Language of document : ECLI:EU:C:2002:487

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

CHRISTINE STIX-HACKL

apresentadas em 12 de Setembro de 2002 (1)

Processo C-285/01

Isabel Burbaud

contra

Ministério do Trabalho e da Solidariedade

[pedido de decisão prejudicial

apresentado pela Cour administrative d'appel de Douai (França)]

«Interpretação do artigo 39.° CE e da Directiva 89/48/CEE - Reconhecimento dos diplomas de ensino superior - Acesso ao quadro de pessoal de direcção da administração hospitalar - Livre circulação dos trabalhadores»

I - Observações introdutórias

1.
    O presente processo diz respeito ao acesso à profissão de director de hospital em França, em particular, à conformidade das condições francesas de acesso a esta profissão com a Directiva 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos (a seguir «directiva») (2).

II - Enquadramento jurídico

A - Direito comunitário

2.
    Fazem parte das disposições aqui aplicáveis, a par da excepção relativa a empregos na administração pública nos termos do artigo 39.°, n.° 4, CE, a directiva acima referida.

3.
    O artigo 1.° da directiva prevê, entre outros:

«Para os efeitos da presente directiva, entende-se:

a)    Por diploma, qualquer diploma, certificado ou outro título, ou qualquer conjunto de tais diplomas, certificados ou outros títulos:

    -    que tenha sido emitido por uma autoridade competente de um Estado-Membro, designada nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas desse Estado,

    -    de que se depreenda que o titular concluiu com êxito um ciclo de estudos pós-secundários, com uma duração mínima de três anos ou com duração equivalente a tempo parcial, numa universidade ou num estabelecimento de ensino superior ou noutro estabelecimento com o mesmo nível de formação e, se for o caso, que concluiu com êxito a formação profissional requerida para além do ciclo de estudos pós-secundários, e

    -    de que se depreenda que o titular possui as qualificações profissionais requeridas para o acesso a uma profissão regulamentada nesse Estado-Membro ou para o seu exercício,

    desde que a formação sancionada por esse diploma, certificado ou outro título tenha sido preponderantemente adquirida na Comunidade ou desde que o seu titular tenha uma experiência profissional de três anos, certificada pelo Estado-Membro que reconheceu o diploma, certificado ou outro título emitido num país terceiro.

    É equiparado a diploma, na acepção do primeiro parágrafo, qualquer diploma, certificado ou outro título, ou qualquer conjunto de diplomas, certificados e outros títulos, emitido por uma autoridade competente de um Estado-Membro, desde que sancione uma formação adquirida na Comunidade e reconhecida nesse Estado-Membro, por uma autoridade competente, como sendo de nível equivalente e desde que confira nesse Estado-Membro os mesmos direitos de acesso a uma profissão regulamentada ou os mesmos direitos de exercício dessa profissão;

[...]

c)    Por profissão regulamentada, a actividade ou o conjunto de actividades profissionais regulamentadas que constituem essa profissão num Estado-Membro;

d)    Por actividade profissional regulamentada, qualquer actividade profissional cujo acesso ou exercício, ou uma das modalidades de exercício, num Estado-Membro se encontrem subordinados, directa ou indirectamente, por força de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, à posse de um diploma. Constitui designadamente uma modalidade de exercício de uma actividade profissional regulamentada:

    -    o exercício de uma actividade ao abrigo de um título profissional, desde que o uso desse título apenas seja autorizado aos titulares de um diploma fixado em disposições legislativas, regulamentares ou administrativas,

    -    o exercício de uma actividade profissional no domínio da saúde, desde que a remuneração e/ou a retribuição dessa actividade se encontrem subordinadas, ao abrigo do regime nacional de segurança social, à posse de um diploma [...]»

4.
    O artigo 2.° refere, resumidamente:

«A presente directiva aplica-se aos nacionais de um Estado-Membro que desejem exercer, como independentes ou assalariados, uma profissão regulamentada num Estado-Membro de acolhimento.»

5.
    O artigo 3.° prevê, nomeadamente:

«Quando, no Estado-Membro de acolhimento, o acesso a uma profissão regulamentada ou o seu exercício dependerem da posse de um diploma, a autoridade competente não pode recusar a um nacional de um Estado-Membro, por falta de habilitações, o acesso a essa profissão ou o seu exercício, nas mesmas condições que aos seus nacionais:

a)    Se o requerente possuir o diploma exigido por outro Estado-Membro para ter acesso a essa mesma profissão no seu território ou nele a exercer e tiver obtido aquele diploma num Estado-Membro, ou [...]»

