Language of document : ECLI:EU:C:2011:58

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 9 de Fevereiro de 2011 (1)

Processo C‑442/09

Karl Heinz Bablok,

Stefan Egeter,

Josef Stegmeier,

Karlhans Müller,

Barbara Klimesch

contra

Freistaat Bayern

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Alemanha)]

«Géneros alimentícios geneticamente modificados – Regulamento (CE) n.° 1829/2003 – Produtos apícolas – Presença de pólenes que resultam de plantas geneticamente modificadas – Consequências – Colocação no mercado – Conceitos de ‘organismo geneticamente modificado’ e de ‘produzido a partir de OGM’»





1.        O Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Alemanha) submete ao Tribunal de Justiça diversas questões prejudiciais que têm por objecto a interpretação de disposições do Regulamento (CE) n.° 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados (2).

2.        Estas questões são relativas ao estatuto jurídico dos géneros alimentícios, como o mel e os suplementos alimentares à base de pólen, nos quais se verifica, em pequenas quantidades, uma presença involuntária de pólen proveniente de plantas geneticamente modificadas, como o milho MON 810 produzido pela Monsanto que contém ADN e proteínas geneticamente modificadas.

3.        As referidas questões, substancialmente, visam saber se esses géneros alimentícios estão submetidos ao regime de autorização, etiquetagem e vigilância dos géneros alimentícios geneticamente modificados instituído pelo Regulamento n.° 1829/2003.

4.        Das respostas dadas pelo Tribunal de Justiça depende, no processo principal, um direito à compensação pecuniária dos agricultores (3) que exploram colmeias nas proximidades de terrenos pertencentes à Freistaat Bayern, nos quais, nos últimos anos, foi cultivado milho geneticamente modificado MON 810 para fins de investigação.

5.        Assim, o presente processo leva o Tribunal de Justiça a debruçar‑se sobre os problemas associados à coexistência entre as culturas geneticamente modificadas e as produções tradicionais vizinhas. O legislador da União, para já, por força do princípio de subsidiariedade, optou por deixar os Estados‑Membros definirem as regras que visam assegurar esta coexistência. Como testemunham as disposições nacionais no cerne do processo principal, estas regras podem consistir no estabelecimento de um regime de responsabilidade específica neste contexto. O estabelecimento desse regime de responsabilidade e, em particular, a verificação de um prejuízo para o agricultor afectado por uma contaminação da sua produção, pode exigir que se estabeleça se um determinado produto deve ou não ser qualificado de género alimentício geneticamente modificado, subordinado, em razão disso, a uma obrigação de autorização de colocação no mercado, de vigilância e de etiquetagem, nos termos do Regulamento n.° 1829/2003. Este problema de qualificação constitui um dos principais desafios do presente processo.

6.        Nas presentes conclusões, proponho, antes de mais, ao Tribunal de Justiça que considere que o artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados (4) e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho (5), e o artigo 2.°, ponto 4, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que não constitui um «organismo», na acepção das referidas disposições, pólen proveniente de uma planta geneticamente modificada que, no momento em que é incorporado em mel ou em que é utilizado como suplemento alimentar, já não possui a capacidade de assegurar a sua função no processo de reprodução das plantas.

7.        Depois, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que o artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento n.° 1829/2003 deve ser interpretado no sentido de que, para considerar que um género alimentício é «produzido a partir de OGM, basta que este género contenha material proveniente de plantas geneticamente modificadas. Além disso, indico que o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), deste regulamento, em minha opinião, deve ser interpretado no sentido de que mel proveniente de uma planta geneticamente modificada, bem como suplementos alimentares à base desse pólen, constituem géneros alimentícios contendo um ingrediente produzido a partir de OGM. Especifico que, a este respeito, é pouco importante que o material proveniente de uma planta geneticamente modificada seja ou não incluído de forma intencional nesses géneros.

8.        Finalmente, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que os artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que a presença involuntária no mel de pólen proveniente de uma variedade de milho, como o milho MON 810, que obteve uma autorização de colocação no mercado ao abrigo da Directiva 90/220/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados (6), e do qual apenas alguns produtos derivados são autorizados como produtos existentes, por força do artigo 8.°, n.° 1, alínea a), deste regulamento, tem como consequência que a colocação no mercado deste mel exige uma autorização emitida nos termos do referido regulamento. Acrescento que os limiares de tolerância previstos nos artigos 12.°, n.° 2, e 47.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1829/2003 não são aplicáveis por analogia à exigência de uma autorização no mercado resultante do artigo 4.°, n.° 2, deste regulamento.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      Directiva 2001/18

9.        Em conformidade com o seu artigo 1.°, lido à luz, designadamente, do vigésimo oitavo considerando, a Directiva 2001/18, conforme alterada pelo Regulamento n.° 1829/2003 e pelo Regulamento (CE) n.° 1830/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003 (7), regula as libertações no ambiente deliberadas de OGM para qualquer fim diferente da colocação no mercado, no interior da Comunidade, e a colocação no mercado de produtos que contenham ou sejam constituídos por OGM, sempre que a utilização pedida desse produto acarrete a libertação deliberada de organismos no ambiente.

10.      O quarto considerando desta directiva dispõe:

«Os organismos vivos, quando libertados no ambiente em grande ou pequena quantidades, para fins experimentais ou sob a forma de produtos comercializados, são susceptíveis de se reproduzir no ambiente e atravessar fronteiras nacionais, afectando deste modo outros Estados‑Membros. Os efeitos dessas libertações no ambiente podem ser irreversíveis.»

11.      Segundo o quinto considerando da referida directiva, «[a] protecção da saúde humana e do ambiente impõe um exame atento do controlo dos riscos resultantes da libertação deliberada no ambiente de [OGM]».

12.      Além disso, o décimo terceiro considerando da Directiva 2001/18 dispõe que «[o] conteúdo [desta] toma devidamente em consideração a experiência internacional, neste domínio, bem como os compromissos assumidos em termos de comércio internacional e deverá respeitar os requisitos do protocolo de Cartagena relativo à segurança biológica [ (8)], anexado à Convenção sobre a diversidade biológica» [ (9)].

13.      O artigo 4.°, n.° 1, desta directiva refere que os OGM só podem ser objecto a libertação deliberada de OGM ou a sua colocação no mercado só são autorizados nos termos, respectivamente, da parte B ou da parte C da referida directiva, isto é, principalmente, após notificação de um pedido nesse sentido, avaliação dos riscos para a saúde humana e para o ambiente e, depois, autorização da autoridade competente.

14.      O artigo 4.°, n.° 3, da Directiva 2001/18 dispõe que a aferição, que será efectuada caso a caso, incide sobre os efeitos adversos potenciais para a saúde humana e o ambiente que possam, directa ou indirectamente, decorrer da transferência de genes de OGM para outros organismos.

2.      Regulamento n.° 1829/2003

15.      O primeiro considerando do Regulamento n.° 1829/2003 indica que «[a] livre circulação de géneros alimentícios e alimentos para animais seguros e saudáveis constitui um requisito essencial do mercado interno, contribuindo significativamente para a saúde e o bem‑estar dos cidadãos e para os seus interesses sociais e económicos».

16.      O segundo considerando deste regulamento sublinha que «[d]everá ser assegurado um elevado nível de protecção da vida e da saúde humanas na realização das políticas comunitárias».

17.      O terceiro considerando do mesmo regulamento, consequentemente, dispõe que «[p]or forma a proteger a saúde humana e animal, os géneros alimentícios e alimentos para animais que sejam constituídos por, contenham ou sejam produzidos a partir de [OGM] (a seguir denominados ‘géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados’) deverão ser submetidos a uma avaliação de segurança através de um procedimento comunitário antes de serem colocados no mercado da Comunidade».

18.      O nono considerando do Regulamento n.° 1829/2003 especifica que «os géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados só deverão ser autorizados para colocação no mercado comunitário após uma avaliação científica do mais elevado nível possível de quaisquer riscos que apresentem para a saúde humana e animal e, se tal for o caso, para o ambiente, a ser efectuada sob responsabilidade da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos [ (10)]».

19.      Segundo o décimo primeiro considerando deste regulamento, «sempre que um OGM utilizado na produção de géneros alimentícios ou alimentos para animais tenha sido autorizado ao abrigo do presente regulamento, géneros alimentícios ou alimentos para animais que sejam constituídos por, contenham ou sejam produzidos a partir desse OGM não necessitam de autorização ao abrigo do presente regulamento mas encontram‑se sujeitos aos requisitos estabelecidos na autorização concedida em relação ao OGM».

20.      Por força do décimo sexto considerando do referido regulamento, este «deve abranger produtos produzidos ‘a partir de’ um OGM mas não produtos produzidos ‘com’ um OGM. O critério de determinação é a presença ou não de material derivado do material geneticamente modificado original nos géneros alimentícios ou alimentos para animais».

21.      O artigo 2.° do Regulamento n.° 1829/2003 estabelece uma lista de definições de conceitos pertinentes para efeitos da aplicação do regulamento, se for o caso, por remissão para as definições destes conceitos dadas pela Directiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (11), pela Directiva 2001/18 ou pelo Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (12).

22.      Esta lista inclui, designadamente, as definições seguintes:

–      «género alimentício»: qualquer substância ou produto, transformado, parcialmente transformado ou não transformado, destinado a ser ingerido pelo ser humano ou com razoáveis probabilidades de o ser;

–      «organismo»: qualquer entidade biológica dotada de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético;

–      «[OGM]»: organismo, com excepção do ser humano, cujo material genético tenha sido modificado de uma forma que não ocorre naturalmente por meio de cruzamentos e/ou de recombinação natural;

–      «libertação deliberada»: qualquer introdução intencional no ambiente de um OGM ou de uma combinação de OGM sem que se recorra a medidas específicas de confinamento, com o objectivo de limitar o seu contacto com a população em geral e com o ambiente e de proporcionar a ambos um elevado nível de segurança;

–      «avaliação dos riscos ambientais»: avaliação dos riscos para a saúde humana e o ambiente, directa ou indirectamente, a curto ou a longo prazo, que a libertação deliberada de OGM no ambiente ou a sua colocação no mercado possam representar;

–      «género alimentício geneticamente modificado»: género alimentício que contenha, seja constituído por, ou seja produzido a partir de OGM;

–      «[OGM] destinado à alimentação humana»: OGM que pode ser utilizado como género alimentício ou como matéria‑prima para a produção de géneros alimentícios;

–      «produzido a partir de [OGM]»: o que é derivado, no todo ou em parte, de OGM, mas não contém nem é constituído por OGM;

–      «ingrediente»: qualquer substância, incluindo os aditivos, utilizada no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente no produto acabado, eventualmente sob forma alterada.

23.      O âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003, no que respeita aos géneros alimentícios geneticamente modificados, é determinado no artigo 3.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Especifica‑se que a secção intitulada «Autorização e supervisão», abrange:

«a)      Os OGM destinados à alimentação humana;

b)      Os géneros alimentícios que contenham ou sejam constituídos por OGM;

c)      Os géneros alimentícios produzidos a partir de ou que contenham ingredientes produzidos a partir de OGM».

