Language of document : ECLI:EU:C:2013:768

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de novembro de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos sacos industriais de plástico — Imputabilidade, à sociedade‑mãe, da infração cometida pela filial — Duração excessiva do processo no Tribunal Geral — Princípio da proteção jurisdicional efetiva»

No processo C‑40/12 P,

que tem por objeto um recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 27 de janeiro de 2012

Gascogne Sack Deutschland GmbH, anteriormente Sachsa Verpackung GmbH, com sede em Wieda (Alemanha), representada por F. Puel e L. François‑Martin, advogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre e N. von Lingen, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen, M. Safjan, presidentes de secção, J. Malenovský, E. Levits, A. Ó Caoimh, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, D. Šváby e M. Berger (relatora), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de fevereiro de 2013,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 30 de maio de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Gascogne Sack Deutschland GmbH, anteriormente Sachsa Verpackung GmbH (a seguir, em ambos os casos, «recorrente») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de novembro de 2011, Sachsa Verpackung/Comissão (T‑79/06, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este negou provimento ao seu recurso destinado à anulação parcial e à alteração da Decisão C(2005) 4634 final da Comissão, de 30 de novembro de 2005, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (Processo COMP/F/38.354 — Sacos industriais) (a seguir «decisão controvertida»), e, a título subsidiário, à redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

 Quadro jurídico

2        O Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2003, L 1, p. 1), que substituiu o Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), prevê no seu artigo 23.°, n.os 2 e 3, que substituiu o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17:

«2.      A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)      Cometam uma infração ao disposto nos artigos [81.° CE] ou [82.° CE]; […] […]

A coima aplicada a cada uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.

[…]

3.      Quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.»

3        As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo [65.° CA] (JO 1998, C 9, p. 3; a seguir «orientações de 1998»), aplicáveis à data da adoção da decisão controvertida, indicam no seu n.° 1, que «[o] montante de base [da coima] é determinado em função da gravidade e da duração da infração que constituem os únicos critérios referidos no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17».

4        No que diz respeito à gravidade da infração, o ponto 1, A, primeiro parágrafo, das referidas orientações prevê que a avaliação do critério de gravidade da infração deve ter em conta o caráter da própria infração, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência.

5        De acordo com o segundo parágrafo do mesmo ponto das orientações de 1998, as infrações são classificadas em três categorias: as infrações pouco graves, as infrações graves e as infrações muito graves. Estas últimas são designadamente restrições horizontais de tipo «cartel de preços» e quotas de repartição dos mercados.

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

6        A recorrente é uma sociedade de direito alemão. Em 1994, 90% das suas quotas foram adquiridas pela Gascogne Deutschland GmbH, uma filial a 100% da Groupe Gascogne SA (a seguir «Groupe Gascogne»), uma sociedade de direito francês. Os restantes 10% do seu capital social foram diretamente adquiridos pela Groupe Gascogne. Em 2008, passou a ser designada Gascogne Sack Deutschland GmbH.

7        Em 2001, a British Polythene Industries plc informou a Comissão da existência de um cartel no setor dos sacos industriais.

8        A Comissão procedeu a verificações durante o mês de junho de 2002 e, em julho de 2002, a recorrente informou que pretendia cooperar. A Comissão deu início ao procedimento administrativo em 29 de abril de 2004 e adotou uma comunicação de acusações contra várias sociedades, entre as quais figurava, designadamente, a recorrente.

9        Em 30 de novembro de 2005, a Comissão adotou a decisão controvertida, cujo artigo 1.°, n.° 1, alínea k), dispõe que a recorrente e a Groupe Gascogne violaram o artigo 81.° CE por terem participado, a primeira, entre 9 de fevereiro de 1988 e 26 de junho de 2002, e o segundo, entre 1 de janeiro de 1994 e 26 de junho de 2002, num conjunto de acordos e práticas concertadas no setor dos sacos industriais de plástico na Bélgica, na Alemanha, em Espanha, em França, no Luxemburgo e nos Países Baixos, que consistiam na fixação de preços e no estabelecimento de modelos comuns para o cálculo de preços, na partilha de mercados e na atribuição de quotas de vendas, na repartição dos clientes, das transações e das encomendas, na apresentação de propostas concertadas em determinados concursos públicos e na troca de informações individualizadas.

10      Por este motivo, a Comissão aplicou à recorrente, no artigo 2.°, primeiro parágrafo, alínea i), da decisão controvertida, uma coima de 13,20 milhões de euros, especificando que, desse montante, a Groupe Gascogne era conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento de 9,90 milhões de euros.

 Acórdão recorrido

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de fevereiro de 2006, a recorrente interpôs recurso da decisão controvertida. Pediu, no essencial, que o Tribunal Geral anulasse esta decisão na parte em que lhe diz respeito ou, a título subsidiário, reduzisse o montante da coima que lhe tinha sido aplicada.

12      Em apoio do seu recurso, a recorrente invocou oito fundamentos. Os três primeiros fundamentos, suscitados a título principal, visavam a anulação da decisão controvertida e eram relativos, em primeiro lugar, a um erro manifesto de apreciação quanto ao grau de envolvimento da recorrente no cartel, em segundo lugar, a uma falta de fundamentação da decisão controvertida quanto à participação da recorrente no subgrupo «Alemanha» e, em terceiro lugar, à violação, por um lado, do artigo 81.° CE, na medida em que a Comissão tinha imputado, de forma errada, práticas da recorrente à sua sociedade‑mãe, ou seja, à Groupe Gascogne, e, por outro, do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

13      Os outros cinco fundamentos, invocados a título subsidiário, tinham como objetivo a redução do montante da coima aplicada. O quarto fundamento era relativo a um erro de apreciação quanto à gravidade da infração; o quinto fundamento referia‑se a um erro de apreciação quanto à duração da infração; o sexto fundamento, apresentado a título ainda mais subsidiário, dizia respeito a um erro de apreciação que consistia na falta de tomada em consideração de circunstâncias atenuantes; o sétimo fundamento era relativo a um erro de apreciação quanto à cooperação da recorrente no procedimento administrativo; e o oitavo, a título completamente subsidiário, era relativo a uma violação do princípio da proporcionalidade.

