Language of document : ECLI:EU:C:2007:230

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de Abril de 2007 (*)

«Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE – Publicidade comparativa – Identificação de um concorrente ou de bens ou serviços oferecidos por um concorrente – Bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou que têm o mesmo objectivo – Referência a denominações de origem»

No processo C‑381/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela cour d’appel de Bruxelles (Bélgica), por decisão de 13 de Outubro de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de Outubro de 2005, no processo

De Landtsheer Emmanuel SA

contra

Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne,

Veuve Clicquot Ponsardin SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, J. N. Cunha Rodrigues (relator), K. Schiemann, M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: M.‑A. Gaudissart, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 21 de Setembro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da De Landtsheer Emmanuel SA, por J. Stuyck e M. Demeur, avocats,

–        em representação do Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne e Veuve Clicquot Ponsardin SA, por T. van Innis e N. Clarembeaux, avocats,

–        em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por R. Loosli‑Surrans, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J.‑P. Keppenne e A. Aresu, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de Novembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 2.°, ponto 2A, e 3.°‑A, n.° 1, alíneas b) e f), da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, em matéria de publicidade enganosa e de publicidade comparativa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55), conforme alterada pela Directiva 97/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro de 1997 (JO L 290, p. 18, a seguir «directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne (a seguir «CIVC») e a sociedade francesa Veuve Clicquot Ponsardin SA (a seguir «Veuve Clicquot») à sociedade belga De Landtsheer Emmanuel SA (a seguir «De Landtsheer), a propósito das práticas publicitárias utilizadas por esta última na comercialização da cerveja denominada «Malheur Brut Réserve».

 Quadro jurídico

 Direito comunitário

3        Nos termos do artigo 2.°, ponto 2A, da directiva, entende‑se por «publicidade comparativa» a publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.

4        O artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva dispõe:

«A publicidade comparativa é autorizada, no que se refere exclusivamente à comparação, quando se reúnam as seguintes condições:

a)      Não ser enganosa nos termos do n.° 2 do artigo 2.º, do artigo 3.º e do n.° 1 do artigo 7.º;

b)      Comparar bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou têm os mesmos objectivos;

c)      Comparar objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços, entre as quais se pode incluir o preço;

[…]

f)      Referir‑se, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação;

g)      Não retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes;

[…]»

5        O artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 208, p. 1), prevê:

«As denominações registadas encontram‑se protegidas contra:

a)      Qualquer utilização comercial directa ou indirecta de uma denominação registada para produtos não abrangidos pelo registo, na medida em que esses produtos sejam comparáveis a produtos registados sob essa denominação, ou na medida em que a utilização dessa denominação explore a reputação da mesma;

b)      Qualquer usurpação, imitação ou evocação, ainda que a verdadeira origem do produto seja indicada ou que a denominação protegida seja traduzida ou acompanhada por termos como «género», «tipo», «método», «imitação», «estilo» ou por uma expressão similar;

c)      Qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais dos produtos, que conste do acondicionamento ou embalagem, da publicidade ou dos documentos relativos aos produtos em causa, bem como a utilização para o acondicionamento de recipientes susceptíveis de criarem uma opinião errada sobre a origem do produto;

d)      Qualquer outra prática susceptível de induzir o público em erro quanto à verdadeira origem do produto.

[…]»

 Legislação nacional

6        O artigo 23.° da Lei de 14 de Julho de 1991 sobre as práticas comerciais e a informação e a protecção do consumidor (Moniteur belge de 29 de Agosto de 1991), conforme alterada pela Lei de 25 de Maio de 1999 (Moniteur belge de 23 de Junho de 1999, a seguir «LPCC»), enuncia:

«Sem prejuízo de outras disposições legislativas ou regulamentares, é proibida qualquer publicidade:

