Language of document : ECLI:EU:C:2013:770

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de novembro de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos sacos industriais de plástico — Imputabilidade, à sociedade‑mãe, da infração cometida pela filial — Tomada em consideração do volume de negócios global do grupo para o cálculo do limite da coima — Duração excessiva do processo no Tribunal Geral — Princípio da proteção jurisdicional efetiva»

No processo C‑58/12 P,

que tem por objeto um recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 27 de janeiro de 2012,

Groupe Gascogne SA, com sede em Saint‑Paul‑les‑Dax (França), representada por P. Hubert e E. Durand, avocats,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre e N. von Lingen, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen, M. Safjan, presidentes de secção, J. Malenovský, E. Levits, A. Ó Caoimh, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, D. Šváby e M. Berger (relatora), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de fevereiro de 2013,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 30 de maio de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Groupe Gascogne SA (a seguir «recorrente») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de novembro de 2011, Groupe Gascogne/Comissão (T‑72/06, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este negou provimento ao seu recurso destinado à anulação parcial e à alteração da Decisão C(2005) 4634 final da Comissão, de 30 de novembro de 2005, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (Processo COMP/F/38.354 — Sacos industriais) (a seguir «decisão controvertida») ou, a título subsidiário, à anulação do acórdão recorrido na medida em que confirmou o montante da coima que lhe foi aplicada por esta decisão.

 Quadro jurídico

 Regulamento (CE) n.° 1/2003

2        O Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2003 L 1, p. 1), que substituiu o Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), prevê no seu artigo 23.°, n.° 2, que substituiu o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)      Cometam uma infração ao disposto nos artigos [81.° CE] ou [82.° CE] […]

[…]

A coima aplicada a cada uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.

[…]»

 Diretiva 83/349/CEE

3        Resulta do considerando 1 da Sétima Diretiva 83/349/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1983, baseada no artigo [44.°, n.° 2, alínea g), CE] e relativa às contas consolidadas (JO L 193, p. 1; EE 17 F1 p. 119), conforme alterada pela Diretiva 2003/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2003 (JO L 178, p. 16, a seguir «Diretiva 83/349»], que esta tem, designadamente, por objetivo coordenar as legislações nacionais sobre as contas anuais de certas formas de sociedades, em especial as sociedades que fazem parte de grupos de empresas.

4        As empresas sujeitas à obrigação de elaborar contas consolidadas estão definidas no artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 83/349. Nos termos desse n.° 1, trata‑se, designadamente, de qualquer empresa‑mãe que:

«a)      Tem a maioria dos direitos de voto dos acionistas ou sócios de uma empresa (empresa filial),

ou

b)      Tem o direito de nomear ou de exonerar a maioria dos membros do órgão de administração, de direção ou de fiscalização de uma empresa (empresa filial) e é simultaneamente acionista desta empresa,

ou

c)      Tem o direito de exercer influência dominante sobre uma empresa (empresa filial) da qual é acionista ou sócia […]»

5        Nos termos do artigo 16.°, n.° 3, da mesma diretiva, «[a]s contas consolidadas devem dar uma imagem fiel do património, da situação financeira, bem como dos resultados do conjunto das empresas compreendidas na consolidação».

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

6        A recorrente é uma sociedade anónima de direito francês que, desde 1994, controla a Gascogne Sack Deutschland GmbH, anteriormente denominada Sachsa Verpackung GmbH (a seguir «Sachsa»).

7        A recorrente detém diretamente 10% do capital social da Sachsa. A sua filial a 100%, a Gascogne Deutschland GmbH, detém os 90% restantes do capital social da Sachsa.

8        Em 2001, a British Polythene Industries plc informou a Comissão da existência de um cartel no setor dos sacos industriais.

9        Após ter procedido a verificações durante o mês de junho de 2002, a Comissão deu início ao procedimento administrativo em 29 de abril de 2004 e adotou uma comunicação de acusações contra várias sociedades, entre as quais figurava, designadamente, a recorrente.

10      Em 30 de novembro de 2005, a Comissão adotou a decisão controvertida, cujo artigo 1.°, n.° 1, alínea k), dispõe que a Sachsa e a recorrente violaram o artigo 81.° CE por terem participado, a primeira, entre 9 de fevereiro de 1988 e 26 de junho de 2002, e a segunda, entre 1 de janeiro de 1994 e 26 de junho de 2002, num conjunto de acordos e práticas concertadas no setor dos sacos industriais de plástico na Bélgica, na Alemanha, em Espanha, em França, no Luxemburgo e nos Países Baixos, que consistiam na fixação de preços e no estabelecimento de modelos comuns de cálculo de preço, na partilha de mercados e na atribuição de quotas de venda, na repartição dos clientes, das transações e das encomendas, na apresentação de propostas concertadas em determinados concursos públicos e na troca de informações individualizadas.

11      Por este motivo, a Comissão aplicou à Sachsa, no artigo 2.°, primeiro parágrafo, alínea i), da decisão controvertida, uma coima de 13,20 milhões de euros, precisando que, desse montante, a recorrente era considerada conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento de 9,90 milhões de euros.

 Acórdão recorrido

12      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de fevereiro de 2006, a recorrente interpôs recurso da decisão controvertida. Pedia, no essencial, que o Tribunal Geral anulasse esta decisão na parte em que lhe diz respeito, a alterasse na parte em que aplica à Sachsa uma coima superior a 10% do seu volume de negócios ou, a título subsidiário, reduzisse o montante da coima aplicada conjunta e solidariamente a esta última e a ela própria.