14      Por carta de 20 de outubro de 2010, a recorrente pediu a reabertura da fase escrita do processo devido à ocorrência de um novo elemento de direito no decurso da instância, a saber, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, mais especificamente do artigo 6.° TUE, que elevou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») ao estatuto de direito primário.

15      Na audiência, que teve lugar em 2 de fevereiro de 2011, a recorrente alegou, para além dos fundamentos invocados na sua petição, a violação da presunção de inocência consagrada nos artigos 48.° da Carta e 6.° da Convenção Europeia de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). A este respeito, o Tribunal Geral decidiu o seguinte, nos n.os 92 a 93 do acórdão recorrido:

«92      […] a acusação da recorrente relativa a uma violação do princípio da presunção de inocência, garantido pelo artigo 48.° da Carta, acresce aos argumentos desenvolvidos no âmbito dos fundamentos invocados na fase da petição inicial e não apresenta uma ligação suficientemente estreita com os argumentos inicialmente desenvolvidos para que possa ser considerado resultante da evolução normal do debate num processo contencioso. Esta acusação deve, portanto, ser considerada nova.

93      Por conseguinte, importa determinar se a entrada em vigor, em 1 de dezembro de 2009, do Tratado da União Europeia, designadamente do seu artigo 6.°, que confere à Carta o mesmo valor jurídico que os Tratados, constitui um facto novo que justifique a formulação de novas acusações. A este respeito, importa observar que, à data da adoção da decisão [controvertida], o princípio da presunção de inocência decorria da ordem jurídica da União e era garantida por esta, na sua qualidade de princípio geral do direito da União, nos processos relativos às violações das regras de concorrência […]»

16      O Tribunal Geral deduziu então que a recorrente não pode invocar as alterações introduzidas na ordem jurídica da União pela entrada em vigor do Tratado de Lisboa para sustentar, na audiência, que o princípio da presunção de inocência foi violado.

17      Quanto aos três fundamentos de anulação invocados na petição, o Tribunal Geral considerou‑os improcedentes. No que respeita em particular à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à violação do artigo 81.° CE, na medida em que a Comissão imputou de forma errada práticas da recorrente à sua sociedade‑mãe, a saber, o Grupo Gascogne, o Tribunal Geral começou por recordar, no n.° 87 do acórdão recorrido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da qual resulta que, quando uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras de concorrência, existe uma presunção simples segundo a qual a referida sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial. Em seguida, o Tribunal Geral declarou, no n.° 88 do referido acórdão, que era pacífico que «a Groupe Gascogne [detinha] a totalidade do capital da recorrente, de modo que a Comissão podia presumir que a sociedade‑mãe exercia uma influência determinante na sua filial». O Tribunal Geral acrescentou que a Comissão tinha, além disso, precisado que «a Groupe Gascogne recebia mensalmente informações por parte da recorrente, que esta última estava funcionalmente integrada na parte ‘embalagens flexíveis’ do grupo e que os dirigentes do grupo estavam representados no ‘Beirat’, o órgão de fiscalização e de gerência da recorrente». Após ter reproduzido, no n.° 89 do mesmo acórdão, os argumentos invocados pela recorrente para refutar estes elementos, o Tribunal Geral concluiu, no n.° 90 do acórdão recorrido que «[c]ontudo, há que concluir que esses elementos não são suscetíveis de inverter a presunção segundo a qual a Groupe Gascogne exercia uma influência determinante na recorrente».

18      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, uma vez que a Comissão não respeitou o limite de 10% do volume de negócios da empresa em causa no cálculo da parte da coima aplicada pela infração cometida entre 9 de fevereiro de 1988 e 31 de dezembro de 1993, o Tribunal Geral declarou nos n.os 108 e 109 do acórdão recorrido:

«108      […] quando é feita uma distinção entre um primeiro período, relativamente ao qual a filial é considerada única responsável da infração, e um segundo período, relativamente ao qual a sociedade‑mãe e a filial são consideradas solidariamente responsáveis pela infração, o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 não impõe que a Comissão verifique se a parte da coima por cujo pagamento a sociedade‑mãe não é considerada solidariamente responsável excede 10% do volume de negócios individual da filial. O limite máximo previsto nessa disposição tem por único objetivo impedir a aplicação de uma coima excessiva, tendo em conta a dimensão global da entidade económica à data da adoção da decisão, sendo de importância limitada a esse respeito o volume de negócios da sociedade que é individualmente responsável pela infração, registado à data em que a infração foi cometida ou no momento em que a coima foi aplicada.