1º      que contenha afirmações, indicações ou representações susceptíveis de induzir em erro sobre a identidade, a natureza, a composição, a origem, a quantidade, a disponibilidade, o modo e a data de fabrico ou as características de um produto ou os efeitos sobre o ambiente; deve entender‑se por características as vantagens de um produto, designadamente do ponto de vista das suas propriedades, das suas possibilidades de utilização, dos resultados que se podem esperar da sua utilização, das condições em que pode ser obtido, designadamente o preço ou o seu modo de estabelecimento e as características essenciais dos testes ou dos controlos efectuados sobre o produto e dos serviços que o acompanham;

[…]

6°      que, sem prejuízo das disposições previstas no artigo 23.º bis, contenha elementos que denigram a imagem de outro vendedor, dos seus produtos, dos seus serviços ou da sua actividade;

7°      que, sem prejuízo das disposições previstas no artigo 23.º bis, contenha comparações enganosas, denegridoras ou que impliquem, desnecessariamente, a possibilidade de identificar um ou vários outros vendedores;

8°      que, sem prejuízo das disposições previstas no artigo 23.º bis, contenha elementos susceptíveis de criar confusão com outro vendedor, os seus produtos, os seus serviços ou a sua actividade;

[…]»

7        O artigo 23.° bis da LPCC tem a seguinte redacção:

«§ 1. A publicidade comparativa é lícita, quando as seguintes condições respeitantes à comparação estiverem preenchidas:

1°      não ser enganosa nos termos do artigo 23.°, 1º a 5º, da presente lei;

[…]

3°      se comparar objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços, entre as quais se pode incluir o preço;

[…]

6°      se se referir, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação;

7°      se não retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes;

[…]

§ 2.      Qualquer comparação que faça referência a uma oferta especial deve indicar de forma clara e inequívoca o seu termo ou, se for esse o caso, que essa oferta especial depende da disponibilidade dos produtos ou serviços; quando a oferta especial ainda não se tenha iniciado, também deve ser indicada a data de início do período durante o qual é aplicável o preço especial ou qualquer outra condição específica.

§ 3.      É proibida qualquer publicidade comparativa que não respeite as condições fixadas nos §§ 1 e 2.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        A De Landtsheer produz e comercializa diversos tipos de cerveja sob a marca Malheur. Em 200l, lançou, com a denominação «Malheur Brut Réserve», uma cerveja cujo processo de elaboração é inspirado no método de produção do vinho espumante e à qual entendeu imprimir o carácter de produto excepcional.

9        Na garrafa, no folheto desdobrável preso à garrafa e na embalagem de cartão da mesma, figuravam, entre outras, as indicações «BRUT RÉSERVE», «La première bière BRUT au monde» (a primeira cerveja bruto do mundo), «Bière blonde à la méthode traditionnelle» (cerveja branca segundo o método tradicional) e «Reims‑France», bem como uma referência aos vinhateiros de Reims e de Épernay. Na apresentação desse produto, a De Landtsheer utilizou a expressão «Champagnebier» para salientar que se tratava de uma cerveja fabricada segundo o método champanhês. Além disso, esta sociedade elogiou a originalidade da nova cerveja Malheur evocando as características do vinho espumante e sobretudo as do champanhe.

10      Em 8 de Maio de 2002, o CIVC e a Veuve Clicquot propuseram uma acção contra a De Landtsheer no tribunal de commerce de Nivelles, no sentido de proibir, designadamente, o uso das indicações supramencionadas. No seu entender, essa utilização é não apenas enganosa mas igualmente constitutiva de uma publicidade comparativa ilícita.

11      Por decisão de 26 de Julho de 2002, o referido tribunal condenou a De Landtsheer, designadamente, a suspender qualquer uso da indicação «Méthode traditionnelle», da denominação de origem «Champagne», da indicação geográfica «Reims‑France», bem como das referências aos vinhateiros de Reims e de Épernay e ao método de fabrico do champanhe. O pedido do CIVC e da Veuve Clicquot foi julgado improcedente na parte respeitante à utilização das menções «BRUT», «RÉSERVE», «BRUT RÉSERVE» e «La première bière BRUT au monde».