6.
    O artigo 4.° permite que o Estado-Membro de acolhimento imponha ao requerente algumas medidas de adaptação, tais como a prova de que possui experiência profissional, a realização de um estágio de adaptação ou a realização de uma prova de aptidão.

B - Direito nacional

7.
    A disposição central no processo principal é configurada pelo Decreto n.° 88-163, de 19 de Fevereiro de 1988, que contém normas especiais de direito do funcionalismo público relativas aos graus e empregos do pessoal de direcção dos estabelecimentos hospitalares (3). Este decreto transpõe a Lei n.° 86-33, o regulamento geral dos funcionários públicos, cujo capítulo IV regula o exercício da função pública nos estabelecimentos hospitalares (4).

8.
    A Lei n.° 86-33 prevê, no artigo 29.°, essencialmente que um «fonctionnaire» é colocado através de um concurso. O artigo 37.° desta lei prevê, designadamente, que a titularização («titularisation») ocorre após a realização de um «stage».

9.
    Resulta do artigo 5.° do Decreto n.° 88-163 que o recrutamento para o quadro de pessoal de direcção da função pública hospitalar francesa é efectuado, em princípio, através de um «concours», ou seja, de um concurso sob a forma de uma prova de selecção. Este concurso confere acesso a um ciclo de formação organizado pela escola nacional de saúde pública de Rennes (a seguir «ENSP»). O ciclo de formação abrange partes teóricas e práticas e tem a duração de 24 a 27 meses. A avaliação tem lugar através de notas dadas em cada uma das disciplinas, enquanto um júri, no final da formação, procede a uma classificação («classement»). Os candidatos que tenham concluído o seu ciclo de formação com aproveitamento são titularizados.

10.
    O Decreto n.° 93-703, de 27 de Março de 1993, relativo à ENSP (5) prevê, nomeadamente, que a ENSP confira diplomas.

11.
    O Decreto n.° 2000-232, de 13 de Março de 2000 (6), prevê que os candidatos que tenham concluído uma formação do mesmo nível na CEE, possam ser dispensados do ciclo de formação ou de partes do mesmo.

III - Matéria de facto e processo principal

12.
    Resulta dos autos que I. Burbaud, que tinha nacionalidade portuguesa e, mais tarde, adquiriu a nacionalidade francesa, obteve, em 1981, a licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa. A sua alegação de que, no ano de 1983, obteve um diploma de administrador hospitalar na Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa e de que, de 1 de Setembro de 1983 a 20 de Novembro de 1989 exerceu na função pública portuguesa as funções de administradora hospitalar, não foi contestada. Em seguida, foi-lhe concedida uma licença para formação, a fim de efectuar o doutoramento em França. Em 2 de Julho de 1993, I. Burbaud requereu ao Ministro delegado da saúde francês a sua integração no quadro dos directores de hospitais da função pública francesa. Por carta com data de 20 de Agosto de 1993, o ministro indeferiu o seu requerimento, fundando-se essencialmente em que a integração na função pública francesa pressupõe a prévia qualificação em concurso.

13.
    Em consequência, I. Burbaud pediu ao Tribunal administratif de Lille a anulação da decisão do Ministro da saúde. Em 8 de Julho de 1997, o Tribunal administratif de Lille indeferiu este pedido. I. Burbaud recorreu desta decisão, em 2 de Outubro de 1997, para a Cour administrative d'appel de Nancy, que remeteu o recurso, em 30 de Agosto de 1999, à Cour administrative d'appel de Douai.

14.
    I. Burbaud afirma que, em conformidade com a directiva, o diploma da Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa devia ser reconhecido em França como equiparado ao cumprimento da escolaridade na ENSP e que, assim, o diploma português de que é titular deveria permitir a sua integração no quadro de pessoal de direcção da função pública, sem passar o concurso de entrada na ENSP.

IV - Questões prejudiciais

15.
    A Cour administrative d'appel de Douai ordenou a suspensão da instância e submeteu as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

«1)    Um curso de formação numa escola de preparação de funcionários como a ENSP, que resulta na titularização na função pública, é equiparável a um diploma na acepção da Directiva [89/48/CEE] do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, e, nessa hipótese, como deverá ser apreciada a equivalência entre o diploma da Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa e o da École nationale de santé publique de Rennes?

2)    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode a autoridade competente subordinar a integração na função pública de funcionários de outro Estado-Membro titulares de diploma equivalente, inclusivamente daqueles que passaram concurso semelhante no respectivo país de origem, a determinadas condições, nomeadamente à aprovação no concurso de entrada na École?»