24.      O artigo 4.°, n.° 2, do referido regulamento, dispõe:

«Ninguém pode colocar no mercado um OGM destinado à alimentação humana ou um género alimentício a que se refere o n.° 1 do artigo 3.° que não esteja abrangido por uma autorização concedida em conformidade com a presente secção e se não forem cumpridas as condições relevantes estabelecidas nessa autorização.»

25.      O artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1829/2003 subordina a autorização à demonstração, em particular, de que o OGM ou o género alimentício geneticamente modificado não têm efeitos nocivos para a saúde humana, a saúde animal ou o ambiente.

26.      Nos termos do artigo 7.°, n.° 5, do mesmo regulamento, a autorização concedida de acordo com o procedimento nele previsto é válida em toda a Comunidade por dez anos e renovável.

27.      No que respeita aos produtos existentes, o artigo 8.° do referido regulamento dispõe:

«1.      Em derrogação do n.° 2 do artigo 4.°, os produtos abrangidos pela presente secção que tenham sido legalmente colocados no mercado comunitário antes da data de aplicação do presente regulamento podem continuar a ser colocados no mercado, utilizados e transformados desde que sejam cumpridas as seguintes condições:

a)      No caso dos produtos colocados no mercado nos termos da Directiva 90/220 […] antes da entrada em vigor do Regulamento (CE) n.° 258/97 (13), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Janeiro de 1997, relativo a novos alimentos e ingredientes alimentares, ou nos termos do Regulamento […] n.° 258/97, os operadores responsáveis pela colocação no mercado dos produtos em questão devem notificar a Comissão da data em que estes foram inicialmente colocados no mercado comunitário, tendo para o efeito um prazo de seis meses a contar da data de aplicação do presente regulamento;

b)      No caso dos produtos legalmente colocados no mercado comunitário mas não referidos na alínea a), os operadores responsáveis pela colocação no mercado dos produtos em questão devem notificar a Comissão de que os produtos foram colocados no mercado comunitário antes da data de aplicação do presente regulamento, tendo para o efeito um prazo de seis meses a contar dessa data.

2.      A notificação referida no n.° 1 deve ser acompanhada dos dados mencionados nos n.os 3 e 5 do artigo 5.°, caso tal seja adequado, os quais devem ser enviados pela Comissão à autoridade e aos Estados‑Membros. A autoridade deve enviar ao laboratório comunitário de referência as informações previstas nas alíneas i) e j) do n.° 3 do artigo 5.° O laboratório comunitário de referência deve testar e validar o método de detecção e identificação proposto pelo requerente.

3.      No prazo de um ano a contar da data de aplicação do presente regulamento e depois de se ter verificado que foram entregues e analisadas todas as informações, os produtos em questão devem ser incluídos no registo. […]

4.      No prazo de nove anos a contar da data em que os produtos referidos na alínea a) do n.° 1 foram inicialmente colocados no mercado, mas nunca antes de decorridos três anos após a data de aplicação do presente regulamento, os operadores responsáveis pela colocação no mercado dos referidos produtos devem apresentar um pedido em conformidade com o artigo 11.°, que se aplica mutatis mutandis.

No prazo de três anos a contar da data de aplicação do presente regulamento, os operadores responsáveis pela colocação no mercado dos produtos referidos na alínea b) do n.° 1 devem apresentar um pedido em conformidade com o artigo 11.°, que se aplica mutatis mutandis.

[…]»

28.      Por força do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1829/2003, após a emissão de uma autorização ao abrigo do mesmo regulamento, o respectivo detentor e as partes interessadas devem respeitar quaisquer condições ou restrições nela impostas e, em particular, certificar‑se de que os produtos não abrangidos pela autorização não serão colocados no mercado como géneros alimentícios ou alimentos para animais.

29.      O artigo 12.° deste regulamento, que faz parte da secção 2 do capítulo II do mesmo, intitulada «Rotulagem», dispõe:

«1.      A presente secção aplica‑se aos géneros alimentícios fornecidos como tal na Comunidade, ao consumidor final ou a colectividades, e que:

a)      Contenham ou sejam constituídos por OGM; ou

b)      Sejam produzidos a partir de ou contenham ingredientes produzidos a partir de OGM.

2.      A presente secção não se aplica aos géneros alimentícios que contenham material que contenha, seja constituído por ou seja produzido a partir de OGM numa proporção não superior a 0,9 % dos ingredientes que os compõem, considerados individualmente, ou do próprio género alimentício, se este consistir num único ingrediente, desde que a presença desse material seja acidental ou tecnicamente inevitável.

[…]»

30.      O artigo 47.° do referido regulamento, intitulado «Medidas transitórias respeitantes à presença acidental ou tecnicamente inevitável de material geneticamente modificado que tenha sido objecto de uma avaliação de risco favorável», prevê:

«1.      A presença em géneros alimentícios ou alimentos para animais de material que contenha, seja constituído por ou seja produzido a partir de OGM numa proporção não superior a 0,5 % não é considerada uma violação do n.° 2 do artigo 4.° […], desde que:

a)      Essa presença seja acidental ou tecnicamente inevitável;

b)      O material geneticamente modificado tenha sido objecto de parecer favorável por parte do(s) comité(s) científico(s) comunitário(s) ou da autoridade antes da data de aplicação do presente regulamento;

c)      O pedido de autorização não tenha sido rejeitado de acordo com a legislação comunitária pertinente; e

d)      Estejam publicamente disponíveis métodos de detecção.

[…]

5.      O presente artigo é aplicável por um período de três anos a contar da data de aplicação do presente regulamento.»

3.      Directiva 2001/110/CE

31.      O artigo 1.° da Directiva 2001/110/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 2001, relativa ao mel (14), dispõe:

«A presente directiva aplica‑se aos produtos definidos no anexo I. Esses produtos devem obedecer aos critérios descritos no anexo II».

32.      O anexo I, ponto 1, da directiva contém a seguinte definição:

«Mel é a substância açucarada natural produzida pela abelha Apis mellifera a partir do néctar das flores ou das secreções procedentes de partes vivas de plantas ou de excreções de insectos sugadores de plantas que ficam sobre partes vivas de plantas, que as abelhas recolhem, transformam, combinam com substâncias específicas próprias, depositam, desidratam, armazenam e deixam amadurecer nos favos da colmeia.»

33.      O anexo II, primeiro a terceiro parágrafos, da mesma directiva, especifica:

«O mel é constituído essencialmente por diversos açúcares, predominando a glucose e a frutose, assim como por outras substâncias tais como ácidos orgânicos, enzimas e partículas sólidas provenientes da sua colheita. […]

Quando comercializado como tal ou quando utilizado em qualquer produto destinado ao consumo humano, não pode ter sido ser adicionado ao mel nenhum ingrediente alimentar, nem sequer nenhum aditivo alimentar. O mel deve estar isento, na medida do possível, de matérias orgânicas ou inorgânicas estranhas à sua composição. […]

Sem prejuízo do disposto no ponto 2, alínea b), viii), do anexo I, não pode ser retirado ao mel nenhum pólen nem nenhum dos seus componentes, excepto quando tal seja inevitável aquando da eliminação de matérias orgânicas ou inorgânicas estranhas à sua composição.»

B –    Direito nacional

34.      O § 36 a, da Lei relativa à técnica genética [Gentechnikgesetz, a seguir «GenTG»), introduzido pela Lei de 21 de Dezembro de 2004 (15), dispõe:

«1.      A transmissão das características de um organismo que resultem de manipulações genéticas ou outras introduções de [OGM] constituem um prejuízo considerável, na acepção do § 906 do Código Civil [Bürgerliches Gezetzbuch, a seguir ‘BGB’] sempre que, contra a intenção do titular do direito à sua utilização e por causa da transmissão ou de outra introdução, determinados produtos:

1.      não puderem ser colocados no mercado, ou

2.      nos termos da presente lei ou de outras disposições, só puderem ser colocados no mercado com indicação da modificação operada através da manipulação genética […]».

35.      O § 906, n.° 2, do BGB, na versão publicada em 2 de Janeiro de 2002 (16), estatui o seguinte:

«O mesmo se aplica na medida em que o prejuízo considerável seja causado pela utilização normal, segundo o costume local, do outro prédio, e não possa ser evitado pela adopção das medidas que sejam economicamente exigíveis a utilizadores deste tipo. Ainda que o proprietário deva tolerar determinado grau de influência externa, pode exigir do proprietário do outro prédio uma compensação pecuniária adequada ao caso concreto, sempre que os efeitos produzidos prejudiquem a utilização normal, segundo o costume local, do seu prédio, ou afectem os respectivos rendimentos, para além do que é exigível.»

II – Processo principal e questões prejudiciais

36.      Em 1998, em execução da Decisão 98/294/CE da Comissão, de 22 de Abril de 1998, relativa à colocação no mercado de milho geneticamente modificado (Zea mays L. da linhagem MON 810), ao abrigo da Directiva 90/220/CEE (17), a Monsanto obteve uma autorização para colocação no mercado do milho geneticamente modificado MON 810 (18).

37.      Vários produtos derivados da linhagem MON 810 foram autorizados ao abrigo do Regulamento n.° 258/97 e ulteriormente notificados como produtos existentes em conformidade com o disposto no artigo 8.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1829/2003. Trata‑se da farinha de milho, do glúten de milho, da sêmola de milho, do amido de milho, da glucose de milho e do óleo de milho.

38.      Em 2007, a Monsanto requereu a renovação destas autorizações. O pedido ainda está pendente. Em conformidade com o disposto no artigo 11.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1829/2003, o período de autorização é prorrogado até que seja tomada uma decisão.

39.      No entanto, a cultura do milho MON 180 foi proibida na Alemanha por força de uma decisão, proferida em 17 de Abril de 2009 pelo Bundesamt für Verbraucherschutz und Lebensmittelsicherheit (instituto federal para a protecção do consumidor e a segurança alimentar), que ordenou a suspensão provisória da autorização para colocação no mercado.

40.      O milho geneticamente modificado MON 180 contém um gene da bactéria terrestre Bacillus turingiensis (Bt), que conduz à formação de Bt‑toxinas na planta do milho. Estas Bt‑toxinas protegem das lagartas da broca do milho, uma espécie de lepidóptero que ataca o milho e cujas larvas, em caso de infestação, enfraquecem o desenvolvimento da referida planta. A Bt‑toxina destrói células no aparelho digestivo das larvas de insecto e, consequentemente, conduz à sua morte.

41.      O Freistaat Bayern é proprietário de vários prédios rústicos, nos quais cultivou nos anos transactos, para fins científicos, milho MON 810. Não exclui a hipótese de retomar este cultivo logo que deixe de vigorar a respectiva proibição, entretanto ordenada, que abrange todo o território federal.

42.      K. H. Bablok é um apicultor amador. Produz mel para venda e para consumo próprio nas proximidades dos prédios rústicos do Freistaat Bayern.° Produziu ainda, até 2005, pólen para venda como género alimentício, sob a forma de suplementos alimentares. Pretende retomar a produção de pólen, logo que cesse o risco de introdução de pólen geneticamente modificado.