12      Tendo renunciado à utilização da denominação de origem «Champagne» na expressão «Champagnebier», a De Landtsheer interpôs um recurso desta decisão quanto à parte relativa aos outros elementos do litígio. O CIVC e a Veuve Clicquot interpuseram um recurso subordinado no que ser refere à utilização dos termos «BRUT», «RÉSERVE», «BRUT RÉSERVE» e «La première bière BRUT au monde».

13      Considerando que a interpretação da directiva é necessária para resolver o litígio nele pendente, a cour d’appel de Bruxelles decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A definição de publicidade comparativa abrange as mensagens publicitárias nas quais o anunciante faz unicamente referência a um tipo de produto, no sentido de que, se assim for, deve considerar‑se que essa mensagem faz referência a todas as empresas que oferecem esse tipo de produto e que cada uma delas pode alegar ter sido identificada?

2)      Para determinar a existência de uma relação de concorrência entre o anunciante e a empresa a que se faz referência, na acepção do artigo [2.°, ponto] 2A, da directiva:

a)      Deve considerar‑se, designadamente com base no confronto do artigo [2.°, ponto] 2A com o artigo 3.°‑A, alínea b), que é concorrente na acepção desta disposição qualquer empresa cuja identificação seja possível através da publicidade sejam quais forem os produtos ou os serviços que ela ofereça?

b)      Em caso de resposta negativa à questão anterior e de outros requisitos serem necessários para estabelecer a existência de uma relação de concorrência, deverá tomar‑se em consideração o estado actual do mercado e os hábitos de consumo existentes na Comunidade, ou deverão igualmente tomar‑se em consideração as possibilidades de evolução desses hábitos?

c)      O exame deve ser limitado à parte do território comunitário em que a publicidade é difundida?

d)      A relação de concorrência deve ser apreciada tendo em conta os tipos de produtos objecto da comparação e a percepção geral que se tem dos mesmos, ou, para apreciar o grau de substituição possível, também se devem ter em conta as características particulares do produto que o anunciante pretende promover através da publicidade controvertida e a imagem que o mesmo pretende imprimir?

e)      Os critérios que permitem determinar a existência de uma relação de concorrência na acepção do artigo 2.°, ponto 2A, e os critérios que permitem verificar se a comparação preenche a condição enunciada no artigo 3.°‑A, alínea b), são idênticos?

3)      Do confronto do artigo 2.°, ponto 2A, da [directiva], por um lado, com o artigo 3.°‑A da mesma, por outro, resulta:

a)      que é ilícita qualquer publicidade comparativa que permita identificar um tipo de produtos, no caso de a menção não permitir identificar um concorrente ou os bens que este oferece?

b)      ou que a licitude da comparação deve ser examinada unicamente à luz das disposições nacionais diferentes das que transpõem as disposições da directiva em matéria de publicidade comparativa, o que poderia conduzir a uma protecção menor do consumidor ou das empresas que oferecem o tipo de produto que é posto em relação com o produto oferecido pelo anunciante?

4)      Caso se deva concluir pela existência de publicidade comparativa na acepção do artigo 2.°, ponto 2A, deve inferir‑se do artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da directiva que é ilícita qualquer comparação que, em relação a produtos que não tenham denominação de origem, faça referência a produtos que tenham denominação de origem [?]»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

14      Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.°, ponto 2A, da directiva deve ser interpretado no sentido de se poder considerar constitutiva de publicidade comparativa a referência, numa mensagem publicitária, a um tipo de produtos e não a uma empresa ou a um produto determinados.

15      Deve recordar‑se que, nos termos do artigo 2.°, ponto 2A, da directiva, entende‑se por «publicidade comparativa» a publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.

16      Segundo jurisprudência assente, trata‑se de uma definição ampla, susceptível de abranger todas as formas de publicidade comparativa, de modo que basta que exista uma comunicação que faça, ainda que implicitamente, referência a um concorrente ou aos bens e serviços por ele oferecidos para que exista publicidade comparativa (v. acórdãos de 25 de Outubro de 2001, Toshiba Europe, C‑112/99, Colect., p. I‑7945, n.os 30 e 31, e de 8 de Abril de 2003, Pippig Augenoptik, C‑44/01, Colect., p. I‑3095, n.° 35).