VI - Quanto à primeira questão prejudicial

A - Alegações das partes

16.
    I. Burbaud sublinhou, na audiência, que o sistema francês é incompatível com o artigo 39.° CE e com o imperativo geral da igualdade de tratamento, na medida em que contém uma discriminação - não apenas indirecta. Para o efeito, I. Burbaud concentrou-se no disposto no artigo 5.° do Decreto n.° 88-163, segundo o qual o diploma da ENSP constitui uma condição de acesso à profissão, e no facto de o sistema do concurso não permitir tomar em consideração os conhecimentos adquiridos noutro Estado-Membro, o que afasta precisamente os interessados mais qualificados. Além disso, a França também não apresenta nenhum motivo justificativo para este sistema.

17.
    I. Burbaud defende ainda a posição de que a directiva se aplica à formação objecto dos autos, uma vez que se trata de uma profissão regulamentada e que está em causa um diploma na acepção do artigo 1.° da directiva. Além disso, os requisitos do artigo 3.° da directiva encontram-se preenchidos. Finalmente, I. Burbaud acentua o paralelismo entre a formação por ela obtida na Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa e a da ENSP.

18.
    O Governo francês contesta que a formação na ENSP, cuja conclusão com aproveitamento conduz à titularização na função pública da administração hospitalar, caia no âmbito de aplicação da directiva. Além disso, ainda que a excepção do artigo 48.°, n.° 4 do Tratado CE (actual artigo 39.°, n.° 4, CE) não seja, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo principal, a actividade objecto do processo está integrada na função pública nacional. Em virtude das especificidades da função pública francesa, a directiva não é aplicável a tais actividades, nem ao estatuto a que estes funcionários se encontram sujeitos.

19.
    O Governo francês recorda que um aluno da ENSP aprovado no concurso de entrada é imediatamente integrado na função pública como «agent stagiaire» remunerado, por um período de experiência, e que a conclusão da formação na ENSP com aproveitamento coincide com a titularização do aluno que constitui, pois, o seu objectivo principal.

20.
    O Governo francês defende, por isso, a posição de que o certificado que atesta este «stage» na ENSP, sem prejuízo da sua qualificação como diploma na acepção do Decreto n.° 93-703, não deve ser considerado um diploma na acepção do artigo 1.° da directiva. O único objectivo deste certificado é, pois, o de atestar a titularização no ramo dos directores de hospitais da função pública. Este certificado não atesta a conclusão de uma formação académica, uma vez que os alunos da ENSP já pertenciam à função pública.

21.
    O Governo francês alega ainda que o estatuto dos funcionários públicos e, especialmente, o interesse superior da função pública, não permitem considerar que actividades exercidas ao abrigo deste estatuto constituam uma profissão regulamentada na acepção da directiva: isto porque a directiva foi concebida para profissões que possam ser exercidas independentemente de um determinado sector de actividade e, com isso, não o foi para estas actividades do sector da função pública.

22.
    Finalmente, o Governo francês alega que um decreto de 2000 prevê a possibilidade de dispensar da formação na ENSP, total ou parcialmente, os candidatos que tenham sido admitidos no «concours» e que possuam uma formação equivalente noutro Estado-Membro para além da França ou noutro dos Estados contratantes do Espaço Económico Europeu. Este decreto não se destina, efectivamente, a transpor a directiva, mas facilita às autoridades francesas o acolhimento de cidadãos da Comunidade no ramo dos directores de hospitais da função pública por via de «concours».

23.
    O Governo italiano chama a atenção para o facto de o sistema francês de colocação na função pública hospitalar ter uma dupla função: a formação no ramo dos directores de hospitais e a selecção de um número limitado de entre os alunos. Estas duas funções devem distinguir-se claramente, sendo que a primeira cai no âmbito da directiva. Em consequência, o diploma da ENSP é, relativamente à formação profissional, equiparado a um diploma conferido noutro Estado-Membro. A equiparação comprova-se pelo preâmbulo da directiva.

24.
    O Governo sueco parte do princípio de que é de qualificar a profissão de administrador hospitalar como uma actividade profissional regulamentada na acepção do artigo 1.°, alínea d), da directiva, uma vez que o acesso a esta profissão pressupõe aí mesmo a qualificação num concurso de acesso à ENSP, a formação e a obtenção de aproveitamento nas provas de exame de fim de formação. Por isso, encontrando-se preenchidos os restantes requisitos da directiva, trata-se de um diploma na acepção da directiva. Também a circunstância de que a este está associada uma colocação na função pública em nada altera esse facto. É o juiz nacional que tem de averiguar se o diploma obtido por I. Burbaud é equivalente ao da ENSP.

