Language of document : ECLI:EU:C:2015:260

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

23 de abril de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Diretiva 2008/115/CE — Normas e procedimentos comuns em matéria de regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Artigos 6.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1 — Legislação nacional que prevê, em caso de situação irregular, a aplicação, consoante as circunstâncias, de uma multa ou do afastamento»

No processo C‑38/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia de la Comunidad Autónoma del País Vasco (Espanha), por decisão de 17 de dezembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de janeiro de 2014, no processo

Subdelegación del Gobierno en Gipuzkoa — Extranjería

contra

Samir Zaizoune,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen (relator), presidente de secção, K. Jürimäe, J. Malenovský, M. Safjan e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de dezembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Pardo Quintillán e M. Condou‑Durande, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem, nomeadamente, por objeto a interpretação dos artigos 6.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO L 348, p. 98).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado contra S. Zaizoune, devido à sua situação irregular no território espanhol.

 Quadro jurídico

 Diretiva 2008/115

3        Os considerandos 2 e 4 da Diretiva 2008/115 enunciam:

«(2)      O Conselho Europeu de Bruxelas, de 4 e 5 de novembro de 2004, apelou à definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e a dignidade das pessoas.

[…]

(4)      Importa estabelecer normas claras, transparentes e justas para uma política de regresso eficaz, enquanto elemento necessário de uma política de migração bem gerida.»

4        O artigo 1.° da Diretiva 2008/115, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

5        O artigo 3.° desta diretiva define diferentes termos para os efeitos da mesma. Assim, no ponto 4 deste artigo, a «decisão de regresso» é definida como sendo «uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso».

6        No ponto 5 do referido artigo, o «afastamento» é entendido como «a execução do dever de regresso, ou seja, o transporte físico para fora do Estado‑Membro».

7        Sob a epígrafe «Disposições mais favoráveis», o artigo 4.° da Diretiva 2008/115 dispõe, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      A presente diretiva não prejudica a aplicação de quaisquer disposições mais favoráveis aplicáveis a nacionais de países terceiros, previstas no acervo comunitário em matéria de imigração e asilo.

3.      A presente diretiva não prejudica o direito dos Estados‑Membros de aprovarem ou manterem disposições mais favoráveis relativamente às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, desde que essas disposições sejam compatíveis com o disposto na presente diretiva.»

8        Nos termos do artigo 6.° desta diretiva, sob a epígrafe «Decisão de regresso»:

«1.      Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

2.      Os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, que sejam detentores de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhes confira direito de permanência estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. Em caso de incumprimento desta exigência pelo nacional de país terceiro em causa ou se for necessária a partida imediata deste por razões de ordem pública ou de segurança nacional, aplica‑se o n.° 1.

3.      Os Estados‑Membros podem abster‑se de emitir a decisão de regresso em relação a nacionais de países terceiros que se encontrem em situação irregular no seu território e sejam aceites por outros Estados‑Membros ao abrigo de acordos ou convenções bilaterais existentes à data da entrada em vigor da presente diretiva. Nesse caso, os Estados‑Membros que aceitarem os nacionais de países terceiros em causa devem aplicar o n.° 1.

4.      Os Estados‑Membros podem, a qualquer momento, conceder autorizações de residência autónomas ou de outro tipo que, por razões compassivas, humanitárias ou outras, confiram o direito de permanência a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território. Neste caso, não pode ser emitida qualquer decisão de regresso. Nos casos em que já tiver sido emitida decisão de regresso, esta deve ser revogada ou suspensa pelo prazo de vigência da autorização de residência ou outra que confira direito de permanência.

5.      Sempre que estiver em curso o processo de renovação do título de residência ou de outra autorização que confira um direito de permanência a favor de nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, este deve ponderar a hipótese de não emitir decisões de regresso até à conclusão do referido processo, sem prejuízo do disposto no n.° 6.

