Language of document : ECLI:EU:C:2014:20

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

23 de janeiro de 2014 (*)

«Fiscalidade — Imposto sobre as sociedades — Transmissão de participações numa sociedade de pessoas a uma sociedade de capitais — Valor contabilístico — Valor venal — Convenção para a prevenção da dupla tributação — Tributação imediata de mais‑valias latentes — Diferença de tratamento — Restrição à livre circulação de capitais — Preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros — Proporcionalidade»

No processo C‑164/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha), por decisão de 26 de janeiro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de abril de 2012, no processo

DMC Beteiligungsgesellschaft mbH

contra

Finanzamt Hamburg‑Mitte,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits (relator), M. Berger e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de setembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da DMC Beteiligungsgesellschaft mbH, por O.‑F. Graf Kerssenbrock e H. Bley, Rechtsanwälte,

¾        em representação do Finanzamt Hamburg‑Mitte, por M. Grote, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze, A. Wiedmann e J. Möller, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por W. Mölls e W. Roels, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 49.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a DMC Beteiligungsgesellschaft mbH, sociedade de direito austríaco com sede em Viena (Áustria) e sucessora por direito da Schillhuber Beteiligungsgesellschaft mbH (a seguir «S‑GmbH») e da Klausnitzer Ges.mbH (a seguir «K‑GmbH»), ao Finanzamt Hamburg‑Mitte (a seguir «Finanzamt»), a respeito da determinação do lucro resultante de uma transmissão no quadro da liquidação do imposto sobre os lucros de uma sociedade alemã em comandita simples relativo ao ano fiscal de 2000.

 Quadro jurídico

 Direito alemão

3        O § 6, n.° 1, ponto 1, terceiro período, da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz) define o conceito de valor venal de um bem económico como o montante que o comprador da empresa na sua totalidade atribuiria a esse bem económico, tomado individualmente, no quadro do valor global da referida empresa. O valor venal deve distinguir‑se do valor contabilístico que é o valor de um ativo tal como figura no balanço de uma empresa, a saber, reduzido, nomeadamente, do montante das amortizações. O valor contabilístico nunca é superior ao valor venal.

4        O § 20 da Lei relativa à transformação das sociedades de capitais (Umwandlungssteuergesetz), de 11 de outubro de 1995 (BGBl. 1995 I, p. 1250), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «UmwStG 1995»), estava redigido como segue:

«(1)      Quando uma empresa, uma parte de empresa ou uma participação numa coempresa é dada como entrada numa sociedade de capitais sujeita de forma ilimitada ao imposto sobre as sociedades [§ 1, n.° 1, ponto 1, da Lei relativa ao imposto sobre as sociedades (Körperschaftsteuergesetz)] e o transmitente recebe em troca novas participações na sociedade (entrada em espécie), o património social dado como entrada e as novas participações sociais são avaliadas de acordo com os números seguintes [...]

(2)       A sociedade de capitais pode atribuir ao património social dado como entrada o seu valor contabilístico ou um valor mais elevado […].

(3)      A sociedade de capitais deve atribuir ao património social dado como entrada o seu valor venal quando, à data da entrada em espécie, a República Federal da Alemanha não tiver o direito de tributar o lucro resultante da transmissão das participações sociais concedidas ao transmitente.

(4)      O valor que a sociedade de capitais atribui aos ativos sociais dados como entrada vale, para o transmitente, como preço de transmissão e custo de aquisição das participações sociais.

[...]

(6)      Nos casos visados no n.° 3, o § 21, n.° 2, terceiro a sexto períodos, é aplicável, por analogia, ao diferimento do pagamento do imposto sobre o rendimento ou do imposto sobre as sociedades que forem devidos.»

5        O § 21, n.° 2, terceiro a sexto períodos, da UmwStG 1995 previa:

«Nos casos visados no primeiro período, pontos 1, 2 e 4, o pagamento do imposto sobre o rendimento ou do imposto sobre as sociedades devidos a título do lucro resultante da transmissão pode ser feito em várias prestações anuais de, pelo menos, um quinto do valor total, na condição de esses pagamentos serem garantidos. Não serão cobrados juros pelo diferimento do pagamento. Qualquer transmissão de participações efetuada no decurso do período de diferimento põe termo a este último a partir do momento dessa transmissão. O quinto período é aplicável, por analogia, quando, no decurso do período de diferimento, a sociedade de capitais em que as participações são detidas for dissolvida ou posta em liquidação ou quando o capital dessa sociedade for reduzido e reembolsado aos acionistas ou quando tiver lugar uma transformação no sentido da segunda ou da quarta parte da lei.»