43.      S. Egeter, J. Stegmeier, K. Müller e B. Klimesch aderiram à acção na fase de recurso. São igualmente apicultores amadores, alguns apenas para consumo próprio. As respectivas colmeias situam‑se a uma distância de 1 a 3 km das áreas de cultivo do Freistaat Bayern.

44.      Pólen recolhido pelas abelhas para alimentação pode ser incorporado no mel, tanto fortuitamente, pelas abelhas durante a sua produção do mel, como tecnicamente, pelo efeito da centrifugação dos favos aquando da colheita deste, a qual pode levar à extracção não só dos alvéolos de mel mas também de alvéolos vizinhos, destinados ao pólen.

45.      Em 2005, constatou‑se a presença no pólen de milho recolhido por K. H. Bablok em colmeias situadas a 500 metros de distância da exploração agrícola experimental do Freistaat Bayern, por um lado, de ADN de MON 810, na proporção de 4,1% do total do ADN do milho e, por outro, de proteínas transgénicas (Bt‑toxinas).

46.      Além disso, também se detectou a presença, em algumas amostras de mel de K. H. Bablok, de quantidades muito reduzidas de ADN de MON 810, resultante da introdução de pólen do referido milho.

47.      Até à data da decisão de reenvio, não se encontrou ADN de MON 810 nos produtos apícolas dos outros demandantes.

48.      No âmbito do processo principal, que opõe K. H. Bablok e o. ao Freistaat Bayern, apoiado pelos Monsanto Technology LLC, Monsanto Agrar Deutschland GmbH e Monsanto Europe SA, o órgão jurisdicional de reenvio deve decidir, designadamente, se, devido ao pólen de milho MON 810, os produtos apícolas em causa são objecto de uma «alteração substancial» na acepção do § 36 a, da GenTG, e do § 906, n.° 2, do BGB e se, assim, se tornaram impróprios para a comercialização ou consumo (19).

49.      Em primeira instância, por decisão de 30 de Maio de 2008, o Bayerisches Verwaltungsgericht Augsburg considerou que, com a introdução de pólen de milho MON 810, o mel e os suplementos alimentares à base de pólen passam a constituir géneros alimentícios sujeitos a autorização, pelo que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1829/2003, não podiam ser colocados no mercado sem essa autorização (20).

50.      K. H. Bablok, o Freistaat Bayern, a Monsanto Technology LLC, e a Monsanto Agrar Deutschland GmbH interpuseram recurso da decisão do Bayerisches Verwaltungsgericht Augsburg para o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof.

51.      Perante este órgão jurisdicional, o Freistaat Bayern, bem como a Monsanto Technology LLC e a Monsanto Agrar Deutschland GmbH defendem que o Regulamento n.° 1829/2003 não se aplica ao pólen da linhagem de milho MON 810, presente no mel ou utilizado como suplemento alimentar, uma vez que foram analisadas as consequências de uma introdução natural e reduzida nos géneros alimentícios e, consequentemente, aceites na ocasião da autorização de libertação no ambiente, nos termos da Directiva 2001/18.

52.      Defendem igualmente a posição segundo a qual o pólen presente no mel ou utilizado como suplemento alimentar não constitui um «OGM» na acepção do Regulamento n.° 1829/2003, uma vez que, no momento em que é adicionado ao mel ou em que se destina à alimentação, nomeadamente sob a forma de suplemento alimentar, já não dispõe de qualquer capacidade de reprodução concreta e individual, não sendo a mera existência de ADN e/ou de proteínas transgénicas suficiente para o referido efeito.

53.      Segundo estas mesmas partes, em qualquer caso, o Regulamento n.° 1829/2003 não se aplica ao mel, na medida em que este constitui um género alimentício de origem animal. A não ser assim, haveria que interpretar restritivamente as disposições em matéria de autorização contidas no mencionado regulamento. No caso de introdução acidental de pólen da linhagem de milho MON 810 que se encontra licitamente presente no ambiente, só seria necessária autorização de introdução no mercado caso fosse ultrapassado o limiar de 0,9 %, tal como previsto em matéria de rotulagem no artigo 12.°, n.° 2, do referido regulamento.

54.      O Bayerischer Verwaltungsgerichtshof sublinha que o cultivo do milho da linhagem MON 810, que ocorreu no passado e pode voltar a ocorrer no futuro, é, no pressuposto da renovação da autorização para colocação no mercado, juridicamente lícito e, por isso, deve ser tolerado por K. H. Bablok e o., nos termos do § 906, n.° 2, do BGB.

55.      Tendo em conta esta última disposição, explica que a questão da alteração substancial dos produtos apícolas, determinante para a resolução do processo principal, depende da questão de saber se, em caso de introdução de pólen da linhagem de milho MON 810, estes produtos ficam impedidos, enquanto géneros alimentícios geneticamente modificados, de continuar a ser colocados no mercado por não disporem de autorização, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003, ou se, em qualquer caso, só o podem ser mediante rotulagem com indicação da modificação genética.

56.      Sublinha que a presença de pólen da linhagem de milho MON 810 só terá essas consequências se os produtos apícolas com esse pólen estiverem abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003.

57.      O Bayerischer Verwaltungsgerichtshof observa que esta questão depende, antes de mais, de saber se um pólen de milho como o que está em causa no processo principal é um «organismo», na acepção do artigo 2.°, n.° 4, deste regulamento, e um «OGM» na acepção do artigo 2.°, n.° 5, do mesmo regulamento, remetendo ambas as disposições para as definições dos dois conceitos dadas pela Directiva 2001/18.

58.      Em seu entender, o pólen de milho é um organismo, dado que, embora ele próprio não se possa multiplicar, pode, enquanto célula reprodutiva masculina, transferir em condições naturais material genético para as células reprodutivas femininas.

59.      No entanto, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof refere que o pólen de milho perde muito rapidamente, por secagem, a sua capacidade de fecundação de estigma de milho, de modo que já não constitui um organismo vivo funcional, durante todo o período de maturação do mel, a partir do momento em que este, com o pólen introduzido, é depositado nos favos e tapado. Acrescenta que o mesmo se aplica ao pólen contido nos produtos à base de pólen, no momento em que estes são destinados à alimentação, designadamente sob a forma de suplementos alimentares.

60.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, um determinado número de elementos leva a considerar que os conceitos de organismo e de OGM só podem ser entendidos como uma unidade capaz de funcionar, isto é, uma unidade biologicamente viva. Não basta que os pólenes de milho mortos contenham ADN transgénico ou proteínas transgénicas. As definições de «organismo» e de «OGM» estabelecidas pela Directiva 2001/18 implicam necessariamente que a informação hereditária nele contida possa ser concretamente transferida para um receptor adequado, para efeitos de recombinação. O quarto considerando desta directiva corrobora essa análise. A referida directiva parece, assim, adoptar de forma determinante dois critérios conexos, a saber, a viabilidade e a capacidade de reprodução, e não o mero transporte de ADN que já não é susceptível de se reproduzir sozinho, de forma natural.

61.      Porém, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof questiona se uma tal interpretação não está em contradição com o objectivo de protecção da saúde humana e dos animais visado pelo Regulamento n.° 1829/2003, nos termos do qual, segundo os primeiro a terceiro e nono considerandos, só deverão ser colocados no mercado géneros alimentícios e alimentos para animais que sejam seguros, saudáveis e cumpram o mais elevado nível possível de exigência. Pode ser incompatível com este objectivo que os géneros alimentícios que contenham ADN ou proteínas geneticamente modificadas, em quantidades ilimitadas, fiquem excluídos do âmbito de protecção do regulamento em apreço. Assim, o elemento pertinente no âmbito do referido regulamento, particularmente no que concerne à segurança dos géneros alimentícios para o ser humano, não será tanto a questão da capacidade de reprodução concreta do OGM mas sim a mera existência de material geneticamente modificado.

62.      Neste contexto, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1.      O conceito de […] ‘OGM’, na acepção do artigo 2.°, ponto 5, do Regulamento […] n.° 1829/2003 […], deve ser interpretado no sentido de que também abrange material de plantas geneticamente modificadas (neste caso, pólen da linhagem de milho geneticamente modificado MON 810), que contém ADN geneticamente modificado e proteínas geneticamente modificadas (neste caso, Bt‑toxina) mas que, no momento em que é adicionado a um género alimentício (neste caso, mel) ou em que é destinado à alimentação humana (suplemento alimentar), (já) não possui uma capacidade de reprodução concreta e individual?

2.      Caso o Tribunal responda negativamente à primeira questão:

a)      É sempre suficiente, para que esteja em causa um género alimentício ‘produzido a partir de organismos geneticamente modificados’, na acepção do artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento […] n.° 1829/2003, que o género alimentício contenha material proveniente de plantas geneticamente modificadas que num momento anterior tenha possuído capacidade de reprodução concreta e individual?

Caso o Tribunal responda afirmativamente a esta questão:

b)      O conceito de ‘produzido a partir de organismos geneticamente modificados’, na acepção do artigo 2.°, n.° 10, e do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento […] n.° 1829/2003, deve ser interpretado no sentido de que não exige, em relação aos OGM, um processo produtivo deliberadamente dirigido a esse fim concreto, por abranger também os casos em que um (antigo) OGM é introduzido involuntária e acidentalmente num género alimentício (neste caso, mel ou pólen sob a forma de suplemento alimentar)?

3.      Caso o Tribunal responda afirmativamente à primeira ou à segunda questão:

O artigo 3.°, n.° 1, e o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que toda e qualquer introdução em alimentos de origem animal, como por exemplo o mel, de material geneticamente modificado licitamente presente no ambiente tem por efeito submeter esses alimentos à obrigação de autorização e de supervisão prevista nestas disposições, ou podem ser aplicados por analogia os limiares previstos para outros casos (por exemplo no artigo 12.°, n.° 2, do regulamento)?»

III – Análise

63.      As duas primeiras questões apresentadas pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof visam saber se a situação em que pólen da linhagem de milho geneticamente modificado MON 810 se encontra no mel ou é utilizado como suplemento alimentar é abrangida pelo Regulamento n.° 1829/2003. A terceira questão, por sua vez, visa determinar as consequências da inclusão desses produtos no âmbito de aplicação deste regulamento.

A –    Quanto à primeira questão

64.      Com a primeira questão, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof, no essencial, procura saber se o artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18 e o artigo 2.°, ponto 4, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que constitui um «organismo», na acepção destas disposições, pólen proveniente de uma planta geneticamente modificada que, quando é adicionado a mel ou é utilizado como suplemento alimentar, deixa de poder assegurar a sua função no processo de reprodução das plantas.

65.      Recorde‑se que o artigo 2.°, ponto 4, do Regulamento n.° 1829/2003 remete para a definição do conceito de «organismo» estabelecida na Directiva 2001/18. O artigo 2.°, ponto 1, desta directiva dispõe que constitui um organismo «qualquer entidade biológica dotada de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético».

