Language of document : ECLI:EU:C:2018:440

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de junho de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigos 34.o e 35.o TFUE — Livre circulação de mercadorias — Restrições quantitativas — Medidas de efeito equivalente — Proteção dos suínos — Produtos produzidos ou comercializados em Espanha — Normas de qualidade para a carne, o presunto, a pá e o lombo de porco ibérico — Condições para utilização da denominação “de cebo” — Melhoria da qualidade dos produtos — Diretiva 2008/120/CE — Âmbito de aplicação»

No processo C‑169/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por decisão de 27 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de abril de 2017, no processo

Asociación Nacional de Productores de Ganado Porcino

contra

Administración del Estado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, C. G. Fernlund, J.‑C. Bonichot, S. Rodin (relator) e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de março de 2018,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação da Asociación Nacional de Productores de Ganado Porcino, por J. M. Rodríguez Cárcamo, abogado, e N. Olmos Castro, abogada,

–        em representação do Governo espanhol, por M. A. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Patakia e I. Galindo Martín, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 34.o e 35.o TFUE, bem como do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 12.o da Diretiva 2008/120/CE do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativa às normas mínimas de proteção de suínos (JO 2009, L 47, p. 5).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Asociación Nacional de Productores de Ganado Porcino (a seguir «Associação») à Administración del Estado (Administração do Estado, Espanha), a respeito de um Real Decreto, aprovado pelo Governo espanhol, que aprova as normas de qualidade para a carne, o presunto, a pá e o lombo de porco ibérico.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 7 e 8 da Diretiva 2008/120 enunciam:

«(7)      É necessário, por conseguinte, estabelecer normas mínimas comuns de proteção de suínos de criação e de engorda para garantir o desenvolvimento racional da produção.

(8)      Os suínos deverão dispor de um ambiente que corresponda às suas necessidades de exercício e de comportamento exploratório. O bem‑estar dos suínos é comprometido por importantes restrições de espaço.»

4        O artigo 1.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«A presente diretiva estabelece as normas mínimas de proteção dos suínos confinados para efeitos de criação e de engorda.»

5        O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros asseguram que todas as explorações cumpram os seguintes requisitos:

a)      A superfície livre de pavimento disponível para cada leitão desmamado ou para cada suíno de criação criado em grupo, excluindo as marrãs após a cobrição e as porcas, deve ter pelo menos as seguintes dimensões:

Peso vivo em kg


m2

Até 10

0,15

De 10 a 20

0,20

De 20 a 30

0,30

De 30 a 50

0,40

De 50 a 85

0,55

De 85 a 110

0,65

Mais de 110

1,00

[…]»

6        O artigo 12.o da mesma diretiva dispõe:

«No que se refere à proteção dos porcos, os Estados‑Membros podem, na observância das regras gerais do Tratado, manter ou aplicar no seu território disposições mais rigorosas do que as previstas na presente diretiva. Devem informar a Comissão de todas as medidas tomadas nesse sentido.»

 Direito espanhol

7        O artigo 1.o do Real Decreto 4/2014 por el que se aprueba la norma de calidad para la carne, el jamón, a paleta y la caña de lomo ibérico (Real Decreto 4/2014, que aprova as normas de qualidade para a carne, o presunto, a pá e o lombo de porco ibérico), de 10 de janeiro de 2014 (BOE n.o 10, de 11 de janeiro de 2014, p. 1569), tem a seguinte redação:

«Este real decreto tem por objeto estabelecer as características de qualidade que os produtos provenientes da desmancha da carcaça de porcos ibéricos que são produzidos ou comercializados frescos bem como o presunto, a pá, o paio do lombo de porco ibérico transformados ou comercializados em Espanha devem reunir, para poderem utilizar as denominações de venda estabelecidas no presente diploma, sem prejuízo do cumprimento da legislação geral que lhes seja aplicável.

São também admitidos os produtos produzidos em Portugal, com base nos acordos celebrados entre as autoridades de Espanha e Portugal relativos à produção, transformação, comercialização e controlo dos produtos de porco ibérico.