17      O elemento necessário para a verificação do carácter comparativo de um anúncio publicitário é, assim, a identificação, explícita ou implícita, de um concorrente do anunciante ou dos bens ou serviços que ele oferece (acórdão Toshiba Europe, já referido, n.° 29).

18      O simples facto de uma empresa só fazer referência, na sua mensagem publicitária, a um tipo de produtos não permite que se exclua a priori essa mensagem do âmbito de aplicação da directiva.

19      Uma mensagem deste tipo pode constituir publicidade comparativa, se nela se puder identificar um concorrente ou os bens ou serviços por ele oferecidos como sendo concretamente visados pela referida publicidade, ainda que implicitamente.

20      Neste contexto, não é relevante que a referência a um tipo de produtos possa, atendendo às circunstâncias do caso concreto e particularmente à estrutura do mercado em causa, permitir identificar vários concorrentes ou os bens ou os serviços que eles oferecem.

21      Uma interpretação literal do artigo 2.°, ponto 2A, da directiva, que impusesse a identificação de um único concorrente do anunciante ou dos bens ou dos serviços de um único concorrente, seria incompatível com uma definição ampla da publicidade comparativa e, por isso, contrária à jurisprudência assente do Tribunal de Justiça.

22      Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais, em cada caso concreto e tendo em conta todos os elementos pertinentes do processo, verificar se uma publicidade permite aos consumidores identificar, explícita ou implicitamente, se são concretamente visados pela referida publicidade uma ou mais empresas determinadas ou os bens ou os serviços por elas fornecidos.

23      Os referidos órgãos jurisdicionais devem, nessa apreciação, ter em consideração a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v. acórdão Pippig Augenoptik, já referido, n.° 55, e acórdão de 19 de Setembro de 2006, Lidl Belgium, C‑356/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 78).

24      Assim, deve responder‑se à primeira questão que o artigo 2.°, ponto 2A, da directiva deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que constitui publicidade comparativa a referência, numa mensagem publicitária, a um tipo de produtos e não a uma empresa ou a um produto determinados quando seja possível identificar essa empresa ou os produtos que ela oferece como sendo concretamente visados pela referida mensagem. A circunstância de se poder identificar vários concorrentes do anunciante ou os bens ou serviços que eles oferecem como sendo concretamente visados pela mensagem publicitária não tem relevância para o reconhecimento do carácter comparativo da publicidade.

 Quanto à segunda questão

25      A segunda questão tem três partes.

26      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se a existência de uma relação de concorrência, na acepção do artigo 2.°, ponto 2A, da directiva, entre o anunciante e a empresa que é identificada na mensagem publicitária pode ser estabelecida independentemente dos bens ou dos serviços que esta oferece. Em segundo lugar, no caso de esta questão receber uma resposta negativa, o referido órgão jurisdicional interroga o Tribunal de Justiça, no que diz respeito à verificação da referida relação de concorrência, sobre a pertinência da utilização de determinados critérios, como a análise actual ou evolutiva do estado do mercado e dos hábitos de consumo, a determinação do território comunitário limitado ao do alcance de difusão da referida publicidade e o carácter substituível dos produtos alvo da comparação, dependendo este último critério dos tipos de produtos apreciados de forma abstracta ou tendo em conta as características e a imagem que o anunciante lhes entende imprimir. Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se estes critérios são idênticos aos que permitem verificar se a comparação preenche a condição enunciada no artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), da directiva.

 Quanto à primeira parte

27      Conforme resulta do artigo 2.°, ponto 2A, da directiva, o elemento específico do conceito de publicidade comparativa é constituído pela identificação de um «concorrente» do anunciante ou dos bens ou serviços que este oferece.

28      A qualidade de «empresas concorrentes» assenta, por definição, no carácter substituível dos bens ou dos serviços que estas empresas oferecem no mercado.

29      É precisamente esta a razão pela qual o artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), da directiva estabelece como condição de licitude da publicidade comparativa a comparação dos bens e dos serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos.

