Language of document : ECLI:EU:C:2016:526

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

7 de julho de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Artigo 101.° TFUE — Contrato de licença não exclusivo — Patente — Inexistência de infração — Obrigação de pagamento de royalties»

No processo C‑567/14:

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França), por decisão de 23 de setembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de dezembro de 2014, no processo

Genentech Inc.

contra

Hoechst GmbH,

SanofiAventis Deutschland GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, A. Arabadjiev, J.‑C. Bonichot, C. G. Fernlund (relator) e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 20 de janeiro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Genentech Inc., por E. Kleiman, S. Saleh, C. Ritz, L. De Maria, E. Gaillard, J. Philippe, avocats, P. Chrocziel e T. Lübbig, Rechtsanwälte,

–        em representação da Hoechst GmbH e da Sanofi‑Aventis Deutschland GmbH, por A. Wachsmann, A. van Hooft, M. Barbier, A. Fisselier e T. Elkins, avocats,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas, D. Segoin e J. Bousin, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e M. de Ree, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Dawes, B. Mongin e F. Castilla Contreras, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de quinta‑feira, 17 de março de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Genentech Inc. à Hoechst GmbH e à Sanofi‑Aventis Deutschland GmbH, a respeito da anulação de um laudo arbitral relativo à execução de um contrato de licença de direitos derivados de patentes.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

3        Em 6 de agosto de 1992, a Behringwerke AG concedeu à Genentech uma licença não exclusiva mundial (a seguir «contrato de licença») para a utilização do ativador derivado do citomegalovírus humano (a seguir «ativador CMVH»). Esta tecnologia foi objeto da patente europeia n.° EP 0173 177 53, emitida em 22 de abril de 1992 e revogada em 12 de janeiro de 1999, assim como de duas patentes US 522 e US 140, emitidas nos Estados Unidos, respetivamente, em 15 de dezembro de 1998 e 17 de abril de 2001.

4        A Genentech utilizou o ativador CMVH para facilitar a transcrição de uma sequência de ácido desoxirribonucleico (ADN) necessária para a produção de um medicamento biológico cujo princípio ativo é o rituximab. A Genentech comercializa este medicamento nos Estados Unidos sob a denominação comercial Rituxan e, na União Europeia, sob a de Mab Thera.

5        O acordo de licença era regulado pelo direito alemão.

6        Resulta do artigo 3.1 do acordo de licença que a Genentech, em contrapartida do direito de explorar o ativador, se comprometeu a pagar:

–        um royalty único de 20 000 marcos alemães (DM) (cerca de 10 225 euros);

–        um royalty anual fixo de 20 000 DM;

–        um royalty corrente de 0,5% das vendas líquidas dos produtos acabados pelo licenciado e suas sociedades associadas e sublicenciadas.

7        O contrato de licença define os «produtos acabados» como «mercadorias comercialmente negociáveis que incorporem um produto sob licença, vendidas sob uma forma que permita a sua administração aos doentes para uso terapêutico ou a sua utilização no âmbito de um procedimento de diagnóstico e que não se destinem nem sejam comercializadas com vista a uma nova formulação, um tratamento, uma nova embalagem ou à aplicação de um novo rótulo antes da sua utilização». Nos termos deste contrato, a expressão «produto sob licença» é definida como «os materiais (incluindo os organismos) cujo fabrico, utilização ou venda, no caso de não existir o presente contrato, violaria uma ou mais reivindicações não caducadas incluídas nos direitos inerentes às patentes sob licença».

8        A Genentech pagou os royalties únicos e os royalties anuais, mas nunca pagou os royalties correntes à Hoechst, sociedade que sucedeu à Behringwerke.

9        Em 30 de junho de 2008, a Sanofi‑Aventis Deutschland, filial da Hoechst, interrogou a Genentech sobre os produtos acabados que comercializava sem pagar o montante dos royalties correntes.

10      Em 27 de agosto de 2008, a Genentech comunicou à Sanofi‑Aventis Deutschland as decisões de rescisão do contrato de licença a partir de 28 de outubro de 2008.

11      Em 24 de outubro de 2008, a Hoechst, considerando que a Genentech tinha utilizado o ativador CMVH sem pagar os royalties correntes, instaurou um procedimento arbitral contra essa sociedade com fundamento na cláusula compromissória prevista no artigo 11.° do contrato de licença.

12      Em 27 de outubro de 2008, a Sanofi‑Aventis Deutschland propôs no United States District Court for the Eastern District of Texas (Tribunal Federal do Distrito Este do Texas, Estados Unidos) uma ação por infração das patentes sob licença contra a Genentech e a Biogen Idec Inc. Estas últimas, no mesmo dia, propuseram uma ação de declaração de nulidade das patentes no United States District Court for the Northern District of California (Tribunal Federal do Distrito Norte da Califórnia, Estados Unidos). Estas duas ações foram apensadas neste último tribunal que, por decisão de 11 de março de 2011, as julgou improcedentes.

