Language of document : ECLI:EU:C:2017:756

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de outubro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 296.°, n.° 2 — Artigo 299.° — Regime comum forfetário dos produtores agrícolas — Exclusão do regime comum — Requisitos — Conceito de “categoria de produtores agrícolas”»

No processo C‑262/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal Superior, Secção Tributária e da Chancelaria (Reino Unido)], por decisão de 10 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de maio de 2016, no processo

Shields & Sons Partnership

contra

Commissioners of Her Majesty’s Revenue & Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, M. Safjan, D. Šváby e M. Vilaras (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de março de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Shields & Sons Partnership, por G. Edwards, assistido por M. C. P. Thomas, barrister,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por G. Brown e J. Kraehling, na qualidade de agentes, assistidas por R. Chapman, barrister,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas e S. Ghiandoni, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Owsiany‑Hornung, R. Lyal e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de junho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Shields & Sons Partnership à Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Autoridade Tributária e Aduaneira, Reino Unido) (a seguir «autoridade tributária»), sobre a revogação por esta última do certificado de participação no regime comum forfetário dos produtores agrícolas (a seguir «regime forfetário») que lhe foi emitido.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O título XII da Diretiva IVA define os regimes especiais da tributação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA). O capítulo 2 deste título, que inclui os artigos 295.° a 305.° desta diretiva, diz respeito ao regime forfetário.

4        O artigo 296.° da diretiva IVA dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros podem aplicar aos produtores agrícolas em relação aos quais seja difícil aplicar o regime normal do IVA ou, se for o caso, o regime especial previsto no [c]apítulo 1 um regime forfetário destinado a compensar a carga do IVA pago relativamente às aquisições de bens e de serviços efetuadas pelos agricultores sujeitos ao regime forfetário em conformidade com o presente capítulo.

2.      Os Estados‑Membros podem excluir do regime forfetário certas categorias de produtores agrícolas e bem assim os produtores agrícolas relativamente aos quais a aplicação do regime normal do IVA ou, se for o caso, das regras simplificadas previstas no artigo 281.° não apresente dificuldades de ordem administrativa.

3.      Os agricultores sujeitos ao regime forfetário podem optar pela aplicação do regime normal do IVA ou, se for o caso, das regras simplificadas previstas no artigo 281.°, de acordo com as regras e as condições fixadas por cada Estado‑Membro.»

5        Nos termos do artigo 297.° desta diretiva:

«Os Estados—Membros estabelecem, se necessário, as percentagens forfetárias de compensação. Os Estados—Membros podem estabelecer percentagens forfetárias de compensação diferenciadas para a silvicultura, para os diversos subsetores da agricultura e para as pescas.

Antes de aplicarem as percentagens forfetárias de compensação fixadas ao abrigo do disposto no primeiro parágrafo, os Estados‑Membros devem notificá‑las à Comissão.»

6        O artigo 298.° da referida diretiva prevê:

«As percentagens forfetárias de compensação são determinadas com base nos dados macroeconómicos relativos apenas aos agricultores sujeitos ao regime forfetário nos últimos três anos.

As percentagens podem ser arredondadas em meio ponto por excesso ou por defeito. Os Estados‑Membros podem igualmente reduzir essas percentagens até ao nível zero.»

7        O artigo 299.° da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«As percentagens forfetárias de compensação não podem ter por efeito que os agricultores sujeitos ao regime forfetário recebam reembolsos superiores à carga fiscal do IVA a montante.»

 Direito do Reino Unido

8        Sob a epígrafe «Produtores agrícolas, etc.», a Section 54 da Value Added Tax Act 1994 (Lei de 1994 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado, a seguir «Lei de 1994») enuncia:

«1)      A [autoridade tributária] pode, em conformidade com as disposições da regulamentação por ela aprovada, emitir, para efeitos da presente section, um certificado a qualquer pessoa que demonstre:

a)      que explora um negócio que envolve uma ou mais das atividades designadas;

b)      que se enquadra numa categoria e cumpre os requisitos estipulados; […]

[…]

3)      A [autoridade tributária] pode fixar, mediante regulamentos, o montante incluído na contraprestação paga por qualquer fornecimento de bens ou prestação de serviços tributável que seja efetuado:

a)      no âmbito de atividades pertinentes do seu negócio por uma pessoa que, no período relevante, seja titular de um certificado nos termos do presente artigo;

b)      numa data em que essa pessoa não seja um sujeito passivo;

c)      a um sujeito passivo,

que será equiparado, para efeitos de determinação do direito do destinatário do bem ou serviço a uma dedução fiscal nos termos dos artigos 25.° e 26.°, ao IVA cobrado sobre os fornecimentos de bens ou prestações de serviços a essa pessoa.

