Language of document : ECLI:EU:C:2012:173

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 27 de março de 2012 (1)

Processos apensos C‑553/10 P e C‑554/10 P

Comissão Europeia (C‑553/10 P)

Lagardère SCA (C‑554/10 P)

contra

Éditions Odile Jacob SAS

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Concentrações — Edição francófona — Anulação da decisão de aprovação da Wendel Investissement SA como adquirente dos ativos cedidos — Efeitos da falta de independência do mandatário — Desvirtuação dos elementos factuais — Violação do dever de fundamentação»





1.        Os presentes recursos foram interpostos pela Comissão (processo C‑553/10 P) e pela Lagardère SCA (processo C‑554/10 P) do acórdão proferido pelo Tribunal Geral de 13 de setembro de 2010, Éditions Jacob/Comissão (2). A Comissão e a Lagardère pedem ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido na medida em que anulou a Decisão (2004) D/203365 da Comissão, de 30 de julho de 2004, relativa à aprovação da Wendel Investissement SA (a seguir «Wendel») como adquirente dos ativos cedidos (a seguir «decisão de aprovação») em conformidade com a Decisão 2004/422/CE da Comissão, de 7 de janeiro de 2004 (a seguir «decisão de autorização condicional») que declara uma concentração compatível com o mercado comum e o funcionamento do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (3).

2.        Tratou‑se aparentemente em primeira instância de uma anulação de uma decisão da Comissão de aprovação do adquirente de ativos cedidos em conformidade com os compromissos propostos num processo de concentração. O Tribunal Geral anulou a decisão de aprovação devido a uma eventual falta de independência do mandatário. Gostaria de salientar, em primeiro lugar, que a utilização de compromissos para aprovar concentrações tem sido uma característica essencial da prática decisória da Comissão e, em segundo lugar, que os mandatários de acompanhamento [monitoring trustees] têm um papel central a desempenhar na garantia da execução bem‑sucedida dos compromissos (4).

I —    Antecedentes do litígio

3.        O contexto factual bastante complexo dos presentes recursos foi exposto com grande pormenor nos n.os 1 a 47 do acórdão recorrido. Apresentarei um mínimo de factos pertinentes, mas, de resto, para mais pormenores limitar‑me‑ei a remeter para a secção acima mencionada do acórdão recorrido, sem necessidade de o reproduzir aqui extensivamente.

4.        Através da decisão de autorização condicional de 7 de janeiro de 2004, a Comissão autorizou a concentração, o que permitia à Lagardère SCA (a seguir «Lagardère») tomar o controlo de determinados ativos da Vivendi Universal Publishing SA (a seguir «VUP») (5), que se converteu na Editis, desde que fossem respeitados diversos compromissos. A concentração notificada combinava as atividades das duas maiores empresas existentes no mercado da edição francófona, a Hachette e a VUP. Estas eram também as únicas duas empresas capazes, neste mercado, de garantir de forma autónoma o seu desenvolvimento na medida em que, para além da edição, tinham uma atividade de comercialização completa (circulação e distribuição) e coleções de livros de bolso muito apreciadas. Assim, a Comissão identificou problemas de criação ou reforço de posições dominantes em doze mercados. Consequentemente, a parte notificante, a Lagardère, propôs medidas de correção: assumiu a obrigação de vender todos os ativos da Editis (a seguir «ativos cedidos») com a exceção de alguns deles.

5.        O anexo II da decisão de autorização condicional, de 7 de janeiro de 2004, especifica as condições de venda de uma parte dos ativos da Editis. Em especial, o n.° 10 dos compromissos da Lagardère contém as condições que devem ser preenchidas pelo ou pelos cessionários independentes escolhidos pela parte notificante. Por sua vez, o n.° 14 dos compromissos da Lagardère especifica que a escolha do ou dos cessionários será sujeita a aprovação da Comissão. No decurso da venda, organizada pela Lagardère, a recorrente em primeira instância, a editora Éditions Odile Jacob SAS (a seguir «Odile Jacob»), declarou o seu interesse em adquirir os ativos cedidos pela Editis. No entanto, a Lagardère acabou por pedir à Comissão a aprovação da Wendel como adquirente desses ativos.

6.        Em 5 de fevereiro de 2004, a Comissão: (i) aprovou como gestor dos elementos de ativos separados A. K. e aprovou o projeto que definia a sua declaração de objetivos, apresentado em 30 de janeiro de 2004; e (ii) aprovou como mandatário a empresa de auditoria S., representada pelo seu presidente, B., e aprovou o projeto que definia o seu mandato, apresentado em 30 de janeiro de 2004 (a seguir «decisão relativa ao mandatário»). Em 9 de fevereiro de 2004, a Lagardère nomeou a empresa de auditoria S. como mandatário. Em 5 de julho de 2004, o Gabinete S. apresentou à Comissão o seu relatório de síntese concluindo pela conformidade da candidatura da Wendel com os critérios de aprovação definidos no n.° 10 dos compromissos da Lagardère. Em de 30 de julho de 2004, através da decisão de aprovação a Comissão aprovou a Wendel como adquirente dos ativos cedidos, em conformidade com o n.° 14 dos compromissos associados à decisão de autorização condicional de 7 de janeiro de 2004.

II — Tramitação no Tribunal Geral e acórdão recorrido

7.        A Odile Jacob interpôs um recurso de anulação da decisão de aprovação no Tribunal Geral e invocou quatro fundamentos baseados no facto de a Comissão (i) não ter cumprido o dever de controlo da seleção dos candidatos a adquirir os ativos retrocedidos; (ii) ter aprovado a Wendel com fundamento num relatório elaborado por um mandatário não independente da Editis, da Lagardère e da Wendel; (iii) ter violado o dever de fundamentação que lhe era imposto; e (iv) ter cometido um erro manifesto na apreciação da conformidade da candidatura da Wendel com os requisitos de aprovação do adquirente dos ativos retrocedidos, definidos pelo n.° 10, alínea b), dos compromissos da Lagardère.

8.        Em resposta ao quarto fundamento, o Tribunal Geral salientou que, em 20 de dezembro de 2002, B., presidente da empresa de auditoria S., foi designado membro da comissão executiva da Investima 10, detentora dos ativos em questão, a título de terceiro independente (6). O Tribunal Geral observou, por outro lado, que em 9 de fevereiro de 2004, a Lagardère designou o mesmo gabinete S. como mandatário, encarregado, de harmonia com o disposto no n.° 21, alínea g), dos compromissos contidos no anexo II da decisão de 7 de janeiro de 2004, «de velar pela execução satisfatória» pela Lagardère da cessão dos ativos retrocedidos, e remunerado nessa qualidade pela Lagardère. O Gabinete S. foi assim designado mandatário, no sentido do n.° 15 dos compromissos da Lagardère, e o seu presidente exerceu as funções ligadas a essa missão, quando a mesma pessoa era membro da comissão executiva da Investima 10, que se converteu a seguir na Editis. B., além disso, exerceu as funções de membro da comissão executiva da Editis e de mandatário simultaneamente, de 9 de fevereiro de 2004, data da nomeação do Gabinete S., a 25 de março de 2004, data da transformação da Editis em sociedade por ações simplificada (société par actions simplifiée, a seguir «SAS»).

9.        Nesse contexto, o Tribunal Geral considerou (7) que se poderiam suscitar dúvidas quanto à neutralidade de que B. devia dar provas no exercício dessa missão. Consequentemente, o Tribunal Geral considerou que o exercício por B. das funções de membro da comissão executiva já não lhe permitia assegurar o exercício com toda a independência das atribuições de mandatário independente. O Tribunal Geral observou que, portanto, o relatório de avaliação da candidatura da Wendel à compra dos ativos retrocedidos — que foi enviado à Comissão — foi elaborado por um mandatário que não cumpria o requisito de independência, em relação à Editis. Resultou, além disso, do ponto 6 da decisão de aprovação que esta se baseou, nomeadamente, no relatório do mandatário que, de acordo com o Tribunal Geral, exerceu uma influência determinante na referida decisão. O Tribunal Geral concluiu que a falta de independência do mandatário constituía uma ilegalidade que era, portanto, suscetível de viciar a legalidade da decisão de aprovação. Havia, portanto, que anular essa decisão, sem que fosse necessário examinar os outros fundamentos desenvolvidos pela Odile Jacob em apoio do seu pedido de anulação.