66.      A remissão expressa efectuada pelo Regulamento n.° 1829/2003 implica que o conceito de organismo deva ter o mesmo significado no âmbito dos dois actos normativos.

67.      Por si só, a redacção do artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18 não permite responder, de maneira evidente, à questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Dito isto, na medida em que a capacidade reprodutora ou de transferência de material genético constitui uma das características que permitem identificar um ser vivo, à semelhança da sua capacidade de se manter vivo e de se desenvolver em função do ambiente em que evolui, tender‑se‑ia já a pensar, pela simples leitura do artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18, que o legislador comunitário adoptou uma formulação destinada a definir como organismos unicamente as entidades biológicas que, no momento em que ocorre a sua qualificação como OGM, possuem efectivamente capacidade reprodutora ou de transferência de material genético. Uma vez que a biologia pode ser definida como a ciência da vida e, mais especialmente, como o estudo do ciclo reprodutivo das espécies vivas, a justaposição da expressão «entidade biológica» e do excerto de frase «dotada de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético» poderia parecer um pouco redundante se não se destinasse a abranger unicamente as entidades biológicas em estado de actividade que têm ainda capacidade reprodutora ou de transferência de material genético.

68.      Outras disposições da Directiva 2001/18 levam a pensar que um «organismo», na acepção do artigo 2.°, ponto 1, da mesma só visa os organismos vivos, isto é, as entidades cujas funções vitais e, em primeiro lugar, a função reprodutiva, estão ainda em funcionamento.

69.      Antes de mais, o quarto considerando desta directiva especifica que os «organismos vivos [(21)], quando libertados no ambiente em grande ou pequena quantidade [...], para fins experimentais ou sob a forma de produtos comercializados, são susceptíveis de se reproduzir no ambiente e atravessar fronteiras nacionais, afectando deste modo outros Estados‑Membros. Os efeitos dessas libertações no ambiente podem ser irreversíveis». Por conseguinte, se se ler o artigo 2.°, ponto 1, da referida directiva à luz deste considerando, podemos deduzir daí que, quando refere «entidade[s] biológica[s] dotada[s] de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético», o legislador comunitário visa unicamente as entidades que, no momento em que são libertadas no ambiente, dispõem ainda das suas funções vitais e, em especial, têm ainda capacidade reprodutora e de transferência das suas características genéticas.

70.      Depois, resulta do décimo terceiro considerando da Directiva 2001/18 que o «conteúdo [desta] toma devidamente em consideração a experiência internacional, neste domínio, bem como os compromissos assumidos em termos de comércio internacional e deverá respeitar os requisitos do protocolo […], anexado à Convenção sobre a diversidade biológica».

71.      O objectivo do protocolo consiste em contribuir para assegurar um nível adequado de protecção para a transferência, manipulação e utilização sem perigo dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que podem ter efeitos desfavoráveis sobre a diversidade biológica, tendo igualmente em conta os riscos para a saúde humana. O âmbito de aplicação do protocolo é expressamente limitado aos organismos vivos. Ora, é interessante observar que a definição adoptada do que constitui um «organismo vivo» para efeitos da aplicação do protocolo é muito próxima da que figura no artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18. Assim, nos termos do artigo 3.°, alínea h), do protocolo, organismo vivo «significa qualquer entidade biológica capaz de transferir ou replicar material genético, incluindo organismos estéreis, vírus e viróides».

72.      Sublinhe‑se igualmente que o Regulamento (CE) n.° 1946/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2003, relativo ao movimento transfronteiriço de organismos geneticamente modificados (22), que tem por objecto executar os procedimentos previstos pelo protocolo no interior da União Europeia, se refere ao conceito de «organismo» tal como definido no artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18, o que abona a favor da ideia de que as definições de «organismo» na acepção desta disposição e de «organismo vivo» na acepção do artigo 3.°, alínea h), do protocolo, são coincidentes.

73.      Deduz‑se destes elementos que as expressões «dotada de capacidade» e «capaz» que figuram no artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18 e no artigo 3.°, alínea h), do protocolo designam as entidades biológicas que possuem ainda concretamente as qualidades necessárias para a actividade reprodutora ou de transferência de material genético. Nesta perspectiva, as expressões «dotada de capacidade» ou «capaz» não deviam ser interpretadas como referindo‑se, de forma mais vasta, a uma capacidade geral e abstracta de reprodução ou de transferência de material genético típica de uma determinada espécie.

74.      K. H. Bablok e o. não estão de acordo com esta conclusão. Pelo contrário, consideram que o elemento determinante para definir o que constitui um organismo é a aptidão geral e abstracta do organismo para a reprodução. Isso resulta claramente do artigo 3.°, alínea h), do protocolo, que inclui claramente os organismos estéreis na categoria dos «organismos vivos». Consideram que, se o elemento determinante fosse a aptidão concreta e individual para a reprodução, plantas geneticamente modificadas estéreis (portanto, inaptas para a reprodução) seriam, certamente, ainda plantas, mas já não organismos. O conceito de «organismo» na acepção da Directiva 2001/18 seria, assim, mais restrita do que o conceito biológico de organismo, o que seria contrário à intenção do legislador comunitário.

75.      Esta argumentação não me convence porque ignora o facto de, apesar de os organismos estéreis não se poderem reproduzir sexualmente, poderem, apesar de tudo, replicar o seu material genético, reproduzindo‑se por processos não sexuais ou vegetativos. Um organismo estéril pode, portanto, ser efectivamente considerado uma entidade com a capacidade concreta de transferir material genético (23).

76.      Em apoio da sua tese segundo a qual a definição estabelecida no artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18 visa uma aptidão geral e abstracta do organismo para a reprodução, K. H. Bablok e o. referem o caso dos vírus e viróides. Estes microorganismos não vivem. Também não são capazes de se reproduzirem de forma independente. A referência aos vírus e viróides no artigo 2.°, alínea a), da Directiva 2009/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009, relativa à utilização confinada de microorganismos geneticamente modificados (24), e no artigo 3.°, alínea h), do protocolo, demonstra que o conceito de organismo não inclui apenas os organismos vivos.

77.      Não tratarei aqui a questão de saber se os vírus e viróides são ou não seres vivos, de tal modo a questão inflama o debate científico. Na perspectiva da sua capacidade para transmitir material genético, parece que a expressão «transferir [transferência de] material genético», constante dos artigos referidos, visa precisamente incluir na definição do que constitui um organismo entidades como os vírus e viróides, apesar de eles não poderem, por si mesmos, replicar activamente material genético. Os vírus são microorganismos não celulares compostos de proteínas e ácidos nucleicos (ADN ou ARN) contendo material genético, incapazes de auto‑replicação mas podendo inserir o seu material genético em outras células (animais, vegetais ou microbianas), onde ele é replicado pelos mecanismos destas células. Quanto aos viróides, são agentes patogénicos infecciosos dos vegetais, incluindo pequenas moléculas nuas de ARN (isto é, não recobertas de proteínas). Os vírus, como os viróides, utilizam células dos organismos hospedeiros para replicarem o seu material genético (25). No entanto, esta dependência, em minha opinião, não exclui a existência de uma capacidade concreta dos vírus e viróides biologicamente activos para «transferir [transferência de] material genético».

78.      Tendo em conta estes elementos, não estou convencido de que a inclusão dos organismos estéreis, bem como dos vírus e viróides em definições afins da do artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18 seja susceptível de excluir que os organismos referidos neste artigo são unicamente constituídos por entidades biologicamente activas efectivamente aptas para se reproduzirem ou transferirem material genético.

79.      Além disso, em minha opinião, estes exemplos permitem apreender o sentido da referência à transferência de material genético para além da referência à reprodução. O legislador comunitário, tal como os Estados ao nível internacional no âmbito do protocolo, quando referiram a replicação e transferência de material genético, também pretendeu abranger as diferentes modalidades de transmissão do material genético, seja por reprodução ou por transferência do material genético.

80.      K. H. Bablok e o., apoiados, quanto a este aspecto, pelo Governo grego, invocam outros argumentos para defender que o artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18 contém uma definição lata dos organismos, que vai além dos seres vivos com uma capacidade concreta para a reprodução ou para a transferência de material genético. Consideram que tanto o princípio da precaução como os objectivos de protecção do ambiente e da saúde militam no sentido dessa concepção. Assim, o facto de o legislador comunitário ter referido não apenas a reprodução, mas também a transferência de material genético significa antes que mesmo organismos que tenham perdido as suas funções vitais são abrangidos por esta definição. O argumento principal em que assenta a sua análise é retirado do conceito de transferência genética horizontal.

81.      Com efeito, é preciso saber que, ainda que a realidade e a amplitude do fenómeno continuem a ser objecto de debate ao nível científico, a transferência de material genético tanto pode ser vertical, ou seja, no interior de uma mesma espécie, como horizontal, ou seja, de uma espécie para outra.

82.      Entre as hipóteses de transferência horizontal de material genético figura aquela em que o material genético de uma planta geneticamente modificada é absorvido por microorganismos, como bactérias. Pode tratar‑se, por exemplo, de partes de vegetais como folhas que, ao decomporem‑se no solo, deixam ficar neste o seu material genético que poderá então ser absorvido pelas bactérias presentes nesse ecossistema. Pode também tratar‑se da hipótese de o material de uma planta geneticamente modificada ser incorporado por bactérias presentes no sistema digestivo de um ser humano. Em certas condições (e mesmo aí o tema opõe os cientistas), esta transferência poderia ser seguida de uma recombinação genética no interior do organismo receptor.

83.      Segundo K. H. Bablok e o., a circunstância de a morte de uma entidade biológica não impedir a persistência do material genético que a caracteriza nos seus resíduos, deixando assim subsistir uma possibilidade de transferência de material genético, implica que o conceito de «organismo», na acepção do artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18, abranja igualmente as entidades biológicas mortas. Do mesmo modo, dado que o pólen morto que se encontra no mel ou que é utilizado como suplemento alimentar, após uma transformação como a secagem, não perdeu sistematicamente o seu material genético e que este último pode, portanto, sempre difundir‑se para outros organismos ou microorganismos, este pólen devia ainda ser considerado um «organismo», na acepção deste artigo. Em resumo, enquanto um material determinado, embora não estando já em actividade, ainda contiver informações genéticas (ADN ou ARN) que possam ser incorporadas por outras entidades, deve continuar a ser considerado um «organismo» na acepção do referido artigo.

84.      Não compartilho desta análise, pelas razões que se seguem.

85.      Antes de mais, refira‑se que a análise do protocolo, bem como dos seus documentos preparatórios e explicativos, abona mais a favor da ideia segundo a qual a referência, para além da replicação, à transferência de material genético, visa abranger as diversas modalidades de transmissão, por uma entidade biologicamente activa, do seu material genético. Atenta a similitude entre as definições constantes do artigo 3.°, alínea h), do protocolo, e do artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18, duvido que a referência à transferência de material genético possa ter um âmbito mais vasto no quadro deste último artigo, de modo a englobar igualmente as hipóteses de transferência horizontal de material genético por entidades biológicas mortas.

