Language of document : ECLI:EU:C:2012:658

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 23 de outubro de 2012 (1)

Processo C‑401/11

Blanka Soukupová

contra

Ministerstvo zemědělství

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nejvyšší správní soud (República Checa)]

«Agricultura — FEOGA — Regulamento n.° 1257/1999 — Igualdade de tratamento — Conceito da «idade normal da reforma» — Idades de reforma diferentes para os homens e para as mulheres — Apoio à reforma antecipada dos agricultores — Diretiva 79/7»





I —    Introdução

1.        O presente litígio tem por objeto a questão de saber se, e em caso afirmativo de que modo, o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres foi violado pela República Checa numa decisão administrativa que recusou o pagamento do apoio à reforma antecipada ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos (a seguir «Regulamento n.° 1257/1999») (2).

2.        B. Soukupová, uma agricultora checa, alega que este princípio foi violado. O apoio à reforma antecipada foi‑lhe recusado porque já tinha atingido a idade de reforma aplicável às mulheres nos termos do direito checo, a qual é inferior à dos homens. Na sequência da impugnação desta decisão por B. Soukupová, o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo da República Checa) submeteu ao Tribunal de Justiça várias questões relativas à interpretação do Regulamento n.° 1257/1999. O órgão jurisdicional nacional pretende essencialmente saber se os princípios da igualdade de tratamento do direito da União Europeia (a seguir «UE») se opõem a que seja recusado a B. Soukupová o apoio à reforma antecipada em circunstâncias em que este teria sido pago a um homem.

3.        O regime da União Europeia de apoio à reforma antecipada tem por objetivo incentivar os agricultores a cederem a agricultores mais jovens as suas explorações agrícolas antes de atingirem a idade normal da reforma. No presente processo, o problema resulta do facto de, na República Checa, a idade de reforma das mulheres ser inferior à dos homens, e por referência ao número de filhos que uma mulher educou. Isto significa, por sua vez, que a elegibilidade para o apoio à reforma antecipada difere em função dos mesmos parâmetros. Por conseguinte, a questão interessante que se coloca é a de saber se o apoio à reforma antecipada está incluído nas «outras prestações» que podem ser pagas aos homens e às mulheres em condições desiguais, conforme previsto na Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (a seguir «Diretiva 79/7») (3).

II — Quadro jurídico

A —    Direito UE

4.        O artigo 3.°, n.° 1, de Diretiva 79/7 dispõe;

«A presente diretiva aplica‑se:

a)      Aos regimes legais que assegurem uma proteção contra os seguintes riscos:

[…]

—      velhice,

[…]

b) As disposições relativas à assistência social na medida em que se destinem a completar os regimes referidos na alínea a) ou a subsituí‑los.»

5.        O artigo 7.° de Diretiva 79/7 prevê:

«1.      A presente diretiva não prejudica a possibilidade que os Estados‑Membros têm de excluir do seu âmbito de aplicação:

a)      A fixação da idade de reforma para a concessão das pensões de velhice e de reforma e as consequências que daí podem decorrer para as outras prestações;

b)      As vantagens concedidas em matéria de seguro de velhice às pessoas que tenham educado menores; a aquisição de direitos às prestações na sequência de período de interrupção de emprego devidos à educação de menores;

[…]

2.      Os Estados‑Membros procederão periodicamente a um exame das matérias excluídas por força do n.° 1, a fim de verificar, tendo em conta a evolução social ocorrida na matéria, se se justifica a manutenção das exclusões em questão.»

6.        O considerando 23 do Regulamento n.° 1257/1999 tem o seguinte teor:

«[…] para melhorar a viabilidade das explorações agrícolas, é conveniente incentivar a reforma antecipada na atividade agrícola, tendo em conta a experiência adquirida com a aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2079/92».

7.        O considerando 40 do Regulamento n.° 1257/1999 refere, designadamente, o seguinte;

«que devem ser apoiadas medidas destinadas a eliminar as desigualdades e a promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres»

8.        O 11.° travessão do artigo 2.° de Regulamento n.° 1257/1999 dispõe;

«O apoio ao desenvolvimento rural, ligado às atividades agrícolas e à sua reconversão, pode incidir:

[…]

—      na eliminação das desigualdades e na promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, nomeadamente através do apoio a projetos iniciados e executados por mulheres.»

9.        O artigo 10.° do Regulamento n.° 1257/1999 enuncia;

«1.      O apoio à reforma antecipada na agricultura contribuirá para os seguintes objetivos:

—      proporcionar um rendimento aos agricultores idosos que decidam cessar as suas atividades agrícolas,

—      favorecer a substituição desses agricultores idosos por agricultores que possam, sempre que necessário, melhorar a viabilidade económica das restantes explorações,

—      reafectar terras agrícolas a utilizações não agrícolas quando a sua afetação a fins agrícolas não seja possível em condições satisfatórias de viabilidade económica.

2.      O apoio à reforma antecipada pode incluir medidas destinadas a proporcionar um rendimento aos trabalhadores agrícolas.»

10.      O artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999 prevê:

«O cedente de uma exploração agrícola deve:

—      cessar definitivamente qualquer atividade agrícola comercial, podendo, no entanto, continuar a praticar a agricultura para fins não comerciais e conservar a utilização dos edifícios onde continue a habitar,

—      ter uma idade não inferior a 55 anos, sem ter atingido a idade normal da reforma no momento da cessão, e

—      ter exercido a atividade agrícola nos 10 anos anteriores à cessão.»

11.      O artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1257/1999 dispõe:

«A duração do apoio à reforma antecipada não excederá um período total de 15 anos para o cedente e de 10 anos para o trabalhador agrícola. A duração desse apoio não continuará após o septuagésimo quinto aniversário de um cedente, nem após a idade normal de reforma de um trabalhador.

Quando, no caso de um cedente, o Estado‑Membro pague uma pensão de reforma normal, o apoio à reforma antecipada será concedido a título de complemento, tendo em conta o montante da pensão nacional de reforma.»