 Convenção para a prevenção da dupla tributação

6        O artigo 1.°, n.os 2 e 3, da Convenção entre a República Federal da Alemanha e a República da Áustria com vista a evitar duplas tributações em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o património, bem como em matéria de impostos sobre as explorações industriais e comerciais e de impostos sobre imóveis, de 4 de outubro de 1954 (BGBl. 1955 II, p. 750) (a seguir «DBA 1954»), estava redigido como segue:

«(2)       Uma pessoa singular tem domicílio na aceção da presente convenção no Estado contratante onde ocupa uma habitação em circunstâncias que permitam concluir que conservará e utilizará essa habitação. Quando não tenha domicílio em nenhum dos Estados contratantes, é considerado domicílio o lugar da sua residência habitual.

(3)       No caso de uma pessoa coletiva, é considerado domicílio para efeitos desta convenção o lugar onde são dirigidas as suas atividades. Quando esse lugar não estiver situado em nenhum dos Estados contratantes, é considerado domicílio o lugar da sua sede.»

7        O artigo 4.° da DBA 1954 previa:

«(1)      Quando uma pessoa com domicílio num Estado contratante aufira, na qualidade de empresário ou de coempresário, rendimentos provenientes de uma empresa comercial ou industrial cujas atividades se estendam ao território do outro Estado, este último tem o direito de tributar esses rendimentos unicamente na medida em que sejam imputáveis a um estabelecimento da empresa situado no seu território.

(2)      Para esse efeito, devem ser atribuídos ao estabelecimento os rendimentos que este teria obtido como empresa autónoma por meio de uma atividade igual ou semelhante, nas mesmas ou em condições semelhantes e sem qualquer relação de dependência com a empresa a que pertence o estabelecimento.

(3)      Um estabelecimento na aceção da presente convenção é qualquer entidade estável da empresa industrial ou comercial, que exerça a totalidade ou parte das atividades dessa empresa.

(4)      O n.° 1 aplica‑se não só aos rendimentos obtidos graças à administração e à utilização direta da empresa comercial ou industrial mas também aos rendimentos obtidos através da locação, da disponibilização ou de qualquer outra forma de utilização da empresa, bem como aos rendimentos resultantes da alienação de uma empresa comercial na sua totalidade, de uma participação nessa empresa, de uma parte da empresa ou de um objeto nela utilizado.»

8        O artigo 7.° da DBA 1954 dispunha:

«(1)      Quando uma pessoa com domicílio num Estado contratante aufira, na qualidade de empresário ou de coempresário, rendimentos resultantes da transmissão de uma participação importante numa sociedade de capitais cuja sede da direção esteja situada noutro Estado, é o Estado da sede que tem o direito de tributar esses rendimentos.

(2)      O n.° 1 não se aplica quando uma pessoa com domicílio num Estado contratante possua um estabelecimento noutro Estado e obtenha os rendimentos por intermédio desse estabelecimento. Nesse caso, caberá ao outro Estado o direito de tributar esses rendimentos (artigo 4.°).»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        Até 28 de agosto de 2001, a DMC Design for Media and Communication GmbH & Co. KG (a seguir «DMC KG») era uma sociedade em comandita simples com sede em Hamburgo (Alemanha). Como sociedade de pessoas, os seus sócios comanditários eram então a K‑GmbH e a S‑GmbH, anteriormente Hubert Schillhuber (a seguir «HS»). O seu sócio comanditado era a DMC Design for Media and Communication GmbH (a seguir «DMC GmbH»), sociedade de direito alemão. Metade das participações desta última sociedade de capitais eram detidas, até 28 de novembro de 2000, pela K‑GmbH e a outra metade pela HS, respetivamente, no montante de 50 000 marcos alemães (DEM).

10      Em 28 de novembro de 2000, a HS deu como entrada na S‑GmbH as participações que detinha na DMC GmbH e na DMC KG.

11      Por ato notarial de 28 de agosto de 2001, o capital social da DMC GmbH foi aumentado em 100 000 DEM, passando assim para 200 000 DEM.

12      Esse aumento realizou‑se através da entrada em espécie das participações que a K‑GmbH e a S‑GmbH detinham na DMC KG. Em troca da transmissão destas participações, a K‑GmbH e a S‑GmbH obtiveram participações sociais no capital da DMC GmbH, na qualidade de sociedade adquirente. O valor contabilístico das participações de cada uma destas sociedades transmitentes foi fixado, respetivamente, em 50 000 DEM. A transmissão das participações à DMC GmbH, em 1 de janeiro de 2001, foi realizada com efeitos retroativos a 31 de dezembro de 2000, data da transmissão para efeitos fiscais.