III — Recursos

10.      No processo C‑553/10 P, a Comissão apresenta três fundamentos de recurso. A Lagardère apoia o recurso da Comissão e subscreve os argumentos aí desenvolvidos. No processo C‑554/10 P, a Lagardère apresenta dois fundamentos de recurso. De igual modo, a Comissão apoia, no essencial, o recurso da Lagardère, alegando que os argumentos apresentados são muito semelhantes aos seus próprios argumentos no processo anteriormente referido. Com exceção do primeiro fundamento de recurso do processo C‑554/10 P, relativo à alegação de ilegalidade — que abordarei separadamente na parte A das presentes conclusões — entendo que os dois recursos e os fundamentos aí apresentados são tão semelhantes e complementares que devem ser apreciados conjuntamente (na parte B).

A —  Processo C‑554/10 P (primeiro fundamento de recurso, relativo à alegação de ilegalidade)

11.      No processo C‑554/10 P, com o seu primeiro fundamento, a Lagardère acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao invocar uma exceção de ilegalidade da decisão relativa ao mandatário como fundamento da anulação da decisão de aprovação. Segundo a Lagardère, existe uma distinção entre o fundamento relativo à independência do mandatário e o fundamento respeitante à validade da decisão de aprovação. A mesma sustenta que o facto de a Odile Jacob não ter interposto recurso de forma atempada da decisão relativa ao mandatário significa que não poderá impugná‑la posteriormente, depois de esta se ter tornado definitiva.

12.      Segundo a Lagardère, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, como fundamentos de anulação da decisão de aprovação, que a designação do mandatário era ilegal devido à presumível ligação de dependência do seu representante em relação à Editis, e que essa ilegalidade era suscetível de viciar a legalidade da decisão de aprovação. Em seu entender, resulta de jurisprudência constante (8) que um recorrente não pode, no âmbito de um recurso de anulação de uma decisão, invocar, através de exceção, a ilegalidade de um ato anterior da mesma natureza cuja anulação pudesse ter pedido diretamente. Com efeito, admitir essa possibilidade permitiria pôr indiretamente em causa decisões anteriores não impugnadas no prazo de recurso previsto no artigo 263.° TFUE e, deste modo, tornear esse prazo. A fundamentação do Tribunal Geral traduz‑se, efetivamente, em pôr em causa a designação do mandatário — discreta — por meio de uma alegação de ilegalidade da decisão de aprovação. O Tribunal Geral não contestou diretamente os fundamentos que conduziram à decisão de aprovação, mas os fundamentos que conduziram à designação do mandatário antes da decisão de aprovação.

13.      A decisão relativa ao mandatário foi comunicada às partes, em 15 de fevereiro de 2005, data em que a decisão lesou a Odile Jacob e constituiu um ato recorrível no sentido do artigo 263.° TFUE. Portanto, devia ter sido impugnada nos prazos previstos, através de um recurso separado do recurso que foi interposto da decisão de aprovação. Consequentemente, o Tribunal Geral não podia razoavelmente basear‑se na ilegalidade da designação do mandatário para anular a decisão de aprovação final.

14.      A Wendel subscreve integralmente o argumento da Lagardère. A Comissão, porém, não está de acordo.

15.      Na audiência, na sequência de uma questão expressa do Tribunal de Justiça, a Comissão reconheceu que, no seu articulado de intervenção, tinha decidido não apoiar formalmente este fundamento de recurso da Lagardère. A Comissão considera que uma das pré‑condições de aplicação da jurisprudência invocada pela Lagardère é a de que a recorrente em primeira instância, i. é, a Odile Jacob, tivesse tido um interesse jurídico em interpor recurso da decisão relativa ao mandatário e, portanto, pudesse ter interposto um recurso admissível dessa decisão. A Comissão admitiu que não havia a certeza de que a Odile Jacob tivesse, efetivamente, um interesse jurídico em interpor recurso e que, portanto, decidira deixar a questão à consideração do Tribunal de Justiça.

16.      Na minha opinião, basta dizer que a decisão relativa ao mandatário não deve ser considerada uma decisão isolada, mas integrada numa série de atos que conduziram à adoção da decisão de aprovação através da qual a Wendel foi aprovada como adquirente dos ativos cedidos. Com efeito, resulta da jurisprudência (9) que, no âmbito de processos complexos compostos por diversos atos independentes, não se pode exigir que os interessados interponham tantos recursos quantos os atos que lhes sejam lesivos. Além disso, deve‑se considerar que um requerimento que impugna expressamente uma medida, que é uma de várias medidas que formam um todo singular, também impugna, tanto quanto necessário, as outras medidas. Neste contexto, um recurso formalmente interposto de um ato pertencente a um conjunto de atos que forma um todo, deve ser considerado como também interposto, na medida do necessário, dos outros atos.

17.      Em todo o caso, a decisão relativa ao mandatário só foi comunicada à Odile Jacob, a pedido desta, em 17 de fevereiro de 2005, ao passo que esta tinha interposto o recurso de anulação da decisão de aprovação, através da qual a Wendel foi aprovada como adquirente, em 8 de novembro de 2004. Nesse recurso, a Odile Jacob já tinha impugnado as condições de aceitação do mandatário e as suas consequências para a validade da decisão de aprovação através da qual a Wendel foi aprovada como adquirente. Portanto, teria sido inútil e desnecessário interpor um recurso suplementar uma vez que, de acordo com a jurisprudência (10), a Odile Jacob podia, em todo o caso, alegar a irregularidade do ato anterior (a decisão relativa ao mandatário) através de um recurso interposto de um ato mais recente (a decisão de aprovação), que lhe é diretamente desfavorável.

18.      Consequentemente, o primeiro fundamento de recurso da Lagardère no processo C‑554/10 P deve ser julgado improcedente.

B —  Processo C‑553/10 P e Processo C‑554/10 P (segundo fundamento de recurso, relativo à justificação da anulação da decisão de aprovação)

1.      Processo C‑553/10 P (primeiro fundamento de recurso, relativo à falta de apreciação das consequências da eventual falta de independência do mandatário relativamente à Editis, na sua missão em relação à Wendel) e Processo C‑554/10 P (segundo fundamento de recurso, primeira e quarta partes)

19.      A Comissão, com o seu primeiro fundamento, e a Lagardère com o seu segundo fundamento de recurso (primeira e quarta partes), alegam, essencialmente, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, na medida em que não examinou as consequências da eventual falta de independência do mandatário relativamente à Editis, na sua missão em relação à Wendel.

20.      Comecemos por considerar os números pertinentes do acórdão recorrido. O Tribunal Geral declarou que «sendo [B.] membro da comissão executiva da Investima 10, que entretanto se converteu na Editis, na data da designação como mandatário do Gabinete S., de que era presidente, e tendo exercido, em seguida, as funções de membro da comissão executiva concomitantemente à missão de mandatário, de que tinha sido encarregado pelo Gabinete S., B. encontrava‑se numa ligação de dependência em relação à Editis, de molde a suscitar dúvidas quanto à neutralidade de que devia dar provas no exercício dessa missão» (n.° 94 do acórdão recorrido).

21.      O Tribunal Geral concluiu que «o exercício por B., de 20 de dezembro de 2002 até 25 de março de 2004, das funções de membro do órgão de direção da Investima 10, que se converteu na Editis, no interesse das quais se comprometeu a agir, no quadro do seu mandato social, em conformidade com os ‘princípios de gestão de um bom pai de família’, já não lhe permitia assegurar o exercício com toda a independência das atribuições de mandatário independente referido pelo n.° n.° 15 dos compromissos da Lagardère» (n.os 104 a 106 do acórdão recorrido).

22.      Portanto, o Tribunal Geral considerou que «o relatório de avaliação da candidatura da Wendel à compra dos ativos retrocedidos, com base no qual a decisão de 30 de julho de 2004 foi adotada, foi elaborado por um mandatário que não cumpria o requisito de independência, em relação à Editis, exigida pelo n.° 15 dos compromissos da Lagardère, definidos no anexo II da decisão de 7 de janeiro de 2004» (n.° 107 do acórdão recorrido).

23.      O Tribunal Geral acrescentou que «quanto à incidência do relatório no conteúdo da [decisão de aprovação], deve recordar‑se que, como decorre do ponto 5 dessa decisão, foi pedido ao Gabinete S., na sua qualidade de mandatário, que apresentasse à Comissão um relatório que apreciasse a candidatura da Wendel como adquirente dos ativos retrocedidos à luz dos critérios de aprovação fixados pelo n.° 10 dos compromissos da Lagardère anexados à decisão de 7 de janeiro de 2004» (n.° 108 do acórdão recorrido).

24.      Em primeiro lugar, considero que não cabe ao Tribunal de Justiça discutir em segunda instância a análise do Tribunal Geral da falta de independência do mandatário no caso em apreço.