[…]»

9        O artigo 7.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Partida voluntária», dispõe, nos seus n.os 1 e 4:

«1.      A decisão de regresso deve prever um prazo adequado para a partida voluntária, entre sete e trinta dias, sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 e 4. […]

[…]

4.      Se houver risco de fuga ou se tiver sido indeferido um pedido de permanência regular por ser manifestamente infundado ou fraudulento, ou se a pessoa em causa constituir um risco para a ordem ou segurança pública ou para a segurança nacional, os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária […]»

10      O artigo 8.° desta diretiva, sob a epígrafe «Afastamento», prevê, no seu n.° 1:

«Os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para executar a decisão de regresso se não tiver sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária, nos termos do n.° 4 do artigo 7.°, ou se a obrigação de regresso não tiver sido cumprida dentro do prazo para a partida voluntária concedido nos termos do artigo 7.°»

 Direito espanhol

11      O artigo 28.°, n.° 3, alínea c), da Lei Orgânica n.° 4/2000, relativa aos direitos e liberdades dos estrangeiros em Espanha e à sua integração social (Ley Orgánica 4/2000, sobre derechos y libertades de los extranjeros en España y su integración social), de 11 de janeiro de 2000 (BOE n.° 10, de 12 de janeiro de 2000, p. 1139), na sua versão resultante do artigo único, n.° 28, da Lei Orgânica n.° 2/2009 (Ley Orgánica 2/2009, BOE n.° 299, de 12 de dezembro de 2009), em vigor desde 13 de dezembro de 2009 (a seguir «lei dos estrangeiros»), dispõe:

«A saída [do território espanhol] é obrigatória nas seguintes situações:

[…]

c)      em caso de indeferimento administrativo dos pedidos formulados pelo estrangeiro para continuar a permanecer no território espanhol, ou na falta de autorização para estar em Espanha.»

12      Por força do artigo 51.°, n.° 2, da lei dos estrangeiros, as infrações previstas na mesma lei são classificadas, em função da sua gravidade, em infrações «leves», «graves» e «muito graves».

13      O artigo 53.°, n.° 1, alínea a), da lei dos estrangeiros define como infração «grave» «[o] facto de se encontrar em território espanhol em situação irregular, por não ter obtido a prorrogação de permanência, não ter título de residência ou ter o referido título caducado há mais de três meses, sem que o interessado tenha solicitado a sua renovação dentro do prazo legalmente previsto».

14      Por força do artigo 55.°, n.° 1, alínea b), da lei dos estrangeiros, a sanção aplicável no caso de infração grave é uma multa de 501 euros a 10 000 euros.

15      O n.° 3 do mesmo artigo dispõe que, na aplicação da sanção, a autoridade competente procederá em conformidade com critérios de proporcionalidade, avaliando o grau de culpabilidade, o dano produzido, o risco decorrente da infração e a sua gravidade.

16      Na aceção do artigo 57.° da lei dos estrangeiros:

«1.      Nos casos em que os infratores sejam estrangeiros e o comportamento em questão possa ser tipificado como ‘muito grave’ ou ‘grave’, nos termos do artigo 53.°, n.° 1, alíneas a), b), c), d) e f), da presente lei orgânica, é possível substituir, tendo em conta o princípio da proporcionalidade, a multa pelo afastamento do território espanhol, após tramitação prévia do correspondente processo administrativo e por decisão fundamentada que proceda a uma apreciação dos factos que configuram a infração.

[…]

3.      Em nenhum caso podem ser aplicadas conjuntamente as sanções de afastamento e de multa.

[…]»

17      O artigo 24.° do Real Decreto 557/2011, de 20 de abril de 2011, que aprova o Regulamento da Lei Orgânica n.° 4/2000, relativa aos direitos e liberdades dos estrangeiros em Espanha e à sua integração social, após a sua reforma pela Lei Orgânica n.° 2/2009, prevê:

«1.      Nos casos de falta de autorização para estar em Espanha, em especial, por não cumprir ou ter deixado de cumprir os requisitos de entrada ou de permanência, ou nos casos de indeferimento administrativo de pedidos de prorrogação de permanência, de títulos de residência ou de qualquer outro documento necessário para a permanência de estrangeiros em território espanhol, […] a decisão administrativa proferida para esse efeito deve incluir uma advertência ao interessado quanto à obrigatoriedade da sua saída do país, sem prejuízo da possibilidade de essa advertência ser realizada, igualmente, através de aposição no passaporte ou em documento análogo, ou em documento separado, caso o interessado se encontre em Espanha ao abrigo de documento de identidade no qual essa aposição não seja possível […]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

18      S. Zaizoune, de nacionalidade marroquina, foi interpelado, em território espanhol, em 15 de julho de 2011, pelas autoridades policiais.

19      Não tendo podido apresentar, nessa ocasião, os seus documentos de identificação, o interessado foi detido e foi‑lhe instaurado um processo de afastamento do território espanhol.