109      A circunstância de a Comissão ter, na sua prática decisória anterior, feito uma aplicação diferente dessa disposição, que se revelou ser vantajosa para a sociedade em causa, não influencia esta consideração. Como a Comissão observou, basta referir, a este respeito, que não está vinculada à sua prática decisória anterior, que não constitui, em todo o caso, um quadro jurídico para o cálculo do montante das coimas […]»

19      O Tribunal Geral rejeitou igualmente os outros cinco fundamentos, invocados a título subsidiário, relativos à redução do montante da coima. No que respeita em especial à primeira parte do quarto fundamento, em que se alega que a Comissão não tomou em consideração, para o cálculo da coima, a incidência concreta da infração no mercado, considerando que não era quantificável, o Tribunal Geral declarou, no n.° 117 do acórdão recorrido, que, «como resulta da redação das orientações [de 1998], o impacto concreto da infração no mercado só é tomado em consideração para efeitos da avaliação da gravidade da infração quando seja quantificável». No n.° 118 do referido acórdão, o Tribunal Geral rejeitou, por esse motivo, o argumento da recorrente segundo o qual devia reduzir o montante da coima aplicada pela Comissão quando o impacto da infração no mercado não seja mensurável. Neste contexto, distinguiu o presente processo do que deu origem ao acórdão de 5 de abril de 2006, Degussa/Comissão (T‑279/02, Colet., p. II‑897), invocado pela recorrente. Para esse efeito, declarou, no n.° 119 do mesmo acórdão, que, «no caso em apreço, por um lado, a Comissão não afirma poder quantificar o impacto da infração no mercado e, por outro, a recorrente não apresentou nenhum argumento e não deduziu nenhum elemento que indicasse que o cartel não tinha, na realidade, produzido qualquer efeito, e que não teve, por isso, nenhum impacto no mercado».

20      No final da sua análise de todos os fundamentos de recurso invocados pela recorrente, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade.

 Pedidos das partes e tramitação no Tribunal de Justiça

21      A recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

¾        A título principal, anular o acórdão recorrido e remeter o processo ao Tribunal Geral para que este decida sobre as consequências financeiras que tem para a recorrente o facto de o Tribunal Geral ter excedido um prazo de julgamento razoável;

¾        A título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pela Comissão, para ter em conta as referidas consequências financeiras;

¾        Condenar a Comissão nas despesas.

22      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

¾        Negar provimento ao recurso e

¾        Condenar a recorrente nas despesas.

23      Por carta de 11 de setembro de 2012, a recorrente, baseando‑se no artigo 42.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, na versão aplicável nessa data, pediu a reabertura da fase escrita devido à intervenção de um novo elemento, a saber, a situação financeira gravemente deficitária em que se encontra.

24      Em aplicação dos artigos 24.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e 61.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça convidou as partes, o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e os Estados‑Membros a responderem a questões relativas aos critérios que permitem avaliar o caráter razoável da duração de um processo no Tribunal Geral e as medidas suscetíveis de solucionarem as consequências da sua duração excessiva.

 Quanto ao recurso

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

25      Com o seu primeiro fundamento, a recorrente alega que, ao não tirar consequências da entrada em vigor, em 1 de dezembro de 2009, do Tratado de Lisboa, e, designadamente, do artigo 6.° TUE, que confere à Carta o mesmo valor jurídico que os Tratados, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Este não teve em consideração que estava em causa um elemento novo na aceção do artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo e que essa circunstância permitia à recorrente invocar na pendência da instância um fundamento novo, relativo à presunção de inocência garantida pelo artigo 48.° da Carta. Com efeito, segundo a recorrente, a presunção que permite imputar à sociedade‑mãe, que detém 100% do capital de uma filial, o comportamento anticoncorrencial desta última constitui uma presunção de culpabilidade incompatível com a Carta.

26      A Comissão retorquiu que este fundamento é demasiado genérico, na medida em que não explica a razão pela qual a entrada em vigor do Tratado de Lisboa constitui um elemento de direito novo e que, por conseguinte, esse fundamento não procede.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

27      A título liminar, há que concluir que, no seu recurso, a recorrente não alega que fez referência à Carta na petição inicial.

28      Quanto à questão de saber se, como defende a recorrente, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa deveria ter sido considerada um elemento que se revelou durante o processo no Tribunal Geral e que, a esse título, justificava, em conformidade com o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a apresentação de novos fundamentos, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que essa entrada em vigor, que inclui a Carta no direito primário da União, não pode ser considerar um elemento de direito novo na aceção do artigo 42.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do seu Regulamento de Processo. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça sublinhou que, mesmo antes da entrada em vigor desse Tratado, já tinha declarado por diversas vezes que o direito a um processo equitativo, tal como decorre, designadamente, do artigo 6.° da CEDH constitui um direito fundamental que a União Europeia respeita enquanto princípio geral por força do artigo 6.°, n.° 2, UE (v., designadamente, acórdão de 3 de maio de 2012, Legris Industries/Comissão, C‑289/11 P, n.° 36).

29      Esta interpretação dada pelo Tribunal de Justiça para efeitos da aplicação do seu Regulamento de Processo vale mutatis mutandis para a aplicação das disposições correspondentes do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

30      Seja como for, a jurisprudência posterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa confirmou que a presunção segundo a qual uma sociedade‑mãe que detém a totalidade ou a quase‑totalidade do capital da sua filial exerce efetivamente uma influência determinante sobre esta não é incompatível com o princípio da presunção de inocência (v., neste sentido, acórdãos de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.os 46, 47, 108 e 113, e de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, n.os 108 a 111 e jurisprudência referida).