13      A recorrente invoca três fundamentos de recurso. O primeiro fundamento, apresentado a título principal, era relativo a uma violação do artigo 81.° CE, na medida em que a Comissão lhe imputou erradamente práticas da Sachsa a partir de 1 de janeiro de 1994 e, portanto, a considerou, sem razão, conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento de uma parte da coima aplicada a esta última. Com o seu segundo fundamento, apresentado a título subsidiário, a recorrente alegava que a Comissão violou o artigo 81.° CE ao interpretar de forma errada o conceito de empresa na aceção desse artigo, e violou o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 ao basear‑se, erradamente, para efeitos da determinação do limite da coima, no volume de negócios consolidado do grupo liderado pela recorrente. O terceiro fundamento, apresentado a título ainda mais subsidiário, era relativo a uma violação do princípio de proporcionalidade na medida em que a Comissão aplicou à recorrente uma coima excessiva.

14      Por carta de 19 de outubro de 2010, a recorrente pediu a reabertura da fase escrita devido à ocorrência de um novo elemento de direito no decurso da instância, a saber, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, mais especialmente do artigo 6.° TUE, que elevou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») ao estatuto de direito primário.

15      Na audiência, que teve lugar em 2 de fevereiro de 2011, a recorrente alegou, para além dos fundamentos invocados na sua petição, várias acusações baseadas na Carta e invocou designadamente uma violação da presunção de inocência consagrada no artigo 48.° da mesma. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 27, 28 e 30 do acórdão recorrido:

«27      […] [A]s acusações da recorrente relativas a uma violação do princípio da presunção de inocência e dos direitos de defesa, garantidos pelo artigo 48.° da Carta, […] acrescem aos argumentos desenvolvidos no âmbito dos fundamentos invocados na fase da petição inicial e não apresentam uma ligação suficientemente estreita com os argumentos inicialmente desenvolvidos para que possam ser considerados resultantes da evolução normal do debate num processo contencioso. Estas acusações devem, portanto, ser consideradas novas.

28      Por conseguinte, importa determinar se a entrada em vigor, em 1 de dezembro de 2009, do Tratado da União Europeia, designadamente do seu artigo 6.°, que confere à Carta o mesmo valor jurídico que os Tratados, constitui um facto novo que justifique a formulação de novas acusações. A este respeito, importa observar que os princípios invocados pela recorrente decorriam da ordem jurídica da União e estavam protegidos por esta à data da adoção da decisão [controvertida], na sua qualidade de princípios gerais do direito da União […]

[…]

30      Assim, há que considerar que a recorrente não pode invocar as alterações introduzidas na ordem jurídica da União pela entrada em vigor do Tratado de Lisboa para invocar na fase de audiência a violação do artigo 48.° da [C]arta. […]»

16      No que diz respeito aos três fundamentos de anulação invocados pela recorrente no seu recurso, o Tribunal Geral julgou‑os improcedentes.

17      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à imputação errónea à recorrente de práticas levadas a cabo pela Sachsa, o Tribunal Geral começou por recordar, nos n.os 69 e 70 do acórdão recorrido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da qual resulta que, quando uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras da concorrência, existe uma presunção simples segundo a qual a referida sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial. Em seguida, o Tribunal Geral declarou, no n.° 72 do referido acórdão, que é pacífico que a «recorrente detinha direta e indiretamente 100% do capital social da Sachsa e que tinha, por esse motivo, a possibilidade de exercer um controlo sobre o comportamento da Sachsa no mercado». Por último, o Tribunal Geral examinou, nos n.os 73 a 93 do acórdão recorrido, os argumentos invocados pela recorrente para demonstrar que a Sachsa determinava a sua própria linha de ação e que, portanto, era autónoma. Após ter observado, no n.° 74 do referido acórdão, que «[e]mbora seja verdade que alguns dos fatores suscitados pela recorrente indicam que a Sachsa gozava de grande autonomia, não é menos verdade que a recorrente interveio efetivamente no funcionamento da sua filial, lhe impunha limites importantes na orientação do seu comportamento no mercado e exercia, portanto, um controlo efetivo sobre a sua filial».

18      No n.° 93 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou o seguinte:

«Resulta, assim, do exame da totalidade das provas e dos argumentos deduzidos pela recorrente e pela Comissão que esta última não cometeu um erro de apreciação ao considerar que a recorrente supervisionava regularmente a gestão da sua filial e ao imputar à recorrente a responsabilidade pela infração cometida pela sua filial. Efetivamente, sem que a Comissão precise de invocar a presunção de controlo efetivo a que dá lugar a detenção, pela recorrente, de 100% do capital da Sachsa, as provas de que dispõe permitem‑lhe concluir, no caso vertente, que existia um controlo efetivo da filial pela sua sociedade‑mãe.»

19      No que respeita ao segundo fundamento de recurso invocado pela recorrente, na medida em que era relativo à violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal Geral declarou nos n.os 110 a 113 do acórdão recorrido:

«110      […] o limite superior do montante da coima mencionado no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 deve ser calculado com base no volume de negócios da empresa na aceção das regras de concorrência, isto é, do volume de negócios acumulado de todas as sociedades pertencentes ao grupo cuja holding é a recorrente.

111      […] a tomada em consideração do volume de negócios consolidado da sociedade‑mãe para efeitos da aplicação do limite de 10% do volume de negócios da empresa em causa não está condicionada pela demonstração de que cada filial que integra o grupo não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado.