Por outro lado, os produtos abrangidos por um selo de qualidade reconhecido a nível da União Europeia (Denominação de Origem Protegida ou Indicação Geográfica Protegida) que pretendam utilizar as denominações de venda previstas na presente regulamentação ou qualquer dos termos nela incluídos têm de cumprir o estabelecido na mesma.»

8        O artigo 3.o, n.o 1, do Decreto 4/2014 enuncia:

«A denominação de venda dos produtos regulados por este real decreto é obrigatoriamente composta por três designações, que devem ser indicadas pela seguinte ordem:

a)      Designação por tipo de produto:

i)      Para produtos transformados: […]

ii)      Para os produtos não transformados comercializados obtidos da desmancha da carcaça: […]

b)      Designação por alimentação e maneio:

i)      ‟De bellota”: Para produtos provenientes de animais abatidos imediatamente após o aproveitamento exclusivo de recursos naturais do montado.

ii)      Para os produtos provenientes de animais cuja alimentação e maneio, até atingirem o peso de abate, não são abrangidos pelo ponto anterior, são utilizadas as seguintes designações:

1.      “De cebo de campo”: Tratando‑se de animais que embora tenham podido aproveitar recursos do montado ou do campo, tenham sido alimentados com rações, constituídas fundamentalmente por cereais e leguminosas, e cujo maneio seja realizado em explorações extensivas ou intensivas ao ar livre podendo ter parte da área coberta. […]

2.      ‟De cebo”: No caso de animais alimentados com rações para animais, constituídas fundamentalmente por cereais e leguminosas, cujo maneio seja realizado em sistemas de exploração intensiva, de acordo com o disposto no artigo 8.o

c)      Designação por raça […]

[…]»

9        O artigo 8.o, n.os 1 e 2, deste decreto, com a epígrafe «Condições de maneio para os animais que dão origem a produtos com a designação “de cebo”», dispõe:

«1.      Sem prejuízo das condições de criação previstas no [Real Decreto n.o 1135/2002, relativo a las normas mínimas para la protección de cerdos (Real Decreto n.o 1135/2002, relativo às normas mínimas de proteção de suínos), de 31 de outubro (BOE n.o 278, de 20 de novembro de 2002)], os animais de criação com mais de 110 quilogramas de peso vivo que deem origem a produtos com a designação “de cebo” devem dispor de uma área mínima total de pavimento por animal de 2 m2, na sua fase de engorda.

2.      A idade mínima para o abate é de 10 meses.»

10      A terceira disposição adicional do referido decreto prevê:

«Os requisitos da norma de qualidade adotada não são aplicáveis aos produtos legalmente produzidos ou comercializados em conformidade com outras especificações nos outros Estados‑Membros da União Europeia, nem aos produtos originários dos países da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), nem às partes contratantes do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) ou aos Estados partes num acordo de associação aduaneira com a União Europeia.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      O Real Decreto 4/2014 foi objeto de um recurso de contencioso administrativo interposto pela Associação no órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha).

12      Em apoio desse recurso, a Associação alega que o decreto em causa provoca uma distorção da concorrência ao nível da União, ao impor um aumento dos custos de produção do porco ibérico em Espanha. Assim, a Associação considera que esta regulamentação constitui uma restrição quantitativa à exportação, contrária ao artigo 35.o TFUE, dado que os produtores concorrentes, estabelecidos noutros Estados‑Membros, não têm de suportar custos gerados por uma medida como a que é imposta pelo Governo espanhol.

13      Além disso, a Associação alega perante o órgão jurisdicional de reenvio que o Real Decreto 4/2014 viola o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/120, conjugado com o artigo 12.o da mesma diretiva, uma vez que as medidas introduzidas por este decreto não visam proteger os suínos, mas têm como objetivo o aumento do preço do porco ibérico.

14      Por outro lado, a Associação sustenta que o objetivo de aumentar a qualidade dos produtos, expressamente referido no Real Decreto 4/2014, não pode ser alcançado através das medidas nele previstas, na medida em que, por um lado, não está demonstrado que a duplicação da área total mínima de pavimento livre por animal aumentará a qualidade do porco e, por outro, a fixação da idade mínima para abate em dez meses, quando o peso ótimo para o abate dos suínos é alcançado cerca dos oito meses, terá como efeito a colocação à venda de produtos com um peso demasiado elevado, que não terão escoamento no mercado e para os quais não será possível obter um aumento do preço proporcional ao aumento do peso.