31      Por conseguinte, há que julgar o primeiro fundamento de recurso invocado pela recorrente improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

32      O segundo fundamento de recurso tem duas partes. A primeira refere‑se a uma violação pelo Tribunal Geral do seu dever de fundamentar o seu acórdão no que respeita à rejeição dos argumentos invocados pela recorrente para provar a sua autonomia comercial. A segunda parte refere‑se a um erro de direito do Tribunal Geral, uma vez que este não sancionou a falta de fundamentação da decisão controvertida quanto ao cálculo do limite da coima aplicada.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento

—       Argumentos das partes

33      A recorrente observa que, no n.° 89 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral se refere a diferentes elementos que tinha invocado para provar que a Groupe Gascogne não exercia controlo efetivo na sua política comercial. Ora, no n.° 90 do referido acórdão, o Tribunal Geral limitou‑se a rejeitar esses elementos de forma lapidar, ao utilizar a fórmula estereotipada «há que concluir [...]», sem verificar cada um desses elementos nem indicar as razões pelas quais não eram suficientemente probatórios. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral violou o dever de fundamentação que lhe incumbe por força de jurisprudência constante.

34      A Comissão responde que o dever de o Tribunal Geral fundamentar as suas decisões não pode ser interpretado no sentido de que este é obrigado a responder pormenorizadamente a cada argumento invocado por uma parte, em especial quando esse argumento não é suficientemente claro e preciso, o que teria sido o caso das considerações avançadas pela recorrente no Tribunal Geral.

—       Apreciação do Tribunal de Justiça

35      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o dever de fundamentação dos acórdãos, que incumbe ao Tribunal Geral por força dos artigos 36.° e 53.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, não o obriga a fazer uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, desde que permita que os interessados conheçam as razões nas quais assenta o acórdão recorrido e que o Tribunal de Justiça disponha de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso de um acórdão do Tribunal Geral (v., designadamente, acórdão Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., já referido, n.° 64).

36      No caso em apreço, o Tribunal Geral reproduziu, nos n.os 78 a 82 do acórdão recorrido, a argumentação desenvolvida pela recorrente, segundo a qual incumbe à Comissão, para poder imputar as práticas de uma filial à sua sociedade‑mãe, estabelecer a existência de uma determinação efetiva por esta última do comportamento da filial no mercado, o que essa instituição não fez no caso concreto.

37      Em resposta à referida argumentação, o Tribunal Geral começou por recordar, no n.° 87 do acórdão recorrido, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da qual resulta que, quando uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras da concorrência, existe uma presunção ilidível segundo a qual esta sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial.

38      O Tribunal Geral referiu em seguida que a recorrente era uma filial a 100% da Groupe Gascogne, o que bastava para justificar a aplicação da referida presunção. Indicou igualmente determinados indícios adicionais que a Comissão tinha comunicado nesse contexto.

39      Após ter referido, no n.° 89 do acórdão recorrido, os elementos concretos que a recorrente invocou para provar a sua autonomia, o Tribunal Geral declarou expressamente, no n.° 90 do mesmo acórdão, que não eram suscetíveis de ilidir a presunção segundo a qual a Groupe Gascogne exercia uma influência determinante na recorrente. O Tribunal Geral observou a este respeito que esta última se limitava a simples afirmações e não produzia nenhum elemento de prova em apoio das mesmas.

40      Como a advogada‑geral observou no n.° 63 das suas conclusões, embora o Tribunal Geral não faça expressamente referência ao dever que cabia à recorrente de ilidir a presunção recordada no n.° 87 do acórdão recorrido, a lógica dos n.os 88 a 90 do mesmo reproduz de forma clara e inequívoca as etapas da fundamentação seguida pelo Tribunal Geral para rejeitar os elementos apresentados pela recorrente.

41      Nestas circunstâncias, a fundamentação exposta pelo Tribunal Geral, nos n.os 87 a 90 do acórdão recorrido, é suficiente para permitir à recorrente conhecer as razões nas quais assenta esse acórdão e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso.

42      A primeira parte do segundo fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento

—       Argumentos das partes

43      A recorrente recorda que, perante o Tribunal Geral, tinha contestado o montante de 3,3 milhões de euros que deve pagar sozinha a título de coima e que corresponde ao período compreendido entre 9 de fevereiro de 1988 e 31 de dezembro de 1993, durante o qual não era propriedade da Groupe Gascogne, alegando que esse montante excede o limite de 10% do volume de negócios realizado pela empresa em causa durante o exercício social precedente, conforme previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. A recorrente baseava‑se a este respeito na Decisão C(2003) 4570 final da Comissão, de 10 de dezembro de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑2/37.857 — Peróxidos orgânicos), cujo resumo foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 30 de abril de 2005 (JO L 110, p. 44, a seguir «decisão ‘peróxidos orgânicos’»), da qual resulta que, quando a Comissão opera uma distinção entre o período pelo qual uma sociedade é a única responsável pelas suas práticas e o período pelo qual a sociedade‑mãe que adquiriu o controlo da mesma se torna responsável pelas práticas da sua filial, o limite de 10% do volume de negócios realizado durante o último exercício social deve ser apreciado separadamente em relação às duas sociedades.

44      No seu recurso, a recorrente alega que, ao limitar‑se a decidir, no n.° 109 do acórdão recorrido, que a Comissão não está vinculada pela sua prática decisória anterior, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Com efeito, devia ter sancionado a Comissão por ter alterado a sua prática sem fundamentar de forma circunstanciada e inequívoca essa mesma mudança de abordagem. A recorrente baseia‑se a este respeito no acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão (C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 167).

45      Segundo a Comissão, o simples facto de, numa decisão anterior, ter podido seguir outra abordagem não equivale a «instaurar uma prática habitual». A situação da qual emergiu o presente litígio nada tem a ver com a que deu lugar ao acórdão invocado pela recorrente, na qual o Tribunal de Justiça se baseia em circunstâncias excecionais (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.os 165 e 167).