13      Por acórdão de 22 de março de 2012, o United States Court of Appeals for the Federal Circuit (Tribunal de Recurso dos Estados Unidos para o Círculo Federal) negou provimento ao recurso da Sanofi‑Aventis Deutschland contra essa decisão.

14      Através de um terceiro laudo parcial, proferido em 5 de setembro de 2012 (a seguir «terceiro laudo parcial»), o árbitro único considerou a Genentech responsável pelo pagamento dos royalties correntes à Hoechst.

15      Em 10 de dezembro de 2012, a Genentech interpôs um recurso de anulação do terceiro laudo parcial na cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris).

16      Em 25 de fevereiro de 2013, o árbitro único proferiu o laudo definitivo e o quarto laudo parcial, sobre o quantum e as despesas, condenando a Genentech a pagar à Hoechst, além das despesas de arbitragem e de representação, a quantia de 108 322 850 euros a título de indemnização, acrescida de juros. Este laudo definitivo foi completado por um addendum de 22 de maio de 2013.

17      Por despacho de 3 de outubro de 2013, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) conferiu exequibilidade ao terceiro laudo parcial e recusou a apensação dos recursos de anulação interpostos pela Genentech contra o terceiro laudo parcial, o laudo definitivo de 25 de fevereiro de 2013 e o seu addendum de 22 de maio de 2013.

18      No âmbito do processo de anulação do terceiro laudo parcial, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a compatibilidade do contrato de licença com o artigo 101.° TFUE. Afirma que o árbitro único considerou que, durante o período da sua validade, o licenciado estava obrigado a pagar os royalties contratuais mesmo que a anulação das patentes produzisse efeitos retroativos. Questiona se tal contrato viola as disposições do artigo 101.° TFUE, na medida em que, ao sujeitar o licenciado ao pagamento de royalties que ficaram sem fundamento devido à anulação das patentes associadas aos direitos concedidos, o coloca numa «posição concorrencial desvantajosa».

19      Nestas circunstâncias, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem as disposições do artigo [101.° TFUE] ser interpretadas no sentido de que obstam a que, em caso de anulação de patentes, seja aplicado um contrato de licença que sujeita o licenciado ao pagamento de taxas [royalties] pela mera utilização dos direitos associados às patentes licenciadas?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

20      A Hoechst e a Sanofi Avantis Deutschland (a seguir, conjuntamente, «Hoechst») bem como o Governo francês alegam que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, o que a Comissão Europeia contesta.

21      Em primeiro lugar, a Hoechst sustenta, em substância, que as normas que regem o processo nacional não permitem que o órgão jurisdicional de reenvio submeta essa questão sem infringir a sua própria competência. A Hoechst declara ter interposto, consequentemente, um recurso contra o pedido de decisão prejudicial na Cour de cassation (França).

22      Todavia, há que recordar, por um lado, que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar, ao abrigo do artigo 267.° TFUE, sobre as disposições legislativas ou regulamentares nacionais nem sobre a conformidade de tais disposições com o direito da União (v. acórdão de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, n.° 16 e jurisprudência referida) e, por outro lado, que não compete ao Tribunal de Justiça verificar se a decisão de reenvio foi proferida em conformidade com as normas processuais e de organização judicial do direito nacional (acórdãos de 14 de janeiro de 1982, Reina, 65/81, EU:C:1982:6, n.° 8, e de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, Colet, EU:C:2006:734, n.° 14).

23      O Tribunal de Justiça deve ater‑se à decisão de reenvio que emana de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, enquanto tal decisão não tiver sido revogada no quadro das vias processuais previstas eventualmente pelo direito nacional (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de fevereiro de 1974, Rheinmühlen‑Düsseldorf, 146/73, EU:C:1974:12, n.° 3, e de 1 de dezembro de 2005, Burtscher, C‑213/04, EU:C:2005:731, n.°32). No caso concreto, decorre dos elementos juntos aos autos que, por despacho de 18 de novembro de 2015, a Cour de cassation negou provimento ao recurso interposto pela Hoechst contra o pedido de decisão prejudicial, de modo que não se pode considerar que este último tenha sido revogado.

24      Em segundo lugar, a Hoechst alega que não pode ser dada uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio. Sustenta que, tratando‑se de um recurso de um laudo arbitral internacional, os órgãos jurisdicionais nacionais não são autorizados a fiscalizar o modo como as questões de concorrência foram decididas pelo árbitro quando este considerou, no laudo definitivo, que não existia nenhuma violação do artigo 101.° TFUE.