86.      Em seguida, quando uma entidade biológica perdeu as suas funções vitais, deixa de poder participar activamente na transferência de material genético. Já não desempenha qualquer papel nesta transferência. Se tem lugar uma difusão do seu material genético, bem como a sua recepção por bactérias, trata‑se de uma transmissão puramente passiva deste material, que está dependente do contexto em que o referido material se encontra. Nesta situação, em minha opinião, a entidade biológica não pode ser considerada «dotada de capacidade» de transferência de material genético. Dito de outro modo, a mera presença de ADN em material biológico cujas funções vitais desapareceram e a possível incorporação deste ADN por outros organismos não se assemelham, em meu entender, a uma capacidade da entidade biológica de transferência de material genético, na acepção do artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18.

87.      Além disso, a argumentação de K. H. Bablok e o., que põe a tónica na persistência, em certas condições, do material genético após a morte da entidade biológica, poderia levar a uma equiparação completa do organismo e do seu material genético, isto é, principalmente do seu ADN, uma vez que este último, enquanto não for destruído, será sempre susceptível de ser integrado por um outro organismo. Ora, os dois conceitos não devem ser confundidos. É disso testemunho a explicação contida no guia de aplicação da Directiva 90/220, adoptado pela Comissão (26), que especifica:

«The definition of ‘organism’ covers: micro‑organisms, including viruses and viroids; plants and animals; including ova, seeds, pollen, cell cultures and tissue cultures from plants and animals. This definition does not cover naked r DNA and naked r‑plasmids [(27)]» (28).

88.      Compreendo a preocupação que move K. H. Bablok e o., e que consiste, através de uma apreensão ampla do conceito de organismo, em garantir que os riscos associados a uma transferência horizontal de material genético continuem a ser objecto de uma avaliação. No entanto, esta preocupação legítima não basta para englobar no conceito de organismo quaisquer entidades biológicas, vivas ou mortas, pertencentes a uma espécie dotada de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético.

89.      Com efeito, se, como penso, o legislador comunitário pretendeu limitar o conceito de «organismo», na acepção do artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18, às entidades biologicamente activas, isso não significa que, quando da autorização de disseminação concedida a um OGM, não se proceda a uma avaliação dos riscos associados a uma transferência horizontal do material genético pertencente a este organismo, vivo ou após a sua morte. É disso testemunho a Decisão 2002/623/CE da Comissão, de 24 de Julho de 2002, que estabelece notas de orientação destinadas a completar o anexo II da Directiva 2001/18 (29) (ele próprio relativo aos «Princípios aplicáveis à avaliação dos riscos ambientais»). No quadro da identificação das características que podem ter efeitos negativos, a Comissão refere expressamente a transferência de material genético, seja vertical ou horizontal (30). Nesta medida, a interpretação que proponho que o Tribunal de Justiça adopte dos artigos 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18 não se opõe ao princípio da precaução nem ao objectivo de protecção do ambiente e da saúde.

90.      Resulta destes elementos que pólen proveniente de milho MON 810 que já não é viável, e portanto que já não é susceptível de assegurar a sua função na reprodução desta variedade vegetal, não pode, em minha opinião, ser considerado um «organismo», na acepção do artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18, e do artigo 2.°, ponto 4, do Regulamento n.° 1829/2003. Por conseguinte, este pólen não constitui um OGM na acepção do artigo 2.°, ponto 2, desta directiva (31), e do artigo 2.°, ponto 5, deste regulamento. Uma situação como a que está no centro das interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, a saber, a presença de pólen não viável proveniente de uma planta geneticamente modificada no mel ou em suplementos alimentares, não se integra nem na categoria de «OGM destinados à alimentação humana», na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1829/2003, nem na categoria dos «géneros alimentícios que contenham ou sejam constituídos por OGM», na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento (32).

91.      Para chegar a esta conclusão, parti do mesmo postulado que o proposto pelo órgão jurisdicional de reenvio, a saber, que pólen presente no mel ou utilizado como suplemento alimentar constitui, já não uma entidade biológica viva, mas um material inanimado, em oposição, por exemplo, a um grão que pode sempre germinar mesmo depois de introduzido no circuito alimentar. Obviamente, cabe em última instância ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, com base em estudos científicos que, se for o caso, lhe sejam apresentados, que o pólen utilizado nas condições referidas já não constitui uma entidade biológica viva.

92.      Como de imediato se verá, a resposta que proponho que o Tribunal de Justiça dê à primeira questão não significa que a presença nos géneros alimentícios de pólen proveniente de uma planta geneticamente modificada não esteja abrangida no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003. Com efeito, é através do conceito de género alimentício produzido a partir de OGM que este tipo de situação vai poder ser apreendido por este regulamento e que vai poder ser efectuada uma avaliação dos riscos associados a uma transferência genética horizontal nesta categoria de alimentos (33).

B –    Quanto à segunda questão

93.      A segunda questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio abrange dois aspectos. Essencialmente, e antes de mais, pede ao Tribunal de Justiça que declare se o artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento n.° 1829/2003 deve ser interpretado no sentido de que, para considerar que um género alimentício é «produzido a partir de [OGM]», basta que este género contenha material de plantas geneticamente modificadas que, num momento anterior, possuiu uma capacidade de reprodução concreta e individual. Em caso de resposta afirmativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que especifique se o conceito de «produzido a partir de [OGM]», exige que o material proveniente do OGM seja incluído deliberadamente nesse género ou abrange também os casos em que este material é introduzido involuntariamente no referido género alimentício.

94.      Tal como resulta do seu terceiro considerando, o Regulamento n.° 1829/2003 assenta na ideia fundamental segundo a qual, por forma a proteger a saúde humana e animal, os géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados devem ser submetidos a uma avaliação de segurança através de um procedimento comunitário antes de serem colocados no mercado da União.

95.      Por «género alimentício geneticamente modificado», o artigo 2.°, ponto 6, deste mesmo regulamento, visa o «género alimentício que contenha, seja constituído por, ou seja produzido a partir de OGM».

96.      O âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003 é especificado no seu artigo 3.°, n.° 1. Abrange, em primeiro lugar, os OGM destinados à alimentação humana, em segundo lugar, os géneros alimentícios que contenham ou sejam constituídos por OGM e, em terceiro lugar, os géneros alimentícios produzidos a partir de ou que contenham ingredientes produzidos a partir de OGM. Este âmbito de aplicação é muito amplo, na medida em que exclui apenas os géneros alimentícios produzidos «com» um OGM.

97.      O décimo sexto considerando do Regulamento n.° 1829/2003 permite estabelecer a distinção entre a categoria dos géneros alimentícios produzidos «a partir de» um OGM dos produzidos «com» um OGM. Segundo este considerando, o «critério de determinação é a presença ou não (34) de material derivado do material geneticamente modificado original nos géneros alimentícios […]» (35). Tendo em conta este critério, o referido considerando cita como exemplo de produtos produzidos «com» um OGM e, consequentemente, excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003, os «produtos obtidos a partir de animais alimentados com alimentos geneticamente modificados ou tratados com medicamentos geneticamente modificados». Com efeito, no estado actual do conhecimento científico, não está demonstrado que ADN presente num alimento geneticamente modificado ou, mais amplamente, uma matéria resultante deste alimento ou ainda o medicamento geneticamente modificado possam ser encontrados na carne proveniente de um animal alimentado com esse alimento ou tratado com esse medicamento.

98.      Tendo em conta este critério determinante da presença no género alimentício de material produzido a partir da matéria original geneticamente modificada, considero que tanto o mel em que se pode identificar a presença de pólen proveniente de milho MON 810 como os suplementos alimentares à base de pólen contendo pólen proveniente desta mesma variedade de milho devem ser considerados géneros alimentícios produzidos «a partir de» um OGM.

99.      Contrariamente à posição defendida pela Comissão, julgo que nem uma distinção entre estas duas categorias de géneros nem uma distinção entre o que é um constituinte natural do mel e um ingrediente deste são pertinentes na perspectiva da sua qualificação enquanto género alimentício «produzido a partir de OGM».

100. A Comissão considera, de facto, que, se os suplementos alimentares contendo pólen resultante de um OGM são abrangidos no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003, na medida em que constituem géneros alimentícios produzidos a partir de OGM, em contrapartida, tal não é o caso do mel no qual se identifiquem vestígios de pólen proveniente de uma planta geneticamente modificada. A este respeito, defende a posição segundo a qual este pólen devia ser considerado um constituinte natural do mel, e não um ingrediente deste último.

101. Este argumento da Comissão leva a que analise a redacção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003, que inclui no âmbito de aplicação deste último «[o]s géneros alimentícios produzidos a partir de ou que contenham ingredientes produzidos a partir de OGM». Este artigo desenvolve, no que respeita ao géneros alimentícios (36), a definição constante do artigo 2.°, ponto 10, do referido regulamento, ao fazer referência ao conceito de «ingredientes».

102. Cumpre pois examinar se pólen presente no mel ou utilizado como suplemento alimentar pode ser qualificado de «ingrediente» face à definição deste termo dada no artigo 2.°, ponto 13, do Regulamento n.° 1829/2003 por remissão para o artigo 6.°, n.° 4, da Directiva 2000/13. Segundo esta última disposição, entende‑se por «ingrediente» «qualquer substância, incluindo os aditivos, utilizada no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente no produto acabado, eventualmente sob forma alterada».

103. Se é fácil demonstrar que o pólen contido em suplementos alimentares à base de pólen constitui incontestavelmente um ingrediente destes últimos, a mesma demonstração impõe algumas explicações no que respeita à presença de pólen no mel.

104. O anexo II da Directiva 2001/110, relativa ao mel apresenta os «Critérios de composição dos méis». Segundo o primeiro parágrafo deste anexo, o mel é constituído não somente por diversos açúcares, mas também por «outras substâncias» tais como «partículas sólidas provenientes da sua colheita».

105. Segundo as explicações prestadas por K. H. Bablok e o., o pólen, que constitui um nutriente importante para as jovens abelhas, é recolhido pelas abelhas nas flores com o auxílio do seu revestimento piloso. Têm em todas as patas pentes e escovas constituídos por pêlos, que lhes permitem reunir o pólen e dar‑lhe a forma de bolas. No interior da colmeia, estas bolas são separadas e armazenadas em alvéolos de armazenagem especiais. Estes estão localizados numa superfície de favos imediatamente contíguos aos alvéolos de armazenagem do mel.

106. Para a colheita do mel, o apicultor retira da colmeia os favos de mel para os centrifugar. Os alvéolos esvaziam‑se então do mel por centrifugação. No entanto, sobre os favos de mel encontram‑se sempre, inevitavelmente, alvéolos com pólen.° Portanto, os alvéolos com pólen esvaziam‑se ao mesmo tempo que os alvéolos com mel e o pólen mistura‑se no mel (37).

107. Sublinhe‑se que, segundo o terceiro parágrafo do anexo II da Directiva 2001/110, «[s]em prejuízo do disposto no ponto 2, alínea b), viii) (38), do anexo I, não pode ser retirado ao mel nenhum pólen nem nenhum dos seus componentes, excepto quando tal seja inevitável aquando da eliminação de matérias orgânicas ou inorgânicas estranhas à sua composição».

