Language of document : ECLI:EU:C:2017:689

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de setembro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Artigo 102.° TFUE — Abuso de posição dominante — Conceito de “preço não equitativo” — Taxas cobradas por uma entidade de gestão coletiva de direitos de autor — Comparação com as tarifas praticadas noutros Estados‑Membros — Escolha dos Estados de referência — Critérios de apreciação dos preços — Cálculo da coima»

No processo C‑177/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Augstākā tiesa Administratīvo lietu departaments (Supremo Tribunal, Secção de Contencioso Administrativo, Letónia), por decisão de 22 de março de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de março de 2016, no processo

Autortiesību un komunicēšanās konsultāciju aģentūra/Latvijas Autoru apvienība

contra

Konkurences padome,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Prechal (relatora), A. Rosas, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: X. Lopez Bancalari, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de fevereiro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Autortiesību un komunicēšanās konsultāciju aģentūra/Latvijas Autoru apvienība, por U. Zeltiņš, S. Novicka e D. Silava‑Tomsone, advokāti,

–        em representação do Governo letão, por J. Treijs‑Gigulis, I. Kalniņš, G. Bambāne, I. Kucina e D. Pelše, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por A. Lippstreu e T. Henze, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por M. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. H. S. Gijzen e M. K. Bulterman, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Vollrath, I. Rubene e F. Castilla Contreras, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de abril de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Autortiesību un komunicēšanās konsultāciju aģentūra/Latvijas Autoru apvienība (Agência de consultadoria sobre direitos de autor e comunicação/Associação Letã de Autores, Letónia) (a seguir «AKKA/LAA») ao Konkurences padome (Conselho da Concorrência, Letónia), a respeito de uma coima aplicada por este à AKKA/LAA por abuso de posição dominante.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° e 102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), com a epígrafe «Relação entre os artigos [101.° e 102.° TFUE] e as legislações nacionais em matéria de concorrência» e dispõe, no seu n.° 1:

«[…] Sempre que as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência ou os tribunais nacionais apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a qualquer abuso proibido pelo artigo [102.° TFUE], devem aplicar igualmente o artigo [102.° TFUE].»

4        O artigo 5.° deste regulamento, com a epígrafe «Competência das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência», dispõe, no seu primeiro parágrafo:

«As autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência têm competência para aplicar, em processos individuais, os artigos [101.° e 102.° TFUE]. Para o efeito, podem, atuando oficiosamente ou na sequência de denúncia, tomar as seguintes decisões:

[…]

–        aplicar coimas, sanções pecuniárias compulsórias ou qualquer outra sanção prevista pelo respetivo direito nacional.

[…]»

5        O artigo 23.° do referido regulamento, com a epígrafe «Coimas», enuncia, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)      Cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.° ou 102.° TFUE] […]

[…]

A coima aplicada a cada uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.

[…]

3.      Quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.»

 Direito letão

6        O artigo 13.° da Konkurences likums (Lei da Concorrência), de 4 de outubro de 2001 (Latvijas Vēstnesis, 2001, n.° 151), tem o mesmo alcance que o artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7        A AKKA/LAA, entidade de gestão coletiva de direitos de autor de obras musicais, é a única entidade autorizada na Letónia a emitir licenças, a título oneroso, para a comunicação ao público de obras musicais, cujos direitos de autor gere. Essa entidade cobra as taxas com que são remunerados os titulares dos direitos de autor letões e, mediante contratos celebrados com as entidades de gestão estrangeiras, as taxas com que são remunerados os titulares dos direitos estrangeiros. Entre as entidades licenciadas estão, nomeadamente, os estabelecimentos comerciais e os centros de serviços, enquanto utilizadores de obras protegidas por direitos de autor e direitos conexos.

8        Por decisão de 1 de dezembro de 2008, o Conselho da Concorrência aplicou uma coima à AKKA/LAA por abuso de posição dominante, em razão da aplicação de tarifas excessivamente elevadas. Posteriormente, a AKKA/LAA adotou novas tarifas, aplicáveis a partir de 2011. Em 31 de maio de 2012, o Conselho da Concorrência deu início a um processo de inquérito relativamente às novas tarifas.

9        No âmbito desse processo, o Conselho da Concorrência comparou, em primeiro lugar, as tarifas aplicadas na Letónia pela utilização de obras musicais nos estabelecimentos comerciais e nos centros de serviços com as tarifas aplicadas na Lituânia e na Estónia, enquanto Estados‑Membros limítrofes e mercados vizinhos. O Conselho da Concorrência constatou que as tarifas aplicadas na Letónia eram mais elevadas do que as aplicadas na Estónia e, na maior parte dos casos, do que as faturadas na Lituânia. Com efeito, enquanto nestes três Estados‑Membros as tarifas são estabelecidas em função da superfície do estabelecimento comercial ou do centro de serviços em causa, o Conselho da Concorrência salientou que, para superfícies entre 81 m² e 201‑300 m², as tarifas aplicadas na Letónia eram entre duas a três vezes mais elevadas do que as aplicadas nos outros dois Estados bálticos.