20      Este processo deu lugar à adoção, em 19 de outubro de 2011, de uma decisão da Subdelegación del Gobierno en Gipuzkoa (Representante do Governo na Região de Guipuzcoa) que ordenou o seu afastamento do território espanhol, com interdição de entrada durante um período de cinco anos.

21      Esta decisão baseia‑se na situação irregular de S. Zaizoune em Espanha, nos termos do artigo 53.°, n.° 1, alínea a), da lei dos estrangeiros, a que acrescem os seus antecedentes criminais neste Estado.

22      O interessado interpôs recurso desta decisão no Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n° 2 de Donostia‑San Sebastián (Tribunal Administrativo de San Sebastián), que anulou a referida decisão e substituiu o afastamento por uma multa.

23      A Subdelegación del Gobierno en Gipuzkoa interpôs recurso desta sentença no órgão jurisdicional de reenvio. Aquela observa que as disposições nacionais em questão são interpretadas pelo órgão jurisdicional nacional supremo no sentido de que a multa é a sanção principal em caso de situação irregular de nacionais de países terceiros, se não houver fatores agravantes adicionais que justifiquem a substituição da multa pelo afastamento do território nacional.

24      Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de la Comunidad Autónoma del País Vasco decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«À luz dos princípios da cooperação leal e do efeito útil das diretivas, devem os artigos 4.°, [n.os 2 e 3], e 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115 […] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação, como a legislação nacional em causa no processo principal e a jurisprudência que a interpreta, que permite punir a situação irregular de um estrangeiro [no território nacional] exclusivamente com uma sanção económica que, além disso, é incompatível com a sanção de [afastamento]?»

 Quanto à questão prejudicial

25      A título preliminar, importa recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.° TFUE, compete a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, cabe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram apresentadas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir dos litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (acórdão eco cosmetics e Raiffeisenbank St. Georgen, C‑119/13 e C‑120/13, EU:C:2014:2144, n.° 32 e jurisprudência referida).

26      Consequentemente, embora, no plano formal, as questões submetidas digam respeito à interpretação dos artigos 4.°, n.os 2 e 3, e 6.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115, tal circunstância não obsta a que o Tribunal forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis à decisão do processo principal. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos deste direito que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, acórdão eco cosmetics e Raiffeisenbank St. Georgen, C‑119/13 e C‑120/13, EU:C:2014:2144, n.° 33 e jurisprudência referida).

27      No caso em apreço, há que salientar, como confirmado pelo Governo espanhol nas suas observações apresentadas na audiência, que o conceito de «afastamento» que figura na decisão de reenvio abrange simultaneamente uma decisão de regresso e a sua execução. Por conseguinte, a interpretação do artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115, relativo à execução da decisão de regresso, é também pertinente no âmbito do processo principal.

28      Nestas condições, a fim de responder utilmente ao órgão jurisdicional de reenvio, há que reformular a questão apresentada, devendo entender‑se que, em substância, se pretende saber se a Diretiva 2008/115, nomeadamente os seus artigos 6.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, conjugados com o artigo 4.°, n.os 2 e 3, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal, que prevê, em caso de situação irregular de nacionais de países terceiros no território desse Estado, a aplicação, consoante as circunstâncias, de uma multa ou do afastamento, sendo as duas medidas mutuamente exclusivas.

29      Decorre da decisão de reenvio que a situação irregular de nacionais de países terceiros no território espanhol pode, em aplicação da legislação nacional em causa no processo principal, na interpretação que lhe é dada pelo órgão jurisdicional nacional supremo, ser punida exclusivamente com uma multa, que é incompatível com o afastamento do território nacional, sendo esta última medida tomada apenas em presença de fatores agravantes adicionais.

30      A este respeito, há que recordar que o objetivo da Diretiva 2008/115, como resulta dos seus considerandos 2 e 4, é instaurar uma política eficaz de afastamento e de repatriamento. Esta diretiva estabelece, por força do seu artigo 1.°, as «normas e procedimentos comuns» a aplicar por cada Estado‑Membro ao regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular.

31      Como decorre do n.° 35 do acórdão El Dridi (C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268), o artigo 6.°, n.° 1, da referida diretiva começa por prever a obrigação de os Estados‑Membros emitirem uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

32      Com efeito, uma vez verificado que a pessoa se encontra em situação irregular, as autoridades nacionais competentes devem emitir uma decisão de regresso, nos termos deste artigo e sem prejuízo das exceções previstas nos seus n.os 2 a 5 (acórdão Achughbabian, C‑329/11, EU:C:2011:807, n.° 31). A este respeito, nenhum dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça permite presumir que S. Zaizoune se encontra numa das situações a que se referem estes números.