4)      O montante que, para efeitos de qualquer dedução realizada ao abrigo do n.° 3, pode ser incluído na contraprestação paga por um fornecimento de bens ou prestação de serviços, corresponderá a uma percentagem da quantia que, acrescida desse montante, seja igual à referida contraprestação, sendo essa percentagem fixada por portaria do Ministério das Finanças.

5)      A competência atribuída à [autoridade tributária] por regulamentos adotados ao abrigo da Section 39 para proceder ao reembolso às pessoas abrangidas por esta section do IVA a montante a que teriam direito se fossem sujeitos passivos no Reino Unido inclui a competência para prever o pagamento às pessoas abrangidas por esta section de quantias correspondentes aos montantes que, caso fossem sujeitos passivos no Reino Unido, essas pessoas suportariam a título de imposto a montante por força das disposições da presente section; as referências nessa Section [39], ou em qualquer outro diploma, ao reembolso do IVA serão interpretadas em conformidade.

6)      Os regulamentos aprovados ao abrigo da presente section poderão estabelecer:

[…]

b)      os casos em que [a autoridade tributária] pode revogar um certificado e o procedimento de revogação;

[…]

8)      Para efeitos da presente section, entende‑se por “atividades designadas” as atividades designadas por portaria do Ministério das Finanças, exercidas por uma pessoa que, em virtude desse exercício, deva ser equiparada a um produtor agrícola para efeitos do artigo 25.° da [Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ‑ Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54)] (regime comum forfetário para produtores agrícolas).»

9        No ponto 1 da parte II do anexo da Value Added Tax (Flat‑rate Scheme for Farmers) (Designated Activities) Order 1992 [Portaria de 1992 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (regime comum forfetário para produtores agrícolas) (atividades designadas)] está incluída a criação de animais entre as atividades que permitem a uma pessoa participar no regime forfetário.

10      A Value Added Tax (Flat‑rate Scheme for Farmers) (Percentage Addition) Order 1992 [Portaria de 1992 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (regime forfetário para produtores agrícolas) (percentagem adicional)] fixa em 4% a taxa de compensação forfetária, que se aplica a todos os produtores agrícolas que participam no referido regime.

11      A Value Added Tax Regulations 1995 (Regulamento de 1995 relativo ao imposto sobre o valor acrescentado) inclui um título XXIV, adotado em aplicação da Section 54 da Lei de 1994 e no qual figuram as Regulations 202 a 211

12      Sob a epígrafe «Regime forfetário», a Regulation 203 do Regulamento de 1995 relativo ao imposto sobre o valor acrescentado dispõe:

«1)      [A autoridade tributária] emitirá, nas condições previstas pela Regulation 204, o certificado de produtor agrícola forfetário para efeitos do presente regime forfetário […]

2)      Quando uma pessoa detenha, durante o período pertinente, um certificado emitido ao abrigo da presente regulation (seja ela, ou não, sujeito passivo), qualquer fornecimento de produtos ou prestação de serviços que a mesma efetue no âmbito ou para os fins da parte em causa da sua atividade não serão tomados em consideração com o objetivo de determinar se essa pessoa cumpriu ou deixou de cumprir os requisitos para estar inscrita em conformidade com o referido anexo 1 da [Lei de 1994], ou se adquiriu ou deixou de ter o direito de estar inscrita.»

13      A Regulation 204 desse regulamento, sob a epígrafe «Requisitos de inscrição no regime», prevê:

«Os requisitos referidos na Regulation 203 são os seguintes:

a)      a pessoa demonstrar à [autoridade tributária] que exerce uma ou mais das atividades designadas;

b)      nos três exercícios fiscais anteriores ao seu pedido de participação, a pessoa não:

i)      ter sido condenada por nenhuma infração relacionada com o IVA;

ii)      ter procedido a uma regularização financeira em matéria de IVA para evitar sanções nos termos da Section 152 da Customs and Excise Management Act 1979 [Lei das alfândegas e dos impostos especiais de consumo de 1979], conforme aplicada pela Section 72(12) da [Lei de 1994];

iii)      não ter sido destinatário de uma sanção nos termos da Section 60 da [Lei de 1994];

c)      a pessoa apresentará o seu pedido de participação por via do formulário n.° 14 previsto no anexo 1 do presente regulamento; e

d)      a pessoa demonstrará à [autoridade tributária] que os montantes totais referidos na Regulation 209 relativos aos fornecimentos e prestações que efetua ao longo do exercício fiscal seguinte à data da sua participação não excedem 3 000 [libras esterlinas (GBP) (cerca de 3 410 euros)] ou mais do que o montante do imposto a montante que poderia ser deduzido a título deste exercício.»