10      Em segundo lugar, o Conselho da Concorrência, baseando‑se no índice da paridade do poder de compra (a seguir «índice PPC»), fez uma comparação com as taxas em vigor em cerca de vinte outros Estados‑Membros e verificou, a esse respeito, que as tarifas cobradas na Letónia excediam entre 50% a 100% o nível médio das tarifas praticadas nos outros Estados‑Membros. Mais concretamente, para os estabelecimentos comerciais ou os centros de serviços com uma superfície entre 85,5 m² e cerca de 140 m², só as tarifas aplicadas na Roménia eram mais elevadas.

11      Por considerar que as taxas em vigor na Letónia, nos segmentos em que eram claramente mais elevadas do que na Estónia e na Lituânia, não eram equitativas, o Conselho da Concorrência, por decisão de 2 de abril de 2013, aplicou à AKKA/LAA uma coima de 45 645,83 lats letões (LVL) (cerca de 32 080 euros) por abuso de posição dominante, nos termos do disposto no artigo 13.°, n.° 1, ponto 4, da Lei da Concorrência e do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE (a seguir «decisão impugnada»). O Conselho da Concorrência calculou o montante dessa coima com base no volume de negócios da AKKA/LAA, tendo considerado a esse respeito que as remunerações recebidas pelos titulares dos direitos constituíam parte integrante do volume de negócios desta entidade e deviam ser tidas em consideração.

12      A AKKA/LAA interpôs recurso no Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo de Segunda Instância, Letónia) para anulação da decisão impugnada, tendo invocado, em substância, quatro fundamentos de recurso. Em primeiro lugar, o Conselho da Concorrência restringiu, no essencial, a comparação das tarifas aplicáveis na Letónia às aplicáveis nos Estados limítrofes, a saber, a Estónia e a Lituânia, ao passo que, tendo em conta o produto interno bruto e o nível de preços, a situação da Letónia também era comparável à da Bulgária, à da Roménia, à da Polónia e à da Hungria. Em segundo lugar, o Conselho da Concorrência não indicou de forma compreensível o método de cálculo das tarifas de referência. Em terceiro lugar, o Conselho da Concorrência considerou erradamente que incumbia à AKKA/LAA justificar o montante das suas tarifas. Em quarto lugar, o Conselho da Concorrência não devia ter tomado em consideração, para o cálculo da coima da AKKA/LAA, os montantes cobrados para a remuneração dos autores, dado que esses montantes não integram o património dessa entidade.

13      Por sentença de 9 de fevereiro de 2015, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo de Segunda Instância) anulou parcialmente a decisão impugnada. É certo que este órgão jurisdicional considerou que o Conselho da Concorrência tinha declarado acertadamente a existência de um abuso de posição dominante pela AKKA/LAA. Do mesmo modo, considerou que se justificava a comparação das tarifas para o mesmo tipo de prestações entre a Letónia, a Estónia e a Lituânia e que a AKKA/LAA não tinha fornecido nenhuma explicação para o facto de as tarifas aplicáveis na Letónia serem significativamente mais elevadas do que as aplicáveis na Estónia e na Lituânia. Todavia, por ter considerado que o Conselho da Concorrência tinha, para o cálculo da coima, tido indevidamente em conta os montantes cobrados para a remuneração dos autores, o referido órgão jurisdicional ordenou ao Conselho da Concorrência que recalculasse o montante da coima no prazo de dois meses após a prolação da sentença.

14      A AKKA/LAA interpôs recurso de cassação desta sentença no órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que a decisão não lhe foi inteiramente favorável. Por seu lado, o Conselho da Concorrência interpôs igualmente recurso daquela sentença na medida em que, através dela, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo de Segunda Instância) anulou o dispositivo da decisão impugnada relativamente à coima aplicada.

15      Segundo a AKKA/LAA, o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo de Segunda Instância) não formulou critérios objetivos e verificáveis que justificassem que as tarifas aplicáveis na Letónia pudessem ser comparadas às da Estónia e às da Lituânia. Assim, este órgão jurisdicional não se baseou em critérios económicos mas em critérios relativos à situação territorial, histórica e cultural comum aos referidos Estados.

