Language of document : ECLI:EU:C:2014:2452

Processo C‑542/13

Mohamed M’Bodj

contra

Estado belga

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Belgica)]

«Reenvio prejudicial — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 19.°, n.° 2 — Diretiva 2004/83/CE — Normas mínimas relativas aos requisitos para a concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária — Pessoa elegível para proteção subsidiária — Artigo 15.°, alínea b) — Tortura ou tratamentos ou sanções desumanos ou degradantes infligidos a um requerente no seu país de origem — Artigo 3.° — Normas mais favoráveis — Requerente que padece de uma doença grave — Falta de tratamento adequado disponível no país de origem — Artigo 28.° — Proteção social — Artigo 29.° — Cuidados de saúde»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 18 de dezembro de 2014

Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária — Diretiva 2004/83 — Condições para poder ser concedida a proteção subsidiária — Artigos 2.º, alínea e), e 15.º, alínea b) — Legislação nacional que autoriza a residência de nacionais de países terceiros que padecem de uma doença grave por falta de tratamento adequado no seu país de origem — Privação de cuidados infligida não intencionalmente no país de origem — Legislação que não constitui uma norma mais favorável na aceção do artigo 3.º da referida diretiva — Exclusão da concessão de proteção subsidiária — Inaplicabilidade dos artigos 28.º e 29.º da referida diretiva

[Diretiva 2004/83 do Conselho, artigos 2.°, alínea e), 3.°, 15.°, alínea b), 18.°, 28.° e 29.°]

Os artigos 28.° e 29.° da Diretiva 2004/83, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou [por] pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao [conteúdo desses estatutos] […], lidos em conjugação com os seus artigos 2.°, alínea e), 3.°, 15.° e 18.°, devem ser interpretados no sentido de que um Estado‑Membro não está obrigado a conceder a proteção social e os cuidados de saúde que esses artigos preveem a um nacional de país terceiro autorizado a residir no território desse Estado‑Membro, ao abrigo de uma legislação nacional, que prevê autorizar a residência, no referido Estado‑Membro, do estrangeiro que padeça de uma doença que implique um risco real para a sua vida ou para a sua integridade física ou um risco real de tratamento desumano ou degradante, quando não existe nenhum tratamento adequado no país de origem desse estrangeiro ou no país terceiro em que residia anteriormente, sem que esteja em causa uma privação de cuidados infligida intencionalmente ao referido estrangeiro nesse país.

Com efeito, a ofensa grave definida no artigo 15.°, alínea b), da Diretiva 2004/83 não abrange tal situação. Além disso, o artigo 3.° desta diretiva opõe‑se a que um Estado‑Membro adote ou mantenha disposições que concedam o estatuto de pessoa elegível para proteção subsidiária por ela previsto a um nacional de país terceiro que padeça de uma doença grave, em razão do risco de deterioração do seu estado de saúde resultante da inexistência de tratamentos adequados no país de origem, uma vez que tais disposições não são compatíveis com esta diretiva. Com efeito, seria contrário à sistemática geral e aos objetivos da Diretiva 2004/83 conceder os estatutos que esta prevê a nacionais de países terceiros colocados em situações desprovidas de qualquer ligação com a lógica de proteção internacional. Daqui decorre que essa legislação nacional não pode ser qualificada, por força do artigo 3.° desta diretiva, de norma mais favorável para decidir quais são as pessoas elegíveis para proteção subsidiária. Por conseguinte, os nacionais de países terceiros autorizados a residir ao abrigo de tal legislação nacional não são beneficiários do estatuto conferido pela proteção subsidiária, aos quais seriam aplicáveis os artigos 28.° e 29.° da referida diretiva. A concessão, por um Estado‑Membro, desse estatuto de proteção nacional, por razões diferentes da necessidade de proteção internacional na aceção do artigo 2.°, alínea a), desta diretiva, ou seja, a título discricionário e por benevolência ou por razões humanitárias, não está, por conseguinte, abrangida, como precisa o considerando 9 da referida diretiva, pelo âmbito de aplicação desta.

(cf. n.os 41, 43‑47 e disp.)