30      Como o Tribunal de Justiça já decidiu, o facto de certos produtos serem, numa certa medida, susceptíveis de satisfazer necessidades idênticas permite concluir por um certo grau de substituição entre eles (acórdãos de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/Reino Unido, 170/78, Recueil, p. 417, n.° 14, e de 9 de Julho de 1987, Comissão/Bélgica, 356/85, Colect., p. 3299, n.° 10).

31      Assim, deve responder‑se à primeira parte da segunda questão que a existência de uma relação de concorrência entre o anunciante e a empresa que é identificada na mensagem publicitária não pode ser estabelecida independentemente dos bens ou dos serviços que aquela oferece.

 Quanto à segunda parte

32      Como já foi observado no n.° 28 do presente acórdão, a existência de uma relação de concorrência entre empresas está subordinada à verificação de que os produtos que elas oferecem apresentam um certo grau de substituição entre si.

33      A apreciação concreta deste grau de substituição, que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais e que deve ser feita à luz dos objectivos da directiva assim como dos princípios estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, pressupõe a apreciação de critérios que permitam concluir pela existência de uma relação concorrencial entre pelo menos uma parte da gama de produtos oferecidos pelas empresas em causa.

34      A este respeito, importa recordar que resulta do segundo considerando da Directiva 97/55 que a publicidade comparativa contribui para demonstrar objectivamente as vantagens dos diferentes produtos comparáveis e para estimular a concorrência entre fornecedores de bens e serviços no interesse dos consumidores.

35      Nos termos de jurisprudência assente, as condições exigidas para a publicidade comparativa devem ser interpretadas no sentido mais favorável a esta (acórdãos, já referidos, Toshiba Europe, n.° 37, Pippig Augenoptik, n.° 42, e Lidl Belgium, n.° 22).

36      Em especial, para determinar a existência de uma relação de concorrência entre os produtos, o Tribunal de Justiça considerou que se deve atender não apenas ao estado actual do mercado mas também às possibilidades de evolução no contexto da livre circulação de mercadorias à escala comunitária e às novas possibilidades de substituição entre produtos que a intensificação das trocas comerciais pode revelar (acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 6).

37      O Tribunal de Justiça também já precisou que, para medir o grau de substituição possível, não nos devemos limitar aos hábitos de consumo existentes num Estado‑Membro ou numa região determinada. Esses hábitos, sendo essencialmente variáveis no tempo e no espaço, não podem ser considerados um dado imutável (acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 14).

38      No presente caso, há que observar que os órgãos jurisdicionais que são chamados a apreciar a existência de uma relação de concorrência entre empresas para a eventual aplicação da legislação relativa à publicidade comparativa exercem a sua competência na parte do território comunitário em que essas empresas estão implantadas. É nesse território que, através de uma mensagem publicitária, uma empresa procura alterar as decisões de compra dos consumidores ao salientar as vantagens dos produtos que oferece.

39      Neste contexto, as relações concorrenciais em causa devem ser analisadas em relação ao mercado onde a publicidade comparativa é difundida. Contudo, atendendo a que, neste domínio, se impõe uma análise evolutiva dos hábitos de consumo e que não se pode, de forma alguma, excluir que as alterações desses hábitos verificados num Estado‑Membro possam produzir os seus efeitos noutros Estados‑Membros, os órgãos jurisdicionais nacionais devem ter estes factos em consideração para avaliar a eventual repercussão das alterações dos referidos hábitos no seu próprio Estado‑Membro.

40      Além disso, uma vez que o carácter intermutável dos produtos se baseia, no essencial, nas decisões de compra tomadas pelos consumidores, há que observar que, na medida em que essas decisões são susceptíveis de evoluir em função das vantagens que estes reconhecem aos bens e aos serviços, as características concretas dos produtos que a publicidade visa promover, além de uma apreciação em abstracto quanto ao tipo de produtos, devem ser consideradas elementos pertinentes no âmbito da apreciação do grau de substituição.