25.      Em seguida, a Odile Jacob alega que o Tribunal Geral não deve ser criticado pelo facto de remeter para o direito francês, mais concretamente para o seu código comercial, com vista a verificar se o exercício pelo mandatário da função de membro da comissão executiva da Editis era compatível com o critério de independência relativamente a esta empresa, na medida em que se trata apenas de uma aplicação da lex societatis e do princípio que determina a lei aplicável a uma empresa, em conformidade com os princípios do direito internacional privado, incluindo, designadamente, o Regulamento «Roma I» (11). Seja como for, considero que o presente recurso levanta a questão de saber se o mandatário e, em especial, a condição da sua independência é um conceito nacional ou europeu. Penso que a resposta correta é claramente esta última, na medida em que a condição da independência do mandatário — conforme prevista no n.° 15 dos compromissos que constam do anexo II da decisão de 7 de janeiro de 2004 — deve ser interpretada e apreciada da mesma forma em toda a União Europeia.

26.      Portanto, concordo com a Wendel e com a Comissão que, para decidir sobre a condição de independência, o Tribunal Geral devia ter‑se baseado, em vez disso, nos critérios fixados na Comunicação da Comissão de 2001 sobre soluções (12) e no Guia de boas práticas relativamente aos compromissos de alienação da Comissão de 2003 (Best Practice Guidelines for Divestiture Commitments): modelos para os compromissos de alienação e para o mandato do administrador (Model Texts for Divestiture Commitments and the Trustee Mandate) (13). Com efeito, a independência do mandatário em relação à empresa objeto da operação, ou seja a Editis, não é exigida pelas boas práticas relativamente aos compromissos de alienação nos casos de operações de concentração (v. n.° 40), nem pelos próprios modelos — ou seja, o modelo tipo para os compromissos de alienação e o modelo tipo para o mandato do mandatário (v. n.os 17 e 20 respetivamente). Por último, o modelo tipo para o mandado do mandatário, publicado pela Comissão, aceita expressamente que o mandatário pode ser um membro do conselho de administração da empresa objeto da operação sempre que isto seja necessário para o exercício da sua missão. As boas práticas também inferem claramente que o mandatário para o acompanhamento e o mandatário para a alienação podem ser a mesma pessoa (v. n.° 35) e, com efeito, isto pode, muitas vezes, fazer todo o sentido, quanto mais não seja por causa dos conhecimentos que o mandatário para o acompanhamento já possui.

27.      Em seguida, é necessário recordar que a Comissão tinha sustentado em primeira instância que o argumento relativo à falta de independência era infundado na medida em que a Odile Jacob não provou que essa potencial irregularidade levou o mandatário a apresentar um relatório que não era objetivo e, portanto, suscetível de induzir em erro a Comissão na sua decisão de aprovação.

28.      No n.° 80 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral observou o argumento acima referido, mas não respondeu, de forma alguma, nem examinou a questão.

29.      O que o Tribunal Geral fez foi simplesmente concluir no n.° 107 que o mandatário «não cumpria o requisito de independência, em relação à Editis». Para o efeito, não analisou de que modo essa falta de independência era suscetível de afetar a apreciação pelo mandatário das qualidades da Wendel como adquirente dos ativos da Editis — que era o objeto da decisão de aprovação — e, consequentemente, [levar a] um relatório tendencioso e suscetível de induzir em erro a Comissão.

30.      De igual modo, concordo com a Comissão em que — para além de não cumprir o seu dever de fundamentação — o Tribunal Geral violou a jurisprudência segundo a qual a falta de independência de uma pessoa responsável pela avaliação de um candidato (14) só é juridicamente relevante quando se demonstre que essa pessoa levou em consideração na sua avaliação um interesse distinto do exigível pelo exercício correto da missão que lhe foi confiada (15).

31.      Portanto, o Tribunal Geral não apreciou a questão de saber se o facto de o mandatário não ser suficientemente independente da Editis era suscetível de ter consequências para a objetividade do conteúdo do relatório do mandatário e para a apreciação da Wendel como adquirente. Daí resulta que o Tribunal Geral julgou procedente um fundamento que era inoperante para efeitos de anulação da decisão em questão.

32.      Com efeito, considero que mesmo que tivesse sido demonstrado que o mandatário não era suficientemente independente, não é menos verdade que o Tribunal Geral tinha ainda de apreciar in concreto de que modo essa falta de independência era suscetível de afetar a capacidade do mandatário para avaliar a candidatura da Wendel à luz dos critérios de aprovação mencionados no n.° 10 dos compromissos da Lagardère.

33.      A Odile Jacob apresenta argumentos baseados essencialmente na definição de revisores oficiais de contas e de contabilistas (16) e na Recomendação da Comissão de 16 de maio de 2002 — A independência dos revisores oficiais de contas na UE: Um conjunto de princípios fundamentais (17).

34.      No entanto, considero que esses argumentos não são úteis para a sua posição. Basta referir que essa argumentação não é suscetível de justificar a abordagem viciada do acórdão recorrido. Com efeito, não altera o facto de que o Tribunal Geral tinha ainda de analisar in concreto as consequências da falta de independência para a missão do mandatário.

35.      Em contrapartida, entendo que a jurisprudência relativa às obrigações legais dos funcionários da União Europeia é muito mais pertinente e esclarecedora: a existência de uma relação profissional entre um funcionário e um terceiro não põe em causa, por si só, a independência do funcionário, mesmo que este último seja chamado a pronunciar‑se num caso em que esse terceiro esteja envolvido — em especial, sobre a sua avaliação. A simples existência de um risco puramente abstrato de um conflito de interesses relativamente ao funcionário não é suficiente para demonstrar uma violação das obrigações legais se não existir nenhum «elemento de facto concreto para apoiar a conclusão de que o avaliador violou, por atos específicos, as obrigações de imparcialidade e de integridade que lhe incumbiam» (18).

36.      Conforme sublinhado pela Lagardère, essa apreciação — para determinar in concreto se a falta de independência era suscetível de afetar a capacidade do mandatário de avaliar a candidatura da Wendel — também era necessária à luz da jurisprudência segundo a qual uma decisão só pode ser anulada se for demonstrado que, sem as alegadas irregularidades, a decisão podia ter sido diferente. Por outras palavras, mesmo que tivesse sido demonstrado que o mandatário tinha sido designado de forma imprópria, incumbia ao Tribunal Geral demonstrar que, sem essa irregularidade, a decisão de aprovação teria tido um conteúdo diferente (19). Por exemplo, no acórdão de 20 de março de 2002, HFB e o./Comissão (20) o Tribunal Geral decidiu que, mesmo admitindo que os serviços da Comissão sejam responsáveis, em violação das disposições que regem a obrigação de segredo profissional, por fugas de informações confidenciais utilizadas no procedimento administrativo por infração às regras comunitárias da concorrência, esta circunstância, de qualquer modo, não teria qualquer incidência sobre a legalidade da decisão, uma vez que não foi provado que a decisão não teria sido, de facto, adotada ou que teria tido um conteúdo diferente se não se tivessem verificado as manifestações controvertidas. É evidente que essa regra permite salvaguardar o princípio da proporcionalidade. Como foi salientado pela Wendel e pela Comissão, a apreciação supra (em itálico) é necessária, na medida em que permite assegurar um equilíbrio justo entre a salvaguarda do respeito das normas jurídicas e processuais, por um lado, e a proteção da segurança jurídica e da confiança legítima, por outro.

37.      Por exemplo, na área do direito em matéria de auxílios de Estado, no acórdão de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Comissão (21), tendo constatado que os direitos de defesa da Alemanha (destinatária da decisão da Comissão que declarou a incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum) tinham sido violados, o Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que o fundamento relativo aos direitos de defesa era inoperante para os efeitos de anulação da decisão em questão na medida em que o Governo alemão não tinha referido durante o processo no Tribunal de Justiça qualquer elemento de facto ou de direito que, caso lhe tivesse sido comunicado, levasse a Comissão a uma decisão diferente. No acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (22), depois de constatar uma violação dos direitos de defesa, o Tribunal Geral realizou uma análise de fundo das consequências reais dessa violação para a decisão, chegando a seguir à conclusão de que a decisão devia ser anulada. Conforme sublinhado pela Comissão, foi só depois de o Tribunal Geral ter chegado à conclusão de que a decisão em questão podia ter sido diferente — em especial, porque o recorrente podia ter apresentado propostas de cessão de ativos que podiam ter levado a uma decisão de aprovação —, é que o Tribunal Geral concluiu que a violação dos direitos de defesa devia implicar a anulação da decisão. Por último, existe jurisprudência (23) que refere que, num recurso de anulação, um fundamento baseado num erro manifesto de apreciação não tem qualquer incidência, e não bastará, portanto, para justificar a anulação da decisão recorrida se, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, não tivesse podido ter uma influência determinante sobre o resultado.