12.      O artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 1260/1999 do Conselho, de 21 de junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais (4) enuncia:

«1.      Na aceção do presente regulamento, entende‑se por ‘Fundos estruturais’: o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu (FSE), o Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), secção Orientação, e o Instrumento Financeiro de Orientação da Pesca (IFOP), a seguir designados ‘Fundos’.

[…]

5.      […] A Comissão e os Estados‑Membros assegurarão a coerência entre a ação dos Fundos e outras políticas e ações comunitárias, especialmente nas áreas do emprego, da igualdade entre homens e mulheres, da política social e da formação profissional, da política agrícola comum, da política comum da pesca, dos transportes, da energia e das redes transeuropeias, bem como a integração das exigências da proteção do ambiente na definição e execução da ação dos Fundos.»

13.      O artigo 12.° do Regulamento n.° 1260/1999 prevê;

«As operações objeto de um financiamento pelos Fundos ou de um financiamento do BEI ou de outro instrumento financeiro devem observar o disposto no Tratado e nos atos adotados por força deste, bem como com as políticas e ações comunitárias, incluindo as que se referem às regras de concorrência, à adjudicação de contratos públicos, à proteção e melhoria do ambiente, à eliminação das desigualdades e à promoção da igualdade entre homens e mulheres.»

B —    Direito nacional

14.      Nos termos do Regulamento n.° 1257/1999, no dia 26 de janeiro de 2005, a República Checa adotou o Decreto Governamental n.° 69/2005 que fixa as condições de concessão da subvenção à cessação antecipada da atividade agrícola por um empresário agrícola. Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, o decreto governamental tem por objetivo a concessão de subvenções no contexto do programa de apoio à cessação antecipada da atividade agrícola por um empresário agrícola.

15.      Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do Decreto Governamental n.° 69/2005, uma pessoa singular só poderá apresentar um pedido de inscrição no regime se, nomeadamente, no dia em que for apresentado o pedido de inscrição, já tiver atingido a idade mínima de 55 anos e não tiver atingido a idade exigida para ter direito à pensão de reforma.

16.      Nos termos do artigo 29.° da Lei n.° 155/1995 sobre o seguro de pensões, na versão em vigor até 31 de dezembro de 2009, para o qual remete o Decreto Governamental n.° 69/2005, o segurado tem direito a uma pensão de reforma se tiver cumprido um período de seguro não inferior a a) 25 anos e tiver atingido pelo menos a idade exigida para ter direito à pensão de reforma ou se tiver cumprido um período de seguro não inferior a b) 15 anos e tiver atingido pelo menos 65 anos de idade, se não tiver preenchido a condição prevista na alínea a).

17.      Nos termos do artigo 32.°, n.° 1, da Lei n.° 155/1995 sobre o seguro de pensões, para o qual também remete o Decreto Governamental, a idade de reforma é de 60 anos para os homens e de 53 a 57, consoante o número de filhos, para as mulheres. Essas regras aplicavam‑se relativamente aos segurados que atingiram essa idade até 31 de dezembro de 1995. O artigo 32.°, n.° 2, da Lei n.° 155/1995 prevê ainda o aumento gradual da idade de reforma para segurados que atinjam esses limites de idade durante o período compreendido entre 1 de janeiro de 1996 e 31 de dezembro de 2012 e o artigo 32.°, n.° 3, da Lei n.° 155/1995 fixa a idade de reforma, após 31 de dezembro de 2012, em 63 anos para os homens, e entre 59 e 63 anos, consoante o número de filhos, para as mulheres.

III — Matéria de facto e questões prejudiciais

18.      Em 3 de outubro de 2006, a recorrente, B. Soukupová, que nasceu em 24 de janeiro de 1947, solicitou a sua inscrição no Regime de Reforma Antecipada dos Agricultores (a seguir «regime»).

19.       Em 20 de dezembro de 2006, o pedido de apoio à reforma antecipada de B. Soukupováwas foi recusado pelo Státní zemědělský intervenční fond (Fundo de Intervenção Agrícola do Estado) porque, na data da apresentação do pedido, a mesma já tinha atingido a idade que lhe dava direito a uma pensão de reforma. Nos termos do artigo 32.°, n.os 1 e 2, da Lei n.° 155/1995 sobre o seguro de pensões (zákon č. 155/1995 Sb., o důchodovém pojištění) ela, enquanto mulher que educou dois filhos, adquiriu este direito em 24 de maio de 2004. Contudo, se B. Soukupová não tivesse tido filhos ou se só tivesse tido um filho, só teria tido direito à pensão depois de 24 de maio de 2004.

20.      Simultaneamente, um homem nascido na mesma data que B. Soukupová e que solicitou a inscrição no mesmo regime não teria direito à pensão de reforma em 3 de outubro de 2006. Por conseguinte, ter‑lhe‑ia sido concedido o apoio à reforma antecipada. O mesmo só teria direito a pensão em 2009. Além disso, nenhuma disposição do direito checo alterou a idade de reforma de um homem por referência ao número de filhos que este educou.

21.      A Comissão explica, nas suas observações escritas que B. Soukupová tem um interesse financeiro substancial em participar no regime porque, em 2005, a pensão de velhice média das mulheres era de 7 030 CZK (287,02 EUR) e, em 2007, de 8 747 CZK (357,09 EUR), enquanto os beneficiários do regime de reforma antecipada podiam assegurar um apoio ao rendimento máximo de quase (líquido) 13 500 CZK (551.15 EUR) durante 15 anos, ou até aos 75 anos de idade, consoante a situação que se verificar em primeiro lugar.

22.      Assim sendo, B. Soukupová contestou esta recusa no Ministério de Agricultura, mas a sua reclamação foi indeferida por decisão de 12 de abril de 2007. Posteriormente, a mesma interpôs uma ação no Městský soud v Praze (Tribunal Municipal de Praga). B. Soukupová alegou que a legislação checa tem como consequência que o período de apresentação do pedido é objetivamente mais curto para as mulheres que educaram mais filhos do que para as mulheres que educaram menos filhos ou para os homens.

