste sentido, acórdão de 29 de novembro de 2007, Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão (C‑176/06 P, n.° 17).


52—      Acórdãos Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido (n.° 51); Bergaderm e Goupil/Comissão, já referido (n.os 41 e 42); de 10 de dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico (C‑312/00 P, Colet., p. I‑11355, n.os 53 e 54); e de 10 de julho de 2003, Comissão/Fresh Marine (C‑472/00 P, Colet., p. I‑7541, n.os 25 e 26).


53—      Acórdão de 12 de julho de 2005, Comissão/CEVA e Pfizer (C‑198/03 P, Colet., p. I‑6357, n.os 63 a 69).


54—      Acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido (n.os 50 e 51).


55—      O que, segundo é do meu conhecimento, nunca teve verdadeiramente ocasião de fazer, dado que só teve que conhecer de ações de indemnização de prejuízos resultantes da atividade normativa das instituições. Em contrapartida, o Tribunal Geral percorreu este caminho no âmbito do contencioso da função pública. Convirá comparar, a este respeito, acórdãos do Tribunal Geral de 10 de dezembro de 2008, Nardone/Comissão (T‑57/99, n.° 162); de 16 de dezembro de 2010, Comissão/Petrilli (T‑143/09 P, n.° 46); e de 12 de julho de 2012, Comissão/Nanopoulos (T‑308/10 P, n.° 103); à luz da decisão do Tribunal de Justiça (Secção especial prevista no artigo 123.º‑B do Regulamento de Processo) de 8 de fevereiro de 2011, relativa ao reexame do acórdão Comissão/Petrilli, já referido (processo C‑17/11 RX, n.os 3 e 4).


56—      V., designadamente, acórdão de 3 de outubro de 2000, Industrie des poudres sphériques/Conselho (C‑458/98 P, Colet., p. I‑8147, n.os 65 a 67); despachos de 20 de setembro de 2001, Asia Motor France e o./Comissão (C‑1/01 P, Colet., p. I‑6349, n.° 44); de 14 de julho de 2005, Gouvras/Comissão (C‑420/04 P, Colet., p. I‑7251); e acórdão de 27 de fevereiro de 2007, Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho (C‑354/04 P, Colet., p. I‑1579, n.° 22).


57—      V. acórdão de 19 de maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão (C‑104/89 e C‑37/90, Colet., p. I‑3061, n.° 33). V., igualmente, acórdãos Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido (n.° 85); de 27 de janeiro de 2000, Mulder e o./Conselho e Comissão (C‑104/89 e C‑37/90, Colet., p. I‑203, n.° 168); de 16 de março de 2000, Parlamento/Bieber (C‑284/98 P, Colet., p. I‑1527, n.os 56 e 57); de 24 de março de 2009, Danske Slagterier (C‑445/06, Colet., p. I‑2119, n.° 61); de 18 de março de 2010, Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão (C‑419/08 P, Colet., p. I‑2259, n.° 61); e despacho de 12 de maio de 2010, Pigasos Alieftiki Naftiki Etaireia/Conselho e Comissão (C‑451/09 P, n.os 39 e 40).


58—      Acórdão Parlamento/Bieber, já referido (n.° 55). V., igualmente, acórdão Comissão/Fresh Marine, já referido (n.os 45 a 49).


59—      V. n.° 46 do acórdão recorrido.


60—      V., designadamente, acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, Colet., p. I‑4951), e de 19 de março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão (C‑510/06 P, Colet., p. I‑1843, n.° 105).


61—      V. acórdão de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric (C‑440/07 P, Colet., p. I‑6413, n.os 191 a 193).


62—      Acórdão Comissão/Schneider Electric, já referido (n.° 204).


63—      V., designadamente, acórdão de 9 de setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão (C‑257/98 P, Colet., p. I‑5251, n.os 34 e 35).


64—      V., por exemplo, acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 372), e de 27 de outubro de 2011, Áustria/Scheucher‑Fleisch e o. (C‑47/10 P, Colet., p. I‑10707, n.° 104).


65—      V., muito especificamente, quanto a este aspeto, acórdão de 14 de maio de 1998, Conselho/de Nil e Impens (C‑259/96 P, Colet., p. I‑2915, n.° 25).