16      Ora, a referida entidade contesta, nomeadamente, que a proximidade geográfica dos outros Estados bálticos possa ser um critério decisivo.

17      Por sua vez, o Conselho da Concorrência alega que a coima aplicada é conforme com a legislação nacional em vigor. Salienta em particular que, em direito da concorrência, se deve entender por «volume de negócios» o montante total dos rendimentos resultantes da atividade económica, o qual, no caso concreto, inclui os montantes cobrados pela AKKA/LAA para a remuneração dos autores.

18      O Augstākā tiesa Administratīvo lietu departaments (Supremo Tribunal, Secção de Contencioso Administrativo, Letónia) questiona‑se sobre a interpretação que deve ser feita do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE. Em primeiro lugar, este órgão jurisdicional pergunta se as atividades da AKKA/LAA têm incidência no comércio entre Estados‑Membros e, por conseguinte, se o caso do processo principal está abrangido pelo âmbito de aplicação dessa disposição. Em segundo lugar, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas quanto ao método utilizado para determinar o caráter não equitativo dos preços. Em terceiro lugar, hesita quanto ao cálculo da coima, nomeadamente sobre a questão de saber se deviam ter sido tidas em conta, para esse efeito, as remunerações destinadas aos titulares dos direitos.

19      No que se refere ao primeiro ponto, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, na decisão impugnada, o Conselho da Concorrência indicou que a AKKA/LAA também tinha cobrado taxas por obras musicais provenientes de outros Estados‑Membros e que, por conseguinte, preços não equitativos eram suscetíveis de desencorajar a utilização, na Letónia, de obras de autores de outros Estados‑Membros.

20      No que diz respeito ao segundo ponto, relativo ao método utilizado para determinar o caráter não equitativo dos preços, aquele órgão considera, por um lado, que, quando as tarifas praticadas num Estado‑Membro correspondem a um múltiplo das tarifas aplicadas noutros Estados‑Membros, à semelhança do processo que deu origem ao acórdão de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o. (110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326), essa circunstância constitui um indício de um abuso de posição dominante. Por outro lado, observa que existem ainda incertezas quanto à fixação das tarifas em situações diferentes da daquele último processo.

21      No caso vertente, coloca‑se a questão de saber se basta a comparação das tarifas aplicáveis na Letónia com as aplicáveis na Estónia e na Lituânia. Uma comparação reduzida a esse ponto pode, ao mesmo tempo, revelar‑se contraproducente, no sentido de que as entidades dos Estados limítrofes podem aumentar as suas tarifas concertadamente, de forma impercetível. No caso de esse modo de comparação não ser válido, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se há que comparar também as tarifas em todos os Estados‑Membros, ajustadas de acordo com o índice PPC.

22      Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais os requisitos para que as tarifas sejam consideradas «sensivelmente mais elevadas», na aceção do n.° 25 do acórdão de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o. (110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326), e para que a empresa em causa tenha de «justificar a diferença, baseando‑se nas divergências objetivas entre a situação do Estado‑Membro em causa e a prevalecente em todos os outros Estados‑Membros», na aceção do mesmo número.

23      Quanto ao terceiro ponto, relativo ao cálculo do montante da coima, o órgão jurisdicional de reenvio observa que ainda não foi apreciada pelo Tribunal de Justiça uma situação, como a que está em causa no processo principal, em que foi aplicada uma coima a uma entidade de gestão de direitos de autor. Assim, é necessário clarificar se importa ter em conta os montantes recebidos a título de remuneração dos titulares dos direitos de autor.

24      Nestas circunstâncias, o Augstākā tiesa Administratīvo lietu departaments (Supremo Tribunal, Secção de Contencioso Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 102.°, [segundo parágrafo,] alínea a), [TFUE] é aplicável a um litígio relativo às tarifas estabelecidas por uma entidade nacional de gestão de direitos de autor, quando esta entidade também cobra remunerações pelas obras de autores estrangeiros e as tarifas por ela estabelecidas são suscetíveis de dissuadir a utilização dessas obras no Estado‑Membro em causa?

2)      No domínio da gestão dos direitos de autor e direitos conexos e para efeitos da determinação do conceito de “preços não equitativos” utilizado no artigo 102.°, [segundo parágrafo,] alínea a), [TFUE], é procedente e suficiente, e em que casos, efetuar uma comparação entre os preços (tarifas) do mercado em causa e os preços (tarifas) dos mercados dos países limítrofes?

3)      No domínio da gestão dos direitos de autor e direitos conexos e para efeitos da determinação do conceito de “preços não equitativos” utilizado no artigo 102.°, [segundo parágrafo,] alínea a), [TFUE], é procedente e suficiente utilizar o [índice] de paridade do poder de compra baseado no produto interno bruto?