14      Segundo a Regulation 206(1)(i) do Regulamento de 1995 relativo ao imposto sobre o valor acrescentado, a autoridade tributária pode revogar o certificado de participação de uma pessoa no regime forfetário quando considere necessário para preservar as receitas.

15      O ponto 7.2 do VAT Notice 700/46/12 (Comunicação IVA 700/46/12, a seguir «comunicação IVA»), documento que o órgão jurisdicional de reenvio precisa não ter força de lei, mas que a autoridade tributária considera definir uma categoria de produtores agrícolas a excluir do regime forfetário, prevê:

«São excluídos do regime […] se se verificar que recuperam um montante substancialmente mais elevado como participantes no regime forfetário do que se estivessem sujeitos ao regime normal do IVA.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      A recorrente no processo principal é uma sociedade constituída por membros de uma mesma família e que exerce uma atividade agrícola na Irlanda do Norte (Reino Unido). Faz criação de bovinos adquiridos a uma sociedade associada, a Shield Livestock Limited, que engorda antes de os revender à Anglo Beef Processors, sociedade que explora um matadouro.

17      Por conselho desta última, a recorrente no processo principal apresentou um pedido de participação no regime forfetário, o qual foi aceite em 1 de maio de 2004. Estava assim no direito de aumentar o preço de venda dos bovinos com uma taxa forfetária de 4%, aumento que dava direito, aos seus clientes, à dedução. No seu pedido de participação, estimou que o seu volume de negócios durante o primeiro exercício a seguir à sua participação ascenderia a 700 000 GBP (cerca de 795 760 euros). O exercício contabilístico encerrado em 30 de junho de 2003 contabilizou um montante de vendas de 633 718 GBP (cerca de 720 410 euros).

18      Em 27 de junho de 2012, agentes da autoridade tributária reuniram‑se com o revisor oficial de contas da recorrente no processo principal, a fim de determinar se a mesma podia continuar a beneficiar do regime forfetário. No decurso desta reunião, foram avaliadas várias demonstrações financeiras, nomeadamente as contas de resultados e os balanços da recorrente no processo principal, assim como um quadro comparativo dos montantes que a mesma havia recebido em aplicação da taxa forfetária de 4% e os montantes que poderia ter deduzido do imposto a montante se estivesse sujeita ao regime normal do IVA.

19      Os agentes da autoridade tributária constataram assim que, para os exercícios contabilísticos de 2004/2005 a 2011/2012, a recorrente no processo principal havia auferido, da sua participação no regime forfetário, uma vantagem financeira que ascendia aos 374 374 884,23 GBP (cerca de 426 170 euros).

20      Por decisão de 15 de outubro de 2012, a autoridade tributária revogou o certificado de participação no regime forfetário da recorrente no processo principal, alegando que os ganhos recebidos em aplicação da taxa de compensação forfetária ultrapassavam significativamente o imposto a montante que poderia ter deduzido caso estivesse sujeita ao regime normal do IVA.

21      Na sequência de uma reclamação da recorrente no processo principal, a autoridade tributária confirmou essa decisão.

22      Por decisão de 8 de outubro de 2014, o First‑tier Tribunal (Tax chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido] negou provimento ao recurso da recorrente no processo principal, que interpôs recurso no Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal Superior, Secção Tributária e da Chancelaria (Reino Unido)].

23      Este último tribunal refere que as partes no processo principal divergem, no âmbito do processo principal, sobre duas questões relativas à interpretação da Diretiva IVA.

24      A primeira é a questão de saber se os casos em que um produtor agrícola pode ser excluído do regime forfetário são só os previstos no artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA.