38.      Nos casos de operações de concentração, segundo o acórdão de 14 de dezembro de 2005, Honeywell/Comissão (24), «quando a parte decisória de uma decisão da Comissão se baseia em vários pilares de argumentação sendo cada um deles suficiente, por si só, para fundamentar essa parte decisória, esse ato só será anulado, em princípio, se cada um desses pilares for ilegal. Nesse caso, um erro ou uma outra ilegalidade que afete apenas um dos pilares de argumentação não basta para justificar a anulação da decisão controvertida uma vez que não pode ter tido uma influência determinante sobre a parte decisória adotada pela instituição. […] na medida em que um pilar de argumentação que é suficiente para fundamentar a parte decisória de um ato não seja posto em causa por um recorrente no seu recurso de anulação, há que considerar esse argumento, bem como, consequentemente, o ato que nele se baseia, legal e provado […] Esta regra aplica‑se designadamente no contexto das decisões em matéria de controlo de concentrações». Por último, o Tribunal de Justiça observou no acórdão de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie de Bolzano/Comissão (25) que «os erros de direito cometidos a este respeito na decisão impugnada e no acórdão recorrido não poderiam ter efeitos quanto à regularidade destes últimos. Com efeito, mesmo na falta de tais erros de direito, o dispositivo da decisão impugnada, no que diz respeito à compatibilidade dos auxílios em causa com o mercado comum, teria sido idêntico e o [Tribunal Geral], em qualquer caso, deveria ter confirmado a referida decisão quanto a esta questão. O fundamento baseado em erro de direito na escolha do código de auxílios aplicável é, por isso, inoperante».

39.      Isto deve ser confrontado com o acórdão recorrido. Como foi observado pela Wendel, o Tribunal Geral dispensou‑se, muito simplesmente, de efetuar a necessária apreciação. Não demonstrou que a ligação entre a Editis e o representante do mandatário pudesse ter influenciado o conteúdo do relatório de avaliação da candidatura da Wendel. A missão do mandatário consistia em verificar se a Wendel era um operador capaz e que tivesse incentivos económicos para manter ou desenvolver uma concorrência efetiva. Portanto, parece que, prima facie, a falta de independência do mandatário não podia ter tido qualquer impacto na sua missão de avaliação do candidato à aquisição dos ativos cedidos. Além disso, a análise pelo Tribunal Geral da falta de independência do mandatário não se refere claramente à questão de saber se a Wendel tinha as qualidades para constituir um adquirente adequado.

40.      De igual modo, a Comissão salientou que a missão do mandatário consistia em avaliar objetivamente a capacidade do adquirente dos ativos da Editis, i. é, da Wendel, que foi escolhida pela Lagardère para desenvolver esses ativos e assegurar a sua capacidade para competir efetivamente com a Lagardère. Claramente, para fazê‑lo, o mandatário tinha de se certificar de que o adquirente dos ativos da Editis era apto para salvaguardar os interesses da Editis. Portanto, mesmo que a ligação à Editis levasse o mandatário, no âmbito da sua missão, a não ter em devida conta os interesses da Editis — o que não foi constatado pelo Tribunal Geral — não é menos verdade que a sua missão consistia precisamente em ter em conta esses interesses para avaliar se o adquirente os protegeria no futuro. Daí resulta que o exercício da sua missão não foi afetado no caso em apreço, uma vez que, no âmbito da sua tarefa de elaboração de um relatório sobre as qualidades do adquirente, ter em conta os interesses da Editis era precisamente uma das suas missões. Essa conclusão podia ser diferente, como é óbvio, se a falta de independência tivesse sido estabelecida, por exemplo, em relação ao adquirente dos ativos, i. é, em relação à Wendel.

41.      No n.° 106 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral parece ter rejeitado implicitamente esse argumento ao insinuar que uma eventual parcialidade em relação à Editis teria tido consequências inaceitáveis para a neutralidade do mandatário em relação à Lagardère.

42.      Considero (tal como a Comissão) que, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral analisou in abstracto se o mandatário preenchia a condição da independência. Não se pode pôr em causa um relatório favorável à Wendel com o fundamento de que o mandatário era demasiado desfavorável à Lagardère, uma vez que a Lagardère escolheu a Wendel como adquirente e que o relatório do mandatário favoreceu essa empresa. Além disso, o Tribunal Geral não examinou, de nenhuma forma, como podia ter sido afetado o relatório favorável emitido relativamente à Wendel — que referia que esta última preenchia as condições para ser considerada capaz de desenvolver os ativos da Editis. Por outras palavras, não examinou a questão de saber se a falta de independência do mandatário em relação à Editis significava que a análise do relatório da capacidade da Wendel para competir com a Lagardère não era objetiva ou fidedigna.

43.      Daí resulta que é manifesto que o acórdão recorrido não demonstra que a existência dessa eventual dúvida quanto à independência do mandatário pudesse ter tido qualquer influência in concreto sobre a avaliação pelo mandatário da candidatura da Wendel.

44.      Além disso, como realçou a Lagardère, importa recordar que, segundo a jurisprudência (26), uma decisão cujos fundamentos são em parte ilegais só pode ser anulada na medida em que não esteja suficientemente justificada por outros fundamentos. Portanto, o simples facto de o relatório do mandatário ter tido uma influência determinante na decisão de aprovação não era, em todo o caso, suficiente, por si só, para a anulação da decisão em questão.

45.      Além disso, o acórdão recorrido está insuficientemente fundamentado, na medida em que não explica de que modo a existência de uma eventual dúvida relativamente à independência do mandatário podia ter a mais ligeira influência na apreciação da Wendel à luz dos critérios de aprovação previstos nos compromissos de Lagardère.

46.      Por último, considero que outro aspeto importante é o facto de, no âmbito de uma operação de concentração, a decisão final de aprovação do adquirente dos ativos cedidos pertencer sempre à Comissão, que não se baseia apenas no relatório do mandatário, mas recolhe informações por sua própria iniciativa. Foi o que aconteceu no caso em apreço. O mandatário, cuja missão consistia, no caso em apreço, em fornecer uma avaliação do adquirente e dizer se, na sua opinião, o adquirente proposto satisfazia os requisitos dos compromissos, não se substitui à Comissão, que tem a palavra final sobre a aprovação do adquirente. Essa decisão, de forma alguma é «delegada» pela Comissão no mandatário (27).

47.      Refira‑se que a própria Odile Jacob pareceu reconhecer na sua resposta o facto de o Tribunal Geral não ter apreciado a questão de saber se a decisão de aprovação teria sido diferente. No entanto, a Odile Jacob sustenta, no essencial, que todos os argumentos acima referidos são inoperantes na medida em que a ilegalidade apurada pelo Tribunal Geral diz respeito à violação de um «compromisso contratual fundamental que a decisão da Comissão tornou obrigatório», o que vicia automaticamente todo o processo decisório relativo à venda imposta pelos compromissos. Em seu entender, não é necessário demonstrar de que forma a falta de objetividade do mandatário teve consequências para a preparação do relatório em questão, com o resultado de a Comissão ter sido induzida em erro na sua decisão de aprovação, uma vez que esse vício constitui uma violação das formalidades essenciais que conduzem per se à nulidade da decisão. Em apoio do seu argumento, a Odile Jacob refere, por analogia, a jurisprudência do Tribunal Geral relativa às comissões de seleções nos concursos da função pública e o acórdão de 27 de outubro de 1993, Decoster (28).

48.      Porém, esses argumentos, não podem ser acolhidos no caso em apreço. Com efeito, para que se tratasse de uma questão de preterição de formalidades essenciais, teríamos de nos confrontar com uma violação muito grave de princípios fundamentais do direito da União (29). No entanto, a fonte da exigência de que o mandatário seja independente é simplesmente um compromisso assumido por um privado numa decisão individual da Comissão. Mesmo no que diz respeito à existência de um relatório realizado pelo mandatário, a única fonte da obrigação de realizar esse relatório é o contrato celebrado entre a Lagardère e o mandatário. Portanto, a Comissão tem razão quando alega que a presente questão não diz respeito a nenhum princípio fundamental de direito baseado numa norma de nível superior na hierarquia das normas jurídicas. Com efeito, a exigência da independência em relação à Editis não resulta de uma norma de caráter geral, impessoal e imperativa, que protege o interesse público.