13      Uma vez que a totalidade das participações da DMC KG foi transmitida à DMC GmbH, a sociedade em comandita simples foi dissolvida. O património de exploração dado como entrada pela K‑GmbH e a S‑GmbH foi contabilizado no balanço de aquisições da DMC GmbH pelo seu valor contabilístico.

14      Por ocasião de um controlo fiscal, o Finanzamt teve de determinar a base de tributação da DMC KG relativa ao ano fiscal de 2000.

15      Ao verificar que os sócios comanditários da DMC KG, na qualidade de coempresários sujeitos ao imposto sobre os lucros, já não dispunham de um estabelecimento no território alemão na sequência da dissolução da DMC KG, o Finanzamt concluiu que, por força do artigo 7.° da DBA 1954, a República Federal da Alemanha já não dispunha do direito de tributar os lucros obtidos pela K‑GmbH e a S‑GmbH em resultado da transmissão das participações sociais na DMC GmbH, que lhes tinham sido concedidas em troca da entrada das participações que essas sociedades detinham na DMC KG.

16      Por conseguinte, em aplicação do § 20, n.° 3, da UmwStG 1995, o Finanzamt fixou o valor das participações dadas como entrada, pela K‑GmbH e a S‑GmbH, na DMC GmbH pelo seu valor venal, e não pelo seu valor contabilístico, provocando assim a tributação das mais‑valias latentes correspondentes às participações na DMC KG.

17      Daí resultou um lucro de transmissão de 194 172,70 DEM, no que respeita à entrada da K‑GmbH, e de 9 051,77 DEM, no que respeita à entrada da S‑GmbH. Estes lucros de transmissão foram objeto de imposto sobre o lucro das sociedades relativo ao ano de 2000.

18      A recorrente no processo principal, na qualidade de sucessora legal da K‑GmbH e da S‑GmbH, recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio contra o aviso de liquidação relativo ao ano de 2000 que lhe foi dirigido, invocando uma incompatibilidade do § 20, n.° 3, da UmwStG 1995 com o direito da União.

19      O órgão jurisdicional de reenvio indica que o Finanzamt procedeu a uma aplicação correta do direito nacional no caso em apreço. Assim, a DMC GmbH estava obrigada a avaliar o património de exploração dado como entrada pela K‑GmbH e a S‑GmbH pelo seu valor venal. Com efeito, por força da DBA 1954, é a República da Áustria, enquanto Estado de estabelecimento das sociedades transmitentes, que tem o direito de tributar o lucro resultante da transmissão das participações sociais concedidas à K‑GmbH e à S‑GmbH em troca das suas participações na DMC KG.

20      Todavia, esse mesmo órgão jurisdicional exprime dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União do mecanismo previsto no § 20, n.° 3, da UmwStG 1995 que conduz à tributação imediata das mais‑valias latentes geradas no território alemão, quando o detentor de ativos já não está sujeito na Alemanha ao imposto sobre os lucros que obtivesse com a transmissão posterior desses ativos. Por um lado, tal desigualdade de tratamento seria de molde a desencorajar as sociedades estabelecidas na Áustria de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Alemanha. Por outro lado, tal restrição não poderia justificar‑se pelo objetivo de uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros em causa, porquanto, em momento algum, a República Federal da Alemanha tinha tido competência fiscal sobre as participações sociais detidas pela K‑GmbH e pela S‑GmbH na DMC GmbH.

21      Nestas condições, o Finanzgericht Hamburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com o artigo 43.° CE ([atual] artigo 49.° TFUE) uma [regulamentação] nacional que prevê, no caso de serem dadas como entrada numa sociedade de capitais participações numa sociedade em comandita, que esses ativos devem obrigatoriamente ser contabilizados pelo seu valor [venal] (pelo que a divulgação das mais‑valias latentes gera um lucro de transmissão para [o] transmitente), quando, à data da realização da entrada em espécie, […] a República Federal da Alemanha [não tem o direito] de tributar os lucros [resultantes da transmissão] das novas participações sociais [concedidas ao transmitente] em troca da [sua entrada]?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão: […] é compatível com o artigo 43.° CE […] [uma regulamentação nacional que atribui ao transmitente o direito de] requerer[, relativamente ao imposto devido na sequência da divulgação das mais‑valias latentes,] o diferimento [do respetivo pagamento], sem juros, [podendo] o imposto [devido] sobre [os lucros resultantes da transmissão ser pago] em prestações anuais, não inferiores a um quinto do seu valor total, desde que [o pagamento] dessas prestações [esteja garantido]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade das questões

22      A título preliminar, o Finanzamt invoca, nas suas observações escritas, a inadmissibilidade das questões submetidas.