25      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a recorrente no processo principal alega que este artigo estabelece a lista exaustiva dos requisitos mediante os quais um Estado‑Membro pode excluir os produtores agrícolas do regime forfetário, pelo que a Diretiva IVA não confere aos Estados‑Membros nenhum poder discricionário para excluir determinada pessoa. Segundo a recorrente no processo principal, o regime forfetário deve ser gerido de forma a alcançar a neutralidade fiscal do IVA em aplicação das disposições pertinentes da Diretiva IVA. Entre essas disposições, indica que o artigo 296.°, n.° 2, da diretiva prevê a possibilidade de excluir não determinados produtores, mas categorias de produtores agrícolas assim como os produtores para os quais a aplicação do regime normal do IVA não representa dificuldades administrativas. Por último, precisa que o artigo 299.° da Diretiva IVA diz apenas respeito à fixação das percentagens forfetárias de compensação para garantir que o regime forfetário é, globalmente, fiscalmente neutro e que este artigo não permite excluir um determinado produtor desse regime.

26      A autoridade tributária considera que, para garantir a neutralidade fiscal do IVA, os Estados‑Membros podem submeter a participação no regime forfetário a outros requisitos além dos referidos pela recorrente no processo principal, com a condição de não infringirem nenhuma disposição da Diretiva IVA. Segundo a autoridade tributária, o objetivo do regime forfetário é aproximar‑se, tanto quanto possível, da neutralidade fiscal do IVA no plano individual e global. Considera que permitir que determinados produtores continuem a participar nesse regime quando a vantagem que os mesmos retiram é muito substancial iria comprometer, para os produtores agrícolas considerados no seu conjunto, a neutralidade fiscal do IVA.

27      O segundo aspeto, referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, sobre o qual as partes no processo principal divergem é o da interpretação do conceito de «categorias de produtores agrícolas» na aceção do artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA.

28      Segundo a recorrente no processo principal, a autoridade tributária excluiu‑a do regime forfetário tendo em conta a sua situação individual e não devido à sua inclusão numa categoria de produtores agrícolas definida em conformidade com o artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA. Ora, o termo «categoria» designa um grupo que pode ser identificado com base em características objetivas, que permitem a qualquer agricultor determinar com um grau razoável de certeza se é ou não abrangido por esse grupo. No caso em apreço, a autoridade tributária não identificou nenhum grupo de produtores agrícolas de forma suficientemente certa. Aceitar como categoria de produtores agrícolas, na aceção do artigo 296.°, n.° 2, a prevista pela autoridade tributária conferiria a esta última um poder discricionário na medida em que tal categoria iria resultar de termos imprecisos ou que conferem à referida autoridade toda a margem para tomar a sua decisão com base em fatores subjetivos.

29      A autoridade tributária considera que a categoria prevista é suficientemente precisa para constituir uma categoria de produtores agrícolas na aceção do artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA e a definida no ponto 7.2 da Comunicação IVA 700/46/12, segundo a qual podem ser excluídos do benefício do regime forfetário os produtores agrícolas relativamente aos quais se tenha constatado que o montante que recuperam enquanto produtores agrícolas sujeitos ao regime forfetário é substancialmente mais elevado do que o montante que teriam recuperado se estivessem sujeitos ao regime normal do IVA. A Regulation 206(1)(i) do Regulamento de 1995 relativo ao imposto sobre o valor acrescentado vai também nesse sentido.

30      Nestas circunstâncias, o Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) (Tribunal Superior, Secção Tributária e da Chancelaria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No contexto do regime comum forfetário para produtores agrícolas estabelecido pelo capítulo 2 do título XII da [Diretiva IVA], deve o artigo 296.°, n.° 2, [da mesma] ser interpretado no sentido de que regula de forma exaustiva os casos em que um Estado‑Membro pode excluir um produtor agrícola do [regime forfetário]? Em especial:

a)      Um Estado‑Membro só pode excluir produtores agrícolas do [regime forfetário] nos casos previstos no [referido] artigo 296.°, n.° 2?

b)      Um Estado‑Membro pode também invocar o artigo 299.° para excluir um produtor agrícola do [regime forfetário]?

c)      O princípio da neutralidade fiscal confere a um Estado‑Membro o direito de excluir um produtor agrícola do [regime forfetário] para produtores agrícolas?

d)      Os Estados‑Membros têm o direito de excluir os produtores agrícolas do [regime forfetário] para produtores agrícolas com quaisquer outros fundamentos?