4)      Deve a comparação das tarifas ser efetuada em relação a cada um dos diferentes setores a que estas são aplicáveis ou relativamente ao nível médio das mesmas?

5)      Quando deve considerar‑se que a diferença das tarifas analisadas para efeitos do conceito de “preços não equitativos” utilizado no artigo 102.°, [segundo parágrafo,] alínea a), [TFUE], é considerável, ao ponto de caber ao operador económico que goza de uma posição dominante o ónus de provar que as suas tarifas são equitativas?

6)      Que informação pode razoavelmente ser exigida ao operador económico para fazer prova do caráter equitativo das tarifas relativas às obras protegidas pelo direito de autor, no âmbito da aplicação do artigo 102.°, [segundo parágrafo,] alínea a), [TFUE], se o custo das referidas obras não puder ser determinado da mesma forma que no caso dos bens de natureza material? Unicamente os custos administrativos da entidade de gestão de direitos de autor?

7)      Em caso de violação do direito da concorrência devem ser excluídas do volume de negócios de uma entidade de gestão de direitos de autor, para efeitos da determinação de uma coima, as remunerações pagas aos autores por esse operador económico?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

25      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o comércio entre Estados‑Membros é suscetível de ser afetado pelo nível das taxas fixadas por uma entidade de gestão dos direitos de autor, como a AKKA/LAA, pelo que o artigo 102.° TFUE é aplicável.

26      A este respeito, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a interpretação e a aplicação da condição relativa aos efeitos sobre o comércio entre Estados‑Membros, contida nos artigos 101.° e 102.° TFUE, devem basear‑se no objetivo dessa condição, que é de definir, em matéria de regulamentação da concorrência, o domínio de aplicação do direito da União e da lei dos Estados‑Membros. Deste modo, o direito da União cobre qualquer acordo e qualquer prática suscetível de pôr em causa a liberdade de comércio entre os Estados‑Membros de uma forma que poderia prejudicar a realização dos objetivos de um mercado único entre os Estados‑Membros, em particular através da compartimentação dos mercados nacionais ou afetando a estrutura da concorrência dentro do mercado comum (acórdão de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, EU:C:2007:53, n.° 89 e jurisprudência referida).

27      Para serem suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir que se encare com um grau suficiente de probabilidade a sua influência direta ou indireta, atual ou potencial, sobre as correntes comerciais entre Estados‑Membros, de modo a que se possa temer que entravem a realização de um mercado único entre Estados‑Membros. É, além disso, necessário que essa influência não seja insignificante (acórdão de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, EU:C:2007:53, n.° 90 e jurisprudência referida).

28      Ora, o Tribunal de Justiça já reconheceu, de forma implícita, que as tarifas praticadas por uma entidade de gestão de direitos de autor que detém um monopólio são suscetíveis de produzir um efeito sobre o comércio transfronteiriço, pelo que o artigo 102.° TFUE é aplicável a essa situação (v., neste sentido, acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier, 395/87, EU:C:1989:319; de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o., 110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326; e de 27 de fevereiro de 2014, OSA, C‑351/12, EU:C:2014:110).

29      Com efeito, o comércio entre Estados‑Membros pode ser afetado pelas práticas tarifárias de uma entidade de gestão de direitos de autor, como a AKKA/LAA, que detém um monopólio no seu Estado‑Membro e também ali gere, além dos direitos de titulares letões, os direitos de titulares estrangeiros.

30      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o comércio entre Estados‑Membros é suscetível de ser afetado pelo nível das taxas fixadas por uma entidade de gestão dos direitos de autor que detém um monopólio e que também gere os direitos dos titulares estrangeiros, pelo que o artigo 102.° TFUE é aplicável.

 Quanto à segunda, terceira e quarta questões

31      Com a segunda, terceira e quarta questões, que importa tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, por um lado, se, para efeitos de analisar se uma entidade de gestão de direitos de autor aplica preços não equitativos, na aceção do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE, é adequado comparar as suas tarifas com as tarifas aplicadas nos Estados vizinhos e noutros Estados‑Membros, corrigidas através do índice PPC, e, por outro, se essa comparação deve ser efetuada relativamente a cada segmento de utilizadores ou relativamente ao nível médio das tarifas.

32      Convém, desde logo, recordar que o conceito de «empresa», previsto no artigo 102.° TFUE, compreende qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (v., nomeadamente, acórdão de 1 julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.os 20 e 21 e jurisprudência referida).