112      A tomada em consideração do volume de negócios consolidado da sociedade‑mãe […] não equivale a imputar a responsabilidade pela infração constatada às filiais que integram o grupo liderado por essa sociedade. Com efeito, o limite referido por essa disposição tem unicamente por objeto impedir a aplicação de uma coima excessiva à luz da dimensão global da entidade económica no dia da adoção da decisão, sendo essa dimensão global apreciada com base no volume de negócios acumulado das sociedades que constituem o grupo de sociedades [[…]]

113      Por este motivo, a tomada em consideração do volume de negócios consolidado da sociedade‑mãe para efeitos do cálculo do limite de 10% do volume de negócios da empresa em causa não exige que as filiais que integram o grupo estejam todas ativas no mesmo mercado, nem que exista uma ligação entre essas filiais e a infração.»

20      No final da sua análise de todos os fundamentos de recurso invocados pela recorrente, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade.

 Pedidos das partes e tramitação no Tribunal de Justiça

21      A recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

¾        a título principal, anular o acórdão recorrido;

¾        a título subsidiário, anular o acórdão recorrido na medida em que confirmou a sanção que lhe foi aplicada pela decisão controvertida e remeter o processo ao Tribunal Geral ou fixar diretamente o montante da coima num montante que não exceda 10% do volume de negócios acumulado realizado por ela própria e pela Sachsa, e isto tendo em conta a duração excessiva do processo no Tribunal Geral;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

22      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

¾        negar provimento ao recurso e

¾        condenar a recorrente nas despesas.

23      Por carta de 11 de setembro de 2012, a recorrente, baseando‑se no artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, na versão aplicável nessa data, pediu a reabertura da fase escrita devido à intervenção de um elemento novo, a saber, a situação financeira gravemente deficitária em que se encontra.

24      Em aplicação dos artigos 24.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e 61.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça convidou as partes, o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e os Estados‑Membros a responderem a questões relativas aos critérios que permitam avaliar o caráter razoável da duração de um processo no Tribunal Geral e as medidas suscetíveis de solucionarem as consequências da sua duração excessiva.

 Quanto ao recurso

 Quanto ao primeiro e segundo fundamentos

 Argumentos das partes

25      Com o seu primeiro fundamento, a recorrente censura o Tribunal Geral por ter declarado inadmissíveis, por extemporaneidade, as acusações relativas a uma violação da presunção de inocência e dos direitos de defesa que apresentou na audiência com fundamento na Carta. Acusa o Tribunal Geral de ter declarado, por um lado, que essas acusações não tinham uma ligação suficientemente estreita com os argumentos inicialmente desenvolvidos na petição inicial e, por outro, que a entrada em vigor do Tratado da União Europeia não constituía um facto novo que justificasse que essas acusações fossem invocadas após a apresentação da petição.

26      Com o seu segundo fundamento, a recorrente censura o Tribunal Geral por ter considerado, apenas pelo facto de que detinha a totalidade do capital da sua filial, a saber a Sachsa, que a responsabilidade pelo comportamento anticoncorrencial desta última lhe podia ser imputada. Assim, o Tribunal Geral violou a presunção de inocência garantida pelo artigo 48.° da Carta e violou a sua obrigação de fundamentar os seus acórdãos.

27      A Comissão alega que o primeiro fundamento de recurso é manifestamente improcedente.

28      Considera que o segundo fundamento é inadmissível, uma vez que não foi suscitado em primeira instância. Segundo a Comissão, este fundamento é igualmente inoperante, na medida em que, para considerar a recorrente conjunta e solidariamente responsável pela infração cometida pela Sachsa, não se baseou unicamente na presunção do exercício de uma influência determinante ligada à detenção de 100% do capital desta última. Em todo o caso, este fundamento é improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

29      Importa examinar conjuntamente o primeiro e segundo fundamentos, que suscitam questões relativas ao respeito da presunção de inocência e dos direitos de defesa.

30      No que diz respeito ao primeiro fundamento de recurso invocado pela recorrente e na medida em que esta última acusa o Tribunal Geral de ter considerado que as acusações desenvolvidas na audiência com fundamento na Carta não constituíam uma ampliação dos fundamentos inicialmente expostos na petição inicial, basta observar que a recorrente reconhece expressamente, no presente recurso, que não tinha feito nenhuma referência explícita à Carta na sua petição inicial, mas se limitou, nesse estádio da fase escrita, a pôr em causa a impossibilidade prática de fazer prova de uma omissão, como a falta de instruções dadas por uma sociedade‑mãe à sua filial. A recorrente reconhece igualmente que só numa fase processual ulterior, a saber, da réplica, é que mencionou a Carta, sob a forma de uma referência ao princípio da legalidade dos delitos e das penas, conforme previsto no artigo 49.° da mesma.

31      Nestas condições, a recorrente não tem fundamento para pôr em causa a apreciação feita pelo Tribunal Geral no n.° 27 do acórdão recorrido, segundo a qual as acusações que fez, durante a audiência, relativas a uma violação do princípio da presunção da inocência e dos direitos de defesa, garantidos pelo artigo 48.° da Carta, não apresentavam uma ligação suficientemente estreita com os argumentos inicialmente desenvolvidos na petição inicial para se poder considerar que eram resultantes da evolução normal do debate num processo contencioso. Assim, o Tribunal Geral teve razão ao considerar que esses argumentos eram novos.