49.      Em seguida, no que diz respeito à invocação pela Odile Jacob da jurisprudência relativa às comissões de seleções nos concursos da função pública, basta salientar que essa jurisprudência não é aplicável ao presente caso, na medida em que o parecer emitido pelo mandatário é de natureza meramente consultiva — por oposição à comissão de seleção que, de facto, elabora ela própria a decisão. Em relação ao acórdão Decoster (30), o argumento da Odile Jacob não é suscetível de por em causa a minha conclusão. Tanto mais que o papel do mandatário no processo decisório é fundamentalmente diferente do papel de uma entidade incumbida da elaboração das especificações técnicas, dos controlos e da aprovação, que deve ser independente de empresas públicas ou privadas que ofereçam bens e/ou serviços no setor das telecomunicações. Com efeito, no acórdão Decoster, a condição da independência decorria do Tratado e de uma diretiva da Comissão, enquanto que — conforme acima observado no n.° 48 — neste caso, essa condição deriva simplesmente de um compromisso assumido por um privado numa decisão individual da Comissão. Mesmo no que diz respeito à existência de um relatório realizado pelo mandatário, a obrigação de realizar esse relatório tem a sua fonte exclusiva no contrato celebrado entre a Lagardère e o mandatário.

50.      Por último, mas não menos importante, importa também acrescentar que o Tribunal Geral interpretou erradamente o conceito de direito da União da independência de um mandatário. O Tribunal Geral devia ter apreciado a eventual falta de independência do mandatário por causa da sua ligação com a Editis, caso a caso, com base em elementos concretos fornecidos pelas partes. Concordo com a Lagardère que, aparentemente, no caso em apreço, o mandato de B. de modo nenhum comprometeu a missão do mandatário encarregado de desempenhar as suas funções com objetividade e transparência. Pelo contrário, longe de suscitarem um conflito de interesses, o mandato exercido por B., no seu papel de membro da comissão — a título de terceiro independente — da empresa que era a proprietária dos ativos cedidos, por um lado, e a missão exercida pelo mandatário, por outro, referiam‑se ambos à independência da Editis e eram, por conseguinte, missões complementares. Os conflitos assinalados pelo Tribunal Geral (no n.° 99 do acórdão recorrido) que ocorreram entre o mandatário e a Lagardère — em que o mandatário defendia vigorosamente os interesses dos ativos — demonstram a independência no trabalho do mandatário e o facto de este realizar a sua missão geral para garantir a execução satisfatória pela Lagardère dos seus compromissos.

51.      Considero surpreendente que a condição de independência prevista pela Comissão, que esta mesma considerou preenchida, no caso em apreço (31) com base numa interpretação in concreto, seja posteriormente considerada não preenchida in abstracto pelo Tribunal Geral, com base em disposições do código comercial francês. Efetivamente, apesar do facto de a Comunicação da Comissão sobre as medidas de correção (2008) não ser aplicável ratione temporis, não é menos verdade que o esclarecimento que esta contém confirma a correção da prática anterior da Comissão — também aplicada no caso em apreço — no sentido de que a independência do mandatário deve ser avaliada caso a caso, à luz da informação concreta fornecida pelas partes.

52.      Resulta do conjunto das considerações anteriores, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, na medida em que concluiu de uma forma automática e abstrata que a falta de independência do mandatário era «suscetível de viciar» a legalidade da decisão de aprovação (v. n.° 118 do acórdão recorrido). Consequentemente, o acórdão recorrido deve ser anulado.

2.      Processo C‑553/10 P (segundo fundamento de recurso) e processo C‑554/10 P (segundo fundamento de recurso, terceira parte), relativo a um erro de direito, a uma contradição nos fundamentos e a uma distorção dos factos na medida em que o Tribunal Geral considerou que o relatório do mandatário exerceu uma «influência determinante» na decisão de aprovação

53.      Com o seu segundo fundamento de recurso, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e desvirtuou os factos ao considerar que o relatório do mandatário — que de acordo com o n.° 107 do acórdão recorrido não preenchia a condição de independência — exerceu uma «influência determinante» na decisão de aprovação. De igual modo, com o seu segundo fundamento de recurso (terceira parte), a Lagardère sustenta que o Tribunal Geral desvirtuou os factos e viciou o acórdão recorrido com uma falta de fundamentação manifesta ao considerar que o relatório do mandatário exerceu uma «influência determinante» na decisão de aprovação.

54.      Ao contrário do que parece alegar a Odile Jacob, estes dois fundamentos de recurso não procuram obter uma reapreciação dos factos já apreciados pelo Tribunal Geral. Com efeito, a Comissão alega, com razão, que, ao analisar a influência determinante, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na medida em que não reconheceu que, de facto, a decisão de aprovação foi tomada pela Comissão, que tem ao seu dispor todo um processo e não apenas o relatório do mandatário, e que o poder de decidir continua a pertencer à Comissão. De igual modo, a Lagardère tem razão quando afirma que o Tribunal Geral desvirtuou os factos e não fundamentou essa questão. Portanto, os dois fundamentos são manifestamente admissíveis.

55.      Lembro, desde logo, que, como vimos anteriormente no âmbito do primeiro fundamento de recurso da Comissão, embora esta seja obrigada a ter em conta o relatório do mandatário, não está juridicamente vinculada pelo parecer do mandatário e está ainda obrigada a realizar a necessária investigação para se certificar de que o adquirente cumpre, efetivamente, os critérios de aprovação. As Boas Práticas relativamente aos Compromissos de Alienação (já referidas na nota 13, v. n.° 28) confirmam que o relatório do mandatário de acompanhamento constitui apenas «um elemento para a apreciação [da Comissão]».

56.      Considero que o Tribunal Geral se contradisse na medida em que salientou, no n.° 109, que a decisão de aprovação se baseou apenas «nomeadamente» e não «exclusivamente» no relatório do mandatário, e que concluiu que o mesmo relatório teve uma influência determinante na decisão final da Comissão. Assim, o Tribunal Geral não teve em conta a divisão de responsabilidades entre a Comissão e o mandatário no procedimento relevante. Mais uma vez, e ao contrário do que a Odile Jacob procura alegar, cabe exclusivamente à Comissão decidir sobre a aprovação de um candidato a adquirente. A apreciação contida no relatório do mandatário foi obviamente tida em conta na sua decisão final, mas a Comissão de modo nenhum está juridicamente vinculada pelo parecer do mandatário, podendo substituir a apreciação do mandatário pela sua sem quaisquer consequências jurídicas.

57.      Com efeito, sublinho o facto de a Comissão continuar a estar obrigada a realizar a necessária investigação, a recolher informações por sua própria iniciativa, recorrendo aos seus próprios serviços e a pedidos de informação. Neste caso, por exemplo, foram enviados diversos pedidos destes à Lagardère e à Wendel. É evidente que a Comissão não se baseou exclusivamente no relatório do mandatário. Insisto que, de facto, não podia validamente basear‑se apenas nesse relatório. Essa foi a regra aplicada, por exemplo, no acórdão de 17 de setembro de 2007 Microsoft/Comissão (32), relativo a medidas de correção e ao papel do mandatário de acompanhamento num caso em matéria de concorrência, onde o Tribunal Geral reconheceu corretamente que a Comissão «não pode delegar em terceiros os poderes de inquérito e de execução que lhe são conferidos pelo Regulamento n.° 17» (33).

58.      No presente processo, a Comissão demonstrou, no Tribunal Geral, que tinha levado a cabo uma investigação que era de natureza muito mais profunda; com efeito, o seu processo tem alguns milhares de páginas. Nesse contexto, também não concordo com o argumento da Odile Jacob de que incumbia à própria Comissão apresentar a prova que considerasse pertinente para demonstrar que não se baseou apenas no relatório do mandatário, e que a Comissão não o fez no Tribunal Geral. Basta salientar que o próprio Tribunal Geral se recusou a ordenar uma diligência de instrução para se familiarizar com a investigação realizada pela Comissão. Sem essa diligência de instrução, o Tribunal Geral não podia validamente chegar à conclusão de que o relatório do mandatário teve ou não uma influência determinante.

59.      Com efeito, na minha opinião não se deve deduzir de certas semelhanças entre a redação do relatório do mandatário e a da decisão final da Comissão que o relatório em questão teve uma «influência determinante» nesta, como poderia sugerir o n.° 110 do acórdão recorrido. Uma série de exemplos não pode ser considerada prova — em especial de uma influência que se considera ser «determinante». Como observou a Comissão a este respeito, o facto de o mandatário ter «sublinhado» certos elementos da mesma forma que a Comissão o fez (n.° 112 do acórdão recorrido) ou que dois documentos «salientam» em termos idênticos uma determinada circunstância (n.° 113 do acórdão recorrido) apenas demonstra que o relatório do mandatário se limitou a recolher factos objetivos e elementos verificáveis e que, no essencial, não contém apreciações subjetivas. Em todo o caso, resulta aparentemente dos autos que as matérias referidas nos n.os 112, 113, 114 e 116 do acórdão recorrido também constam da resposta da Wendel a um pedido de informação de 11 de junho de 2004 (34), a que tiveram igual acesso o mandatário e a Comissão. Por último, no que diz respeito ao n.° 115 do acórdão recorrido, basta salientar que em vez de «se [inspirar] substancialmente [no] relatório [do mandatário]» (v. n.° 111 do acórdão recorrido), a decisão de aprovação parece adotar apenas o critério estabelecido no n.° 10, alínea c), dos compromissos da Lagardère.