23      Assim, alega que, por força do direito processual alemão, o recurso para o órgão jurisdicional de reenvio é inadmissível, de forma que as questões submetidas são de natureza hipotética.

24      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. A recusa do Tribunal de Justiça de se pronunciar sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando se afigurar de forma manifesta que a interpretação solicitada do direito da União não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, Colet., p. I‑7611, n.° 31 e jurisprudência referida).

25      No tocante ao presente reenvio prejudicial, contrariamente ao que alega o Finanzamt, não se afigura que o problema submetido no processo principal seja de natureza hipotética devido à alegada inadmissibilidade do recurso no processo principal. Com efeito, o Finanzgericht Hamburg mencionou especialmente na sua decisão de reenvio que, no caso de incompatibilidade do § 20, n.os 3 e 4, da UmwStG 1995 com o direito da União, o referido recurso seria automaticamente admissível.

26      Decorre do exposto que as questões prejudiciais são admissíveis.

 Quanto à primeira questão

27      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que obriga a avaliar os ativos dados como entrada por uma sociedade de pessoas numa sociedade de capitais com sede no território desse Estado‑Membro pelo seu valor venal, tornando tributáveis, antes da sua realização efetiva, as mais‑valias latentes correspondentes a esses ativos geradas nesse território, quando o referido Estado se encontra na impossibilidade de exercer a sua competência fiscal sobre essas mais‑valias quando da sua realização efetiva.

 Quanto à liberdade em causa no processo principal

28      Enquanto a totalidade das partes interessadas que apresentaram observações no Tribunal de Justiça estão de acordo em dizer, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, que os factos no processo principal podem apresentar elementos de conexão com a liberdade de estabelecimento, a Comissão Europeia considera que o § 20, n.os 3 e 4, da UmwStG 1995 se inscreve no âmbito da livre circulação de capitais.

29      Quanto à questão de saber se uma legislação nacional se inscreve no âmbito de outra das liberdades de circulação, decorre de jurisprudência bem assente que se deve ter em conta o objeto da legislação em causa (v. acórdãos de 24 de maio de 2007, Holböck, C‑157/05, Colet., p. I‑4051, n.° 22, e de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C‑182/08, Colet., p. I‑8591, n.° 36).

30      Resulta igualmente da jurisprudência que o Tribunal de Justiça examina a medida em causa, em princípio, à luz de uma só destas duas liberdades, se se demonstrar que, nas circunstâncias concretas do processo principal, uma delas é totalmente secundária em relação à outra e lhe pode ser subordinada (acórdãos de 3 de outubro de 2006, Fidium Finanz, C‑452/04, Colet., p. I‑9521, n.° 34, e Glaxo Wellcome, já referido, n.° 37).

31      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional aplicável não apenas às participações que permitem exercer uma influência efetiva nas decisões de uma sociedade e determinar as respetivas atividades, mas independentemente da dimensão da participação detida por um acionista numa sociedade, é suscetível de estar abrangida quer pelo artigo 49.° TFUE quer pelo artigo 63.° TFUE (acórdão de 11 de novembro de 2010, Comissão/Portugal, C‑543/08, Colet., p. I‑11241, n.° 43 e jurisprudência referida).

32      No que respeita ao objeto das disposições da UmwStG 1995 em causa no processo principal, resulta da decisão de reenvio que as mesmas visam preservar os interesses fiscais da República Federal da Alemanha no caso de mais‑valias geradas no território alemão, quando a repartição internacional dos direitos de tributação seja suscetível de lesar esses interesses.

33      Em particular, são visadas as mais‑valias correspondentes a ativos dados como entradas por investidores que já não estão sujeitos no território alemão a imposto sobre os lucros na sequência da transmissão desses ativos de uma sociedade em comandita simples para uma sociedade de capitais.

34      Daqui decorre, em primeiro lugar, que a aplicação da regulamentação em causa no processo principal a um caso específico não está condicionada pelo valor da participação de um investidor na sociedade em comandita que é dada como entrada numa sociedade de capitais, em contrapartida de participações sociais. Assim, por força dessa regulamentação, não se exige que o investidor detenha uma participação que lhe garanta o exercício de uma influência efetiva nas decisões da sociedade em comandita simples, ou mesmo nas da sociedade de capitais.