32      Quanto à questão de saber se, como defende a recorrente, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa deveria ter sido considerada um elemento que se revelou durante o processo no Tribunal Geral e que, a esse título, justificava, em conformidade com o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a apresentação de fundamentos novos, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que essa entrada em vigor, que inclui a Carta no direito primário da União, não pode ser considerada um elemento de direito novo na aceção do artigo 42.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do seu Regulamento de Processo. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça sublinhou que, mesmo antes da entrada em vigor desse Tratado, já tinha declarado por diversas vezes que o direito a um processo equitativo, tal como decorre, designadamente, do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, constitui um direito fundamental que a União Europeia respeita enquanto princípio geral por força do artigo 6.°, n.° 2, UE (v., designadamente, acórdão de 3 de maio de 2012, Legris Industries/Comissão, C 289/11 P, n.° 36).

33      Esta interpretação dada pelo Tribunal de Justiça para efeitos da aplicação do seu Regulamento de Processo vale mutatis mutandis para a aplicação das disposições correspondentes do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

34      Nestas condições, o primeiro fundamento de recurso invocado pela recorrente deve ser julgado improcedente.

35      Quanto ao segundo fundamento de recurso invocado pela recorrente e na medida em que esta acusa o Tribunal Geral de ter violado a presunção de inocência garantida pelo artigo 48.° da Carta, ao considerar que a responsabilidade pela infração cometida pela sua filial, a saber a Sachsa, lhe podia ser imputada, uma vez que detinha a totalidade do capital desta última, importa observar que resulta de jurisprudência constante que permitir a uma parte suscitar pela primeira vez no Tribunal de Justiça um fundamento que podia ter suscitado no Tribunal Geral, mas que não suscitou, equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça um litígio mais alargado do que o submetido ao Tribunal Geral. No quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça está, em princípio, limitada ao exame da apreciação, pelo Tribunal Geral, dos fundamentos que foram debatidos perante este último.

36      Na medida em que diz respeito a uma violação do artigo 48.° da Carta, o segundo fundamento invocado pela recorrente deve ser julgado inadmissível.

37      Na medida em que a recorrente alega, no quadro do mesmo fundamento, que o Tribunal Geral não cumpriu o seu dever de fundamentação ao não responder aos argumentos que tinha invocado para provar que a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante funciona, na prática, como uma presunção inilidível, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o dever de fundamentar os acórdãos, que incumbe ao Tribunal Geral por força dos artigos 36.° e 53.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, não o obriga a fazer uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, desde que permita que os interessados conheçam as razões nas quais assenta o acórdão recorrido e que o Tribunal de Justiça disponha de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito do recurso de um acórdão do Tribunal Geral.

38      A este respeito, o Tribunal Geral teve razão em recordar, nos n.os 69 e 70 do acórdão recorrido, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, confirmada por este último posteriormente à entrada em vigor do Tratado de Lisboa (v., designadamente, acórdão de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, n.os 107 a 111), da qual decorre que, quando uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras de concorrência, existe uma presunção simples segundo a qual esta sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial. Segundo essa jurisprudência, a Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, a quem incumbe ilidir esta presunção, apresente elementos de prova suficientes suscetíveis de demonstrarem que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado (v., designadamente, acórdão de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão /Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 47).

39      Em segundo lugar, o Tribunal Geral dedicou os n.os 73 a 93 do acórdão recorrido à análise dos argumentos invocados pela recorrente para provar que não tinha tido intervenção no funcionamento da Sachsa. Embora tenha admitido, no n.° 74, que alguns desses argumentos indicavam que a Sachsa gozava de grande autonomia, o Tribunal Geral concluiu, no n.° 93, após uma análise pormenorizada dos elementos de prova apresentados pelas partes, que a Comissão não cometeu nenhum erro de apreciação ao considerar que a recorrente exercia uma supervisão regular na gestão da sua filial e ao imputar‑lhe responsabilidade pela infração cometida pela sua filial.

40      Ao contrário do que alega a recorrente, a abordagem adotada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido não demonstra que a presunção de uma influência determinante exercida pela sociedade‑mãe na sua filial que detém na totalidade ou na quase totalidade possui, na realidade, caráter inilidível.

41      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, a mera circunstância de uma entidade não apresentar, num caso concreto, elementos de prova suscetíveis de ilidir a presunção do exercício de uma influência determinante da sociedade‑mãe na sua filial não significa que a referida presunção não possa ser ilidida em nenhum caso (acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 66).

42      Nestas condições, na medida em que a recorrente alega que a simples conclusão — negativa na perspetiva da recorrente — a que o Tribunal Geral chegou no termo da sua apreciação dos argumentos por ela invocados demonstra a existência de uma presunção inilidível, essa argumentação deve ser julgada improcedente (v., neste sentido, acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.° 67).

43      Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o segundo fundamento em parte inadmissível e em parte improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

44      Com o seu terceiro fundamento, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter interpretado o conceito de empresa de forma errada ao afirmar que a Comissão teve razão em considerar o volume de negócios acumulado de todas as sociedades pertencentes ao grupo que liderava, para efeitos do cálculo do limite superior do montante da coima mencionado no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Segundo a recorrente, apenas se todo o grupo constituísse uma só e única empresa é que o seu volume de negócios acumulado poderia ter servido de limite para o cálculo da coima aplicada na sequência de uma prática anticoncorrencial cometida por uma das suas filiais. Ora, não existe, tanto na decisão controvertida como no acórdão recorrido, nenhuma tentativa de demonstração de tal entidade única.