33      Constitui uma atividade económica qualquer atividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado (acórdão de 1 julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.° 22 e jurisprudência referida). No caso em apreço, resulta dos autos à disposição do Tribunal de Justiça que é pacífico que a atividade da AKKA/LAA, que consiste em cobrar taxas para a remuneração dos autores, é um serviço.

34      Por outro lado, uma entidade como a AKKA/LAA, que tem o monopólio do fornecimento desse serviço no território de um Estado‑Membro, detém uma posição dominante numa parte substancial do mercado interno na aceção do artigo 102.° TFUE (v., neste sentido, acórdão de 27 de fevereiro de 2014, OSA, C‑351/12, EU:C:2014:110, n.° 86 e jurisprudência referida).

35      Ora, a exploração abusiva de uma posição dominante, na aceção do referido artigo, pode consistir na prática de um preço excessivo sem uma relação razoável com o valor económico da prestação (v., neste sentido, acórdão de 11 de dezembro de 2008, Kanal 5 e TV 4, C‑52/07, EU:C:2008:703, n.° 28 e jurisprudência referida).

36      A este respeito, trata‑se de apreciar se existe uma desproporção excessiva entre o custo efetivamente suportado e o preço efetivamente praticado e, na afirmativa, de analisar se se terá imposto um preço não equitativo, seja em si mesmo, seja em comparação com os produtos concorrentes (acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.° 252).

37      Não obstante, como salientou, em substância, o advogado‑geral, nomeadamente no n.° 36 das conclusões, e como o Tribunal de Justiça também reconheceu (v., neste sentido, acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.° 253), existem outros métodos que permitem determinar a natureza eventualmente excessiva de um preço.

38      Assim, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, deve ser considerado válido o método baseado numa comparação dos preços aplicados no Estado‑Membro em causa com os preços aplicados noutros Estados‑Membros. Com efeito, resulta dessa jurisprudência que, quando uma empresa em posição dominante impõe, pelos serviços que presta, tarifas sensivelmente mais elevadas que as praticadas nos outros Estados‑Membros e quando a comparação dos níveis das tabelas foi efetuada numa base homogénea, essa diferença deve ser considerada indício de um abuso de posição dominante (acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier, 395/87, EU:C:1989:319, n.° 38, e de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o., 110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326, n.° 25).

39      Todavia, tendo em conta o facto de, nos processos que deram origem aos acórdãos mencionados no número precedente, as tarifas praticadas por uma entidade de gestão de direitos de autor de um Estado‑Membro terem sido comparadas com as tarifas em vigor em todos os outros Estados‑Membros existentes à data, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma comparação, como a que foi efetuada pelo Conselho da Concorrência no caso do processo principal entre as tarifas aplicadas pela AKKA/LAA na Letónia e as praticadas na Lituânia e na Estónia, reforçada por uma comparação com as tarifas praticadas noutros Estados‑Membros, corrigidas através do índice PPC, é suficientemente representativa.

40      A este respeito, há desde logo que salientar que uma comparação não pode ser considerada insuficientemente representativa pelo simples facto de implicar um número restrito de Estados‑Membros.

41      Pelo contrário, essa comparação pode afigurar‑se pertinente desde que, como salientou o advogado‑geral no n.° 61 das conclusões, os Estados‑Membros de referência sejam selecionados segundo critérios objetivos, adequados e passíveis de verificação. Assim, não pode haver um número mínimo de mercados a comparar e a escolha dos mercados análogos adequados depende das circunstâncias particulares de cada caso.

42      Entre estes critérios podem figurar, nomeadamente, os hábitos de consumo e outros elementos económicos e socioculturais, como o produto interno bruto por habitante e o património cultural e histórico. Incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a pertinência dos critérios aplicados no caso do processo principal, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço.

43      No que diz respeito à comparação das tarifas praticadas pela entidade de gestão dos direitos de autor em causa no processo principal com as tarifas praticadas por entidades instaladas nas duas dezenas de outros Estados‑Membros diferentes da Estónia e da Lituânia, essa comparação pode servir para verificar os resultados já obtidos através de uma comparação que incluiu um número mais reduzido de Estados‑Membros.

44      Em seguida, cumpre recordar que a comparação entre os preços aplicados no Estado‑Membro em causa e os aplicados noutros Estados‑Membros deve ser efetuada numa base homogénea (acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier, 395/87, EU:C:1989:319, n.° 38, e de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o., 110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326, n.° 25).

45      No caso vertente, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, nos Estados de referência selecionados, o método de cálculo das tarifas, baseado na superfície do estabelecimento comercial ou do centro de serviços em causa, é análogo ao método de cálculo aplicável na Letónia. Se for esse o caso, este órgão jurisdicional pode concluir que a base de comparação foi homogénea, desde que o índice PPC tenha sido incorporado na comparação com as tarifas praticadas nos Estados‑Membros em que as condições económicas não sejam semelhantes às existentes na Letónia.