35      De facto, restringir a aplicação da regulamentação em causa no processo principal aos casos em que as participações na sociedade em comandita simples transmitidas fossem detidas por um investidor que dispusesse de uma influência efetiva nas decisões dessa sociedade seria incoerente à luz do objetivo de preservar os interesses fiscais da República Federal da Alemanha.

36      Em segundo lugar, impõe‑se referir que, no caso do processo principal, a obrigação de a sociedade de capitais avaliar as participações dadas como entrada, em contrapartida de novas participações sociais, pelo seu valor venal se justifica pelo facto de as sociedades transmitentes já não estarem sujeitas de forma ilimitada, no território alemão, a imposto sobre os lucros obtidos com as entradas, em virtude de a sociedade de que eram sócios comanditários ter sido dissolvida.

37      Portanto, a regulamentação em causa no processo principal atua menos no processo de estabelecimento que no da transmissão de ativos entre uma sociedade em comandita simples e uma sociedade de capitais.

38      Por conseguinte, resulta do conjunto destas considerações que a regulamentação em causa no processo principal deve ser examinada unicamente à luz da livre circulação de capitais, como consagrada no artigo 63.° TFUE.

 Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

39      Segundo a regulamentação em causa no processo principal, quando, devido à troca das participações numa sociedade em comandita simples, detidas por uma sociedade sem domicílio fiscal na Alemanha, por participações sociais numa sociedade de capitais com sede na Alemanha, as mais‑valias latentes correspondentes a essas participações, geradas no território desse Estado‑Membro, já não possam ser tributadas por este, as referidas mais‑valias devem ser divulgadas e o montante do imposto devido sobre os lucros, em caso de transmissão das participações sociais trocadas, é determinado quando as participações na sociedade em comandita simples são dadas como entrada, e cobrado segundo as regras previstas nos §§ 20, n.° 6, e 21, n.° 2, terceiro a sexto períodos, da UmwStG 1995. Todavia, se a sociedade transmitente permanecer tributável no território alemão, a determinação do montante do imposto sobre as mais‑valias latentes correspondentes aos ativos da sociedade em comandita simples e que se encontram nas participações sociais concedidas, bem como a cobrança desse imposto, terão lugar quando da realização efetiva dessas mais‑valias, a saber, principalmente, no momento da transmissão das participações sociais em causa.

40      A circunstância de as mais‑valias latentes corresponderem a participações detidas por um investidor que já não é tributável, no território alemão, relativamente aos rendimentos que obtém com esses ativos coloca‑o, por conseguinte, numa situação de desvantagem de tesouraria em relação a investidores que aí permaneçam tributáveis, na medida em que a transformação das participações numa sociedade em comandita simples em participações numa sociedade de capitais dá lugar, no primeiro caso, a uma tributação imediata das mais‑valias correspondentes às participações em causa, ao passo que, no segundo caso, essas mais‑valias só são tributadas quando da sua realização efetiva. Esta diferença de tratamento no que diz respeito à tributação das mais‑valias é de molde a desencorajar os investidores que não têm domicílio fiscal na Alemanha a transferirem capitais para uma sociedade em comandita simples de direito alemão, na medida em que a transformação das participações nessa sociedade em participações numa sociedade de capitais implicará a desvantagem fiscal supramencionada (v., neste sentido, acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus, C‑371/10, Colet., p. I‑12273, n.° 37).

41      Portanto, a regulamentação em causa no processo principal é de molde a dissuadir os referidos investidores de deterem parte numa sociedade em comandita simples de direito alemão, pois, em caso de transformação posterior das suas participações em participações numa sociedade de capitais, deverão pagar imediatamente o imposto sobre os lucros no que toca às mais‑valias latentes geradas no território alemão, quando, devido à transformação da sua participação, esses investidores já não estão sujeitos a tal imposto no futuro, no referido território.

42      A diferença de tratamento assim verificada não se explica por uma diferença de situação objetiva, contrariamente ao que alegam o Finanzamt e o Governo alemão. Com efeito, relativamente a uma regulamentação de um Estado‑Membro que visa tributar as mais‑valias geradas no seu território, a situação de um investidor que transmite as suas participações numa sociedade em comandita simples com sede nesse território em troca de participações numa sociedade de capitais que tem igualmente a sua sede no referido território e que, ao fazê‑lo, deixa de estar sujeito a imposto sobre os lucros que possa obter com a venda dessas participações é semelhante à de um investidor que procede à mesma operação, mas que permaneça sujeito ao imposto sobre os lucros que realiza, no que respeita à tributação das mais‑valias correspondentes às participações na sociedade em comandita simples geradas no território desse Estado‑Membro anteriormente à sua permuta (v., neste sentido, acórdão National Grid Indus, já referido, n.° 38).