45      Além dessa falta de fundamentação, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.° 108 do acórdão recorrido, que a dimensão global de uma entidade económica deve ser apreciada «com base no volume de negócios acumulado de todas as sociedades que constituem o grupo liderado pela sociedade‑mãe, uma vez que apenas o volume de negócios acumulado das sociedades que compõem o referido grupo podia constituir uma indicação da dimensão e do poder económico da empresa em causa». Assim, o Tribunal Geral confundiu os conceitos de grupo e de empresa.

46      A Comissão alega que este fundamento é improcedente. Segundo jurisprudência constante, o volume de negócios global de uma empresa dá uma indicação da sua importância económica e da sua influência no mercado. Assim, a Comissão considera que, para determinar o limite da coima, podia basear‑se no volume de negócios global do grupo liderado pela sociedade‑mãe, como resulta das regras de consolidação orçamental em vigor no direito da União.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

47      O artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe que a Comissão pode aplicar coimas às empresas que cometam uma infração ao artigo 81.° CE, sem prejuízo de a coima aplicada a cada uma das empresas que tenha participado na infração não exceder 10% do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.

48      Esse limite superior do montante da coima destina‑se a evitar a aplicação de coimas cujo pagamento se prevê que as empresas, atendendo à sua dimensão, determinada pelo volume de negócios global, ainda que de modo aproximativo e imperfeito, não estarão em condições de satisfazer. Trata‑se, pois, de um limite, uniformemente aplicável a todas as empresas e articulado em função da dimensão de cada uma, que visa evitar coimas de um nível excessivo e desproporcionado (v., designadamente, acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.os 280 e 281).

49      Esta finalidade deve todavia conjugar‑se com a preocupação de garantir à coima caráter dissuasivo suficiente, que justifica a tomada em consideração da dimensão e do poder económico da empresa em causa, ou seja, os recursos globais do autor da infração (v., neste sentido, acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, Colet., p. I‑5361, n.° 102 e jurisprudência referida).

50      Com efeito, é o impacto pretendido na referida empresa que justifica a tomada em consideração da dimensão e dos recursos globais dessa empresa, a fim de assegurar um efeito dissuasivo suficiente à coima, não devendo a sanção ser negligenciável à luz, nomeadamente, da capacidade financeira da referida empresa (acórdão Lafarge/Comissão, já referido, n.° 104).

51      Nestas condições, quando se trata de avaliar os recursos financeiros de uma empresa à qual é imputada uma infração às regras de concorrência do direito da União, parece justificado ter em conta o volume de negócios de todas as sociedades relativamente às quais a empresa em causa goza da possibilidade de exercer uma influência determinante.

52      Em especial, quando a empresa à qual é imputada a infração detém a liderança de um grupo que constitui uma unidade económica, o volume de negócios a ter em conta para o cálculo do limite superior do montante da coima mencionado no artigo 23, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 é o da totalidade desse grupo.

53      Esse último valor constitui, de facto, o melhor indicador da capacidade da empresa em causa em mobilizar os fundos necessários para o pagamento da coima.

54      A este respeito, como alegou a Comissão, as regras de consolidação orçamental em vigor no direito da União têm por objeto dar uma imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados de todas as sociedades que fazem parte de um grupo. O artigo 1.°, n.° 1, alíneas a) a c), da Diretiva 83/349 impõe assim a obrigação de apresentar contas consolidadas a qualquer empresa‑mãe que, nomeadamente, tenha a maioria dos direitos de voto numa empresa filial, ou tenha o direito de nomear e exonerar os membros do órgão de direção ou de fiscalização dessa empresa ou ainda tenha o direito de exercer uma «influência dominante» nessa empresa.

55      Decorre daqui que, uma vez que tenha feito prova bastante da imputabilidade de uma infração a uma sociedade que lidera um grupo, a Comissão pode, a fim de avaliar a capacidade financeira dessa sociedade, tomar em consideração as contas consolidadas desta última na medida em que estas podem ser consideradas um elemento pertinente de apreciação.

56      Nestas condições, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 108 e 110 do acórdão recorrido, que o limite superior do montante da coima aplicada à recorrente foi corretamente calculado com base no volume de negócios acumulado de todas as sociedades pertencentes ao grupo do qual esta era a sociedade‑mãe.

57      Ao contrário da tese da recorrente, não se pode exigir da Comissão que, após ter provado que a sociedade‑mãe deve ser considerada responsável pela infração cometida pela sua filial, demonstre que cada filial que compõe o grupo não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado. Como o Tribunal Geral declarou no n.° 112 do acórdão recorrido, a imputação de uma infração cometida por uma filial à sociedade‑mãe e a proibição de aplicar uma coima que exceda 10% do volume de negócios da empresa em causa constituem duas questões distintas que respondem a finalidades diferentes. Sendo esse o caso, cabe à sociedade que considera que o volume de negócios consolidado não reflete a realidade económica apresentar os elementos suscetíveis de refutarem a existência de um poder de controlo da sociedade‑mãe.

58      Por conseguinte, há que julgar improcedente o terceiro fundamento, relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral e a uma violação, por este último, do seu dever de fundamentação.