108. Pode deduzir‑se desta disposição que o pólen constitui uma matéria orgânica inerente à composição do mel. Não é um corpo estranho, uma impureza do mel, mas uma componente normal deste que, em princípio, não pode ser retirada (39). Esta qualidade de constituinte específico do mel é independente da periodicidade da sua incorporação e das quantidades em que é encontrado no mel, sendo estes elementos decorrentes de certas vicissitudes no decurso da elaboração e da colheita do mel.

109. Se, agora, me referir ao conceito de «ingrediente», tal como resulta do artigo 6.°, n.° 4, da Directiva 2000/13, parece‑me muito fácil admitir que ao mesmo tempo que é um constituinte especial do mel, o pólen constitui uma substância «utilizada no fabrico ou preparação» do mel, que se encontra «ainda presente no produto acabado».

110. A distinção proposta pela Comissão entre «ingrediente» e «constituinte natural», para além do seu carácter teórico, tem por efeito excluir a presença de pólen proveniente de uma planta geneticamente modificada no mel, o que contraria a vontade claramente afirmada pelo legislador comunitário no décimo sexto considerando do Regulamento n.° 1829/2003 de se apoiar no critério decisivo que consiste na presença ou não de material derivado da matéria geneticamente modificada original nos géneros alimentícios. Além disso, se, como sugere a Comissão, se devesse considerar que, para ser qualificada de «ingrediente», uma substância deve ser introduzida no género alimentício graças a uma intervenção humana, impõe‑se observar que a colheita de mel por centrifugação, que tem por efeito misturar pólen no mel, constitui efectivamente uma intervenção desta natureza.

111. Em minha opinião, também se pode admitir facilmente que o pólen do milho MON 810 presente no mel constitui um ingrediente «produzido [...] a partir de OGM», na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), deste mesmo regulamento. Com efeito, em conformidade com a definição estabelecida no artigo 2.°, ponto 10, do referido regulamento, o pólen em causa é «derivado» de OGM e, tendo em conta os desenvolvimentos que dediquei à primeira questão, não se deve considerar que consiste num OGM nem que o contém.

112. Finalmente, depois de admitido que o pólen é um ingrediente do mel e que se trata de um ingrediente produzido a partir de OGM, considero que o mel em causa no processo principal deve ser considerado, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003, um género alimentício «[que] cont[ém]» tal ingrediente. Consequentemente, é manifesto, na perspectiva desta disposição, que este mel é abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

113. A este respeito, é pouco importante – e trata‑se do segundo aspecto da segunda questão prejudicial – que um apicultor tenha ou não a intenção de incorporar pólen derivado de uma planta geneticamente modificada no seu mel.

114. As explicações relativas à maneira como o pólen se encontra no mel demonstram que esta incorporação, cujo volume é aleatório, é o fruto não de uma vontade do apicultor, mas de um acontecimento inerente ao processo de produção do mel.

115. A aplicabilidade do Regulamento n.° 1829/2003, desencadeada pela presença (critério objectivo), num género alimentício, quer de um OGM, quer de material produzido a partir da matéria de origem geneticamente modificada, não pode depender de um critério subjectivo relativo ao carácter voluntário ou não desta presença. Tal critério subjectivo iria contra o objectivo de protecção da saúde humana que o Regulamento n.° 1829/2003 prossegue, na medida em que o risco que pode fazer correr um género alimentício geneticamente modificado para a saúde humana é independente do carácter consciente ou inconsciente da introdução da substância em causa.

116. Além disso, como adequadamente sublinham K. H. Bablok e o., uma interpretação restritiva do conceito de «produzido a partir de OGM» baseada num critério subjectivo limitaria o âmbito de aplicação das disposições do Regulamento n.° 1829/2003 relativas à rotulagem dos géneros alimentícios geneticamente modificados de uma maneira contrária ao seu claro conteúdo normativo. Com efeito, em conformidade com o artigo 12.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento, os géneros alimentícios que sejam produzidos a partir de OGM devem ser rotulados como tal. Esta obrigação de rotulagem só deixa de existir quando a percentagem de material proveniente de OGM não excede 0,9 %, desde que esta presença seja acidental ou tecnicamente inevitável. A referência a esta última condição perderia todo o seu significado se, por si só, o carácter fortuito ou tecnicamente inevitável da presença de material proveniente de OGM num género alimentício bastasse para fazer perder a este último a qualidade de «produzido a partir de OGM» e, devido a esse facto, o excluísse do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003.

117. Deduzo destas considerações que o artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento n.° 1829/2003 deve ser interpretado no sentido de que, para se considerar que um género alimentício é «produzido a partir de [OGM]», basta que este género alimentício contenha material proveniente de plantas geneticamente modificadas. Além disso, o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), deste mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que mel que contenha pólen proveniente de uma planta geneticamente modificada, bem como os suplementos alimentares à base desse pólen, constituem géneros alimentícios contendo um ingrediente produzido a partir de OGM. A este respeito, é pouco importante que o material derivado de uma planta geneticamente modificada seja incluído de forma intencional ou não nesses géneros.

118. Finalmente, há que responder ao argumento segundo o qual o mel, enquanto produto de origem animal, não é, por essa razão, abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003. O órgão jurisdicional de reenvio, a este respeito, refere uma opinião do Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal, numa reunião realizada em 23 de Junho de 2004, segundo a qual o mel, produto de origem animal, não se insere no âmbito de aplicação do regulamento em apreço uma vez que não é produzido por abelhas geneticamente modificadas. Em minha opinião, essa não é uma condição determinante.

119. Decorre do anexo I, n.° 1, da Directiva 2001/110 que, embora o mel seja efectivamente uma substância produzida pelas abelhas, a matéria de origem é simultaneamente vegetal (o néctar das flores ou as secreções procedentes de partes vivas de plantas) e animal (as excreções de insectos sugadores de plantas que ficam sobre as suas partes vivas). Além disso, viu‑se que, nos termos do primeiro parágrafo, do anexo II desta mesma directiva, o «mel é constituído [designadamente] por partículas sólidas provenientes da sua colheita». Já especifiquei que o critério determinante para que o mel seja abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003 é a presença neste de material proveniente de uma planta geneticamente modificada, no caso, o pólen (40).

120. Além disso, não partilho da opinião da Comissão, segundo a qual o décimo sexto considerando do Regulamento n.° 1829/2003 deve ser lido como significando que todos os produtos de origem animal estão excluídos do âmbito de aplicação deste. Os exemplos invocados pelo legislador comunitário neste considerando, tais como os produtos elaborados a partir de animais alimentados com alimentos geneticamente modificados, têm unicamente por objectivo ilustrar o que abrange a categoria dos géneros alimentícios produzidos «com» um OGM, nos quais não se pode detectar a presença de material produzido a partir da matéria de origem geneticamente modificada. Em minha opinião, não podem exprimir a vontade do legislador comunitário de excluir do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003 os produtos de origem animal que, como o mel, podem conter material produzido a partir da matéria de origem geneticamente modificada.

121. No termo da minha análise das duas primeiras questões prejudiciais, parece‑me útil resumir a minha leitura da subdivisão constante do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1829/2003, que tem por objecto definir o âmbito de aplicação deste regulamento.

122. Em conformidade com o que referi na análise da primeira questão, só os organismos vivos ou, se se preferir, biologicamente activos, constituem OGM. Assim, as categorias descritas no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), («[o]s OGM destinados à alimentação humana»), e no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), («[o]s géneros alimentícios que contenham ou sejam constituídos por OGM»), ambos do referido regulamento, exigem a presença de organismos ainda vivos, isto é, dotados de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético.

123. Desde que um género alimentício contenha fragmentos inanimados ou mortos provenientes de um OGM, recai no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003, por força do disposto no artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do mesmo. Deve igualmente considerar‑se, nos termos do seu artigo 2.°, ponto 10, que é «derivado, no todo ou em parte, de OGM, mas não contém nem é constituído por OGM».

124. A este respeito, importa insistir no facto de, em conformidade com o décimo sexto considerando do Regulamento n.° 1829/2003, o elemento determinante para fazer recair nesta categoria um género alimentício ser a presença de material derivado da matéria geneticamente modificada original. Esta última expressão vai além da mera presença do material genético em sentido restrito, expressão que se refere especificamente aos ácidos nucleicos que contêm unidades funcionais de hereditariedade (ADN). Trata‑se, num sentido mais amplo, da matéria, de origem vegetal, animal ou outra, que é derivada do OGM e que pode ou não conter ainda ADN ou proteínas resultantes da modificação genética. Esta persistência do material genético nos géneros alimentícios é dificilmente previsível e depende de cada tipo de género, consoante o processo de transformação da matéria de origem geneticamente modificada tenha ou não tido por consequência a destruição do material genético (41).

125. A repartição que pode, assim, ser efectuada entre as três categorias de géneros alimentícios permite preservar o efeito útil da última. Com efeito, se se devesse considerar que a primeira e a segunda categorias abrangem igualmente os OGM ou as partes de OGM que são biologicamente inactivos, a categoria dos «géneros alimentícios produzidos a partir de ou que contenham ingredientes produzidos a partir de OGM» seria reduzida aos géneros alimentícios nos quais não pode ser detectado ADN. Ora, como expressa especialmente o vigésimo primeiro considerando do Regulamento n.° 1829/2003 em matéria de rotulagem, o legislador comunitário não parece ter pretendido que seja tida em conta a dectabilidade de ADN ou de proteína resultante da modificação genética no produto final.

126. Ao afastar‑se do critério relativo à presença no produto final de ADN ou de proteínas resultantes da modificação genética que estava anteriormente em vigor (como testemunha, em especial, o Regulamento n.° 1139/98), o legislador comunitário pretendeu ampliar o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1829/2003 ao incluir no mesmo, através do seu artigo 3.°, n.° 1, alínea c), todos os produtos derivados de OGM, independentemente da presença ou não no produto final de ADN ou de proteínas resultantes da modificação genética.

C –    Quanto à terceira questão

127. Na decisão de reenvio, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof pergunta se as disposições conjugadas do artigo 3.°, n.° 1, com o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003, contrariamente à sua redacção, podem ser interpretadas restritivamente, no sentido de que a obrigação de autorização de colocação no mercado não abrange um género alimentício como o mel, que contém uma quantidade ínfima, imediatamente acima do limiar de detecção, de material proveniente de uma planta geneticamente modificada, no caso, pólen da linhagem de milho geneticamente modificado MON 810.

128. Refere que uma interpretação restritiva das regras de autorização constantes deste regulamento poderia ser justificada na perspectiva do princípio da proporcionalidade, tal como é expresso no vigésimo quarto considerando do referido regulamento, em matéria de rotulagem. Recorda que a introdução, que é ínfima, de pólen derivado de milho geneticamente modificado não ocorre deliberadamente e não pode, na prática, ser evitada no caso de cultivo, numa área de grande dimensão, deste tipo de milho.

129. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, na medida em que o milho da linhagem MON 810 foi sujeito, no âmbito da obtenção da autorização de colocação no mercado, nos termos da Directiva 90/220, a uma avaliação dos riscos que teve em conta todos os potenciais efeitos negativos no ambiente, pode ser compatível com o objectivo de protecção do regulamento em apreço, sob o ponto de vista da segurança e da saúde, a solução segundo a qual se considera que a colocação no mercado de mel contendo pólen derivado desta variedade de milho, abaixo de um determinado limiar, não está sujeita à proibição do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003. A isso acresce que existe já uma autorização ao nível comunitário para vários géneros alimentícios, que são produzidos a partir de MON 810 ou que contêm ingredientes produzidos a partir deste milho, tais como a farinha de milho e o glúten de milho.

130. O Bayerischer Verwaltungsgerichtshof admite, contudo, que tanto o texto e a sistemática do Regulamento n.° 1829/2003 como o objectivo de protecção da saúde que prossegue, podem obstar a esta interpretação restritiva da exigência de autorização de colocação no mercado prevista no artigo 4.°, n.° 2, do referido regulamento.

131. Em suma, com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, no essencial, ao Tribunal de Justiça que declare se os artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que a presença não deliberada no mel de pólen derivado de uma variedade de milho, como o milho MON 810, que obteve uma autorização de colocação no mercado com fundamento na Directiva 90/220 e de que apenas alguns produtos derivados são autorizados enquanto produtos existentes, por força do artigo 8.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1829/2003, implica ou não que este mel deva obter uma autorização de colocação no mercado. Este órgão jurisdicional pede ao Tribunal de Justiça que especifique se uma aplicação, por analogia, dos limiares de tolerância previstos nos artigos 12.°, n.° 2, e 47.°, n.° 1, deste regulamento, é possível no que respeita à exigência de uma autorização de colocação no mercado resultante do artigo 4.°, n.° 2, do referido regulamento.

132. Com o intuito de responder a esta questão no que respeita ao caso específico do mel contendo pólen derivado de milho MON 810 (42), cumpre, antes de mais, analisar o estatuto jurídico desta variedade vegetal e dos géneros alimentícios dela derivados em face da regulamentação comunitária relativa, por um lado, à disseminação voluntária de OGM no ambiente e, por outro, aos géneros alimentícios geneticamente modificados.

133. Na perspectiva da disseminação voluntária de OGM no ambiente, isto é, principalmente da cultura de OGM, o milho MON 810 foi objecto da Decisão 98/294, adoptada ao abrigo da Directiva 90/220 que, recorde‑se, foi revogada e substituída pela Directiva 2001/18.

134. Na perspectiva alimentar, diversos produtos derivados da linhagem MON 810 foram autorizados por força do Regulamento n.° 258/97 e foram posteriormente notificados enquanto produtos existentes, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1829/2003 (43). Trata‑se da farinha de milho, do glúten de milho, da sêmola de milho, do amido de milho, da glucose do milho e do óleo de milho.

135. Nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 1829/2003, a Monsanto apresentou um pedido de renovação da autorização relativa a estes produtos. Este pedido está ainda a ser examinado (44). De acordo com o artigo 11.°, n.° 4, deste mesmo regulamento, o período de autorização do produto deve ser prorrogado automaticamente até que seja tomada uma decisão.

136. A Monsanto e o Governo polaco alegam que, na medida em que um OGM é autorizado por força da Directiva 2001/18, ou da regulamentação precedente, a saber, a Directiva 90/220, isso significa que todos os efeitos potenciais da cultura deste OGM sobre o ambiente foram avaliados, incluindo os efeitos associados à emissão de pólen por plantas geneticamente modificadas bem como a introdução deste pólen em géneros alimentícios como o mel. Assim sendo, esta situação não carece da obtenção de uma autorização de colocação no mercado, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003.

137. Não partilho desta opinião. Com efeito, não considero que uma autorização concedida nos termos da Directiva 2001/18 abranja todas as repercussões de uma disseminação ou de uma colocação no mercado de OGM. Se assim fosse, a utilidade do Regulamento n.° 1829/2003 seria posta em causa e os OGM poderiam, sem limite ou avaliação específica na perspectiva da segurança alimentar, constituir géneros alimentícios ou ser integrados nesses géneros.

138. A Directiva 2001/18 constitui uma disposição de âmbito horizontal aplicável enquanto uma legislação sectorial não vier regular a utilização dos OGM num sector específico. Antes de mais, como o seu título indica, ela tem por objectivo avaliar os efeitos potenciais dos OGM sobre o ambiente antes de ser autorizada a sua disseminação no mesmo.

139. O Regulamento n.° 1829/2003, por sua vez, constitui uma legislação sectorial consagrada aos géneros alimentícios geneticamente modificados. Tendo em conta o seu objectivo, este regulamento prevê, antes de mais, uma avaliação científica dos riscos que estes géneros apresentam para a saúde humana e animal. Uma avaliação dos riscos para o ambiente não está, nessa medida, excluída, mas não ocorrerá sistematicamente (45).

140. A Directiva 2001/18 e o Regulamento n.° 1829/2003 surgem assim como duas normas complementares, a primeira focalizada nos riscos associados à disseminação voluntária de OGM no ambiente, a segunda centrada nos riscos que podem ocasionar os géneros alimentícios geneticamente modificados na saúde humana e animal. Tendo em conta a especificidade do âmbito de análise previsto pelo Regulamento n.° 1829/2003, não se pode considerar que uma autorização de colocação no mercado de um OGM que é emitida ao abrigo da Directiva 2001/18 pode abranger todos os géneros alimentícios que contenham este OGM, que consistam neste OGM ou produzidos a partir dele. Dito de outro modo, uma autorização atribuída em aplicação da Directiva 2001/18 não prejudica a «avaliação de segurança» dos géneros alimentícios geneticamente modificados que deve ser efectuada por força do Regulamento n.° 1829/2003, tal como dispõe o seu terceiro considerando.

141. Resulta claramente do artigo 4.°, n.° 2, deste regulamento, que qualquer colocação no mercado de um OGM destinado à alimentação humana ou de um género alimentício abrangido pelo artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento está subordinada, por um lado, à obtenção de uma autorização emitida nos termos da secção 1 do capítulo II do Regulamento n.° 1829/2003 e, por outro, ao respeito das condições pertinentes da autorização.

142. Pode tratar‑se tanto de uma nova autorização emitida nos termos do artigo 7.° deste regulamento, como de uma prorrogação de uma autorização anteriormente emitida para produtos segundo o regime aplicável aos produtos existentes, nos termos do artigo 8.° do mesmo regulamento.

143. Além disso, segundo o décimo primeiro considerando do Regulamento n.° 1829/2003, «sempre que um OGM utilizado na produção de géneros alimentícios ou alimentos para animais tenha sido autorizado ao abrigo [deste] regulamento, géneros alimentícios ou alimentos para animais que sejam constituídos por, contenham ou sejam produzidos a partir desse OGM não necessitam de autorização ao abrigo do [referido] regulamento mas encontram‑se sujeitos aos requisitos estabelecidos na autorização concedida em relação ao OGM».

144. Pode‑se, assim, considerar que o mel contendo vestígios de pólen derivado de milho MON 810 é um género alimentício geneticamente modificado que pode ser considerado devidamente autorizado nos termos do Regulamento n.° 1829/2003?

145. Inclinar‑me‑ia para responder afirmativamente a esta questão se estivéssemos em presença de uma decisão da Comissão autorizando, sem enumeração ou restrição especial, os géneros alimentícios produzidos a partir de uma planta geneticamente modificada como o milho MON 810, segundo, por exemplo, o modelo da Decisão 2009/866/CE da Comissão, de 30 de Novembro de 2009, que autoriza a colocação no mercado de produtos que contenham, sejam constituídos por, ou produzidos a partir de milho geneticamente modificado MIR604 (SYN‑IR6Ø4‑5), nos termos do Regulamento (CE) n.° 1829/2003 (46).

146. Ora, não é esse o caso do milho MON 810 cujos únicos produtos que podem ser considerados autorizados nos termos deste regulamento são a farinha de milho, o glúten de milho, a sêmola de milho, o amido de milho, a glucose de milho e o óleo de milho. Não posso excluir que a limitação da autorização a estes produtos tenha um significado no plano da segurança alimentar, razão pela qual prefiro considerar que não é equiparável a uma autorização geral de colocação no mercado dos géneros alimentícios produzidos a partir de milho MON 810.

147. Na situação actual das autorizações relativas ao milho MON 810 e aos seus produtos derivados, considero, pois, que qualquer género alimentício que não os mencionados que se possa considerar produzido a partir desta variedade vegetal deve obter uma autorização de colocação no mercado nos termos do Regulamento n.° 1829/2003. Se esta exigência fosse excessiva face aos riscos que apresentam os produtos derivados de milho MON 810 para a saúde humana, caberia às autoridades competentes autorizar de maneira geral a colocação no mercado dos géneros alimentícios produzidos a partir desta variedade de milho geneticamente modificado.

148. Em qualquer caso, os inconvenientes e dificuldades práticas que pode colocar essa exigência de autorização de colocação no mercado não podem ser compensados por uma interpretação do Regulamento n.° 1829/2003 que levaria à introdução de um limiar de tolerância permitindo dispensar um operador dessa autorização.

149. Portanto, não estão totalmente ausentes deste regulamento limiares de tolerância. No entanto, aplicam‑se a casos bem circunscritos.

150. Em primeiro lugar, o artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 dispõe que a obrigação de rotulagem «não se aplica aos géneros alimentícios que contenham material que contenha, seja constituído por ou seja produzido a partir de OGM numa proporção não superior a 0,9 % dos ingredientes que os compõem, considerados individualmente, ou do próprio género alimentício, se este consistir num único ingrediente, desde que a presença desse material seja acidental ou tecnicamente inevitável». Este limiar de tolerância aplica‑se unicamente à obrigação de rotulagem dos géneros alimentícios geneticamente modificados. Portanto, na ausência de indicação neste sentido pelo legislador comunitário, não poderia ser aplicado analogicamente à obrigação de obter uma autorização de colocação no mercado tal como decorre do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003.

151. Em segundo lugar, o artigo 47.°, n.° 1, deste regulamento, introduz um limiar de 0,5 % para a presença fortuita ou tecnicamente inevitável nos géneros alimentícios de material geneticamente modificado não autorizado por força da legislação comunitária, mas que foi objecto de uma avaliação dos riscos e obteve um parecer favorável das autoridades competentes. Especifica‑se, quanto aos géneros alimentícios, que, se esta presença tiver uma proporção não superior a 0,5 %, não é considerada uma violação do n.° 2 do artigo 4.° do referido regulamento.

152. Trata‑se, pois, de uma excepção à obrigação de obter uma autorização de colocação no mercado, mas esta excepção constitui apenas uma medida transitória (47), aplicável, como especifica o artigo 47.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1829/2003, apenas por um período de três anos a contar da data de aplicação deste regulamento. Não poderia, pois, ser aplicada por analogia a uma situação como a que é objecto do presente processo.