46      A este último respeito, importa constatar, como fez o advogado‑geral no n.° 85 das conclusões, que existem, regra geral, diferenças de preços significativas entre os Estados‑Membros para serviços idênticos, tendo estas diferenças uma relação estreita com a diferença do poder de compra dos cidadãos, expressa pelo índice PPC. A capacidade dos que exploram estabelecimentos comerciais ou centros de serviços para pagar pelos serviços da entidade de gestão dos direitos de autor é influenciada pelo nível de vida e pelo poder de compra. Assim, a comparação, quanto a um serviço idêntico, das tarifas em vigor em vários Estados‑Membros nos quais o nível de vida difere, implica necessariamente que o índice PPC seja tido em conta.

47      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se importa comparar os diferentes segmentos de utilizadores ou, pelo contrário, a tarifa média de todos os segmentos.

48      Conforme foi confirmado na audiência, os termos «segmentos de utilizadores» dizem respeito aos estabelecimentos comerciais e aos centros de serviços com uma certa superfície. A este respeito, resulta dos elementos do processo à disposição do Tribunal de Justiça e das intervenções em audiência que há diferentes tarifas, nomeadamente, num mesmo segmento específico.

49      Incumbe à autoridade da concorrência em causa efetuar a comparação e estabelecer o respetivo quadro, precisando‑se que essa autoridade dispõe de uma certa margem de manobra e que não existe um método adequado único. A título exemplificativo, há que salientar que, nos processos que conduziram aos acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier (395/87, EU:C:1989:319), e de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o. (110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326), a comparação dizia respeito às taxas cobradas em diferentes Estados‑Membros junto de uma discoteca‑tipo com determinadas características, entre as quais figurava a superfície.

50      Assim, é possível estabelecer a comparação entre um ou mais segmentos específicos se houver indícios de que o eventual caráter excessivo das taxas incide nesses segmentos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

51      Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda, terceira e quarta questões que, para efeitos de analisar se uma entidade de gestão de direitos de autor aplica preços não equitativos, na aceção do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE, é adequado comparar as suas tarifas com as tarifas aplicadas nos Estados vizinhos e noutros Estados‑Membros, corrigidas através do índice PPC, desde que os Estados de referência tenham sido selecionados segundo critérios objetivos, adequados e passíveis de verificação e que a base das comparações efetuadas seja homogénea. É possível comparar as tarifas praticadas num ou em mais segmentos de utilizadores específicos se houver indícios de que o caráter excessivo das taxas incide nesses segmentos.

 Quanto à quinta e sexta questões

52      Com a quinta e sexta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, por um lado, a partir de que limiar a diferença entre as tarifas comparadas deve ser tida como considerável e, consequentemente, constitui um indício de um abuso de posição dominante, e, por outro, que elementos de prova pode a entidade de gestão dos direitos de autor fornecer para refutar o caráter excessivo das tarifas.

53      Deve recordar‑se, desde logo, que, quando uma empresa em posição dominante impõe, pelos serviços que presta, tarifas sensivelmente mais elevadas que as praticadas nos outros Estados‑Membros, essa diferença deve ser considerada indício de um abuso de posição dominante (acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier, 395/87, EU:C:1989:319, n.° 38, e de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o., 110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326, n.° 25).

54      Ora, no caso vertente, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, a diferença existente entre as tarifas praticadas na Letónia e as praticadas nos outros Estados‑Membros de referência é menor do que as diferenças constatadas entre as taxas de certos Estados‑Membros nos processos que deram origem aos acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier (395/87, EU:C:1989:319), e de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o. (110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326). A este respeito, aquele órgão jurisdicional salienta que, segundo as declarações do Conselho da Concorrência, para superfícies entre 81 m² e 201‑300 m², as tarifas na Letónia eram duas vezes mais elevadas do que as aplicadas na Estónia e na Lituânia. No que se refere à comparação efetuada com as tarifas aplicadas noutros Estados‑Membros mencionados no n.° 43 do presente acórdão, o referido órgão jurisdicional concluiu que as tarifas aplicadas na Letónia excediam entre 50% a 100% o nível médio das tarifas da União, tendo mesmo precisado que, no que se refere às taxas devidas pelos espaços com uma superfície de 85,5 m² a cerca de 140 m², só as praticadas na Roménia eram mais elevadas do que as taxas em vigor na Letónia.