 Quanto ao quarto fundamento

 Argumentos das partes

59      Com este fundamento, a recorrente alega que o seu direito fundamental a que a sua causa seja julgada num prazo razoável, como garante o artigo 47.° da Carta, foi violado no caso em apreço.

60      A recorrente recorda que o processo no Tribunal Geral começou em 23 de fevereiro de 2006 e terminou em 16 de novembro de 2011. Sublinha que, entre o fim da fase escrita e a primeira informação que recebeu quanto ao estado do processo, decorreu um longo período de inércia do Tribunal Geral.

61      Segundo a recorrente, nem a complexidade ou a amplitude do dossier, nem o número de empresas ou o número de línguas do processo em causa podem justificar a total falta de tratamento do processo pelo Tribunal Geral durante o referido período.

62      A recorrente alega que, quando interpôs o seu recurso da decisão controvertida no Tribunal Geral, optou por não pagar imediatamente a coima aplicada e, em contrapartida, foi obrigada a aceitar pagar juros sobre o montante dessa coima e a constituir uma caução bancária. A duração excessiva do processo teve por efeito um aumento das despesas relativas a essas diligências.

63      Assim, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, na medida em que aplicou à Sachsa uma coima pela qual é solidariamente responsável ou, a título subsidiário, reduza o montante dessa coima tomando em consideração o encargo financeiro que teve de suportar em razão da violação do seu direito à observância de um prazo de julgamento razoável.

64      A título preliminar, a Comissão alega que este fundamento é inadmissível porque não foi suscitado na audiência no Tribunal Geral.

65      Quanto ao mérito, a Comissão considera que, em caso de inobservância do prazo razoável no âmbito de um recurso jurisdicional interposto contra uma decisão que aplica uma coima a uma empresa por violação das regras de concorrência, a solução adequada não deveria ter a forma de uma redução da coima aplicada, mas de uma ação de indemnização. A título subsidiário, a Comissão considera que, se o Tribunal de Justiça decidir que houve uma violação do princípio do prazo razoável e que essa violação exige uma solução que consiste numa redução da coima, essa redução deveria ser simbólica.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

–       Quanto à admissibilidade

66      Como resulta do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e da jurisprudência deste último, o Tribunal de Justiça é competente, no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, para fiscalizar se este último cometeu irregularidades processuais que prejudiquem os interesses da recorrente (v., designadamente, acórdão de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, C‑385/07 P, Colet., p. I‑6155, n.° 176).

67      Quanto à irregularidade invocada no âmbito do presente fundamento, basta recordar que o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta prevê que «[toda] a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei». Como foi julgado sucessivas vezes pelo Tribunal de Justiça, este artigo refere‑se ao princípio da tutela jurisdicional efetiva (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 179 e jurisprudência aí referida).

68      A este título, esse direito, cuja existência já tinha sido afirmada, antes da entrada em vigor da Carta, como princípio geral de direito da União, é aplicável no âmbito de um recurso jurisdicional de uma decisão da Comissão (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 178 e jurisprudência aí referida).

69      Apesar de focalizar as suas críticas principalmente no período de inatividade processual do Tribunal Geral, que decorreu entre o fim da fase escrita e o início da fase oral, a recorrente não invocou a violação desse direito na audiência da primeira instância.

70      Ao contrário do que a Comissão alega, tal omissão não pode implicar a inadmissibilidade do quarto fundamento por ter sido suscitado pela primeira vez no âmbito do presente recurso. Com efeito, se uma parte deve poder suscitar uma irregularidade processual quando considere que uma violação das regras aplicáveis está demonstrada, não pode ser obrigada a fazê‑lo numa fase em que os plenos efeitos dessa violação ainda não são conhecidos. Tratando‑se, em especial, de uma inobservância do prazo de julgamento razoável, a recorrente que considere que esta inobservância prejudica os seus interesses não é obrigada a alegar imediatamente essa violação. Se for caso disso, pode esperar pelo fim do processo para conhecer a duração total do mesmo e dispor assim de todos os elementos necessários para identificar o prejuízo que considera ter sofrido.

71      O quarto fundamento de recurso invocado pela recorrente é, por conseguinte, admissível.

–       Quanto ao mérito

72      A título preliminar, importa recordar que, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a inobservância de um prazo de julgamento razoável, enquanto irregularidade processual constitutiva da violação de um direito fundamental, deve dar à parte em causa a possibilidade de um recurso efetivo que lhe ofereça uma compensação adequada (v. TEDH, acórdão Kudla c.Polónia de 26 de outubro de 2000, Recueil des arrêts et décisions 2000 XI, §§ 156 e 157).

73      Embora a recorrente peça a anulação do acórdão recorrido e, subsidiariamente, uma anulação desse acórdão na medida em que lhe foi aplicada uma coima, há que observar que o Tribunal de Justiça já declarou que, quando não haja indícios de que a duração excessiva do processo no Tribunal Geral teve influência na solução do litígio, a inobservância de um prazo de julgamento razoável não pode conduzir à anulação do acórdão recorrido (v., neste sentido, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.os 190, 196 e jurisprudência referida).

74      Esta jurisprudência assenta, nomeadamente, na consideração segundo a qual, se a inobservância de um prazo de julgamento razoável não tiver influência na solução do litígio, a anulação do acórdão recorrido não sanaria a violação, pelo Tribunal Geral, do princípio da tutela jurisdicional efetiva (acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 193).