60.      Além disso, considero que o Tribunal Geral distorceu os factos e viciou o seu acórdão com uma falta de fundamentação manifesta. Com efeito, a Comissão tinha à sua disposição outras fontes de informação, diferentes do relatório do mandatário, tais como o pedido de aprovação apresentado pela Lagardère, o projeto da venda associada a este, as respostas escritas da Lagardère e da Wendel a diversos pedidos de informação da Comissão, o relatório de Secafi Alpha destinado aos representantes da Editis de 2 de julho de 2004, a informação fornecida pela Wendel durante uma reunião com a Comissão, assim como um intercâmbio de opiniões sobre a candidatura da Wendel com as organizações que representam o pessoal da Editis e algumas outras partes interessadas. Conforme acima salientado, o Tribunal Geral limita‑se a apresentar uma certa semelhança entre a decisão de aprovação e o relatório do mandatário, sem comparar efetivamente as provas do processo efetivamente utilizadas pela Comissão para fundamentar a sua decisão de aprovação com o conteúdo dessa decisão. Na decisão de aprovação, a Comissão apreciou, no essencial, a candidatura da Wendel à luz dos critérios estabelecidos na decisão de autorização condicional. Uma vez que essa decisão de autorização condicional utilizou termos semelhantes aos utilizados pela decisão de aprovação e pelo mandatário no seu relatório, e uma vez que a decisão de autorização condicional é anterior ao relatório do mandatário, a apreciação puramente formal do Tribunal Geral baseada na semelhança dos termos utilizados leva‑o a uma conclusão errada.

61.      Portanto, considero que o Tribunal Geral atribuiu importância excessiva ao relatório do mandatário, o que não era justificado pelos factos no caso em apreço, e que se equivocou, em termos gerais, quanto ao papel do mandatário num procedimento de aprovação. O Tribunal Geral fê‑lo, não obstante o facto de a aprovação do adquirente ser da competência exclusiva da Comissão e de, efetivamente, as disposições pertinentes do direito da União nem sequer determinarem a obrigatoriedade da designação de um mandatário no âmbito de um procedimento relativo a compromissos (35). Com efeito, há casos em que a Comissão toma uma decisão sem qualquer intervenção ou relatório de um mandatário.

62.      A decisão de aprovação da Comissão, como qualquer outra decisão de um órgão administrativo ou judicial, contém uma parte relativa à base factual e outra relativa à base jurídica. No caso em apreço, é necessário estabelecer a linha de separação entre estas duas partes.

63.      O relatório do mandatário é sempre apenas uma parte da base factual, o que resulta claramente, além do mais, do facto de um mandatário não indicar a fundamentação jurídica subjacente ao seu parecer e às suas conclusões e do facto de a Comissão estar, em todo o caso, obrigada a recolher a sua própria prova para tomar a decisão final — tal como os factos do presente processo. Portanto, a independência do mandatário só pode ser apreciada por referência à sua contribuição para a determinação da base factual da decisão da Comissão. Se um mandatário apresenta conclusões de facto corretas e objetivamente verificáveis, o processo está em ordem. Se não o faz, por exemplo devido a uma compreensão errada ou interpretação incorreta das conclusões de facto, poderá estar em causa uma situação de falta de independência (com efeito, a situação é semelhante no caso de nomeação de um perito para produzir prova num determinado caso). Não é menos verdade que a parte da decisão da Comissão relativa à base jurídica é uma prerrogativa exclusiva da Comissão e que o mandatário não tem qualquer influência nesta. Daí resulta que a Comissão pode concorrer com as conclusões de facto do relatório do mandatário, ou substituí‑las ou complementá‑las com as suas próprias conclusões. No entanto, a apreciação jurídica final pertence sempre à Comissão: por força do direito da União, a Comissão é exclusivamente competente para realizar essa apreciação num determinado caso (como vimos no n.° 46 supra, a Comissão não delega esses poderes a terceiros e, como demonstra o n.° 57 supra, a jurisprudência confirma que a Comissão não podia fazê‑lo mesmo que o desejasse). Caso contrário, também seria possível interpor recurso contra o mandatário, o que, naturalmente, está fora de questão.

64.      Resulta das considerações anteriores que a fundamentação do acórdão recorrido contém erros de direito, é contraditória e faz uma interpretação errada dos factos na medida em que o Tribunal Geral decidiu que o relatório do mandatário teve uma influência determinante na decisão de aprovação. Consequentemente, o acórdão recorrido deve ser anulado.

3.      Processo C‑553/10 P (terceiro fundamento de recurso) e processo C‑554/10 P (segundo fundamento de recurso, segunda parte)

65.      Com o seu terceiro fundamento, que tem duas partes, a Comissão alega, por um lado, uma interpretação errada do direito quanto à pertinência do primeiro fundamento suscitado pela recorrente em primeira instância, relativo à validade da decisão de aprovação, e, por outro, uma violação do dever de fundamentação a este respeito. A Lagardère sustenta, no seu segundo fundamento de recurso (segunda parte), que, na sua fundamentação, o Tribunal Geral não demonstrou em que termos a relação existente entre o representante do mandatário e a Editis poderia ter viciado o teor do relatório que o mandatário apresentou à Comissão.

66.      Como resulta da minha análise nas presentes conclusões, considero que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito manifesto quando anulou a decisão de aprovação com base na conclusão exclusiva da falta de independência do mandatário, sem ter apreciado a questão de saber se o resultado da decisão da Comissão — a aprovação da Wendel como adquirente — podia ter sido diferente sem a falta de independência do mandatário.

67.      A Odile Jacob replica, no essencial, que a falta de independência do mandatário não é uma simples irregularidade incapaz de ter consequências para a legalidade da decisão. Considero que essa argumentação está viciada e que o Tribunal Geral violou a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (36), segundo a qual uma irregularidade, exceto nos casos de preterição de formalidades essenciais (37), não conduz à anulação da totalidade ou de parte da decisão, salvo se se demonstrar que, sem essa irregularidade, a decisão poderia ter um conteúdo diferente.

68.      Em especial, no acórdão acima referido, o Tribunal de Justiça decidiu que «nos termos dos artigos 231.°, primeiro parágrafo, CE [atual artigo 264.° TFUE] e 224.°, sexto parágrafo, CE [atual artigo 254.° TFUE], se o recurso tiver fundamento, o [Tribunal Geral] anulará o ato impugnado. […] A este respeito, há, por um lado, que observar que o mero facto de considerar que um fundamento invocado pelo recorrente para sustentar o seu recurso de anulação é procedente não permite ao [Tribunal Geral] anular automaticamente o ato impugnado na sua totalidade. Com efeito, não se pode decidir por uma anulação total quando se revele de forma evidente que o referido fundamento, que visa unicamente um aspeto específico do ato impugnado, só é suscetível de fundamentar uma anulação parcial» (n.os 103 e 104).

69.      Basta salientar que o Tribunal Geral concluiu de uma forma completamente automática e lacónica que a irregularidade era suscetível de viciar a legalidade da decisão de aprovação. O Tribunal Geral fê‑lo sem ter efetivamente apreciado, por um lado, se a decisão da Comissão se baseava em fundamentos diferentes dos relativos às conclusões do relatório do mandatário e, por outro lado, se não resultava da prova apresentada à Comissão e que constava do seu processo que, em todo o caso, a Wendel preenchia as condições para obter a aprovação da Comissão.

70.      Com efeito, segundo o n.° 14 dos compromissos constantes do anexo II da decisão de 7 de janeiro de 2004, a Comissão tinha de aprovar o adquirente se este preenchesse as condições referidas no n.° 10 desses compromissos. Portanto, essa apreciação é objetiva, e a finalidade da Comissão não é escolher o melhor adquirente, mas verificar simplesmente se o adquirente proposto pela parte notificante preenche as condições relevantes. Considero que é significativo, a este respeito, o facto de que, depois de ter sido proferido o acórdão recorrido, a Comissão tenha reiniciado o processo e, depois de ter preparado, mais uma vez, o processo para decisão, com um novo processo contraditório e um novo mandatário completamente independente da Editis, tenha aprovado, mais uma vez, a Wendel como adquirente dos ativos — e não a Odile Jacob. Portanto, mesmo sem a irregularidade a conclusão foi idêntica: a Wendel preenche e preenchia, as condições de aprovação.