43      Daqui decorre que a diferença de tratamento a que estão submetidos, no quadro da regulamentação em causa no processo principal, os investidores que detêm participações numa sociedade em comandita simples transformadas em participações numa sociedade de capitais, os quais, por esse facto, deixam de estar sujeitos, na Alemanha, ao imposto sobre os rendimentos que realizem nesse Estado‑Membro em contraste com os investidores que, nas mesmas circunstâncias, permanecem sujeitos a tal imposto, constitui uma restrição, em princípio proibida, pelas disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais.

 Quanto à justificação da restrição à livre circulação de capitais

44      Resulta de jurisprudência constante que uma restrição à livre circulação de capitais só pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (acórdãos de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer, C‑446/03, Colet., p. I‑10837, n.° 35; de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C‑196/04, Colet., p. I‑7995, n.° 47; de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C‑524/04, Colet., p. I‑2107, n.° 64; e de 18 de junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha, C‑303/07, Colet., p. I‑5145, n.° 57).

45      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação em causa no processo principal tem por objetivo assegurar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros, em conformidade com o princípio da territorialidade. A República Federal da Alemanha estava assim a exercer o seu poder de tributação sobre as mais‑valias geradas no seu território que, pelo efeito combinado da transformação dos ativos a elas correspondentes e da aplicação de uma convenção bilateral para a prevenção da dupla tributação, não poderiam ser tributadas quando da sua realização efetiva por esse Estado‑Membro.

46      A este propósito, há que recordar, por um lado, que a preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros é um objetivo legítimo reconhecido pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido, n.° 45; de 7 de setembro de 2006, N, C‑470/04, Colet., p. I‑7409, n.° 42; de 18 de julho de 2007, Oy AA, C‑231/05, Colet., p. I‑6373, n.° 51; e de 15 de maio de 2008, Lidl Belgium, C‑414/06, Colet., p. I‑3601, n.° 31).

47      Por outro lado, resulta de jurisprudência constante que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização adotadas pela União Europeia, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário de modo a, nomeadamente, eliminarem as duplas tributações (acórdãos de 19 de novembro de 2009, Comissão/Itália, C‑540/07, Colet., p. I‑10983, n.° 29 e jurisprudência referida, e National Grid Indus, já referido, n.° 45).

48      Neste contexto, a transformação das participações numa sociedade em comandita simples em participações numa sociedade de capitais não poderá significar que o Estado‑Membro onde se encontra a sede dessas sociedades deva renunciar ao seu direito de tributar uma mais‑valia gerada no seu território e abrangida pela sua competência fiscal antes da referida transformação, pelo facto de essa mais‑valia não se ter efetivamente realizado.

49      Assim, o Tribunal de Justiça declarou, no quadro da transferência da sede de direção efetiva de uma sociedade de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro, que, em conformidade com o princípio da territorialidade fiscal associado a um elemento temporal, a saber, o domicílio fiscal do contribuinte no território nacional durante o período em que as mais‑valias latentes surgiram, o primeiro Estado tem direito de tributar as referidas mais‑valias no momento da emigração do referido contribuinte (v. acórdão N, já referido, n.° 46). Tal medida visa, com efeito, prevenir situações suscetíveis de comprometer o direito do Estado‑Membro de origem de exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território e pode, portanto, justificar‑se por razões ligadas à preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros (v. acórdãos Marks & Spencer, já referido, n.° 46; Oy AA, já referido, n.° 54; de 21 de janeiro de 2010, SGI, C‑311/08, Colet., p. I‑487, n.° 60; e National Grid Indus, já referido, n.° 46).