75      No presente caso, a recorrente não forneceu ao Tribunal de Justiça nenhum indício suscetível de fazer transparecer que a inobservância, pelo Tribunal Geral, de um prazo de julgamento razoável pôde ter tido repercussões na solução do litígio que lhe foi submetido.

76      Decorre daqui que, ao contrário do que a recorrente pede, o quarto fundamento não pode conduzir, enquanto tal, à anulação do acórdão recorrido.

77      A recorrente alega, porém, que a duração excessiva do processo no Tribunal Geral teve para ela consequência financeiras onerosas e pede, a esse título, a anulação da coima pela qual é conjunta e solidariamente responsável.

78      A este respeito, tendo em conta a necessidade de fazer cumprir as regras de concorrência do direito da União, o Tribunal de Justiça não pode aceitar, unicamente por ter sido violado o direito de ser julgado num prazo razoável, que a recorrente ponha em causa o mérito ou o montante de uma coima, quando todos os fundamentos que apresentou para impugnar as conclusões a que o Tribunal Geral chegou a propósito do montante dessa coima e dos comportamentos que esta se destina a punir foram julgados improcedentes (v., neste sentido, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 194).

79      Decorre daqui que a inobservância de um prazo de julgamento razoável no quadro do exame de um recurso jurisdicional apresentado contra uma decisão da Comissão que aplica uma coima a uma empresa por violação das regras de concorrência do direito da União não pode levar à anulação, total ou parcial, da coima aplicada por essa decisão.

80      Na medida em que a recorrente pede, a título subsidiário, uma redução da coima pela qual é considerada conjunta e solidariamente responsável, como compensação do prejuízo económico que alega ter sofrido em razão da duração excessiva do processo no Tribunal Geral, importa recordar que, num primeiro momento, confrontado com uma situação semelhante, o Tribunal de Justiça deu provimento ao pedido, por razões de economia processual e para garantir uma reparação imediata e efetiva dessa irregularidade processual, e, por conseguinte, procedeu à redução do montante da coima (acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 48).

81      Seguidamente, no quadro de um processo relativo a uma decisão da Comissão que declarava a existência de um abuso de posição dominante, mas que não aplicava uma coima, o Tribunal de Justiça declarou que a inobservância, pelo Tribunal Geral, de um prazo de julgamento razoável pode constituir a base de uma ação de indemnização (acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 195).

82      É verdade que o presente processo diz respeito a uma situação análoga à que deu origem ao acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido. Todavia, um pedido de indemnização apresentado contra a União com fundamento nos artigos 268.° TFUE e 340.°, segundo parágrafo, TFUE, constitui, na medida em que pode abranger todas as situações de inobservância de um prazo razoável de processo, uma solução eficaz e de aplicação geral para invocar e punir uma violação dessa natureza.

83      Assim, o Tribunal de Justiça deve declarar que a violação, por um órgão jurisdicional da União, da sua obrigação resultante do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, de julgar os processos que lhe são submetidos num prazo razoável deve ser punida mediante uma ação de indemnização intentada no Tribunal Geral, uma vez que essa ação constitui uma solução eficaz.

84      Decorre daqui que um pedido destinado a obter a reparação do prejuízo causado pela inobservância, por parte do Tribunal Geral, de um prazo de julgamento razoável não pode ser submetido diretamente ao Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso, mas deve ser submetido ao próprio Tribunal Geral.

85      Quanto aos critérios que permitem apreciar se o Tribunal Geral respeitou o princípio do prazo razoável, importa recordar que o caráter razoável do prazo de julgamento deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, como seja a complexidade do litígio e o comportamento das partes (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 181 e jurisprudência referida).

86      A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que a lista dos critérios relevantes não é exaustiva e que a apreciação do caráter razoável do referido prazo não exige uma análise sistemática das circunstâncias da causa à luz de cada um desses critérios, quando a duração do processo se revela justificada à luz de apenas um deles. Assim, a complexidade de um processo ou um comportamento dilatório do recorrente pode justificar um prazo à primeira vista demasiado longo (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 182 e jurisprudência referida).

87      Ao examinar esses critérios, importa ter em conta o facto de que, em caso de litígio sobre a existência de uma infração às regras da concorrência, a exigência fundamental da segurança jurídica de que devem beneficiar os operadores económicos assim como o objetivo de garantir que a concorrência não seja falseada no mercado interno revestem um interesse considerável não apenas para o próprio recorrente e para os seus concorrentes mas também para os terceiros, em razão do elevado número de entidades interessadas e dos interesses financeiros em jogo (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 186 e jurisprudência referida).

88      Compete igualmente ao Tribunal Geral apreciar tanto a materialidade do dano invocado como o nexo de causalidade desse dano com a duração excessiva do processo jurisdicional controvertido, procedendo a uma análise dos elementos de prova fornecidos para esse efeito.

89      A este respeito, basta sublinhar que, no caso de uma ação de indemnização baseada numa violação, pelo Tribunal Geral, do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, por não ter respeitado as exigências de um prazo de julgamento razoável, incumbe a este último, em conformidade com o artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, tomar em consideração os princípios gerais aplicáveis nas ordens jurídicas dos Estados‑Membros para apreciar os recursos baseados em violações semelhantes. Neste contexto, o Tribunal Geral deve, designadamente, indagar se é possível identificar, para além da existência de um dano material, a de um prejuízo moral que a parte afetada pudesse ter sofrido em razão da inobservância do prazo e que devesse, eventualmente, ser objeto de uma reparação adequada.