41      O mesmo se diga, por maioria de razão, da imagem que o anunciante entende imprimir aos seus produtos, dado esta constituir um dos elementos determinantes da evolução das escolhas dos consumidores.

42      À luz de todas as considerações precedentes, deve responder‑se à segunda parte da segunda questão que, para determinar a existência de uma relação de concorrência entre o anunciante e a empresa que é identificada na mensagem publicitária, há que atender:

–        ao estado actual do mercado e dos hábitos de consumo assim como às suas possibilidades de evolução,

–        à parte do território comunitário onde a publicidade é difundida, sem, para esse efeito, excluir, se for esse o caso, os efeitos que a evolução dos hábitos de consumo verificados noutros Estados‑Membros possa ter no mercado nacional em causa, e

–        às características particulares do produto que o anunciante visa promover, bem como à imagem que este lhe pretende imprimir.

 Quanto à terceira parte

43      No âmbito da harmonização comunitária da publicidade comparativa, os artigos 2.°, ponto 2A, e 3.°‑A, n.° 1, alínea b), da directiva desempenham funções diferentes.

44      Com efeito, o referido artigo 2.°, ponto 2A, fixa os critérios que permitem definir o conceito de publicidade comparativa, delimitando assim o âmbito de aplicação da directiva. O artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), da mesma enuncia uma das condições de licitude da publicidade comparativa, ao exigir que os produtos concorrentes comparados respondam às mesmas necessidades ou tenham os mesmos objectivos, isto é, que apresentem um suficiente grau de permutabilidade para o consumidor (acórdão Lidl Belgium, já referido, n.° 26).

45      Como o advogado‑geral observou no n.° 93 das suas conclusões, se esses critérios fossem idênticos, o artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), da directiva ficaria destituído de qualquer efeito útil, na medida em que qualquer publicidade qualificável de comparativa, na acepção do artigo 2.°, ponto 2A, nunca poderia ser contrária ao requisito de licitude em causa.

46      É certo que as duas disposições da directiva apresentam uma proximidade evidente.

47      No entanto, ao passo que a definição da publicidade comparativa dada no artigo 2.°, ponto 2A, da directiva pressupõe a existência de uma relação concorrencial entre empresas, e que, a esse respeito, basta verificar se os produtos que elas oferecem apresentam, de uma forma geral, um certo grau de substituição entre si, a condição enumerada no artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), da mesma directiva impõe uma apreciação individual e concreta dos produtos que são especificamente objecto da comparação feita na mensagem publicitária para concluir pela existência de uma possibilidade efectiva de substituição.

48      Há que indicar que os critérios estabelecidos nos n.os 36 a 41 do presente acórdão se aplicam, mutatis mutandis, no âmbito do artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), da directiva.

49      Tendo em conta todas as considerações precedentes, deve responder‑se à terceira parte da segunda questão que os critérios que permitem estabelecer a existência de uma relação de concorrência, na acepção do artigo 2.°, ponto 2A, da directiva, e aqueles cuja finalidade consiste em verificar se a comparação preenche a condição enunciada no artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), dessa directiva não são idênticos.

 Quanto à terceira questão

50      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em primeiro lugar, se uma publicidade que faz referência a um tipo de produtos sem com isso identificar um concorrente ou os bens que este último oferece é ilícita à luz do artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva. Em segundo lugar, pretende saber se as condições de licitude de uma publicidade desse tipo não devem ser antes apreciadas à luz de outras disposições nacionais, mesmo que, nesse caso, essa apreciação pudesse conduzir a uma menor protecção dos consumidores ou das empresas que oferecem o tipo de produtos ao qual a publicidade se refere.

51      Conforme resulta dos n.os 17 a 19 do presente acórdão, a identificação, numa mensagem publicitária, de um concorrente do anunciante ou dos bens ou dos serviços que ele oferece constitui uma condição sine qua non para que se possa considerar que a referida mensagem constitui publicidade comparativa, ficando, por esse motivo, abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva.