55      Todavia, não é possível deduzir dos acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier (395/87, EU:C:1989:319), e de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o. (110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326), que diferenças como as que foram verificadas no caso do processo principal nunca possam ser tidas por «consideráveis». Com efeito, não existe um limiar mínimo a partir do qual uma tarifa deva ser qualificada de «consideravelmente mais elevada», dado que as circunstâncias de cada caso são determinantes a este respeito. Assim, uma diferença entre as taxas pode ser qualificada de «considerável» se for significativa e persistente à luz dos factos, no que se refere, nomeadamente, ao mercado em causa, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar.

56      Importa salientar a este respeito que, como salientou o advogado‑geral no n.° 107 das conclusões, a diferença deve ter uma certa importância para as tarifas em causa poderem ser qualificadas de «abusivas». Além disso, essa diferença deve persistir durante um certo tempo e não ser temporária ou esporádica.

57      Em seguida, deve salientar‑se que estes elementos constituem apenas indícios de um abuso de posição dominante. A entidade de gestão dos direitos de autor tem a possibilidade de justificar a diferença baseando‑se nas divergências objetivas entre a situação do Estado‑Membro em causa e a prevalecente em todos os outros Estados‑Membros incluídos na comparação (v., neste sentido, acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier, 395/87, EU:C:1989:319, n.° 38, e de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o., 110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326, n.° 25).

58      Para justificar essa diferença, podem ser tomados em consideração certos elementos, tais como a relação existente entre o nível da taxa e o montante efetivamente pago aos titulares dos direitos. Com efeito, quando a parte do produto das taxas que se destina a cobrir encargos de cobrança, administração e repartição, em vez de se destinar aos titulares dos direitos de autor, é consideravelmente mais elevada, não é de excluir que seja precisamente a ausência de concorrência no mercado em causa que permite explicar o peso do aparelho administrativo e, por conseguinte, o montante elevado das taxas (v., neste sentido, acórdãos de 13 de julho de 1989, Tournier, 395/87, EU:C:1989:319, n.° 42, e de 13 de julho de 1989, Lucazeau e o., 110/88, 241/88 e 242/88, EU:C:1989:326, n.° 29).

59      No caso vertente, a AKKA/LAA alegou, na audiência, que a parte dos encargos de cobrança, administração e repartição não ultrapassava 20% do montante total cobrado. Se for esse o caso, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, estes encargos não parecem, à primeira vista, desrazoáveis relativamente aos montantes pagos aos titulares dos direitos de autor nem, consequentemente, demonstrativos de uma gestão ineficaz. Além disso, o facto de os referidos encargos serem mais elevados do que nos Estados‑Membros de referência pode ser explicado pela existência de elementos objetivos com incidência nos custos, como uma determinada regulamentação que torna mais pesado o funcionamento do aparelho administrativo ou outras características próprias do mercado em causa.

60      Em contrapartida, se se verificar que as remunerações pagas pela AKKA/LAA aos titulares dos direitos são mais elevadas do que as pagas nos Estados de referência e que essa diferença pode ser tida como considerável, incumbe à AKKA/LAA justificar essa circunstância. Essa justificação pode residir na existência de uma legislação nacional sobre a remuneração equitativa que seja diferente da de outros Estados‑Membros, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

61      Daqui resulta que importa responder à quinta e sexta questões que a diferença entre as tarifas comparadas deve ser tida como considerável se for significativa e persistente. Essa diferença constitui um indício de abuso de posição dominante e incumbe à entidade de gestão dos direitos de autor em posição dominante demonstrar que os seus preços são equitativos, baseando‑se em elementos objetivos com incidência nos encargos de gestão ou na remuneração dos titulares dos direitos.

 Quanto à sétima questão

62      Com a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, no caso de ser demonstrada uma violação do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE, as remunerações destinadas aos titulares dos direitos devem ser incluídas, para efeitos da determinação do montante da coima, no volume de negócios da entidade de gestão dos direitos de autor em causa.

63      Resulta do artigo 5.° do Regulamento n.° 1/2003 que as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência podem, no âmbito da aplicação do artigo 102.° TFUE, aplicar coimas, sanções pecuniárias compulsórias ou qualquer outra sanção prevista pelo respetivo direito nacional.