15      O órgão jurisdicional de reenvio entende que os produtores espanhóis de produtos que ostentam a denominação «ibérico de cebo» estão em desvantagem em relação aos outros produtores da União, na medida em que têm de suportar custos de produção mais elevados do que estes últimos. Além disso, os produtores da União seriam dissuadidos de exportar os seus produtos para Espanha, uma vez que não podem obter a referida denominação para os seus produtos, dado que os mesmos não são produzidos a partir de porco criado nas condições estabelecidas pelo Real Decreto 4/2014. No entanto, admite que, por força da terceira disposição adicional deste decreto, a Espanha deverá admitir a comercialização, no seu território de produtos, de produtos com denominações similares, semelhantes ou idênticas provenientes de outros Estados‑Membros, mesmo que não tenham sido produzidos em conformidade com as exigências do referido decreto, desde que cumpram as normas de qualidade desses outros Estados‑Membros.

16      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao facto de a Diretiva 2008/120 constituir uma base jurídica válida do Real Decreto 4/2014, na medida em que o artigo 12.o desta diretiva permite a adoção de medidas nacionais mais rigorosas unicamente quando se destinam a uma melhor proteção dos animais, ao passo que o referido decreto visa não a proteção de suínos, mas a melhoria da qualidade dos produtos. Em todo o caso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade do referido decreto com o artigo 12.o da Diretiva 2008/120, uma vez que este último artigo permite medidas nacionais mais restritivas apenas aplicáveis no território nacional.

17      Nestas condições, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 34.o e 35.o TFUE ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional como o artigo 8.o, n.o 1, do [Real Decreto n.o 4//2014], que condiciona a utilização do termo “ibérico” nos produtos transformados ou comercializados em Espanha ao facto de os criadores de porcos de raça ibérica em sistemas de exploração intensiva (de engorda) aumentarem a área livre mínima total de pavimento por animal com mais de 110 kg de peso vivo para 2 m2, mesmo que se demonstre — se for o caso — que a finalidade da referida medida consiste em melhorar a qualidade dos produtos aos quais se refere a disposição?

2)      Deve o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da [Diretiva 2008/120] ser interpretado no sentido de que ambos os artigos se opõem a uma disposição nacional como o artigo 8.o, n.o 1 do [Real Decreto n.o 4/2014], que condiciona a utilização do termo “ibérico” nos produtos transformados ou comercializados em Espanha ao facto de os criadores de porcos de raça ibérica em sistemas de exploração intensiva (de engorda) aumentarem a área mínima livre total de pavimento por animal com mais de 110 kg de peso vivo para 2 m2, embora a finalidade da disposição nacional consista em melhorar a qualidade dos produtos, e não especificamente em melhorar a proteção conferida aos suínos?

Em caso de resposta negativa à questão anterior, deve o artigo 12.o da Diretiva [2008/120], em conjugação com os artigos 34.o e 35.o [TFUE], ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma disposição como o artigo 8.o, n.o 1, do Real Decreto n.o 4/2014, exija aos produtores de outros Estados‑Membros, com a finalidade de melhorar a qualidade dos produtos transformados ou comercializados em Espanha — e não a proteção dos suínos —, o preenchimento das mesmas condições de criação dos animais exigidas aos produtores espanhóis para que os produtos obtidos a partir dos seus suínos possam beneficiar das denominações de venda reguladas pelo referido Real Decreto?

3)      Devem os artigos 34.o e 35.o TFUE ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como o artigo 8.o, n.o 2, do [Real Decreto n.o 4/2014], que fixa uma idade mínima de abate de 10 meses para os suínos destinados à transformação em produtos da categoria [“de cebo”], com o objetivo de melhorar a categoria dos referidos produtos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e terceira questões

18      Com a primeira e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 34.o e 35.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a denominação de venda «ibérico de cebo» só pode ser atribuída aos produtos que obedeçam a certas condições impostas pela referida regulamentação.