52      Donde resulta que as condições de licitude da publicidade comparativa, conforme enumeradas no artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva, só se aplicam às mensagens publicitárias que apresentem um carácter comparativo.

53      A eventual ilicitude de uma publicidade que faz referência a um tipo de produtos sem com isso identificar um concorrente ou os bens que este oferece não integra o domínio da publicidade comparativa e não pode, consequentemente, ser determinada com base no artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva.

54      As condições de licitude de uma publicidade desse tipo devem assim ser apreciadas à luz de outras disposições do direito nacional ou, eventualmente, do direito comunitário, designadamente as da directiva relativa à publicidade enganosa.

55      Essa apreciação será necessariamente feita com base em critérios diferentes dos relativos à licitude da publicidade comparativa, sem que se tenha de tomar em consideração a existência de diferentes níveis de protecção dos consumidores ou das empresas concorrentes que daí pudessem resultar.

56      Em resultado do exposto, deve responder‑se à terceira questão que:

–        em primeiro lugar, uma publicidade que faz referência a um tipo de produtos sem com isso identificar um concorrente ou os bens oferecidos por este último não é ilícita à luz do artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva;

–        em segundo lugar, as condições de licitude dessa publicidade devem ser apreciadas à luz de outras disposições do direito nacional ou, eventualmente, do direito comunitário, independentemente do facto de isso poder implicar uma menor protecção dos consumidores ou das empresas concorrentes.

 Quanto à quarta questão

57      Através da quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da directiva deve ser interpretado no sentido de que é ilícita qualquer comparação que, para produtos que não têm denominação de origem, se refira a produtos que a têm.

58      Por força do artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da directiva, a publicidade comparativa que visa promover um produto que tem uma denominação de origem é lícita quando se refira, em cada caso, a produtos que tenham a mesma denominação.

59      Resulta do décimo segundo considerando da Directiva 97/55 que o objectivo desta condição de licitude da publicidade comparativa é ter em conta as disposições do Regulamento n.° 2081/92 e, em particular, do seu artigo 13.°, cuja finalidade consiste em proibir os comportamentos abusivos contra as denominações protegidas.

60      Entre esses comportamentos, o artigo 13.°, n.° 1, do referido regulamento faz referência, nomeadamente, à utilização comercial directa ou indirecta de uma denominação registada para produtos não abrangidos pelo registo e à sua usurpação, imitação ou evocação.

61      A questão de saber se a condição de licitude da publicidade comparativa prevista no artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da directiva é igualmente aplicável no caso de essa publicidade dizer respeito a um produto que não tem uma denominação de origem e se referir a outro produto que beneficia dessa denominação deve, em primeiro lugar, ser apreciada à luz dos objectivos da directiva.

62      Como já foi referido no n.° 34 do presente acórdão, a publicidade comparativa contribui para salientar de forma objectiva as vantagens dos diferentes produtos comparáveis e para estimular a concorrência entre os fornecedores de bens e de serviços no interesse dos consumidores. Nos termos do quinto considerando da Directiva 97/55, a publicidade comparativa, quando compara características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas e não é enganosa, pode constituir um meio legítimo de informar os consumidores dos seus interesses.

63      Constitui jurisprudência assente que as condições exigidas para a publicidade comparativa devem ser interpretadas no sentido mais favorável a esta (v. n.° 35 do presente acórdão).

64      Em segundo lugar, o artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da directiva deve ser lido em conjugação com o artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea g), da mesma directiva.

65      Por força desta última disposição, a publicidade comparativa é lícita desde que não retire partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou de denominação de origem de produtos concorrentes.

66      O efeito útil desta exigência ficaria em parte comprometido se se proibisse que os produtos que não têm uma denominação de origem fossem comparados com outros que beneficiam dessa denominação.

67      Com efeito, na hipótese dessa proibição, o risco de um anunciante poder beneficiar ilegitimamente de uma denominação de origem de um produto concorrente ficaria, por natureza, excluído, dado que o produto cujas vantagens são promovidas pela publicidade deveria dispor necessariamente da mesma denominação de origem que a do seu concorrente.