—       Apreciação do Tribunal de Justiça

46      A título liminar, importa recordar que o dever de fundamentação previsto no artigo 296.°, n.° 2, TFUE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, a qual faz parte da legalidade em sede de mérito do ato litigioso (v., designadamente, acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.° 146 e jurisprudência referida).

47      No caso em apreço, a recorrente contestou no Tribunal Geral a procedência do método utilizado pela Comissão na decisão controvertida para calcular o montante da coima cujo pagamento deve assegurar sozinha. Para sustentar a sua argumentação, referiu‑se à decisão «peróxidos orgânicos», sem pôr em causa a natureza adequada da fundamentação da decisão controvertida quanto a este ponto.

48      Nos n.os 107 e 108 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou, à luz do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, o método utilizado pela Comissão e rejeitou a argumentação da recorrente quanto ao mérito.

49      O Tribunal Geral indicou apenas a título complementar, no n.° 109 do acórdão recorrido, que a circunstância de a Comissão, na sua prática decisória anterior, ter feito uma aplicação diferente do referido artigo 23.°, n.° 2, que se revelou ser vantajosa para a sociedade em causa, não influenciava a interpretação a dar, na sua opinião, a essa disposição.

50      Ora, a segunda parte do segundo fundamento não contém nenhuma crítica da análise jurídica efetuada pelo Tribunal Geral nos n.os 107 e 108 do acórdão recorrido, mas visa o erro de direito que este alegadamente cometeu no n.° 109 do referido acórdão ao não ter sancionado a insuficiência da fundamentação da decisão controvertida em relação à divergência que apresenta com a decisão «peróxidos orgânicos».

51      A dita segunda parte introduz assim um argumento novo, que consiste em contestar o caráter adequado da fundamentação da decisão controvertida quanto ao método de cálculo utilizado pela Comissão para determinar o limite legal de 10%.

52      Daqui decorre que o referido argumento deve ser declarado inadmissível, uma vez que, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça está, em princípio, limitada à apreciação da solução legal que foi dada aos fundamentos debatidos perante os juízes competentes para apreciar o mérito.

53      A recorrente não pode, de resto, pretender, como fez na audiência, que a segunda parte do segundo fundamento se refere a um erro de direito que o Tribunal Geral alegadamente cometeu na interpretação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

54      Com efeito, no recurso, a referida parte do fundamento é explicitamente relativa à «falta de fundamentação». De resto, na sua argumentação, a recorrente refere‑se apenas ao n.° 109 do acórdão recorrido, que se limita a recordar que a Comissão não está vinculada à sua prática decisória anterior e que não contém nenhuma interpretação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

55      Tendo em conta o que precede, a segunda parte do segundo fundamento deve ser rejeitada. Portanto, este fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

56      Com a primeira parte do seu terceiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral não declarou a violação cometida, em seu entender, pela Comissão do seu dever de fundamentação da decisão controvertida no que respeita ao impacto concreto da infração no mercado.

57      A recorrente reconhece que, segundo as orientações de 1998, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça, a Comissão não é obrigada a demonstrar um impacto concreto no mercado quando a infração é qualificada, como no caso em apreço, de muito grave. Recorda que a tomada em consideração de tal elemento adicional permite no entanto à Comissão aumentar o montante de base da coima.

58      Ora, a fundamentação da decisão controvertida é equívoca a este respeito. Ao consagrar todo um desenvolvimento ao impacto da infração, quando não tinha essa obrigação, a Comissão criou uma dúvida quanto à questão de saber se esse critério tinha ou não sido tido em conta para majorar o montante de base da coima. Além disso, a confusão foi agravada pelo facto de a Comissão considerar, por um lado, que o impacto no mercado não era quantificável e, por outro, que esse impacto podia necessariamente ser deduzido da execução dos acordos colusórios. A recorrente teria assim sido impedida de preparar utilmente a sua defesa. O Tribunal Geral, sem ter controlado a fundamentação da decisão controvertida, teria, por seu turno, fornecido uma fundamentação ilógica e inadequada.

59      Com a segunda parte do seu terceiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral não sancionou o erro de direito cometido pela Comissão, na medida em que deduziu a existência de um impacto concreto no mercado da mera execução dos acordos colusórios, sem fornecer, como exige a jurisprudência, indícios concretos, credíveis e suficientes.

60      A Comissão considera que este fundamento é inadmissível nas suas duas partes, dado que não foi suscitado em primeira instância. No Tribunal Geral, a recorrente limitou‑se a alegar que, como a sua participação na infração foi limitada, o seu impacto também foi reduzido.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

61      Para apreciar a admissibilidade do terceiro fundamento de recurso, há que recordar a argumentação avançada pela recorrente em primeira instância quanto à questão do impacto concreto da infração no mercado.

62      Esta questão foi abordada perante o Tribunal Geral no âmbito do quarto fundamento, que foi invocado para efeitos da redução da coima e é relativo a um alegado erro de apreciação da Comissão quanto à gravidade da infração. Como resulta dos n.os 113 a 115 do acórdão recorrido, a recorrente, em primeiro lugar, censurou a Comissão por ter considerado, em violação das orientações de 1998, que, para estabelecer a gravidade da infração, não era necessário que o seu impacto pudesse ser calculado. Em segundo lugar, observou que a Comissão tinha contudo tentado demonstrar os efeitos concretos do cartel ao referir um certo número de práticas em que alegava não ter estado implicada, o que, segundo a recorrente, devia ser tido em conta na apreciação da gravidade da infração que lhe foi imputada. Em terceiro lugar, a recorrente alega que a própria Comissão reconheceu que não era possível calcular com precisão o impacto concreto da infração, o que, em sua opinião, justificava uma redução da coima.