64      A este respeito, importa acautelar uma aplicação uniforme do artigo 102.° TFUE na União para efeitos de alcançar uma aplicação efetiva do referido artigo. Assim, apesar de o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, aplicável às coimas aplicadas pela Comissão Europeia no caso de violação dos artigos 101.° e 102.° TFUE, não vincular as autoridades nacionais da concorrência, é possível que quando estas últimas analisem o volume de negócios de uma empresa para efeitos da fixação do montante máximo da coima a aplicar a essa empresa por violação do artigo 102.° TFUE, adotem uma abordagem coerente com a interpretação do conceito de «volume de negócios» previsto no referido artigo 23.°

65      Ora, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esse conceito diz respeito ao valor das vendas de bens e serviços realizadas pela empresa em causa, que reflita a sua situação económica real (v, neste sentido, acórdão de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.os 16 a 18 e jurisprudência referida).

66      No caso vertente, conforme foi exposto no n.° 33 do presente acórdão, os serviços prestados pela AKKA/LAA consistem na cobrança das taxas com que são remunerados os autores de obras musicais. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar, à luz de todas as circunstâncias pertinentes do caso no processo principal, se a parte dessas taxas que representa as remunerações pagas aos referidos autores está incluída no valor do serviço prestado pela AKKA/LAA.

67      A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pode, nomeadamente, tomar em consideração os vínculos jurídicos e económicos existentes, por força do direito nacional, entre a AKKA/LAA, enquanto intermediária, e os titulares dos direitos, a fim de determinar se constituem uma unidade económica. Se for esse o caso, a parte que representa as remunerações destinadas a esses titulares poderia ser considerada como parte do valor do serviço prestado pela AKKA/LAA.

68      Por outro lado, há que salientar que, quando uma autoridade nacional da concorrência aplica uma coima, esta deve, à semelhança das sanções aplicadas pelas autoridades nacionais no caso de uma violação do direito da União, ser efetiva, proporcionada e dissuasiva (v., neste sentido, acórdão de 8 de julho de 1999, Nunes e de Matos, C‑186/98, EU:C:1999:376, n.° 10 e jurisprudência referida).

69      A esse respeito, para determinar o montante final da coima, importa também ter em conta o facto de o Conselho da Concorrência já ter aplicado uma primeira coima à AKKA/LAA em 2008, por praticar preços não equitativos, e de, durante o ano de 2013, na sequência de novo inquérito, lhe ter sido aplicada uma nova coima pela decisão impugnada, por violação do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE.

70      Importa, assim, tomar em consideração a duração global da infração, o seu caráter repetitivo e a questão de saber se a primeira coima foi suficientemente dissuasiva, a fim de garantir o caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo da sanção aplicada, conforme referido no n.° 68 deste acórdão.

71      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à sétima questão que, no caso de ser demonstrada uma violação do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE, as remunerações destinadas aos titulares dos direitos devem ser incluídas, para efeitos da determinação do montante da coima, no volume de negócios da entidade de gestão dos direitos de autor em causa, desde que tais remunerações integrem o valor dos serviços prestados por essa entidade e que a referida inclusão seja necessária para garantir o caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo da sanção aplicada. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todas as circunstâncias do caso vertente, se esses requisitos estão preenchidos.

 Quanto às despesas

72      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O comércio entre EstadosMembros é suscetível de ser afetado pelo nível das taxas fixadas por uma entidade de gestão dos direitos de autor que detém um monopólio e que também gere os direitos dos titulares estrangeiros, pelo que o artigo 102.° TFUE é aplicável.

2)      Para efeitos de analisar se uma entidade de gestão de direitos de autor aplica preços não equitativos, na aceção do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE, é adequado comparar as suas tarifas com as tarifas aplicadas nos Estados vizinhos e noutros EstadosMembros, corrigidas através do índice de paridade do poder de compra, desde que os Estados de referência tenham sido selecionados segundo critérios objetivos, adequados e passíveis de verificação e que a base das comparações efetuadas seja homogénea. É possível comparar as tarifas praticadas num ou em mais segmentos de utilizadores específicos se houver indícios de que o caráter excessivo das taxas incide nesses segmentos.

3)      A diferença entre as tarifas comparadas deve ser tida como considerável se for significativa e persistente. Essa diferença constitui um indício de abuso de posição dominante e incumbe à entidade de gestão dos direitos de autor em posição dominante demonstrar que os seus preços são equitativos, baseandose em elementos objetivos com incidência nos encargos de gestão ou na remuneração dos titulares dos direitos.

4)      No caso de ser demonstrada uma violação do artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE, as remunerações destinadas aos titulares dos direitos devem ser incluídas, para efeitos da determinação do montante da coima, no volume de negócios da entidade de gestão dos direitos de autor em causa, desde que tais remunerações integrem o valor dos serviços prestados por essa entidade e que a referida inclusão seja necessária para garantir o caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo da sanção aplicada. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todas as circunstâncias do caso vertente, se esses requisitos estão preenchidos.

Assinaturas


* Língua de processo: letão.