2)      Como deve ser interpretada a expressão “categorias de produtores agrícolas” que figura no artigo 296.°, n.° 2, da [Diretiva IVA]? Em especial:

a)      Deve uma categoria relevante de produtores agrícolas poder ser identificada por referência a características objetivas?

b)      Pode uma categoria relevante de produtores agrícolas poder ser identificada por referência a fatores de natureza económica?

c)      Que nível de precisão é exigido na identificação de uma categoria de produtores agrícolas que um Estado‑Membro se propôs excluir?

d)      A expressão em causa habilita um Estado‑Membro a definir como categoria relevante os “produtores agrícolas relativamente aos quais se tenha constatado que recuperam um montante substancialmente mais elevado enquanto participantes no regime forfetário do que recuperariam se estivessem sujeitos ao IVA”?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que define de forma exaustiva o conjunto de casos em que um Estado‑Membro pode excluir um produtor agrícola do regime forfetário ou se o artigo 299.° desta diretiva, o princípio da neutralidade fiscal ou outros motivos podem fundar tal exclusão.

32      A título preliminar, há que salientar que, no processo principal, a autoridade tributária revogou, a título individual, o certificado de participação no regime forfetário da recorrente no processo principal, alegando que os proventos auferidos em aplicação da taxa de compensação forfetária ultrapassavam significativamente o imposto a montante que a mesma poderia ter deduzido caso estivesse sujeita ao regime normal do IVA.

33      Há que recordar que o regime comum forfetário é um regime derrogatório que constitui uma exceção ao regime geral da Diretiva IVA e deve, portanto, ser aplicado apenas na medida do necessário para atingir o seu objetivo (acórdãos de 15 de julho de 2004, Harbs, C‑321/02, EU:C:2004:447, n.° 27; de 8 de março de 2012, Comissão/Portugal, C‑524/10, EU:C:2012:129, n.° 49; e de 12 de outubro de 2016, Nigl e o., C‑340/15, EU:C:2016:764, n.° 37).

34      Entre os dois objetivos prosseguidos por esse regime, conta‑se o imperativo da simplificação administrativa para os agricultores em causa, o qual deve ser conciliado com o da compensação da carga do IVA suportado a montante pelos agricultores na aquisição de bens utilizados em necessidade das suas atividades (v., nesse sentido, acórdãos de 8 de março de 2012, Comissão/Portugal, C‑524/10, EU:C:2012:129, n.° 50, e de 12 de outubro de 2016, Nigl e o., C‑340/15, EU:C:2016:764, n.° 38).

35      É à luz destas circunstâncias que há que responder à primeira questão.

36      A este respeito, há que salientar que o artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA menciona apenas a possibilidade de excluir do benefício do regime forfetário certas categorias de produtores agrícolas assim como os produtores para os quais a aplicação do regime normal do IVA ou das modalidades simplificadas previstas no artigo 281.° desta diretiva não representam dificuldades administrativas.

37      Ora, nem os objetivos do referido regime forfetário nem o contexto no qual o artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA se insere implicam considerar que o legislador tenha pretendido admitir outros fundamentos de exclusão.

38      De facto, um dos objetivos prosseguidos pelo regime forfetário é o de permitir aos agricultores abrangidos compensar os custos do IVA que suportaram em razão da sua atividade. Contudo, o risco de sobrecompensação do IVA é tomado em consideração pelo artigo 299.° da diretiva em relação ao conjunto dos agricultores forfetários. Para este efeito, este artigo proíbe os Estados‑Membros de estabelecerem percentagens forfetárias de compensação em níveis que teriam por efeito que o conjunto dos agricultores forfetários recebesse reembolsos superiores às cargas do IVA a montante.

39      Por outro lado, os artigos 297.° a 299.° da referida diretiva preveem que a fixação dessas percentagens é estabelecida por cada Estado‑Membro tendo em conta os dados macroeconómicos relativos exclusivamente aos agricultores abrangidos pelo regime forfetário nos últimos três anos. Por conseguinte, o artigo 299.° da mesma diretiva não pode justificar a adoção de uma decisão de excluir, a título individual, um produtor agrícola do regime forfetário tendo conta os reembolsos obtidos por aplicação das referidas percentagens.

40      Por último, embora o órgão jurisdicional de reenvio evoque a possibilidade de revogar um certificado de participação no regime forfetário alegando que, numa situação como a que está em causa no processo principal, o benefício desse regime põe em causa o princípio da neutralidade do IVA, há que observar, tal como salientou o advogado‑geral no n.° 26 das suas conclusões, que o legislador da União baseou deliberadamente esse regime numa certa generalização, em derrogação desse princípio como o podia validamente fazer, na medida em que a neutralidade fiscal, na aceção que este conceito reveste no processo principal, constitui não um princípio jurídico autónomo, mas um dos objetivos prosseguidos pela Diretiva IVA, o que é nomeadamente concretizado pelos artigos 167.° e seguintes desta diretiva, que estabelecem o princípio do direito à dedução do IVA suportado a montante.