63      Assim, afigura‑se que a argumentação da recorrente, na primeira parte do terceiro fundamento do seu recurso, relativa a uma alegada falta de fundamentação da decisão controvertida é nova, não tendo a recorrente invocado, em primeira instância, dificuldades relativas à compreensão da referida decisão nem relativas à apresentação da sua defesa.

64      Pelos motivos recordados no n.° 52 do presente acórdão, a referida parte do fundamento deve ser rejeitada por inadmissível.

65      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à não declaração pelo Tribunal Geral de um alegado erro de direito cometido pela Comissão na apreciação da existência de um impacto no mercado, basta observar que, à luz da argumentação desenvolvida pela recorrente em primeira instância, conforme recordada no n.° 62 do presente acórdão, deve ser igualmente considerada nova. Por conseguinte, pelos mesmos motivos que os expostos no n.° 52 do presente acórdão, é inadmissível.

66      Não podendo nenhuma das partes do terceiro fundamento proceder, este fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao quarto fundamento

 Argumentos das partes

67      Com este fundamento, a recorrente alega que o seu direito fundamental a que a causa seja decidida num prazo razoável, como garante o artigo 6.° da CEDH, foi violado no caso em apreço.

68      A recorrente recorda que o processo no Tribunal Geral começou em 23 de fevereiro de 2006 e terminou em 16 de novembro de 2011. Sublinha que, entre o fim da fase escrita e a primeira informação que recebeu quanto ao estado do processo, decorreu um longo período de inércia do Tribunal Geral.

69      Segundo a recorrente, nem a complexidade ou a amplitude do dossier, nem o número de empresas ou o número de línguas do processo em causa podem justificar a total falta de tratamento do processo pelo Tribunal Geral durante o referido período.

70      A recorrente alega que, quando interpôs o seu recurso da decisão controvertida no Tribunal Geral, optou por não pagar imediatamente a coima aplicada e, em contrapartida, foi obrigada a aceitar pagar juros sobre o montante da coima e a constituir uma caução bancária. A duração excessiva do processo teve por efeito um aumento das despesas relativas a essas diligências.

71      Assim, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido ou, a título subsidiário, reduza o montante da coima que lhe foi aplicada para ter em conta as referidas consequências financeiras, tomando em consideração os encargos financeiros que teve de suportar em razão da violação do seu direito à observância de um prazo de julgamento razoável.

72      A título preliminar, a Comissão alega que este fundamento é inadmissível porque não foi suscitado na audiência no Tribunal Geral.

73      Quanto ao mérito, a Comissão considera que, em caso de inobservância de um prazo razoável no âmbito de um recurso jurisdicional interposto contra uma decisão que aplica uma coima a uma empresa por violação das regras de concorrência, a solução adequada não deveria ter a forma de uma redução da coima aplicada, mas de uma ação de indemnização. A título subsidiário, a Comissão considera que, se o Tribunal de Justiça decidir que houve uma violação do princípio do prazo razoável e que essa violação exige uma solução que consiste numa redução da coima, essa redução deveria ser simbólica.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

—       Quanto à admissibilidade

74      Como resulta do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e da jurisprudência deste último, o Tribunal de Justiça é competente, no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, para fiscalizar se este último cometeu irregularidades processuais que prejudiquem os interesses da recorrente (v., designadamente, acórdão de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, C‑385/07 P, Colet., p. I‑6155, n.° 176).

75      Quanto à irregularidade invocada no âmbito do presente fundamento, basta recordar que, independentemente do facto de a recorrente se referir ao artigo 6.°, n.° 1, CEDH, o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, que corresponde à referida disposição da CEDH, prevê que «[toda] a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei». Como julgado sucessivas vezes pelo Tribunal de Justiça, este artigo refere‑se ao princípio da tutela jurisdicional efetiva (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 179 e jurisprudência referida).

76      Por conseguinte, tal direito é aplicável no âmbito de um recurso jurisdicional de uma decisão da Comissão (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 178 e jurisprudência referida).

77      Apesar de focalizar as suas críticas principalmente no período de inatividade processual do Tribunal Geral, que decorreu entre o fim da fase escrita e o início da fase oral, a recorrente não invocou a violação desse direito na audiência da primeira instância.

78      Ao contrário do que a Comissão alega, tal omissão não pode implicar a inadmissibilidade do quarto fundamento por ter sido suscitado pela primeira vez no âmbito do presente recurso. Com efeito, se uma parte deve poder suscitar uma irregularidade processual quando considere que uma violação das regras aplicáveis está demonstrada, não pode ser obrigada a fazê‑lo numa fase em que os plenos efeitos dessa violação ainda não são conhecidos. Tratando‑se, em especial, de uma inobservância, pelo Tribunal Geral, do prazo de julgamento razoável, a recorrente que considere que essa inobservância prejudica os seus interesses não é obrigada a alegar imediatamente essa violação. Se for caso disso, pode esperar pelo fim do processo para conhecer a duração total do mesmo e dispor assim de todos os elementos necessários para identificar o prejuízo que considera ter sofrido.

79      O quarto fundamento de recurso invocado pela recorrente é, por conseguinte, admissível.

—       Quanto ao mérito

80      A título preliminar, importa recordar que, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a inobservância de um prazo de julgamento razoável, enquanto irregularidade processual constitutiva da violação de um direito fundamental, deve dar à parte em causa a possibilidade de um recurso efetivo que lhe ofereça uma compensação adequada (v. TEDH, acórdão Kudla c. Polónia de 26 de outubro de 2000, Recueil des arrêts et décisions 2000 XI, §§ 156 e 157).