153. Tendo em conta o que constitui a situação actual da regulamentação da União em matéria de OGM, por força do princípio de subsidiariedade, incumbe às autoridades nacionais estabelecer as regras e os mecanismos processuais adequados a atenuar os inconvenientes que podem advir da coexistência entre as culturas geneticamente modificadas e as produções tradicionais quando a solução para tais inconvenientes não resulta directamente do direito da União. A indemnização do prejuízo económico sofrido por um apicultor que se encontra impedido de colocar os seus produtos no mercado constitui uma destas soluções.

IV – Conclusão

154. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões apresentadas pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof:

«1)      O artigo 2.°, ponto 1, da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho, e o artigo 2.°, ponto 4, do Regulamento (CE) n.° 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados, devem ser interpretados no sentido de que não constitui um ‘organismo’, na acepção destas disposições, pólen proveniente de uma planta geneticamente modificada que, quando é incorporado em mel ou utilizado como suplemento alimentar, já não é susceptível de assegurar a sua função no processo de reprodução das plantas.

2)      O artigo 2.°, ponto 10, do Regulamento n.° 1829/2003 deve ser interpretado no sentido de que de que, para se considerar que um género alimentício é ‘produzido a partir de organismos geneticamente modificados’, basta que este género contenha material proveniente de plantas geneticamente modificadas. Além disso, o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que mel contendo pólen proveniente de uma planta geneticamente modificada, bem como os suplementos alimentares à base desse pólen, constituem géneros alimentícios contendo um ingrediente produzido a partir de organismos geneticamente modificados. A este respeito, é pouco importante que o material proveniente de uma planta geneticamente modificada seja incluído de forma intencional ou não nesses géneros.

3)      Os artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1829/2003 devem ser interpretados no sentido de que a presença involuntária no mel de pólen proveniente de uma variedade de milho, como o milho MON 810, que obteve uma autorização de colocação no mercado ao abrigo da Directiva 90/220/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados, do qual apenas alguns produtos derivados são autorizados como produtos existentes, por força do artigo 8.°, n.° 1, alínea a), deste regulamento, tem como consequência que a colocação no mercado deste mel exige uma autorização emitida nos termos do referido regulamento. Os limiares de tolerância previstos nos artigos 12.°, n.° 2, e 47.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1829/2003 não são aplicáveis por analogia à exigência de uma autorização de colocação no mercado resultante do artigo 4.°, n.° 2, deste regulamento.»


1 – Língua original: francês.


2 – JO L 268, p. 1.


3 – K. H. Bablok, S. Egeter, J. Stegmeier, K. Müller e B. Klimesche (a seguir, conjuntamente, «K. H. Bablok e o.»).


4 – A seguir «OGM».


5 – JO L 106, p. 1.


6 – JO L 117, p. 15.


7 – JO L 268, p. 24, a seguir «Directiva 2001/18».


8 – Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica à Convenção sobre Diversidade Biológica, adoptado em Montreal, a 29 de Janeiro de 2000, a seguir «protocolo».


9 – Convenção aberta para assinatura na Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento (NUAD), no Rio de Janeiro, em 5 de Junho de 1992. Entrou em vigor em 29 de Dezembro de 1993.


10 – A seguir «Autoridade».


11 – JO L 109, p. 29.


12 – JO L 31, p. 1.


13 –      JO L 43, p. 1.


14 – JO 2002, L 10, p. 47.


15 – BGBl. 2005 I, p. 186.


16 – BGBl. 2002 I, p. 42.


17 – JO L 131, p. 32.


18 – Em execução do artigo 1.° desta decisão e em conformidade com o disposto no artigo 13.°, n.° 4, desta directiva, o Ministro da Agricultura e das Pescas francês, por decreto de 3 de Agosto de 1998, deu o seu consentimento escrito a esta colocação no mercado [v. decreto de 3 de Agosto de 1998, que dá autorização escrita, nos termos do artigo 13.°, n.° 4, da Directiva 90/220/CEE, de 23 de Abril de 1990, das Decisões 98/293/CE e 98/294/CE, de 22 de Abril de 1998, relativa à colocação no mercado de milho geneticamente modificado (Zea mays L. T 25 e MON 810) (JORF de 5 de Agosto de 1998, p. 11985)].


19 – K. H. Bablok e o. especificam que pedem que o Freistaat Bayern seja obrigado a adoptar todas as medidas adequadas a impedir a introdução de pólen de milho MON 810 nos seus produtos apícolas e a perda daí decorrente, para os produtos abrangidos, da sua aptidão para a comercialização ou para o consumo.


20 – K. H. Bablok e o. esclarecem que, com base nesta constatação, podem apenas requerer a atribuição de uma reparação por danos ou uma indemnização, e que este órgão jurisdicional não pretendeu reconhecer qualquer direito à protecção ou à obtenção da cessação da perturbação por, neste caso específico, os interesses dignos de protecção da cultura (no presente caso, a cultura para efeitos de investigação) serem preponderantes.


21 – O sublinhado é meu.


22 – JO L 287, p. 1.


23 – V., neste sentido, Mackenzie, R., e o., «Guide explicatif du Protocole de Cartagena sur la prévention des risques biotechnologiques», p. 51, n.° 205. Este documento pode ser consultado no seguinte endereço na Internet: http://bch.cbd.int/protocol/publications/iucn_guide_fr.pdf.


24 – JO L 125, p. 75. No artigo 2.°, alínea a), desta directiva, um microorganismo é definido como «qualquer entidade microbiológica, celular ou não celular, capaz de replicação ou de transferência de material genético, incluindo vírus, viróides e células animais e vegetais em cultura».


25 – V. Mackenzie, R., e o., op. cit., p. 51, n.° 204.


26 – «Handbook for the implementation of directive 90/220/EEC on the deliberate release of genetically modified organisms to the environment», vol. 1, Maio de 1992, p. 17.


27–      O sublinhado é meu.


28 –      Tradução livre: «A definição do conceito de ‘organismo’ compreende os microorganismos, que incluem os vírus e os viróides, as plantas e os animais, que incluem os óvulos, as sementes, os pólenes, as culturas celulares e as culturas in vitro de plantas e de animais. Esta definição não inclui o ADN recombinante nu nem os plasmídeos recombinantes nus.»


29 – JO L 200, p. 22.


30Idem, pp. 28 e 29. O risco associado a uma transferência horizontal de genes faz, portanto, parte dos acontecimentos a tomar em consideração em qualquer avaliação dos OGM. Isso não significa, no entanto, que se trate de um elemento de definição do que é um OGM.


31 – V., igualmente, neste sentido, terceiro considerando do Regulamento (CE) n.° 1139/98 do Conselho, de 26 de Maio de 1998, relativo à menção obrigatória, na rotulagem de determinados géneros alimentícios produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, de outras informações para além das previstas na Directiva 79/112/CEE (JO L 159, p. 4), que especifica que a Directiva 90/220, que foi substituída pela Directiva 2001/18 sem que tenha havido alteração do âmbito de aplicação, «não abrange os produtos não viáveis derivados de [OGM]».


32 – Sublinhe‑se, aliás, o que constitui um argumento suplementar em favor da tese segundo a qual os OGM são organismos vivos, que, no seu projecto de recomendação para a segunda leitura relativa à posição comum do Conselho com vista à adopção do regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados, o Parlamento Europeu, quando designa a categoria dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais contendo OGM ou consistindo em OGM, refere que se trata de «OGM vivos» [v. exposição de motivos, alínea b), p. 34].


33 – Do mesmo modo que outras consequências indesejáveis, como alergias.


34 – O sublinhado é meu.


35 – A exposição de motivos da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a alimentos geneticamente modificados para a alimentação humana e animal, [COM (2001) 425 final] explica, deste modo, que «abrangeria produtos ‘produzidos a partir de um OGM’ mas não produtos ‘produzidos com um OGM’. O primeiro implica que uma proporção do produto final, quer seja o próprio alimento, quer seja um dos seus ingredientes, é derivado do material geneticamente modificado original. O último é produzido com recurso a um [OGM] mas não se encontra presente no produto final nenhum material derivado do [OGM]». A proposta dá como exemplo desta segunda categoria o queijo produzido com uma enzima geneticamente modificada que não permanece no produto final (p. 5).


36 – Em contrapartida, no que respeita aos alimentos geneticamente modificados para animais, o artigo 15.°, n.° 1, alínea c), deste regulamento não faz qualquer referência ao conceito de «ingredientes».


37 – No que respeita ao pólen destinado à alimentação sob forma de suplementos alimentares, K. H. Bablok e o. explicam que os pólenes são obtidos por meio de «armadilhas de pólen» colocadas na entrada das colmeias. No essencial, são grelhas através das quais as abelhas recolectoras que entram na colmeia devem forçar a passagem, o que as faz perder o seu cesto de pólen por fricção. As bolas caem então num receptáculo, antes de ser recolhidas, limpas e secas.


38 – Esta disposição é relativa ao caso particular do mel filtrado, isto é, o mel obtido por eliminação de matérias orgânicas ou inorgânicas estranhas à sua composição que elimine quantidades significativas de pólen.° O sexto considerando da Directiva 2000/110 indica que é necessário informar correctamente desse facto o consumidor através de uma indicação adequada na rotulagem.


39 – O pólen presente no mel permite identificar as origens botânicas do mesmo. A melissopalinologia, isto é, a análise dos pólenes presentes no mel, permite detectar as misturas e as fraudes, bem como classificar o mel certificado no que respeita à composição.


40 – A questão poderia igualmente ser abordada na perspectiva da presença no mel de néctar proveniente de uma planta geneticamente modificada. No entanto, no presente processo, não se coloca o problema, na medida em que o milho MON 810 não produz néctar.


41 – A título de exemplo, é provável que um produto altamente refinado, como o óleo obtido a partir de milho geneticamente modificado, já não contenha sinais de ADN. No entanto, este produto continua a ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1829/2003.


42 – No entanto, os desenvolvimentos que se seguem são igualmente válidos para os suplementos alimentares à base de pólen.


43 – Limito‑me a citar as notificações de géneros alimentícios sem referir as notificações de alimentos para animais produzidos a partir de milho MON 810. Para uma visão completa, há que remeter para o registo comunitário dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais geneticamente modificados disponível no seguinte endereço internet: http://ec.europa.eu/food/dyna/gm_register/gm_register_auth.cfm?pr_id=11.


44 – V., a este respeito, a opinião científica da autoridade relativa ao referido pedido [EFSA Journal (2009) 1149, 1‑85], disponível no endereço Internet seguinte: http://www.efsa.europa.eu/fr/efsajournal/doc/1149.pdf.


45 – Ocorrerá no caso de OGM ou de géneros alimentícios contendo OGM ou que consistem nesses organismos (v., designadamente, artigos 5.°, n.° 5, e 6.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1829/2003).


46 – JO L 314, p. 102.


47 – V. vigésimo sexto considerando do Regulamento n.° 1829/2003.