41      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, em princípio, o regime forfetário não pode assegurar uma neutralidade perfeita do IVA, na medida em que este regime visa justamente conciliar este objetivo com o de simplificação das regras a que estão sujeitos os agricultores forfetários (v., neste sentido, acórdão de 8 de março de 2012, Comissão/Portugal, C‑524/10, EU:C:2012:129, n.° 53).

42      Nestas condições, não se pode considerar contrário ao direito da União que um produtor agrícola que beneficia desse regime obtenha, como no caso em apreço, compensações do IVA mais elevadas do que o montante do IVA a montante que poderia ter deduzido se estivesse sujeito a este imposto segundo o regime normal ou o regime simplificado de tributação.

43      Por conseguinte, o princípio da neutralidade fiscal não pode justificar uma medida de exclusão do regime forfetário, como a revogação de um certificado de participação nesse regime.

44      Decorre de todas as considerações precedentes que há que responder à primeira questão que o artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que prevê de forma exaustiva o conjunto de casos em que um Estado‑Membro pode excluir um produtor agrícola do regime forfetário.

 Quanto à segunda questão

45      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que os produtores agrícolas em relação aos quais se tenha constatado que o montante que recuperam enquanto participantes no regime forfetário é substancialmente mais elevado do que o montante que recuperariam estando sujeitos ao regime normal ou ao regime simplificado do IVA podem constituir uma categoria de produtores agrícolas na aceção desta disposição.

46      A este respeito, o artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA enuncia as possibilidades de exclusão de produtores agrícolas do regime forfetário, precisando que tal exclusão pode afetar, nomeadamente, categorias de produtores agrícolas, sem no entanto definir o conceito de «categorias de produtores agrícolas».

47      Na verdade, tal conceito remete para a atividade exercida pelos produtores agrícolas em causa, os quais devem possuir uma ou mais características comuns para formar uma categoria.

48      Não é menos verdade que, à luz do princípio da segurança jurídica, as categorias de produtores agrícolas, referidas neste artigo 296.°, n.° 2, devem ser enunciadas com base em critérios objetivos, claros e precisos, pela legislação nacional ou, sendo caso disso, pela autoridade executiva, habilitada a este respeito pelo legislador nacional. Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.° 36 das suas conclusões, esses critérios devem ser estabelecidos previamente, no sentido de que a categoria abrangida pela exclusão deve ser definida a priori e in abstracto, para que qualquer produtor agrícola, aquando da sua decisão de participar no regime, esteja em condições de avaliar se pertence à categoria abrangida pela exclusão e se continuará a pertencer, posteriormente, a esta categoria.

49      Assim, um produtor agrícola deve poder efetuar ex ante uma análise individual da sua situação para determinar se, tendo em conta os critérios objetivos fixados por esta legislação, faz parte de uma categoria de produtores excluídos do regime forfetário. Em contrapartida, uma categoria de produtores agrícolas, na aceção do artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA, não pode ser definida por referência a critérios que não permitem às pessoas envolvidas proceder a uma análise individual, pois nessa situação não seriam tomados em consideração os requisitos de clareza e de certeza das situações jurídicas.

50      No caso em apreço, esta é precisamente a situação do critério de exclusão do regime forfetário fundado no conceito de montante «substancialmente mais elevado».

51      Resulta do conjunto das considerações precedentes que o artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que os produtores agrícolas relativamente aos quais se tenha constatado que o montante que recuperam enquanto participantes no regime forfetário é substancialmente mais elevado do que o montante que recuperariam estando sujeitos ao regime normal ou ao regime simplificado do IVA não podem constituir uma categoria de produtores agrícolas na aceção desta disposição.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que prevê de forma exaustiva o conjunto de casos em que um EstadoMembro pode excluir um produtor agrícola do regime comum forfetário dos produtores agrícolas.

2)      O artigo 296.°, n.° 2, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que os produtores agrícolas relativamente aos quais se tenha constatado que o montante que recuperam enquanto participantes no regime comum forfetário dos produtores agrícolas é substancialmente mais elevado do que o montante que recuperariam estando sujeitos ao regime normal ou ao regime simplificado do imposto sobre o valor acrescentado não podem constituir uma categoria de produtores agrícolas na aceção desta disposição.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.