71.      Um exemplo do critério correto pode‑se encontrar numa decisão anterior do Tribunal Geral. Em matéria de controlo de concentrações e, em especial, em relação ao auditor, o Tribunal Geral salientou, num caso, que a recorrente não tinha podido identificar a disposição específica da decisão em questão que o auditor tinha violado, nem a disposição com base na qual este poderia ter adotado uma posição diferente da que adotou de facto se tivesse tido conhecimento de que devia aplicar essa decisão (38). Além disso, pode sustentar‑se que uma violação dos direitos da defesa, num determinado caso (por exemplo, quando a Comissão não apresenta documentos), não pode ser penalizada enquanto tal, mas que é necessário proceder primeiro a um exame concreto desses documentos. Importa, a seguir, realçar que existe jurisprudência que refere claramente que um recorrente não tem qualquer interesse legítimo na anulação de uma decisão, no caso de a anulação dessa decisão apenas poder dar lugar à adoção de uma nova decisão, idêntica, quanto ao fundo, à decisão anulada (39). Por último, o Tribunal Geral também já decidiu que um erro de direito cometido por um júri, no quadro da avaliação da candidatura de um requerente, não era suscetível de pôr em causa per se a legalidade das suas decisões, salientando que «um requerente não tem um interesse legítimo na anulação de uma decisão em relação à qual já existe a certeza de que esta só poderá ser reconfirmada» (40).

72.      No presente processo, o Tribunal Geral não demonstrou de que modo a presumível falta de independência do mandatário teve alguma consequência para a apreciação jurídica pela Comissão das qualidades da Wendel para adquirir os ativos cedidos.

73.      Concordo com a Comissão em que não há nada no acórdão recorrido que permita concluir que a decisão de aprovação pudesse ter tido um conteúdo diferente na falta da irregularidade decidida no acórdão. Com efeito, o Tribunal Geral não identificou nenhum erro ou imprecisão na apreciação do adquirente pelo mandatário, reconheceu no n.° 109 que essa apreciação só se baseou «nomeadamente» no relatório do mandatário, e não constatou nenhuma consequência que a suposta falta de independência pudesse ter tido para o relatório.

74.      Em relação à segunda parte do presente fundamento de recurso, relativo à violação do dever de fundamentação, a Odile Jacob sustenta que não é necessário avaliar se o Tribunal Geral devia ter examinado a questão de saber se o conteúdo da decisão de aprovação teria sido diferente se o mandatário não carecesse de independência e que, portanto, o Tribunal Geral fundamentou suficientemente o seu acórdão.

75.      Considero que esse argumento não pode ser acolhido. Com efeito, apesar da jurisprudência bastante clara e abundante referida em vários números anteriores — e apesar dos fundamentos apresentados a este respeito no Tribunal Geral pela Comissão (n.os 49 a 55 da contestação e n.° 35 da tréplica), pela Wendel (n.° 24 do seu articulado de intervenção) e pela Lagardère (n.° 19 do seu articulado de intervenção), assim como em alegações orais — o Tribunal Geral não se deu ao trabalho de explicar a base jurídica e os motivos da sua conclusão de que a existência de uma ligação entre o representante do mandatário e a Editis era «suscetível de viciar a legalidade» da decisão de aprovação (n.° 118 do acórdão recorrido).

76.      Por último, refira‑se que o Tribunal Geral também cometeu outro erro ao não avaliar todos os fundamentos apresentados pela Comissão em primeira instância (41) em resposta a todas as alegações da então recorrente. Em especial, esta omissão diz respeito aos fundamentos respeitantes ao facto de decorrer do conjunto da prova ao dispor da Comissão — e não apenas do relatório do mandatário — que a Wendel preenchia as condições estabelecidas na decisão de autorização condicional.

77.      Resulta das considerações expostas que o Tribunal Geral também violou o seu dever de fundamentação. Consequentemente, o acórdão recorrido deve ser anulado.

IV — As consequências da anulação do acórdão recorrido

78.      Nos termos do artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando este Tribunal anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. Em meu entender, no caso vertente, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio. Acresce que tal se justifica tendo em conta a duração da tramitação do presente processo. À luz de todas as estas considerações, o Tribunal de Justiça deverá julgar improcedentes todos os fundamentos apresentados no Tribunal Geral pela Odile Jacob contra a decisão de aprovação e negar provimento ao recurso por esta interposto na primeira instância.

V —    Quanto às despesas

79.      Por força do disposto no artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, em conjugação com o artigo 118.° desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão e a Lagardère pediram que a Odile Jacob fosse condenada nas despesas tanto do processo de recurso como do processo em primeira instância, e tendo esta sido vencida nos seus pedidos nas duas instâncias, deve a mesma pagar as despesas nas duas instâncias.

VI — Conclusão

80.      Pelas razões antecedentes, proponho que o Tribunal de Justiça:

¾        anule o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia (Sexta Secção), de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob SAS/Comissão (T‑452/04), na medida em que anulou a Decisão D(2004)203365 da Comissão, de 30 de julho de 2004, relativa à autorização da aquisição por parte da Wendel Investissement dos ativos alienados em conformidade com a Decisão 2004/422/CE da Comissão, de 7 de janeiro de 2004, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum e o funcionamento do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Processo COMP/M.2978 Lagardère/Natexis/VUP);

¾        negue provimento ao recurso de anulação interposto pela Éditions Odile Jacob no Tribunal Geral da União Europeia;

¾        condene a Éditions Odile Jacob a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão e pela Lagardère SCA nas duas instâncias.

¾        condene a Wendel Investissement a suportar as respetivas despesas.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Processo T‑452/04, Colet., p. II‑4713 (a seguir «acórdão recorrido»).


3 —      (Processo COMP/M.2978 — Lagardère/Natexis/VUP) (JO L 125, p. 54).


4 —      V., por exemplo, Hoehn, T., «Merger remedies control — The role of the monitoring trustee in remedy cases», Concurrences No 2 — 2007 (Doctrines/Concentrations françaises: Suivi des engagements), pp. 37 e 38 (mas também pp. 29 a 36), e De Valois Turk, M., The EC’s revised Remedies Notice —the Trustee’s Perspetive, ECLR 2009, 30(7), pp. 332 a 339. V., também, Idot, L., Concentration et contrôle des engagements, Commentaires, Europe — Revue mensuelle LexisNexis Jurisclasseur — novembro 2010, pp. 25 e 26.


5 —      Em especial, foi a Vivendi Universal SA (a seguir «VU») que decidiu ceder os ativos editoriais (a seguir «ativos em questão») que a sua filial VUP possuía na Europa. A Lagardère candidatou‑se à aquisição dos ativos em questão. Todavia, como a VU procurava uma venda e um pagamento rápidos, verificou‑se que isso não era possível dada a necessidade de obter a autorização prévia da venda pelas autoridades de concorrência competentes. A Lagardère pediu, por isso, à Natexis Banques Populaires SA (a seguir «NBP») que a substituísse e, por intermédio de uma das suas filiais criadas para esse efeito, que adquirisse os ativos em questão à VUP, os detivesse a título provisório, e, uma vez obtida a autorização dessa aquisição pela Lagardère, os revendesse a esta última. Posteriormente, a Investima 10 SAS (a seguir «Investima 10»), filial a 100% da Ecrinvest 4 SA (a seguir «Ecrinvest 4»), ela própria filial a 100% da Segex Sarl (a seguir «Segex»), controlada por seu turno a 100% pela NBP, assinou com a VUP uma promessa de aquisição dos ativos em questão. No mesmo dia, a Segex e a Ecrinvest 4 celebraram com a Lagardère um contrato de cessão compra e venda que permitia a esta última adquirir, por intermédio da Ecrinvest 4, a totalidade do capital da Investima 10.


6 —      O contrato assinado pela Ecrinvest 4 e o Gabinete S., em 19 de dezembro de 2002, especifica, no seu primeiro parágrafo, que, no quadro do seu mandato social, B. agirá no interesse da Investima 10 e dos ativos em questão e, mais particularmente, com a preocupação de manter a sua viabilidade, o seu valor económico e a sua competitividade.


7 —      V. ainda n.os 21 a 24 adiante onde cito alguma destas passagens do acórdão recorrido.


8 —      Em especial, acórdãos de 29 de junho de 1995, Espanha/Comissão (C‑135/93, Colet., p. I‑1651); de 16 de fevereiro de 1984, Boël e Fabrique de fer de Maubeuge/Comissão (76/83, Colet., p. 859); e de 19 de outubro de 1983, Usinor/Comissão (265/82, Colet., p. 3105).