23.      Por acórdão de 30 de abril de 2009, o Městský soud v Praze rejeitou uma interpretação que conduzisse a diferenças injustificadas entre homens agricultores e mulheres agricultoras. O Městský soud v Praze observou, designadamente, que uma das pré‑condições, ao abrigo do direito checo, para ter direito a uma pensão de velhice é ter atingido a idade de reforma. Por motivos sociais e históricos, a idade de reforma de homens e mulheres é diferente, sendo esta última determinada pelo número de filhos que uma mulher educou. O Městský soud v Praze considerou que não havia nenhuma base legítima para uma diferença de tratamento relativamente ao apoio à reforma antecipada com base na idade, sexo ou o número de filhos educados, e devolveu o processo de B. Soukupová ao Ministério da Agricultura para reapreciação.

24.      O Ministro da Agricultura interpôs recurso do acórdão do Městský soud v Praze para o Nejvyšší správní soud. Alegou, designadamente, que o Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho só precisa o limite de idade inferior de um requerente do apoio à reforma antecipada (e não o limite superior), que a idade normal da reforma foi estabelecida separadamente nos Estados‑Membros individuais, e que os termos «idade normal da reforma», previsto no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999, e «idade de reforma», previsto no artigo 32.° da Lei n.° 155/1995 sobre o seguro de pensões, tinham significados análogos.

25.      O Nejvyšší správní soud decidiu submeter as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O conceito de ‘idade normal da reforma’ no momento da cessão de uma exploração agrícola, nos termos do artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos, pode ser interpretado no sentido da ‘idade exigida para ter direito à pensão de reforma’ por um determinado requerente ao abrigo da legislação nacional?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o facto de a ‘idade normal da reforma’ no momento da cessão de uma exploração agrícola ser determinada de forma distinta para cada requerente, consoante o sexo e o número de filhos criados, é compatível com o direito da União Europeia e com os princípios gerais do Direito da União Europeia?

3)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, quais são os critérios que o órgão jurisdicional nacional deverá ter em conta para interpretar o conceito de ‘idade normal da reforma’ no momento da cessão de uma exploração agrícola, nos termos do artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos?»

26.      B. Soukupová, os Governos checo e polaco, e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. O Governo checo e a Comissão participaram na audiência de 28 de junho de 2012.

IV — Análise

A —    Observações introdutórias

27.      O presente litígio suscita a questão de saber se um Estado‑Membro, que exerceu o seu direito, ao abrigo do direito da União Europeia, de prever idades de reforma diferentes para os homens e para as mulheres, no que diz respeito à disponibilidade da pensão de velhice, pode invocar as mesmas regras nacionais discriminatórias para fixar a «idade normal da reforma» nos termos do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999. O caso em apreço oculta, por conseguinte, a sua complexidade, devido à margem de discricionariedade reconhecida aos Estados‑Membros pelo artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 79/7, em relação à observância do princípio da igualdade de tratamento na fixação da idade de reforma para a concessão das pensões de velhice e de reforma e as consequências que daí podem decorrer para as outras prestações.

28.      Contudo, a questão 1 é formulada de uma forma mais simples e que não reflete esta complexidade. Limita‑se a perguntar se o conceito de «idade normal da reforma» ao abrigo do direito da União Europeia pode ser interpretado no sentido da «idade exigida para ter direito à pensão de reforma» ao abrigo da legislação nacional. Na minha opinião, é neste contexto que se deve entender o Regulamento n.° 1257/1999 e, consequentemente, responder à questão 1.

29.      Contudo, a questão não se esgota aí. O legislador da União Europeia, tal como os Estados‑Membros quando aplicam ou executam o direito da União Europeia, está vinculado pelo princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres. Qualquer norma da União Europeia que não possa ser interpretada em conformidade com este princípio é inválida (5). Ou, segundo um princípio geral de interpretação, um ato comunitário deve ser interpretado, na medida do possível, de forma a não pôr em causa a sua validade e em conformidade com o direito primário no seu conjunto, designadamente com o princípio da igualdade de tratamento (6).

30.       Por conseguinte, deve ser tida em conta a situação dos Estados‑Membros como a República Checa que exerceram o respetivo direito, ao abrigo do direito da União Europeia, de estabelecer idades de reforma diferentes para os homens e para as mulheres no contexto da pensão de velhice. Isto significa que é necessária uma abordagem geral e que tenha em devida conta os princípios gerais do direito da União Europeia em matéria de igualdade de tratamento.

B —    Primeira questão

31.       Em princípio, o conceito da «idade normal da reforma» no momento da cessão de uma exploração agrícola, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999, deve ser interpretado no sentido da «idade exigida para ter direito à pensão de reforma». Esta conclusão resulta dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 1257/1999 e da redação das suas disposições.

32.      O apoio à reforma antecipada não se destina a fornecer um suplemento à pensão de reforma por motivos sociais. Também não tem como objetivo direto oferecer um rendimento adicional aos agricultores idosos. Estas consequências são inerentes ao Regulamento n.° 1257/1999 como um meio de alcançar o objetivo primário do regime do apoio à reforma antecipada que é o de criar um incentivo económico para a cessação antecipada da atividade pelos agricultores de idade mais avançada, e em circunstâncias em que estes normalmente não o fariam.

33.      Por conseguinte, o objetivo do apoio à reforma antecipada é o de facilitar a transformação estrutural do setor agrícola para melhor garantir a viabilidade da exploração agrícola. Como salienta a Comissão nas suas observações escritas, existe uma presunção subjacente ao Regulamento n.° 1257/1999 de que os agricultores de idade avançada estão menos inclinados do que os agricultores mais jovens a utilizar as tecnologias modernas que melhoram a produtividade das explorações agrícolas. Como indicado no vigésimo terceiro considerando do Regulamento n.° 1257/1999, a reforma antecipada dos agricultores é incentivada com o objetivo de melhorar a viabilidade das explorações agrícolas.