 Quanto ao artigo 34.o TFUE

19      A título preliminar, a Comissão Europeia contesta a pertinência da questão prejudicial sobre a compatibilidade do Real Decreto 4/2014, na medida em que, por um lado, a recorrente no processo principal não invocou este fundamento de anulação perante o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) e, por outro, todos os elementos do litígio no processo principal estão circunscritos ao interior de um Estado‑Membro.

20      A este respeito, por um lado, importa recordar que cabe exclusivamente ao juiz nacional, que deve decidir o litígio e assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, à luz das particularidades do litígio, quer a necessidade quer a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (v. Acórdão de 21 de junho de 2016, New Valmar, C‑15/15, EU:C:2016:464, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

21      Por outro lado, há que salientar que toda e qualquer medida nacional suscetível de entravar, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, o comércio na União deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas na aceção do artigo 34.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 2012, Elenca, C‑385/10, EU:C:2012:634, n.o 22, e de 6 de outubro de 2015, Capoda Import‑Export, C‑354/14, EU:C:2015:658, n.o 39 e jurisprudência aí referida).

22      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esta disposição se destina a ser aplicada não apenas aos efeitos atuais, mas também aos efeitos potenciais de uma regulamentação. Não pode ser afastada pelo facto de não existir até ao presente qualquer caso concreto que envolva um nexo com outro Estado‑Membro (Acórdão de 22 de outubro de 1998, Comissão/França, C‑184/96, EU:C:1998:495, n.o 17 e jurisprudência aí referida).

23      Por conseguinte, há que considerar que a questão de saber se o artigo 34.o TFUE se opõe a uma regulamentação nacional como o Decreto Real 4/2014 é pertinente para a solução do litígio no processo principal, pelo que há que lhe responder.

24      A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma legislação nacional que sujeita mercadorias provenientes de outros Estados‑Membros, onde elas são legalmente fabricadas e comercializadas, a certas condições para poderem utilizar a denominação genérica comummente utilizada para esse produto e que impõe assim, eventualmente, aos produtores a utilização de denominações desconhecidas ou menos apreciadas pelo consumidor não exclui certamente, de modo absoluto, a importação no Estado‑Membro em causa de produtos originários de outros Estados‑Membros. No entanto, não deixa de ser suscetível de tornar a sua comercialização mais difícil e, por conseguinte, de entravar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros (Acórdão de 5 de dezembro de 2000, Guimont, C‑448/98, EU:C:2000:663, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

25      Ora, no caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, por um lado, que a regulamentação nacional em causa no processo principal não diz respeito a uma denominação genérica comummente utilizada no território da União e, por outro, que esta regulamentação não contém proibições de importação ou venda dos produtos derivados do porco ibérico sob denominações diferentes das previstas pela referida regulamentação.

26      Com efeito, a regulamentação em causa no processo principal contém uma disposição, interpretada pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que os produtos derivados do porco ibérico e produzidos segundo as regras aplicáveis noutros Estados‑Membros da União sob denominações semelhantes, similares ou idênticas às contidas no Real Decreto 4/2014 podem ser importados e comercializados no mercado espanhol sob tais denominações, mesmo que não satisfaçam totalmente as exigências previstas por esse decreto. Esta disposição assim interpretada garante que a regulamentação nacional em causa no processo principal não constitui um entrave ao comércio interestadual (v., a contrario, Acórdão de 22 de outubro de 1998, Comissão/França, C‑184/96, EU:C:1998:495).

27      Além disso, como recorda a Comissão, a legislação da União manifesta uma tendência geral para valorizar a qualidade dos produtos no quadro da política agrícola comum, a fim de favorecer a reputação dos referidos produtos (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 2000, Bélgica/Espanha, C‑388/95, EU:C:2000:244, n.o 53, e de 8 de setembro de 2009, Budějovický Budvar, C‑478/07, EU:C:2009:521, n.o 109).

28      Nestas condições, não se pode considerar que o artigo 34.o TFUE se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a denominação de venda «ibérico de cebo» só pode ser atribuída aos produtos que obedeçam a certas condições impostas por essa regulamentação nacional, na medida em que esta última permite a importação e a comercialização dos produtos provenientes de Estados‑Membros diferentes do que adotou a referida regulamentação nacional, sob as denominações que ostentam segundo a regulamentação do seu Estado‑Membro de origem, mesmo que sejam semelhantes, similares ou idênticas às denominações previstas pela regulamentação nacional em causa no processo principal.