9 —      V., entre outros, acórdãos de 2 de março de 1967, Simet e Feram/Alta Autoridade (25/65 e 26/65, Recueil, p. 52, in fine, n.° 39, Colet. 1965‑1968, p. 547), e de 31 de março de 1965 Ley/Comissão (12/64 e 29/64, Recueil, p. 143, n.° 14, Colet. 1965‑1968, p. 43).


10 —      Acórdãos de 7 de abril de 1965, Alfieri/Parlamento (35/64, Recueil, p. 337, Colet. 1965‑1968, p. 87), e 14 de julho de 1965, Alvino e o./Comissão (18/64 e 19/64, Recueil, p. 971, Colet. 1965‑1968, p. 203).


11 —      Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO L 177, p. 6).


12 —      Comunicação da Comissão sobre as soluções passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho e do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão (JO 2001, C 68, p. 3, n.° 56; a seguir «Comunicação da Comissão de 2001 sobre soluções»). Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentrações de empresas (retificação em JO 1990, L 257, p. 13), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 de 30 de junho de 1997 (JO L 180, p. 1).


13 —      Publicado no sítio Web da Comissão: http://ec.europa.eu/competition/mergers/legislation/note.pdf, n.° 17. V., também, o sítio Web geral: http://ec.europa.eu/competition/mergers/legislation/divestiture.html.


14 —      Não vejo quaisquer razões para distinguir, neste caso, entre uma pessoa singular e uma pessoa coletiva.


15 —      V., entre outros, acórdãos de 11 de setembro de 2002, Willeme/Comissão (T‑89/01, ColetFP, pp. I‑A‑153 e II‑803, n.° 72), e de 3 de fevereiro de 2005, Mancini/Comissão (T‑137/03, ColetFP, pp. I‑A‑7 e II‑27, n.° 36).


16 —      Oitava Diretiva 84/253/CEE do Conselho, de 10 de abril de 1984, fundada no n.° 3, alínea g), do artigo 54.° do Tratado CEE, relativa à aprovação das pessoas encarregadas da fiscalização legal dos documentos contabilísticos (JO L 126, p. 20), revogada pela Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas, que altera as Diretivas 78/660/CEE […] (JO L 157, p. 87). A Odile Jacob alega que a Oitava Diretiva deixou para os Estados‑Membros a tarefa de determinar os critérios de independência dessas pessoas.


17 —      (JO 2002, L 191, p. 22). A Odile Jacob sustenta que esta recomendação observa que existem diferenças na legislação dos diferentes Estados‑Membros e que a independência deve ser avaliada «no espírito e aos olhos de terceiros». Além disso, mostra que a existência de qualquer relação financeira, profissional, de emprego ou outra entre o revisor oficial de contas e o cliente é suscetível de comprometer a independência do primeiro e, essencialmente, que não se deve autorizar a aceitação de cargos num órgão de direção de uma entidade.


18 —      Acórdão de 12 de julho de 2005, De Bry/Comissão (T‑157/04, ColetFP, pp. I‑A‑199 e II‑901, n.os 36 a 38).


19 —      V., neste sentido, acórdãos de 10 de julho de 1980, Distillers Company/Comissão (30/78, Colet., p. 2229, n.° 26); de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, Colet., p. 3125, n.° 47); de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão, «Tubemeuse» (C‑142/87, Colet., p. I‑959, n.° 48); de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão (C‑194/99 P, Colet., p. I‑10821, n.° 31); despacho de 24 de setembro de 2007, Torres/IHMI e Bodegas Muga (C‑405/06 P, Colet., n.° 29); acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão (C‑407/04 P, Colet., p. I‑829, n.° 70); e de 1 de outubro de 2009, Foshan Shunde Yongjian Housewares & Hardware/Conselho (C‑141/08 P, Colet., p. I‑9147, n.° 81).


20 —      V. acórdão de 20 de março de 2002, HFB e o./Comissão (T‑9/99, Colet., p. II‑1487, n.° 370 e jurisprudência aí referida).


21 —      Acórdão C‑288/96 P, Colet., p. I‑8237, n.os 101 e segs.


22 —      Acórdão T‑310/01, Colet., p. II‑4071, n.os 457 a 460.


23 —      Acórdãos de 12 de setembro de 2007, Ufex e o./Comissão (T‑60/05, Colet., p. II‑3397, n.° 77); v., neste sentido, de 14 de maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão (T‑126/99, Colet., p. II‑2427, n.os 48 e 49).


24 —      Acórdão T‑209/01, Colet., p. II‑5527, n.os 48 a 50. V., também, acórdão de 14 de dezembro de 2005, General Electric/Comissão (T‑210/01, Colet., p. II‑5575, n.os 42 a 45, 48 e 734).


25 —      Acórdãos C‑74/00 P e C‑75/00 P, Colet., p. I‑7869, n.° 122.


26 —      V., entre outros, acórdãos de 21 de outubro de 2004, KWS Saat/IHMI (C‑447/02 P, Colet., p. I‑10107, n.os 46 a 51), e de 30 de setembro de 2003, Biret International/Conselho (C‑93/02 P, Colet., p. I‑10497, n.° 60).


27 —      V., por exemplo, a Comunicação da Comissão de 2001 sobre soluções, já referida na nota 12, n.os 58 e 59.


28 —      Acórdão C‑69/91, Colet., p. I‑5335, n.os 13, 16 e 22. O simples facto de, para que a entidade incumbida da elaboração das especificações técnicas, dos controlos e da aprovação não satisfaça a condição de independência em relação a operadores que poderão beneficiar dessas especificações, ser suficiente uma condição prevista numa norma de direito da União (neste caso, uma diretiva) para concluir que essa entidade não estava habilitada a elaborar essas especificações, sem haver necessidade de demonstrar in concreto ou caso a caso um potencial «interesse» ou «parcialidade».


29 —      V., nesse sentido, as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral N. Fennelly no processo Comissão/Solvay (C‑287/95 P e C‑288/95 P, Colet., p. I‑2391).


30 —      Já referido na nota 28.


31 —      Com efeito, a nova Comunicação da Comissão (2008) sobre as medidas de correção passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho e do Regulamento (CE) n.° 802/2004 da Comissão (JO 2008, C 267, p. 1) esclarece agora, no n.° 125, «não aceitará a título de administradores quaisquer pessoas ou instituições que sejam simultaneamente auditores das partes ou seus assessores de investimento no âmbito da alienação. Não haverá, contudo, qualquer conflito de interesses, desde que as relações do administrador com as partes não comprometam o desempenho com objetividade e independência das suas funções. Compete às partes fornecer à Comissão informações adequadas para que esta última possa apreciar se o administrador satisfaz os requisitos necessários».


32 —      Acórdão T‑201/04, Colet., p. II‑3601, n.° 1264.


33 —      Regulamento n.° 17 de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] [atuais artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).


34 —      Junto como anexo B3 à resposta apresentada pela Comissão no Tribunal Geral.


35 —      Essa obrigação não existia no Regulamento n.° 4064/89, no Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento (CEE) n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1), ou na Comunicação da Comissão de 2001 sobre soluções (referida na nota 12). O Regulamento (CE) n.° 802/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 133, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1033/2008 da Comissão (JO L 279, p. 3), especifica atualmente que os compromissos oferecidos pelas empresas «podem» incluir, a expensas próprias das empresas em causa, a nomeação de um administrador.


36 —      V., neste sentido, acórdão de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret (C‑295/07 P, Colet., p. I‑9363).


37 —      Como vimos no n.° 48 supra, e ao contrário do que sustenta a Odile Jacob, este não é certamente o caso.


38 —      Acórdão General Electric/Comissão, já referido na nota 24, n.° 722.


39 —      V., neste sentido, acórdãos de 6 de julho de 1983, Geist/Comissão (117/81, Recueil, p. 2191, n.° 7); de 18 de dezembro de 1992, Díaz García/Parlamento (T‑43/90, Colet., p. II‑2619, n.° 54); de 20 de setembro de 2000, Orthmann/Comissão (T‑261/97, ColetFP, pp. I‑A‑181 e II‑829, n.os 33 e 35); e de 3 de dezembro de 2003, Audi/IHMI (TDI) (T‑16/02, Colet., p. II‑5167, n.os 97 e 98).


40 —      V., neste sentido, acórdão de 13 de março de 2002, Martínez Alarcón/Comissão (T‑357/00, T‑361/00, T‑363/00 e T‑364/00, ColetFP, pp. I‑A‑37 e II‑161, n.os 91 a 93).


41 —      V. acórdão de 25 de outubro de 2007, Komninou e o./Comissão (C‑167/04 P, Colet., n.° 22).