81      Embora a recorrente peça a anulação do acórdão recorrido e, subsidiariamente, uma redução do montante da coima que lhe foi aplicada, há que observar que o Tribunal de Justiça já declarou que, quando não haja indícios de que a duração excessiva do processo no Tribunal Geral teve influência na solução do litígio, a inobservância de um prazo de julgamento razoável não pode conduzir à anulação do acórdão recorrido (v., neste sentido, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.os 190, 196 e jurisprudência referida).

82      Esta jurisprudência assenta, nomeadamente, na consideração segundo a qual, se a inobservância de um prazo de julgamento razoável não tiver influência na solução do litígio, a anulação do acórdão recorrido não sanaria a violação, pelo Tribunal Geral, do princípio da tutela jurisdicional efetiva (acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 193).

83      No presente caso, a recorrente não forneceu ao Tribunal de Justiça nenhum indício suscetível de fazer transparecer que a inobservância, pelo Tribunal Geral, de um prazo de julgamento razoável pôde ter tido repercussões na solução do litígio que lhe foi submetido.

84      Além disso, importa recordar que, tendo em conta a necessidade de fazer cumprir as regras de concorrência do direito da União, o Tribunal de Justiça não pode aceitar, unicamente por ter sido violado o direito de ser julgado num prazo razoável, que a recorrente ponha em causa o mérito ou o montante de uma coima, quando todos os fundamentos que apresentou para impugnar as conclusões a que o Tribunal Geral chegou a propósito do montante dessa coima e dos comportamentos que esta se destina a punir foram julgados improcedentes (v., neste sentido, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 194).

85      Decorre daqui que, ao contrário do que a recorrente pede, o quarto fundamento não pode conduzir, enquanto tal, à anulação do acórdão recorrido.

86      Na medida em que a recorrente pediu uma redução do montante da coima que lhe foi aplicada de modo a ter em conta as consequências financeiras que resultam para ela da duração excessiva do processo no Tribunal Geral, importa recordar que, num primeiro momento, confrontado com uma situação semelhante, o Tribunal de Justiça deu provimento ao pedido, por razões de economia processual e para garantir uma reparação imediata e efetiva dessa irregularidade processual, e, por conseguinte, procedeu à redução do montante da coima (acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 48).

87      Seguidamente, no quadro de um processo relativo a uma decisão da Comissão que declarava a existência de um abuso de posição dominante, mas que não aplicava uma coima, o Tribunal de Justiça declarou que a inobservância, pelo Tribunal Geral, de um prazo de julgamento razoável pode constituir a base de uma ação de indemnização (acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 195).

88      É verdade que o presente processo diz respeito a uma situação análoga à que deu origem ao acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido. Todavia, um pedido de indemnização apresentado contra a União com fundamento nos artigos 268.° TFUE e 340.°, segundo parágrafo, TFUE, constitui, na medida em que pode abranger todas as situações de inobservância de um prazo razoável de processo, uma solução eficaz e de aplicação geral para invocar e punir uma violação dessa natureza.

89      Assim, o Tribunal de Justiça deve declarar que a violação, por um órgão jurisdicional da União, da sua obrigação resultante do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, de julgar os processos que lhe são submetidos num prazo razoável deve ser punida mediante uma ação de indemnização intentada no Tribunal Geral, uma vez que essa ação constitui uma solução eficaz.

90      Decorre daqui que um pedido destinado a obter a reparação do prejuízo causado pela inobservância, por parte do Tribunal Geral, de um prazo de julgamento razoável não pode ser submetido diretamente ao Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso, mas deve ser submetido ao próprio Tribunal Geral.

91      Quanto aos critérios que permitem apreciar se o Tribunal Geral respeitou o princípio do prazo razoável, importa recordar que o caráter razoável do prazo de julgamento deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, como seja a complexidade do litígio e o comportamento das partes (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 181 e jurisprudência referida).

92      A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que a lista dos critérios relevantes não é exaustiva e que a apreciação do caráter razoável do referido prazo não exige uma análise sistemática das circunstâncias da causa à luz de cada um desses critérios, quando a duração do processo se revela justificada à luz de apenas um deles. Assim, a complexidade de um processo ou um comportamento dilatório do recorrente pode justificar um prazo à primeira vista demasiado longo (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 182 e jurisprudência referida).

93      Ao examinar esses critérios, importa ter em conta o facto de que, em caso de litígio sobre a existência de uma infração às regras da concorrência, a exigência fundamental da segurança jurídica de que devem beneficiar os operadores económicos assim como o objetivo de garantir que a concorrência não seja falseada no mercado interno revestem um interesse considerável não apenas para o próprio recorrente e para os seus concorrentes mas também para os terceiros, em razão do elevado número de entidades interessadas e dos interesses financeiros em jogo (v., designadamente, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, já referido, n.° 186 e jurisprudência referida).

94      Compete igualmente ao Tribunal Geral apreciar tanto a materialidade do dano invocado como o nexo de causalidade desse dano com a duração excessiva do processo jurisdicional controvertido, procedendo a uma análise dos elementos de prova fornecidos para esse efeito.

95      A este respeito, basta sublinhar que, no caso de uma ação de indemnização baseada numa violação, pelo Tribunal Geral, do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, por não ter respeitado as exigências de um prazo de julgamento razoável, incumbe a este último, em conformidade com o artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, tomar em consideração os princípios gerais aplicáveis nas ordens jurídicas dos Estados‑Membros para apreciar os recursos baseados em violações semelhantes. Neste contexto, o Tribunal Geral deve, designadamente, indagar se é possível identificar, para além da existência de um dano material, a de um prejuízo moral que a parte afetada pudesse ter sofrido em razão da inobservância do prazo e que devesse, eventualmente, ser objeto de uma reparação adequada.