34.      Contudo, pode‑se partir do princípio de que, em circunstâncias normais, um agricultor não cessa a sua atividade antes de ter direito a uma fonte de rendimento alternativa, sob alguma forma de pensão. Parece, por conseguinte, estar em conformidade com esta lógica impor, como condição para o pagamento do apoio à reforma antecipada, a exigência de que a apresentação do pedido deste apoio seja anterior à verificação da elegibilidade para a pensão de velhice normal.

35.      Como salienta a Comissão nas suas observações escritas, resulta do n.° 2 do artigo 12.°, do Regulamento n.° 1257/1999 que, quando o Estado‑Membro pague uma pensão de reforma normal, o apoio à reforma antecipada será concedido a título de suplemento da pensão de reforma, evitando‑se, deste modo, uma compensação excessiva sob a forma de uma prestação concomitante com a pensão de velhice. O facto de o apoio à reforma antecipada continuar a ser pago depois da reforma normal mostra que se destina a fornecer um incentivo adequado aos agricultores cujas pensões de velhice nacionais são baixas e que, de outro modo, teriam continuado a sua atividade agrícola depois de atingirem a idade de reforma.

36.      Observo ainda que, nos termos do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1257/1999, a duração máxima do apoio à reforma antecipada é de 15 anos no caso do cedente de uma exploração agrícola e que poderá ser paga até ao seu septuagésimo quinto aniversário. Por outro lado, como o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999 se opõe a que os Estados‑Membros incluam no regime os agricultores que já atingiram a «idade normal da reforma», os efeitos combinados destas disposições impedem que os Estados‑Membros incluam no regime os agricultores que atingiram a idade normal da reforma, mas permite, não obstante, que os Estados‑Membros continuem a pagar o apoio depois de terem atingido essa idade.

37.      O conceito da «idade normal da reforma» previsto no artigo 11.°, n.° 1, e, de facto, no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1257/1999 deve, em meu entender, ser interpretado de modo uniforme em toda a União Europeia. Contudo, e nisso não se distingue de muitas outras noções utilizadas em regulamentos da União Europeia diretamente aplicáveis, este conceito do direito da UE refere‑se implicitamente a disposições do direito nacional que não estão harmonizadas. Portanto, mesmo que o conceito da «idade normal da reforma» previsto no regulamento deva ser interpretado no sentido de que se refere a uma idade exigida para ter direito à pensão de reforma e não, por exemplo, a um qualquer limite de idade relativo a regimes nacionais especiais de reforma antecipada, essa idade é, em concreto, definida pela legislação nacional aplicável (7).

38.      Não obstante, a aplicação da noção de idade normal da reforma está sujeita ao imperativo da igualdade de tratamento. Embora, em princípio, estas disposições permitam ao Estado‑Membro associar a «idade normal da reforma» ao abrigo do Regulamento n.° 1257/1999 à «idade exigida para ter direito à pensão de reforma» ao abrigo da legislação nacional, o direito de o fazer está sujeito à observância do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres. O que isto exige será abordado na minha resposta à questão 2.

39.      Proponho, por conseguinte, a seguinte resposta à primeira questão:

«O conceito de «idade normal da reforma» no momento da cessão de uma exploração agrícola, nos termos do artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 1257/1999, pode ser interpretado no sentido da «idade exigida para ter direito à pensão de reforma» por um determinado requerente ao abrigo da legislação nacional.»

C —    Segunda questão

1.      Considerações introdutórias

40.      Com a questão 2, o Nejvyšší správní soud pretende saber se o facto de a «idade normal da reforma» no momento da cessão de uma exploração agrícola ser determinada de forma distinta para cada requerente, consoante o sexo e o número de filhos criados, é compatível com o direito da União Europeia e com os princípios gerais do Direito da União Europeia?

41.      A este respeito, importa recordar que, nos termos do direito checo, «a idade exigida para ter direito à pensão de reforma» é diferente para os homens e para as mulheres. Além disso, é influenciada pelo número de menores que uma mulher educou, mas não pelo número de menores que um homem educou. Isto poderá justificar uma diferença nas condições de pagamento do apoio à reforma antecipada ao abrigo do Regulamento n.° 1257/1999?

42.      Neste contexto, é necessário ponderar, em primeiro lugar, se o tratamento diferente dos homens agricultores e das mulheres agricultoras, nos termos do direito checo, no contexto do apoio à reforma antecipada, pode ser «salvo» pelos artigos 3.° e 7.° da Diretiva 79/7. Além disso, é necessário averiguar os seguintes pontos:

(i)      existe um regime legal especial ao abrigo do direito da União Europeia que abranja o pagamento do apoio à reforma antecipada, ou a questão deve ser decidida por referência aos princípios gerais do direito da União Europeia sobre a proibição do tratamento desigual?

(ii)      B. Soukupová está a ser tratada de modo diferente de um homem em situação equiparável?

(iii)      Em caso afirmativo, existe uma justificação afirmativa para esta diferença de tratamento? (8)

(iv)      Em caso afirmativo, a diferença de tratamento é proporcionada ao objetivo prosseguido? (9)

2.      A Diretiva 79/7 não é pertinente para a resolução do litígio

43.      A título preliminar, reconheço que o artigo 7.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Diretiva 79/7 preserva efetivamente o direito de os Estados‑Membros fixarem a idade de reforma para a concessão das pensões de velhice e de reforma e as consequências que daí podem decorrer para as outras prestações (incluindo as vantagens concedidas às pessoas que tenham educado menores) (10). Por conseguinte, como resulta das observações escritas do Governo polaco, parece que se poderia alegar que o apoio à reforma antecipada constitui uma vantagem que decorre de uma diferença (legal) entre a idade de reforma dos homens e das mulheres nos termos do direito checo.