33      Importa ainda salientar que, quando uma decisão de regresso tiver sido adotada contra um nacional de país terceiro, mas a obrigação de regresso não foi respeitada por este último, seja no prazo fixado para a partida voluntária ou quando não tenha sido fixado prazo para esse efeito, o artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115 obriga os Estados‑Membros, com vista a assegurar a eficácia dos procedimentos de regresso, a adotar todas as medidas necessárias para proceder ao afastamento do interessado, a saber, por força do artigo 3.°, ponto 5, desta diretiva, ao seu transporte físico para fora do referido Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão Achughbabian, C‑329/11, EU:C:2011:807, n.° 35).

34      Além disso, há que recordar que decorre tanto do dever de lealdade dos Estados‑Membros como das exigências de eficácia recordadas, nomeadamente, no considerando 4 da Diretiva 2008/115, que a obrigação imposta aos Estados‑Membros pelo artigo 8.° desta diretiva, de procederem, nas hipóteses previstas no n.° 1 deste artigo, ao afastamento do referido nacional, deve ser cumprida o mais rapidamente possível (v. acórdão Sagor, C‑430/11, EU:C:2012:777, n.° 43 e jurisprudência referida).

35      Daí resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não cumpre os requisitos claros exigidos pelos artigos 6.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115.

36      A faculdade de os Estados‑Membros derrogarem, por força do artigo 4.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2008/115, as normas e os procedimentos que esta diretiva estabelece não pode pôr em causa esta conclusão.

37      Assim, no atinente às disposições mais favoráveis para nacionais de países terceiros previstas no acervo comunitário em matéria de imigração e asilo, a que se refere o n.° 2 desse artigo, é de constatar que nenhuma disposição da referida diretiva nem nenhuma disposição de um ato do acervo comunitário autorizam a instituição de um mecanismo que preveja, no caso de situação irregular de nacionais de países terceiros no território de um Estado‑Membro, a aplicação, consoante as circunstâncias, de uma multa ou do afastamento, sendo ambas as medidas mutuamente exclusivas.

38      Quanto ao n.° 3 do mesmo artigo, há que salientar que a faculdade de derrogação aí prevista está sujeita à condição de que as disposições mais favoráveis para as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115, adotadas ou mantidas pelos Estados‑Membros, sejam compatíveis com esta diretiva. Ora, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, recordado no n.° 30 do presente acórdão, assim como as obrigações que pesam sobre os Estados‑Membros, que resultam claramente dos artigos 6.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, da referida diretiva, essa compatibilidade não está garantida quando uma legislação nacional prevê um mecanismo como o referido no número anterior do presente acórdão.

39      A este respeito, há que recordar que os Estados‑Membros não devem aplicar uma legislação suscetível de pôr em causa a realização dos objetivos prosseguidos por uma diretiva e, por isso, privá‑la do seu efeito útil (v., neste sentido, acórdão Achughbabian, C‑329/11, EU:C:2011:807, n.° 33 e jurisprudência referida).

40      Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal pode frustrar a aplicação das normas e dos procedimentos comuns instituídos pela Diretiva 2008/115 e, se for caso disso, retardar o regresso, pondo assim em causa o efeito útil desta diretiva (v., neste sentido, acórdão Achughbabian, C‑329/11, EU:C:2011:807, n.° 39).

41      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão apresentada que a Diretiva 2008/115, nomeadamente os seus artigos 6.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, conjugados com o artigo 4.°, n.os 2 e 3, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal, que prevê, em caso de situação irregular de nacionais de países terceiros no território desse Estado, a aplicação, consoante as circunstâncias, de uma multa ou do afastamento, sendo as duas medidas mutuamente exclusivas.

 Quanto às despesas

42      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

A Diretiva 2008/115/CE do Parlamento e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, nomeadamente os seus artigos 6.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, conjugados com o artigo 4.°, n.os 2 e 3, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal, que prevê, em caso de situação irregular de nacionais de países terceiros no território desse Estado, a aplicação, consoante as circunstâncias, de uma multa ou do afastamento, sendo as duas medidas mutuamente exclusivas.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.