50      Resulta da decisão de reenvio que, após terem transmitido a totalidade das suas participações na DMC KG à DMC GmbH, a K‑GmbH e a S‑GmbH já não dispunham de um estabelecimento estável no território alemão na aceção dos artigos 4.°, n.° 3, e 7.°, n.° 2, da DBA 1954. Uma vez que, por força do artigo 7.°, n.° 1, da DBA 1954, a K‑GmbH e a S‑GmbH já não estavam sujeitas, na Alemanha, a imposto sobre os lucros que obtivessem com a futura alienação das participações no capital da DMC GmbH, concedidas em troca das suas entradas, as participações dadas como entrada foram avaliadas, em conformidade com o § 20, n.os 3 e 4, da UmwStG 1995, pelo seu valor venal e as mais‑valias a elas correspondentes sujeitas a tributação. Assim, para preservar a competência fiscal da República Federal da Alemanha sobre os rendimentos gerados no território desse Estado‑Membro, a regulamentação em causa no processo principal impõe a divulgação das mais‑valias latentes correspondentes às participações numa sociedade em comandita simples quando essas participações são transformadas em participações numa sociedade de capitais.

51      Nesse contexto, primeiro, a circunstância de a regulamentação em causa no processo principal implicar a tributação de mais‑valias não realizadas não é, em si mesma, suscetível de pôr em causa a legitimidade do objetivo de uma preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros em causa.

52      Com efeito, por um lado, o Tribunal de Justiça declarou que um Estado‑Membro tem o direito de tributar o valor económico gerado por uma mais‑valia latente no seu território, mesmo que a mais‑valia em causa não tenha sido ainda efetivamente realizada (acórdão National Grid Indus, já referido, n.° 49).

53      Por outro lado, uma vez que têm o direito de tributar as mais‑valias geradas quando os ativos em causa se encontravam no seu território, os Estados‑Membros têm o poder de prever, para essa tributação, um outro facto gerador diferente da realização efetiva dessas mais‑valias, a fim de garantir a tributação desses ativos (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão/Dinamarca, C‑261/11, n.° 37).

54      Segundo, do ponto de vista da preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros, não é determinante que as mais‑valias tributadas por força do § 20, n.os 3 e 4, da UmwStG 1995 correspondam, na sequência da transformação das participações em causa, a ativos de natureza diferente, a saber, desde logo, uma participação numa sociedade em comandita simples e, seguidamente, uma participação numa sociedade de capitais. Com efeito, as mais‑valias correspondentes às participações numa sociedade em comandita simples encontram‑se necessariamente nas participações na sociedade de capitais concedidas em troca da entrada das primeiras.

55      Portanto, a simples circunstância de a transformação das participações numa sociedade em comandita simples em participações numa sociedade de capitais ter por efeito subtrair um rendimento ao exercício da competência fiscal do Estado‑Membro no território do qual o referido rendimento foi gerado basta para justificar uma disposição como a que está em causa no processo principal, na medida em que prevê a fixação do montante do imposto sobre esse rendimento no momento da referida transformação.

56      No entanto, o objetivo da preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros só pode justificar uma regulamentação como a que está em causa no processo principal na medida em que, nomeadamente, o Estado‑Membro no território do qual os rendimentos foram gerados se veja efetivamente impedido de exercer a sua competência fiscal sobre os referidos rendimentos.

57      Ora, no caso vertente, não resulta indubitavelmente dos factos no processo principal que a República Federal da Alemanha perca efetivamente qualquer direito de tributar as mais‑valias latentes correspondentes às participações numa sociedade de pessoas quando estas últimas são trocadas por participações numa sociedade de capitais. Com efeito, não parece excluído que as referidas mais‑valias latentes correspondentes às participações dadas como entrada para o património de exploração da sociedade de capitais possam ser tomadas em conta na liquidação do imposto sobre as sociedades de que será devedora, na Alemanha, a sociedade de capitais adquirente, no presente caso, a DMC GmbH, o que caberá ao órgão jurisdicional nacional apurar.

58      Atendendo a estes elementos, há que responder à primeira questão que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que o objetivo de preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros é suscetível de justificar uma regulamentação de um Estado‑Membro que obriga a avaliar os ativos de uma sociedade em comandita simples dados como entrada numa sociedade de capitais com sede no território desse Estado‑Membro pelo seu valor venal, tornando tributáveis, antes da sua realização efetiva, as mais‑valias latentes correspondentes a esses ativos geradas nesse território, desde que o referido Estado‑Membro se encontre efetivamente na impossibilidade de exercer a sua competência fiscal sobre essas mais‑valias quando da sua realização efetiva, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar.

 Quanto à segunda questão

59      Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a regulamentação em causa no processo principal e a restrição que a mesma implica não vão além do que é necessário para alcançar o objetivo de preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros, tendo em conta, em particular, as regras de cobrança do imposto sobre os rendimentos, como previstas nos §§ 20, n.° 6, e 21, n.° 2, terceiro a sexto períodos, da UmwStG 1995.