44.      Contudo, como sublinhou a Comissão nas suas observações escritas, o apoio à reforma antecipada não está incluído nos regimes legais que estão enumerados no artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) e b) da Diretiva 79/7 (11). Isto levanta, por conseguinte, a questão de saber se o apoio à reforma antecipada pode pertencer às «outras prestações» nos termos do artigo 7.° da Diretiva 79/7 relativamente às quais os Estados‑Membros estão efetivamente dispensados da observância do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres.

45.       Como foi salientado pela Comissão na audiência, o artigo 7.° da Diretiva 79/7 tem sido uniformemente interpretado de modo restritivo. O Tribunal de Justiça já decidiu que «no caso de […] um Estado‑Membro prever uma idade de reforma diferente para os homens e para as mulheres para a concessão das pensões de velhice e de reforma, o âmbito da derrogação permitida é limitado às discriminações que estão necessária e objetivamente ligadas à diferenciação da idade de reforma» (12).

46.       A meu ver, à luz da jurisprudência assente, a eligibilidade para o apoio à reforma antecipada não pode ser associada, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 79/7, à diferença de tratamento entre homens e mulheres no que diz respeito à idade exigida para ter direito à pensão de reforma. Isto é assim porque as «outras prestações» abrangidas pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea a), e que podem legalmente apresentar uma diferença de tratamento entre homens e mulheres com base na idade só podem implicar a discriminação que «[for] objetivamente [necessária] para evitar pôr em causa o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social ou para garantir a coerência entre o regime das pensões de reforma e o regime das outras prestações» (13).

47.      Como já referi, o apoio à reforma antecipada não é uma prestação da segurança social, mas uma prestação que se destina a melhorar a produtividade da agricultura; por outras palavras, é um instrumento da Política Agrícola Comum. Não há nada nos autos, e também não foram produzidos em audiência quaisquer elementos de prova que sugiram a existência da necessária ligação fiscal entre o pagamento do apoio à reforma antecipada e tanto o regime da pensão de velhice da República Checa, como o seu sistema de segurança social mais amplo, ou que mostre que a diferença de tratamento é justificada pela necessidade de manter essa coerência. Pelo contrário, além do pagamento do apoio à reforma antecipada a título de suplemento da pensão de velhice, previsto no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1257/1999, os dois pagamentos são caracterizados pela sua independência um do outro. Assim sendo, não posso concordar com os argumentos apresentados pelo Governo polaco no sentido de que o artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 79/7 pode desculpar uma eventual diferença de tratamento entre B. Soukupová e um homem agricultor da mesma idade.

48.      Na verdade, como foi referido nas observações escritas de B. Soukupová, embora o Tribunal Constitucional checo já tenha decidido que o tratamento desigual entre homens e mulheres é justificado no âmbito do sistema nacional de pensões, daí não resulta que este tratamento desigual se deva aplicar a outros domínios das vidas dos cidadãos checos, como a apreciação da elegibilidade para o apoio à reforma antecipada (14).

49.      Além disso, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 79/7 não contém nenhuma justificação legislativa para a diferença de tratamento entre B. Soukupová e um homem em situação equiparável que permita aos Estados‑Membros excluírem do seu âmbito de aplicação «b) as vantagens concedidas em matéria de seguro de velhice às pessoas que tenham educado menores». Isto é assim pela simples razão de que B. Soukupová está a ser prejudicada no que diz respeito à sua eligibilidade para o apoio à reforma antecipada, pelo facto de ter educado filhos. Ela tem um interesse financeiro substancial em participar no regime. O Governo checo não tem razão quando afirma que B. Soukupová não sofreria qualquer consequência especialmente negativa pelo facto de se reformar e receber uma pensão nacional completa. Pelo contrário, segundo a informação fornecida pela Comissão, e a que já fiz referência, B. Soukupová sofrerá uma perda financeira significativa com a sua exclusão do apoio à reforma antecipada.

50.       Além disso, tal como o apoio à reforma antecipada não é abrangido pela exclusão prevista no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), gostaria igualmente de acrescentar que isso não constitui uma vantagem «em matéria de seguro de velhice» para efeitos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b). Trata‑se, pelo contrário, de um pagamento que decorre do FEOGA.

51.      Por conseguinte, embora reconheça que a fixação da «idade normal da reforma», nos termos do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999, está ligada à legislação nacional em matéria de pensões, não me ê possível chegar a uma conclusão que confira aos Estados‑Membros, na respetiva aplicação do Regulamento n.° 1257/1999, o direito de violarem os princípios fundamentais do direito da União Europeia, incluindo a proibição da discriminação em razão do sexo (15) Com efeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que «uma disposição de um ato comunitário pode, enquanto tal, não respeitar os direitos fundamentais se obrigar ou autorizar expressa ou implicitamente os Estados‑Membros a adotar ou manter leis nacionais que não respeitam os referidos direitos.» (16) Ou como observou a advogada‑geral J. Kokott, «o legislador da União não pode autorizar os Estados‑Membros a adotar medidas que violariam os direitos fundamentais da União» (17).

52.      Assim, o tratamento diferente dos agricultores do sexo masculino e do sexo feminino, no contexto do apoio à reforma antecipada, não pode ser «salvo» pelos artigos 3.° e 7.° da Diretiva 79/7. Por conseguinte, como já observei, é necessário examinar as quatro questões que suscitei no n.° 42 supra.

3.      Regime legal adequado

53.      Como foi salientado pelo Nejvyšší správní soud, está longe de ser manifesto que qualquer discriminação que possa ter sido sofrida por B. Soukupová relativamente ao acesso ao apoio à reforma antecipada esteja abrangida pelas medidas legislativas adotadas pela União Europeia para combater a discriminação com base no sexo (18). Também concordo com o argumento que aparece nas observações escritas da Comissão de que o apoio à reforma antecipada não pode ser considerado «remuneração» na aceção do artigo 157.° TFUE porque não é uma pensão concedida a um trabalhador em virtude de uma relação de emprego com um anterior empregador, conforme exigido ao abrigo da jurisprudência do Tribunal de Justiça (19).