90      Cabe então ao Tribunal Geral, competente por força do artigo 256.°, n.° 1, TFUE, pronunciar‑se sobre esses pedidos de indemnização, decidindo com uma formação diferente da que decidiu o litígio que deu origem ao processo cuja duração é criticada e aplicando os critérios definidos nos n.os 85 a 89 do presente acórdão.

91      Assim, há que concluir que a duração do processo no Tribunal Geral, de aproximadamente 5 anos e 9 meses, não pode ser justificada por nenhuma das circunstâncias próprias do processo que deu origem ao presente litígio.

92      Refira‑se, em especial, que o período compreendido entre o final da fase escrita, com a apresentação, em fevereiro de 2007, da tréplica da Comissão, e a abertura da fase oral, em dezembro de 2010, durou cerca de 3 anos e 10 meses. A extensão deste período não pode ser explicada pelas circunstâncias do processo, quer se trate da complexidade do litígio, do comportamento das partes ou ainda da ocorrência de incidentes processuais.

93      Quanto à complexidade do litígio, resulta da análise do recurso interposto pela recorrente para o Tribunal Geral, conforme resumido no n.° 13 do presente acórdão, que, embora exigisse uma análise aprofundada, os fundamentos invocados não apresentavam um grau de dificuldade especialmente elevado. Ainda que uma quinzena de destinatários da decisão controvertida tenham interposto recursos de anulação dessa decisão no Tribunal Geral, esta circunstância não pôde impedir esse órgão jurisdicional de fazer a sínteses do dossier e de preparar a fase oral num período de tempo inferior a 3 anos e 10 meses.

94      Cumpre sublinhar que, durante o referido lapso de tempo, o processo não foi interrompido nem atrasado pela adoção, pelo Tribunal Geral, de qualquer medida de organização do processo.

95      Quanto ao comportamento das partes e à ocorrência de incidentes processuais, o facto de a recorrente ter pedido, no mês de outubro de 2010, a reabertura da fase escrita não pode justificar o atraso de 3 anos e 8 meses que já havia decorrido após o encerramento desta fase. Além disso, como a advogada‑geral referiu no n.° 105 das suas conclusões, a circunstância de a recorrente ter sido avisada, no mês de dezembro de 2010, de que iria ter lugar uma audiência no mês de fevereiro de 2011 revela que esse incidente apenas pôde ter um impacto mínimo na duração global do processo, ou nem sequer teve incidência nessa duração.

96      Tendo em conta os elementos anteriores, há que concluir que o processo seguido no Tribunal Geral violou o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, na medida em que não respeitou as exigências de um prazo de julgamento razoável, o que constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tem por objetivo conferir direitos aos particulares (acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colet., p. I‑5291, n.° 42).

97      Todavia, resulta das considerações expostas nos n.os 73 a 84 do presente acórdão que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto à situação financeira da recorrente

98      Na audiência, a recorrente apresentou ao Tribunal de Justiça informações sobre a sua situação financeira atual, das quais resulta que não está em condições de pagar a coima aplicada pela decisão controvertida. Segundo a recorrente, estes argumentos, que se destinam a sustentar o seu pedido de anulação total ou, a título subsidiário, de redução dessa coima, são admissíveis na medida em que estão relacionados com a ocorrência de um facto novo na aceção do artigo 127.° do Regulamento de Processo, por um lado, e constituem uma ampliação do quarto fundamento relativo à violação do princípio do prazo razoável, por outro.

99      A Comissão alega que estes argumentos são inadmissíveis por serem novos e, em todo o caso, infundados, pois não assentam em nenhum elemento de prova.

100    A este respeito, recorde‑se que os recursos interpostos no Tribunal de Justiça só podem ter por objeto questões de direito. Ora, a fim de apreciar a capacidade da recorrente para pagar a coima que lhe foi aplicada pela Comissão, o Tribunal de Justiça deve examinar questões de facto que não são da sua competência no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

101    Além disso, também não compete ao Tribunal de Justiça, quando conhece de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, substituir, por motivos de equidade, pela sua apreciação a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação, por estas, das regras de direito da União (v., designadamente, acórdão de 10 de maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, C‑328/05 P, Colet., p. I‑3921, n.° 98 e jurisprudência referida). De resto, é jurisprudência constante que a Comissão não é obrigada, quando procede à determinação do montante da coima, a ter em conta a situação económica da empresa em causa, dado que o reconhecimento de tal obrigação equivaleria a conceder vantagens concorrenciais injustificadas às empresas menos adaptadas às condições do mercado (v., designadamente, acórdão SGL Carbon/Comissão, já referido, n.° 100 e jurisprudência referida).

102    Os argumentos da recorrente relativos à sua situação financeira devem por isso ser julgados inadmissíveis e, em todo o caso, improcedentes.

103    Todavia, deve acrescentar‑se que, na medida em que a recorrente considera que as suas dificuldades financeiras apresentam um nexo de causalidade com a inobservância, pelo Tribunal Geral, do princípio do prazo de julgamento razoável, é‑lhe legítimo invocar esse argumento no âmbito de um recurso interposto no Tribunal Geral, nos termos dos artigos 268.° e 340.°, segundo parágrafo, TFUE (v. n.os 88 a 94 do presente acórdão).

104    Resulta de todas as considerações precedentes que nenhum dos fundamentos de recurso invocados pela recorrente procedem, e, por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

105    Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

106    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da recorrente e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Groupe Gascogne SA é condenada nas despesas do presente recurso.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.