96      Cabe então ao Tribunal Geral, competente por força do artigo 256.°, n.° 1, TFUE, pronunciar‑se sobre esses pedidos de indemnização, decidindo com uma formação diferente da que decidiu o litígio que deu origem ao processo cuja duração é criticada e aplicando os critérios definidos nos n.os 91 a 94 do presente acórdão.

97      Assim, há que concluir que a duração do processo no Tribunal Geral, de aproximadamente 5 anos e 9 meses, não pode ser justificada por nenhuma das circunstâncias próprias do processo que deu origem ao presente litígio.

98      Refira‑se, em especial, que o período compreendido entre o final da fase escrita, com a apresentação, em fevereiro de 2007, da tréplica da Comissão, e a abertura da fase oral, em dezembro de 2010, durou cerca de 3 anos e 10 meses. A extensão deste período não pode ser explicada pelas circunstâncias do processo, quer se trate da complexidade do litígio, do comportamento das partes ou ainda da ocorrência de incidentes processuais.

99      Quanto à complexidade do litígio, resulta da análise do recurso interposto pela recorrente para o Tribunal Geral, conforme resumido nos n.os 12 e 13 do presente acórdão, que, embora exigisse uma análise aprofundada, os fundamentos invocados não apresentavam um grau de dificuldade especialmente elevado. Ainda que uma quinzena de destinatários da decisão controvertida tenham interposto recursos de anulação dessa decisão no Tribunal Geral, esta circunstância não pôde impedir esse órgão jurisdicional de fazer a síntese do dossier e de preparar a fase oral num período de tempo inferior a 3 anos e 10 meses.

100    Cumpre sublinhar que, durante o referido lapso de tempo, o processo não foi interrompido nem atrasado pela adoção, pelo Tribunal Geral, de qualquer medida de organização do processo.

101    Quanto ao comportamento das partes e à ocorrência de incidentes processuais, o facto de a recorrente ter pedido, no mês de outubro de 2010, a reabertura da fase escrita não pode justificar o atraso de 3 anos e 8 meses que já havia decorrido após o encerramento desta fase. Além disso, como a advogada‑geral referiu no n.° 134 das suas conclusões, a circunstância de a recorrente ter sido avisada, no mês de dezembro de 2010, de que iria ter lugar uma audiência no mês de fevereiro de 2011 revela que esse incidente apenas pôde ter um impacto mínimo na duração global do processo, ou nem sequer teve incidência nessa duração.

102    Tendo em conta os elementos anteriores, há que concluir que o processo seguido no Tribunal Geral violou o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, na medida em que não respeitou as exigências de um prazo de julgamento razoável, o que constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tem por objetivo conferir direitos aos particulares (acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colet., p. I‑5291, n.° 42).

103    Todavia, resulta das considerações expostas nos n.os 81 a 90 do presente acórdão que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto à situação financeira da recorrente

104    Na audiência, a recorrente apresentou ao Tribunal de Justiça informações sobre a sua situação financeira atual, das quais resulta que não está em condições de pagar a coima aplicada pela decisão controvertida. Segundo a recorrente, estes argumentos são admissíveis na medida em que estão relacionados com a ocorrência de um facto novo na aceção do artigo 127.° do Regulamento de Processo, por um lado, e que constituem uma ampliação do quarto fundamento relativo à violação do princípio do prazo razoável, por outro.

105    A Comissão alega que estes argumentos são inadmissíveis por serem novos e, em todo o caso, infundados, pois não assentam em nenhum elemento de prova.

106    A este respeito, recorde‑se que os recursos interpostos no Tribunal de Justiça só podem ter por objeto questões de direito. Ora, a fim de apreciar a capacidade da recorrente para pagar a coima que lhe foi aplicada pela Comissão, o Tribunal de Justiça deve examinar questões de facto que não são da sua competência no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

107    Além disso, também não compete ao Tribunal de Justiça, quando conhece de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, substituir, por motivos de equidade, pela sua apreciação a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação, por estas, das regras de direito da União (v., designadamente, acórdão de 10 de maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, C‑328/05 P, Colet., p. I‑3921, n.° 98 e jurisprudência referida). De resto, é jurisprudência constante que a Comissão não é obrigada, quando procede à determinação do montante da coima, a ter em conta a situação económica da empresa em causa, dado que o reconhecimento de tal obrigação equivaleria a conceder vantagens concorrenciais injustificadas às empresas menos adaptadas às condições do mercado (v., designadamente, acórdão SGL Carbon/Comissão, já referido, n.° 100 e jurisprudência referida).

108    Os argumentos da recorrente relativos à sua situação financeira devem por isso ser julgados por inadmissíveis e, em todo o caso, improcedentes.

109    Todavia, deve acrescentar‑se que, na medida em que a recorrente considera que as suas dificuldades financeiras apresentam um nexo de causalidade com a inobservância, pelo Tribunal Geral, do princípio do prazo de julgamento razoável, é‑lhe legítimo invocar esse argumento no âmbito de um recurso interposto no Tribunal Geral, nos termos dos artigos 268.° e 340.°, segundo parágrafo, TFUE (v. n.os 94 a 96 do presente acórdão).

110    Resulta de todas as considerações precedentes que nenhum dos fundamentos de recurso invocados pela recorrente procedem, e, por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

111    Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

112    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.°, n.° 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da recorrente e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Gascogne Sack Deutschland GmbH é condenada nas despesas do presente recurso.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.