54.      Contudo, como já referi, ao recusar a B. Soukupová o apoio à reforma antecipada, a República Checa atuou no âmbito da aplicação do Regulamento n.° 1257/1999. O princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres é expressamente referido no considerando 40 e no 11.° travessão do artigo 2.° do Regulamento n.° 1257/1999 e nos artigos 2.°, n.° 5, e 12.° do Regulamento n.° 1260/1999. Não há qualquer dúvida de que os Estados‑Membros estão vinculados pelo princípio da igualdade de tratamento na aplicação e execução da legislação em matéria agrícola da União Europeia (20).

55.      Isto significa, por conseguinte, que a apreciação da questão de saber se B. Soukupová sofreu uma discriminação ilegal em violação do direito da União Europeia deve ser feita por referência ao princípio geral da igualdade. Na minha opinião, poder‑se‑ia considerar que B. Soukupová foi discriminada com base no seu sexo porque a sua idade de reforma é afetada pelo número de filhos que teve, enquanto este aspeto não afeta a idade de reforma dos homens (que é, em todo o caso, superior à idade de reforma das mulheres).

4.      B. Soukupová está a ser tratada de modo diferente de um homem em situação equiparável?

56.      Em minha opinião, podia considerar‑se que B. Soukupová foi discriminada em razão do sexo uma vez que a sua idade de reforma é afetada pelo número de filhos que teve, ao passo que esta questão não afeta a idade de reforma dos homens (que, de qualquer modo, é superior à idade das mulheres). De facto, nos termos do direito checo, B. Soukupová está a ser tratada de modo diferente de um homem da mesma idade, e com o mesmo número de filhos, porque tem um prazo mais curto para pedir o apoio à reforma antecipada. Por sua vez, este facto traduziu‑se em consequências financeiras negativas substanciais. Conforme sublinhado nas observações escritas da Comissão, a vantagem que lhe foi concedida ao obter o acesso antecipado a uma pensão, através do reconhecimento do seu sexo e do facto de ter educado dois filhos, transformou‑se numa desvantagem no contexto de apoio à reforma antecipada. Como já observei, isto reflete‑se nas diferenças entre os montantes médios pagos às mulheres ao abrigo do regime de pensão de velhice, nos anos de 2005 e de 2007, e os montantes máximos pagos ao abrigo do apoio à reforma antecipada.

57.      O Governo checo alegou que B. Soukupová não se encontra na mesma situação que um homem que atingiu a sua idade. Com efeito, no caso de um homem, o Regulamento n.° 1257/1999 pode atingir o seu objetivo de incentivar a reforma antecipada, enquanto, no caso de B. Soukupová, estas mesmas medidas são ineficazes porque esta já atingiu a idade de reforma. Ou, como alegou o Governo polaco, dado que o objetivo do Regulamento n.° 1257/1999 consiste em incentivar a reforma antecipada a fim de melhorar a viabilidade das explorações agrícolas, o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 1257/1999 perde a sua razão de ser logo que B. Soukupová tenha atingido a idade de reforma que é inferior à idade aplicável a um homem.

58.      Não posso aceitar estas alegações. Em primeiro lugar, considero que o regime não visa a reforma antecipada enquanto tal, mas a cessão de atividades agrícolas a agricultores mais jovens. Salvo se existir uma regra nacional que proíba um agricultor que atingiu a idade normal da reforma de continuar a sua atividade agrícola, e que obrigue o agricultor em questão a ceder essas atividades, os argumentos do Governo checo e do Governo polaco são incorretos. Por outras palavras, o facto de uma mulher agricultora ter atingido a idade da reforma que lhe é aplicável não resulta necessariamente na cessão das suas atividades a um agricultor mais jovem. Assim, a aplicação de uma idade de reforma inferior às mulheres agricultoras diminui realmente o número de casos em que uma cessão é uma alternativa economicamente viável à continuação da atividade pelo agricultor de idade mais avançada, e durante um período de tempo tão longo quanto possível. De facto, a legislação checa exclui as mulheres agricultoras com muitos filhos do âmbito de aplicação do regime e impede, deste modo, a realização do effet utile do regime de reforma antecipada da União Europeia.

59.      Além disso, como sublinhou a Comissão nas suas observações escritas, a desvantagem sofrida por B. Soukupová em virtude das disposições nacionais em questão tem um efeito que está em manifesta contradição com o princípio da igualdade de tratamento. Não foi contestado nas observações escritas, nem na audiência, que o apoio à reforma antecipada teria sido concedido a um homem com o mesmo número de filhos que B. Soukupová. Isto é manifestamente suficiente para mostrar a diferença de tratamento.

5.      Existe uma justificação afirmativa para esta diferença de tratamento?

60.      O Governo checo alega que uma eventual diferença de tratamento é objetivamente justificada, nomeadamente pelo objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 1257/1999, que é o de incentivar a antecipação pelos agricultores de idade mais avançada da cessação da sua atividade agrícola através da reforma antecipada (21). O Governo polaco acrescenta que a recusa de concessão a B. Soukupová do apoio à reforma antecipada foi justificada porque esta já recebia a pensão de velhice, não lhe tendo sido negado um meio de subsistência após a cessação da sua atividade agrícola.

61.      Não posso aceitar estes argumentos. Os objetivos de política estrutural do Regulamento n.° 1257/1999 podem manifestamente ser alcançados sem o recurso pelos Estados‑Membros a um tratamento discriminatório. Além disso, a menor disponibilidade de recursos por parte de B. Soukupová, sob a forma de uma pensão sem nenhum suplemento de apoio à reforma antecipada, não tem nenhuma ligação lógica com a justificação objetiva exigida pelo direito da União Europeia para que o tratamento discriminatório possa ser tornado lícito. Esta diferença de tratamento sofrida por B. Soukupová não é apta a atingir o objetivo de garantir a maior produtividade das empresas agrícolas na União Europeia (através da reforma antecipada) (22).