68      Em contrapartida, em todos os casos em que a mensagem publicitária destinada a assegurar a promoção de um produto que não tem denominação de origem tenha por objecto retirar proveito indevido da denominação de origem de um produto concorrente aplica‑se o artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea g), da directiva.

69      No âmbito desta apreciação, importa designadamente verificar se o objectivo prosseguido por essa publicidade consiste unicamente em distinguir os produtos e os serviços do anunciante dos do seu concorrente e, assim, acentuar objectivamente as respectivas diferenças (acórdão Toshiba Europe, já referido, n.° 53, e acórdão de 23 de Fevereiro de 2006, Siemens, C‑59/05, Colect., p. I‑2147, n.° 14).

70      Se todas as outras condições de licitude da publicidade comparativa forem respeitadas, uma protecção das denominações de origem que tenha por efeito proibir de forma absoluta as comparações de produtos que não têm denominação de origem com outros produtos que beneficiam de uma denominação dessa natureza seria injustificada e não encontra legitimidade nas disposições do artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da directiva.

71      Acresce que, uma vez que essa proibição não resulta expressamente da redacção do artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da directiva, a sua declaração por princípio implicaria, através de uma interpretação extensiva dessa condição de licitude da publicidade comparativa, uma limitação do alcance da mesma. Este resultado contrariaria a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (v. n.° 63 do presente acórdão).

72      Atendendo às considerações precedentes, deve responder‑se à quarta questão que o artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da directiva deve ser interpretado no sentido de que não é ilícita toda a comparação que, para produtos que não têm denominação de origem, se refira a produtos que beneficiam dessa denominação.

 Quanto às despesas

73      Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 2.°, ponto 2A, da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, em matéria de publicidade enganosa e de publicidade comparativa, conforme alterada pela Directiva 97/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro de 1997, deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que constitui publicidade comparativa a referência, numa mensagem publicitária, a um tipo de produtos e não a uma empresa ou a um produto determinados quando seja possível identificar essa empresa ou os produtos que ela oferece como sendo concretamente visados pela referida mensagem. A circunstância de se poder identificar vários concorrentes do anunciante ou os bens ou serviços que eles oferecem como sendo concretamente visados pela mensagem publicitária não tem relevância para o reconhecimento do carácter comparativo da publicidade.

2)      A existência de uma relação de concorrência entre o anunciante e a empresa que é identificada na mensagem publicitária não pode ser estabelecida independentemente dos bens ou dos serviços que aquela oferece.

Para determinar a existência dessa relação, há que atender:

–        ao estado actual do mercado e dos hábitos de consumo assim como às suas possibilidades de evolução,

–        à parte do território comunitário onde a publicidade é difundida, sem, para esse efeito, excluir, se for esse o caso, os efeitos que a evolução dos hábitos de consumo verificados noutros Estados Membros possa ter no mercado nacional em causa, e

–        às características particulares do produto que o anunciante visa promover, bem como à imagem que este lhe pretende imprimir.

Os critérios que permitem estabelecer a existência de uma relação de concorrência, na acepção do artigo 2.°, ponto 2A, da Directiva 84/450, conforme alterada pela Directiva 97/55, e aqueles cuja finalidade consiste em verificar se a comparação preenche a condição enunciada no artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), dessa directiva não são idênticos.

3)      Uma publicidade que faz referência a um tipo de produtos sem com isso identificar um concorrente ou os bens oferecidos por este último não é ilícita à luz do artigo 3.°‑A, n.° 1, da Directiva 84/450, conforme alterada pela Directiva 97/55. As condições de licitude dessa publicidade devem ser apreciadas à luz de outras disposições do direito nacional ou, eventualmente, do direito comunitário, independentemente do facto de isso poder implicar uma menor protecção dos consumidores ou das empresas concorrentes.

4)      O artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea f), da Directiva 84/450, conforme alterada pela Directiva 97/55, deve ser interpretado no sentido de que não é ilícita toda a comparação que, para produtos que não têm denominação de origem, se refira a produtos que beneficiam dessa denominação.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.