 Quanto ao artigo 35.o TFUE

29      É ponto assente que uma medida nacional aplicável a todos os operadores que atuam no território nacional que afete mais a saída dos produtos do mercado do Estado‑Membro de exportação do que a comercialização dos produtos no mercado nacional desse Estado‑Membro se enquadra na proibição prevista no artigo 35.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2016, New Valmar, C‑15/15, EU:C:2016:464, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

30      No caso em apreço, importa salientar que a regulamentação em causa no processo principal não faz distinção entre os produtos destinados a ser vendidos no mercado nacional, por um lado, e os produtos destinados ao mercado da União, por outro. Com efeito, todos os produtores espanhóis que pretendam vender os seus produtos derivados do porco ibérico sob as denominações de venda estabelecidas pelo Decreto Real 4/2014 devem respeitar os requisitos do referido decreto, independentemente do mercado em que pretendem vender os seus produtos.

31      Por conseguinte, há que declarar que o artigo 35.o TFUE não se opõe a uma regulamentação nacional como o Decreto Real 4/2014.

 Quanto à segunda questão

32      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/120, conjugado com o artigo 12.o da mesma diretiva, se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que subordina a utilização de certas denominações de venda nos produtos derivados do porco ibérico produzidos ou comercializados em Espanha ao respeito, pelos produtores, de condições de criação do porco ibérico mais estritas do que as previstas neste artigo 3.o, n.o 1, alíneas a), e uma idade mínima de abate de dez meses.

33      Para responder a esta questão, há que salientar que o objetivo da Diretiva 2008/120, como resulta do seu artigo 1.o, consiste em estabelecer as normas mínimas de proteção dos suínos confinados para efeitos de criação e de engorda. Estas normas visam, segundo o considerando 7 desta diretiva, assegurar a proteção de suínos de criação e de engorda para garantir o desenvolvimento racional da produção. Para o efeito, como resulta do considerando 8 da mesma diretiva, esta prevê diversas regras destinadas, nomeadamente, a garantir que os suínos disponham de um ambiente que corresponda às suas necessidades de exercício e de comportamento exploratório.

34      Ora, há que salientar que a regulamentação nacional em causa no processo principal tem por objetivo não a proteção dos suínos, mas a melhoria da qualidade dos produtos, pelo que não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/120.

35      Todavia, ao aumentar quer a área mínima de pavimento de que os suínos devem dispor quer a idade de abate, esta regulamentação não é suscetível de comprometer o bem‑estar dos animais e não é, portanto, incompatível com a referida diretiva.

36      Nestas condições, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/120, conjugado com o artigo 12.o da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que subordina a utilização de certas denominações de venda nos produtos derivados do porco ibérico produzidos ou comercializados em Espanha ao respeito, pelos produtores, de condições de criação do porco ibérico mais estritas do que as previstas neste artigo 3.o, n.o 1, alíneas a), e uma idade mínima de abate de dez meses.

 Quanto às despesas

37      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      Os artigos 34.o e 35.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que:

–        O artigo 34.o TFUE não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a denominação de venda «ibérico de cebo» só pode ser atribuída aos produtos que obedeçam a certas condições impostas por essa regulamentação nacional, na medida em que esta última permite a importação e a comercialização dos produtos provenientes de EstadosMembros diferentes do que adotou a referida regulamentação nacional, sob as denominações que ostentam segundo a regulamentação do seu EstadoMembro de origem, mesmo que sejam semelhantes, similares ou idênticas às denominações previstas pela regulamentação nacional em causa no processo principal.

–        O artigo 35.o TFUE não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

2)      O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/120/CE do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativa às normas mínimas de proteção de suínos, conjugado com o artigo 12.o da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que subordina a utilização de certas denominações de venda nos produtos derivados do porco ibérico produzidos ou comercializados em Espanha ao respeito, pelos produtores, de condições de criação do porco ibérico mais estritas do que as previstas neste artigo 3.o, n.o 1, alíneas a), e uma idade mínima de abate de dez meses.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.