62.      Uma vez que já concluí que não existe nenhuma justificação objetiva para esta diferença de tratamento, não é necessário examinar a sua conformidade com o princípio da proporcionalidade. Contudo, se o Tribunal de Justiça não concordar com as minhas conclusões e chegar a este ponto, bastará, em meu entender, pesar o nível da perda financeira sofrida por B. Soukupová face aos benefícios que decorrem para a mesma do seu direito antecipado à pensão de velhice. Uma vez que o apoio à reforma antecipada pode ser pago durante um período máximo de 15 anos, B. Soukupová estará, de facto, muito longe da situação financeira de um homem que partilhe as suas circunstâncias. Esta diferença é excessiva em relação aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 1257/1999.

63.      Proponho, portanto, a seguinte resposta à questão 2:

«O facto de a «idade normal da reforma» no momento da cessão de uma exploração agrícola para efeitos do apoio à reforma antecipada da União Europeia ser determinada de forma distinta para cada requerente, consoante o sexo, não é compatível com o direito da União Europeia.»

D —    Resposta à questão 3

64.      A meu ver, a terceira questão exige uma pequena reformulação, na medida em que se pede ao Tribunal de Justiça que só responda a esta questão em caso de resposta negativa à primeira questão. Como já expliquei, o caso em apreço não permite uma simples resposta de «sim» ou «não». Assim sendo, proponho que sejam exaradas as palavras «Em caso de resposta negativa à primeira questão» e que, muito simplesmente, se forneça ao órgão jurisdicional nacional toda a orientação que este necessita quanto aos critérios a utilizar na aplicação da «idade normal da reforma» na aceção do artigo 11.° do Regulamento n.° 1257/1999.

65.      Conforme salientado nas observações escritas da Comissão, o critério de referência adequado para a determinação do direito ao apoio à reforma antecipada de B. Soukupová é a «idade normal da reforma» na aceção do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999 de um homem da sua idade.

66.      Por força da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria favorecida (23). A pessoa que se encontra na situação menos favorável deve ser colocada na mesma situação que a pessoa que beneficia da vantagem. Isto significa que, embora tenha sido sugerido pelo Nejvyšší správní soud um conjunto de critérios alternativos, no caso em apreço, B. Soukupová deve simplesmente ser considerada como se fosse um homem da sua idade no momento da apreciação pelas autoridades nacionais checas da sua elegibilidade para o apoio à reforma antecipada.

67.      Proponho, portanto, a seguinte resposta à questão 3:

«Na aplicação do conceito de ‘idade normal da reforma’ no momento da cessão de uma exploração agrícola, nos termos do artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 1257/1999 a condição de uma idade de reforma mais elevada aplicável aos homens agricultores também deve ser aplicada às mulheres agricultoras.»

V —    Conclusão

68.      Pelos motivos acima expostos, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Nejvyšší správní soud o seguinte:

«1)      O conceito de ‘idade normal da reforma’ no momento da cessão de uma exploração agrícola, nos termos do artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos, pode ser interpretado no sentido da ‘idade exigida para ter direito à pensão de reforma’ por um determinado requerente ao abrigo da legislação nacional.

2)      O facto de a ‘idade normal da reforma’ no momento da cessão de uma exploração agrícola para efeitos do apoio à reforma antecipada da União Europeia ser determinada de forma distinta para cada requerente, consoante o sexo, não é compatível com o direito da União Europeia.

3)      Na aplicação do conceito de ‘idade normal da reforma’ no momento da cessão de uma exploração agrícola, nos termos do artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 1257/1999, a condição de uma idade de reforma mais elevada aplicável aos homens agricultores também deve ser aplicada às mulheres agricultoras.»


1 —      Língua original: inglês.


2 —      JO L 160 de 26.6.1999, p. 80. Todas as disposições do Regulamento n.° 1257/1999 com pertinência para o presente processo foram revogados com efeitos a 1 de janeiro de 2007 pelo artigo 93.° do Regulamento (CE) n.° 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader) (JO 2005, L 277, p. 1). No entanto, atendendo a que foi recusado a B. Soukupová o apoio à reforma antecipada em 20 de dezembro de 2006, o Regulamento n.° 1257/1999 é aplicável ratione temporis.


3 —      JO 1979 L 6, p. 24.


4 —      JO L 161, p. 1. O Regulamento n.° 1260/1999 foi revogado, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2007, por força do artigo 107.° do Regulamento (CE) n.° 1083/2006, de 11 de julho de 2006, que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1260/1999 (JO L 210, p. 25). Porém, uma vez que a prestação de reforma antecipada foi recusada a B. Soukupová em 20 de dezembro de 2006, o Regulamento n.° 1260/1999 aplica‑se ao caso em apreço ratione temporis. Também gostaria de observar, no entanto, que o Regulamento n.° 1083/2006 protege a igualdade de tratamento entre homens e mulheres em termos ainda mais claros do que os previstos no seu artigo 16.°


5 —      V., por exemplo, acórdão de 1 de março de 2011, Association belge des Consommateurs Test‑Achats ASBL (C‑236/09, Colet., p. I‑773).


6 —      Acórdão de 16 de setembro de 2010, Chatzi (C‑149/10, Colet., p. I‑8489, n.° 43).


7 —      V., quanto a uma situação análoga relativa a uma noção contida numa diretiva, acórdão de 21 de outubro de 2008, Padawan (C‑467/08, Colet., p. I‑10055, n.° 37).


8 —      V., por exemplo, acórdão de 21 de julho de 2011, Nagy (C‑21/10, Colet., p. I‑6769, n.° 47).