25      O Governo francês acrescenta que o pedido de decisão prejudicial não contém os elementos de facto ou de direito necessários para responder de forma útil à questão submetida. Em particular, a decisão de reenvio não especifica as condições reais do funcionamento e da estrutura do ou dos mercados em causa. O órgão jurisdicional de reenvio não mencionou determinados instrumentos normativos relacionados com o direito da concorrência da União que, no entanto, são pertinentes nem nenhum aspeto do direito alemão a que esteja submetido o contrato de licença.

26      A este respeito, importa recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.° TFUE, é da competência exclusiva do juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões tenham por objeto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. A não pronúncia sobre um pedido de decisão prejudicial submetido por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (acórdãos de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, EU:C:2001:160, n.os 38 e 39, e de 22de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.° 27).

27      No caso em apreço, dado que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 101.° TFUE se opõe a que o contrato de licença seja executado em conformidade com a interpretação do árbitro único, não é manifesto que a questão submetida ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação que deve ser dada a esta disposição do Tratado FUE seja desprovida de pertinência para decidir o litígio no processo principal. A decisão de reenvio expõe, de maneira breve mas precisa, a origem e a natureza desse litígio, cujo resultado depende da interpretação do artigo 101.° TFUE. Daqui se conclui que o órgão jurisdicional de reenvio definiu de forma suficiente o quadro factual e jurídico em que se insere o pedido de interpretação do direito da União para permitir ao Tribunal de Justiça responder utilmente ao referido pedido.

28      Em terceiro lugar, a Hoechst e o Governo francês sustentam que a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio não corresponde aos factos em causa no processo principal, na medida em que as patentes americanas, as únicas pertinentes para o processo principal, não foram anuladas.

29      A este respeito, é necessário declarar que o órgão jurisdicional de reenvio, na verdade, formulou a sua questão em termos que podem ser entendidos como visando a situação específica em que o licenciado é obrigado a pagar royalties pela utilização dos direitos inerentes às patentes, apesar da anulação dessas patentes.

30      Todavia, como o advogado‑geral salientou no n.° 36 das suas conclusões, resulta claramente do pedido de decisão prejudicial, tal como foi reproduzido, em substância, nos n.os 12 e 13 do presente acórdão, que o órgão jurisdicional de reenvio está perfeitamente consciente do facto de que está assente que a patente US 522, emitida em 15 de dezembro de 1998, e a patente US 140, emitida em 17 de abril de 2001, que são as únicas pertinentes para o litígio no processo principal, não foram anuladas. A menção, pelo órgão jurisdicional de reenvio, da anulação das patentes apenas reproduz determinadas indicações feitas nos n.os 193 e 194 do terceiro laudo parcial, cujo teor é manifestamente contraditado quer pelo resto desse laudo, em especial pelos seus n.os 51 a 53, quer pelos elementos dos autos à disposição do Tribunal de Justiça.

31      Conclui‑se que a questão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

32      Logo à primeira vista, resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que a Genentech alegou no procedimento arbitral que não estava obrigada a pagar os royalties correntes, dado que, segundo o contrato de licença, o pagamento desses royalties pressupunha, por um lado, que o ativador CMVH estivesse presente no produto acabado rituximab e, por outro, que o fabrico ou a utilização desse ativador tivessem infringido, caso não existisse esse acordo, os direitos inerentes às patentes sob licença. Contudo, o árbitro único rejeitou esses argumentos que considerou fundados numa interpretação literal do contrato de licença, contrária ao objetivo comercial das partes, que era permitir à Genentech utilizar o ativador CMVH para a produção de proteínas sem correr o risco de uma ação por infração intentada pelo titular dos direitos sobre essa tecnologia.

33      Do mesmo modo, resulta igualmente do pedido de decisão prejudicial que, no âmbito do litígio no processo principal, a Genentech alegou que, obrigando‑a ao pagamento de royalties correntes não existindo nenhuma infração, quando, nos próprios termos do acordo de licença, os royalties só eram devidos pelos produtos cujo fabrico, utilização ou venda tivessem infringido, caso não existisse esse acordo, as patentes sob licença, o terceiro laudo parcial impunha‑lhe despesas injustificadas, em violação do direito da concorrência.

34      Por conseguinte, mesmo que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio pareça ter limitado, como já foi referido no n.° 29 do presente acórdão, a sua questão prejudicial à situação de uma anulação das patentes, há que compreender que essa questão também se refere ao caso de não infração das patentes sob licença.

35      Nestas circunstâncias, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio deve ser compreendida no sentido de que pergunta, em substância, se o artigo 101.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, nos termos de um contrato de licença como o que está em causa no processo principal, seja imposto ao licenciado o pagamento de royalties pela utilização de uma tecnologia patenteada durante todo o período de vigência desse acordo, em caso de anulação ou de inexistência de infração das patentes que protegem essa tecnologia.

36      A Genentech e o Governo espanhol consideram que se deve responder afirmativamente a essa questão. A Hoechst, os Governos francês e neerlandês, bem como a Comissão não são dessa opinião.