60      Desde logo, deve recordar‑se que é proporcionado que, para efeitos de salvaguarda do exercício da sua competência fiscal, um Estado‑Membro determine o imposto devido sobre as mais‑valias latentes geradas no seu território no momento em que o seu poder de tributação relativamente ao investidor em causa cesse de existir, no caso vertente, no momento em que o referido investidor transforma as participações que detém numa sociedade em comandita simples em participações numa sociedade de capitais (v., neste sentido, acórdão National Grid Indus, já referido, n.° 52).

61      Quanto à cobrança do imposto devido sobre as mais‑valias latentes, o Tribunal de Justiça declarou que se devia deixar ao sujeito passivo uma escolha entre, por um lado, o pagamento imediato do montante do imposto sobre as mais‑valias latentes correspondentes a ativos que detém e, por outro, o pagamento diferido do montante do referido imposto, acrescido, sendo esse o caso, de juros, segundo a regulamentação nacional aplicável (v., neste sentido, acórdãos National Grid Indus, já referido, n.° 73, e de 6 de setembro de 2012, Comissão/Portugal, C‑38/10, n.os 31 e 32).

62      Neste contexto, tendo em conta o facto de o risco de não cobrança aumentar em função do decurso do tempo, o pagamento do imposto devido antes da realização efetiva das mais‑valias latentes em cinco prestações anuais constitui uma medida adequada e proporcionada para realizar o objetivo da preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros.

63      No caso vertente, as disposições combinadas dos §§ 20, n.° 6, e 21, n.° 2, terceiro a sexto períodos, da UmwStG 1995 permitem ao contribuinte repartir por cinco anos, sem que isso dê lugar a juros, o pagamento do imposto devido a título do lucro resultante da transmissão das participações sociais por aquele detidas.

64      Assim, ao deixar ao contribuinte a opção entre uma cobrança imediata ou repartida em cinco prestações anuais, a regulamentação em causa no processo principal não vai além do que é necessário para realizar o objetivo da preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros.

65      Por último, quanto à obrigação de constituição de garantias bancárias, o Tribunal de Justiça declarou que um Estado‑Membro pode ter em conta o risco de não cobrança do imposto no quadro da sua regulamentação nacional aplicável ao pagamento diferido das dívidas fiscais (v., neste sentido, acórdão National Grid Indus, já referido, n.° 74).

66      No entanto, tais garantias comportam, em si mesmas, um efeito restritivo, na medida em que privam o contribuinte do gozo do património dado em garantia (acórdãos de 11 de março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C‑9/02, Colet., p. I‑2409, n.° 47, e N, já referido, n.° 36).

67      Portanto, uma exigência dessa natureza não pode ser imposta, por princípio, sem uma avaliação prévia do risco de não cobrança.

68      Em particular, no caso do processo principal, há que apreciar esse risco, nomeadamente, tendo em conta o facto de, por um lado, as mais‑valias latentes objeto da tributação contestada corresponderem unicamente a uma forma de ativos, a saber, participações sociais, detidas por apenas duas sociedades com sede na Áustria, e, por outro, tratar‑se de participações sociais numa sociedade de capitais cuja sede se encontra no território alemão.

69      Por conseguinte, deve responder‑se à segunda questão no sentido de que uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a tributação imediata das mais‑valias latentes geradas no seu território não vai além do que é necessário para alcançar o objetivo de preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros desde que, quando o contribuinte opte pelo diferimento do pagamento, a obrigação de constituir uma garantia bancária seja imposta em função do risco real de não cobrança do imposto.

 Quanto às despesas

70      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que o objetivo de preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros é suscetível de justificar uma regulamentação de um Estado‑Membro que obriga a avaliar os ativos de uma sociedade em comandita simples dados como entrada numa sociedade de capitais com sede no território desse Estado‑Membro pelo seu valor venal, tornando tributáveis, antes da sua realização efetiva, as mais‑valias latentes correspondentes a esses ativos geradas nesse território, desde que o referido Estado‑Membro se encontre efetivamente na impossibilidade de exercer a sua competência fiscal sobre essas mais‑valias quando da sua realização efetiva, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar.

2)      Uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a tributação imediata das mais‑valias latentes geradas no seu território não vai além do que é necessário para alcançar o objetivo de preservação da repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros desde que, quando o contribuinte opte pelo diferimento do pagamento, a obrigação de constituir uma garantia bancária seja imposta em função do risco real de não cobrança do imposto.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.