9 —      V. as conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo Parlamento Europeu/Conselho (C‑540/03, Colet., p. I‑5 769, n.° 107), que cita, designadamente, os acórdãos de 23 de março de 1994, Huet (T‑8/93, Colet., p. II‑365, n.° 45), e de 2 de março de 2004, Di Marzio/Comissão (T‑14/03, ColetFP, pp. I‑A‑43 e II‑167, n.° 83). Como exemplo do funcionamento do princípio da proporcionalidade no contexto da aplicação por um Estado‑Membro do Regulamento n.° 1257/1999, v. acórdão de 4 de junho de 2009, JK Otsa Talu OÜ (C‑241/07, Colet., p. I‑4323).


10 —      Acórdão de 29 de novembro de 2001, Griesmar (C‑366/99, Colet., p. I‑9383).


11 —      Os regimes legais que aparecem no artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Diretiva 79/7 protegem contra doença, invalidez, velhice, acidente de trabalho e doença profissional e desemprego. A diretiva também é aplicável às disposições relativas à assistência social na medida em que se destinem a completar ou a substituir estes regimes.


12 —      Acórdão de 30 de abril de 1998, August De Vriendt (C‑377/96 a C‑384/96, Colet., p. I‑2105, n.° 25).


13 —      Acórdão de 19 de outubro de 1995, Richardson (C‑137/94, Colet., p. I‑3407, n.° 19).


14 —      Assim, o Governo checo não pode invocar a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 20 de junho de 2011, Andrle/República Checa, n.° 6268/08, que tinha por objeto a questão autónoma da compatibilidade com o artigo 14.° e o artigo 1.° do Protocolo n.° 1 da CEDH das leis relativas à pensão de velhice, que são discriminatórias com base na idade, por referência ao número de filhos educados pelas mães. A decisão no processo Andrle não se aplica ratione materie ao caso em apreço porque, naquele processo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem foi chamado a decidir, a título principal, se a concessão às mulheres de uma vantagem constituía um objetivo legítimo que podia justificar a igualdade de tratamento consagrada no artigo 14.° CEDH.


15 —      V. acórdão de 15 de junho de 1978, Defrenne (149/77, Colet., p. 1365, n.os 26 e 27). V. ainda artigos 2.° e 3.°, n.° 3, TEU, 8.° e 10.° TFUE, e 21.° e 23.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. V. também, no contexto específico do desenvolvimento rural, considerando 40 do Regulamento n.° 1257/1999, artigo 2.°, 11.° travessão, do mesmo Regulamento, e artigos 2.°, n.° 5, e 12.° do Regulamento n.° 1260/1990.


16 —      Acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, Colet., p. I‑5769, n.° 23).


17 —      V. conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott, em 30 de setembro de 2010, no processo Association Belge des Consommateurs Test‑Achats ASBL (C‑236/09, n.° 30).


18 —      A única medida legislativa que garante a igualdade de tratamento na situação concreta das mulheres agricultoras independentes, e que é aplicável ratione temporis é a Diretiva 86/613/CEE, de 11 de dezembro de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente incluindo a atividade agrícola, bem como à proteção da maternidade (JO L 359, p. 56). Contudo, nenhuma das suas disposições pode ser interpretada no sentido de cobrir a discriminação no contexto do apoio à reforma antecipada. A Diretiva 86/613 foi revogada, com efeitos a partir de 5 de agosto de 2012, pelo artigo 17.° da Diretiva 2010/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente e que revoga a Diretiva 86/613/CEE do Conselho (JO 2010 L 180, p. 1).


19 —      Acórdão de 13 de novembro de 2011, Comissão/Itália (C‑46/07 Colet., p. I‑151, n.° 35).


20 —      O caso em apreço é, portanto, o inverso da situação verificada no acórdão de 18 de dezembro de 1997, Annibaldi (C‑309/96, Colet., p. I‑7493), em que se considerou que a regulamentação nacional em questão, que foi impugnada com base, designadamente, no princípio da igualdade de tratamento, não era «abrangida pelo direito comunitário» (v. n.° 24) por diferentes razões, uma das quais consistiu no facto de não existir «qualquer elemento que [permitisse] concluir que a Lei regional [tivesse] como objetivo dar aplicação a uma disposição do direito comunitário no domínio agrícola, no domínio do ambiente ou da cultura». V. n.° 21.


21 —      Observo que, de acordo com a decisão do Tribunal no acórdão de 18 de novembro de 2010, Kleist (C‑356/09, Colet., p. I‑11 939, n.os 30 e 31), a discriminação sofrida por B. Soukupová parece ser direta. Isto significa que, se a questão for regulada pelos Tratados ou pelas diretivas da igualdade de tratamento, as razões justificativas estão limitadas, salvo no caso das ações positivas, às previstas nos tratados e na legislação secundária pertinente. No entanto, a discriminação em causa no presente processo verifica‑se no contexto da aplicação e execução por um Estado‑Membro de um ato legislativo geral da União Europeia. Neste contexto, a proibição da discriminação entre homens e mulheres é uma manifestação concreta do princípio geral da igualdade de tratamento, que está sempre sujeito à categoria ampla da «justificação objetiva». V., por exemplo, acórdão Association belge des Consommateurs Test‑Achats ASBL, n.° 28.


22 —      Acórdão de 20 de outubro de 2011, Brachner (C‑123/10, Colet., p. I‑10003, n.os 70 e 71, e jurisprudência aí referida. Também observo que, no n.° 69, o Tribunal de Justiça observou que lhe tinha sido colocada a questão de saber se uma desvantagem podia ser justificada pelo facto de as mulheres, nesse caso, começarem a receber a sua pensão mais cedo. Nos n.os 76 a 79, o Tribunal de Justiça respondeu negativamente a esta questão.


23 —      V., por exemplo, acórdão de 22 de junho de 2011, Landtová (C‑399/09 Colet., p. I‑5573, n.° 51 e jurisprudência referida). V. também acórdão de 21 de junho de 2007, Jonkman (C‑231/06 a C‑233/06, Colet., p. I‑5149, n.os 36 a 40 sobre as obrigações que incumbem aos Estados‑Membros, incluindo os respetivos órgãos jurisdicionais, quando se constate uma discriminação em violação do direito da União Europeia.