37      A Genentech censura o árbitro único por ter violado os termos claros do contrato de licença e o artigo 101.° TFUE, ao impor‑lhe o pagamento de royalties pelas vendas de um produto que não infringe a tecnologia patenteada. Esta sociedade alegou ter suportado custos adicionais de cerca de 169 milhões de euros em relação aos seus concorrentes por causa dessa restrição, pelo seu objeto e pelo seu efeito, do artigo 101.° TFUE.

38      A este respeito, há que sublinhar, à semelhança do que o advogado‑geral salientou no n.° 75 das suas conclusões, que não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo prejudicial, rever os factos constatados pelo árbitro único nem a interpretação do contrato de licença que este fez com base no direito alemão, segundo a qual a Genentech é obrigada a pagar os royalties correntes não obstante a anulação ou a inexistência de infração das patentes em causa no processo principal.

39      Além disso, convém recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, num contexto de um contrato de licença exclusivo, que a obrigação de pagamento de royalties, inclusivamente depois do termo da duração de validade da patente sob licença, pode derivar de uma apreciação de ordem comercial sobre o valor atribuído às possibilidades de exploração conferidas pelo contrato de licença, em particular quando essa obrigação está inserida num contrato de licença celebrado antes da concessão da referida patente (acórdão de 12 de maio de 1989, Ottung, 320/87, Colet, EU:C:1989:195, n.° 11). Nestas circunstâncias, quando o licenciado pode livremente rescindir o contrato mediante um pré‑aviso razoável, a obrigação de pagar royalties durante todo o período de validade do acordo não pode ser abrangida pelo âmbito de aplicação da proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE (acórdão de 12 de maio de 1989, Ottung, 320/87, Colet, EU:C:1989:195, n.°13).

40      Por conseguinte, resulta do acórdão de 12 de maio de 1989, Ottung (320/87, Colet, EU:C:1989:195), que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE não proíbe que seja imposto contratualmente o pagamento de royalties pela utilização exclusiva de uma tecnologia que já não está coberta por uma patente, desde que o licenciado possa livremente rescindir o contrato. Esta apreciação assenta na constatação de que os royalties constituem o preço a pagar para explorar comercialmente a tecnologia sob licença com a segurança de que o titular da patente não utilizará os seus direitos de propriedade industrial. Enquanto o contrato de licença em causa permanecer em vigor e puder ser livremente rescindido pelo licenciado, o pagamento dos royalties é devido, e isto mesmo que os direitos de propriedade industrial inerentes das patentes concedidos a título exclusivo não possam ser exercidos contra o licenciado devido ao termo da sua vigência. Com efeito, circunstâncias desta natureza, em especial a de que o contrato pode ser livremente rescindido pelo licenciado, permitem excluir que o pagamento de royalties prejudica a concorrência ao restringir a liberdade de ação do licenciado ou ao produzir efeitos de encerramento do mercado.

41      Esta solução, derivada do acórdão de 12 de maio de 1989, Ottung (320/87, Colet, EU:C:1989:195), impõe‑se a fortiori numa situação como a que está em causa no processo principal. Com efeito, se, durante o período de vigência do contrato de licença, o pagamento dos royalties continua a ser exigível inclusivamente depois do termo dos direitos de propriedade industrial, por maioria de razão, também é exigível antes do termo desses direitos.

42      O facto de os órgãos jurisdicionais do Estado de concessão das patentes em causa no processo principal terem julgado, depois da rescisão do contrato de licença, que a utilização, pela Genentech, da tecnologia concedida não infringia os direitos inerentes dessas patentes, segundo as informações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre o direito alemão aplicável a esse contrato, não afeta a exigibilidade dos royalties durante o período anterior a essa rescisão. Daqui se conclui que, dado que a Genentech tem a liberdade de rescindir o referido contrato em qualquer momento, a obrigação de pagar royalties durante o período da sua vigência, durante o qual estavam em vigor os direitos inerentes às patentes concedidas, não constitui uma restrição da concorrência na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

43      Em face das considerações expostas, há que responder à questão submetida que o artigo 101.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, nos termos de um contrato de licença como o que está em causa no processo principal, seja imposto ao licenciado o pagamento de royalties pela utilização de uma tecnologia patenteada durante todo o período de vigência desse contrato, em caso de anulação ou de inexistência de infração da patente sob licença, se o licenciado pôde rescindir o referido contrato mediante um pré‑aviso razoável.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 101.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, nos termos de um contrato de licença como o que está em causa no processo principal, seja imposto ao licenciado o pagamento de royalties pela utilização de uma tecnologia patenteada durante todo o período de vigência desse contrato, em caso de anulação ou de inexistência de infração da patente sob licença, se o licenciado pôde rescindir o referido contrato mediante um pré‑aviso razoável.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.