25.
    A Comissão entende que o diploma de administrador hospitalar em causa é um diploma na acepção do artigo 1.° da directiva. Até porque é emitido pela autoridade competente de um Estado-Membro, atesta a conclusão de um ciclo de formação de três anos, no termo do qual o titular do diploma está qualificado para exercer a profissão de administrador hospitalar na função pública.

26.
    Na opinião da Comissão, o diploma certifica uma formação, sendo que para participar no curso, que consiste numa formação contínua, teórica e prática, com uma duração de 24 a 27 meses, é necessária uma qualificação num concurso.

27.
    Segundo o artigo 3.° da directiva, as autoridades francesas no processo principal são obrigadas a reconhecer o diploma de I. Burbaud, uma vez que este, no Estado-Membro onde foi obtido, confere acesso à mesma profissão. Caso haja diferenças entre as duas formações, a França pode impor medidas de adaptação na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da directiva.

B - Apreciação

1. Qualificação do curso de formação numa escola como a ENSP

28.
    Para responder à primeira questão prejudicial, é preciso esclarecer antes de mais se as actividades no sector público da saúde, ou seja, na administração pública, estão, afinal, abrangidas pela directiva. Em seguida, há que averiguar se o diploma de administrador hospitalar deve ser qualificado como um diploma na acepção da directiva, em particular, se a profissão de administrador hospitalar em França representa uma profissão regulamentada na acepção da directiva.

29.
    Este processo de decisão prejudicial demonstra que a directiva tem uma importância jurídica e prática, não só para os outros nacionais comunitários mas também para os nacionais de um Estado-Membro de acolhimento, ou seja, neste caso, para franceses. De facto, embora estes preencham, por si mesmos, o requisito da nacionalidade exigido para algumas profissões na administração pública, podem, no entanto, deparar-se com um outro obstáculo ao acesso à profissão, nomeadamente, com a exigência de um diploma nacional. A directiva serve agora para o reconhecimento de um diploma obtido num outro Estado-Membro, seja por pessoas que desde sempre possuíram a nacionalidade do Estado de acolhimento, seja por aquelas que só a obtiveram após a obtenção do diploma num outro Estado-Membro, tal como I. Burbaud.

a) Aplicação da directiva a profissões da administração pública

30.
    Antes de mais, há que aprofundar a alegação do Governo francês, segundo a qual a directiva não é aplicável a profissões do chamado sector público.

31.
    Quanto a esta matéria, referiu-se um acórdão do Tribunal de Justiça (7), no qual este aplicou a directiva a uma profissão da administração pública.

32.
    Além disso, deve partir-se das disposições da directiva relativas ao seu âmbito de aplicação. Assim, o seu artigo 2.°, n.° 1, refere simplesmente que a directiva «[se] aplica aos nacionais de um Estado-Membro que desejem exercer, como independentes ou assalariados, uma profissão regulamentada [...]». De onde resulta que caem no âmbito da directiva essencialmente todas as profissões regulamentadas, liberais ou assalariadas. Se a directiva não fosse também aplicável às profissões da administração pública, o legislador comunitário teria previsto uma excepção em conformidade. Assim, o artigo 2.° da directiva prevê uma excepção para as profissões que sejam objecto de uma directiva específica.

33.
    Porém, a directiva não prevê expressamente uma excepção para profissões da administração pública. No entanto, pode encontrar-se no décimo segundo considerando a seguinte referência às excepções previstas no direito originário para a actividade na administração pública e para actividades que, num Estado-Membro, estejam ligadas ao exercício da autoridade pública:

«Considerando que o sistema geral de reconhecimento de diplomas do ensino superior em nada prejudica a aplicação do n.° 4 do artigo 48.° e do artigo 55.° do Tratado.»

34.
    De facto, esta referência tem apenas um significado declaratório porque as excepções previstas no artigo 48.°, n.° 4, do Tratado CE (actual artigo 39.°, n.° 4, CE) e no artigo 55.° do Tratado CE (actual artigo 45.° CE) não podem ser revogadas pela directiva, ou seja, no plano do direito derivado (8).

35.
    As excepções reguladas no direito originário produzem, portanto, simultaneamente, o efeito de excepção à directiva. No entanto, tal não significa automaticamente que, com isso, a totalidade do sector público também escape ao âmbito de aplicação da directiva.

36.
    Para a determinação do alcance desta excepção de direito originário, tem, antes de mais, que recorrer-se à interpretação - estrita - da disposição aqui em análise do artigo 48.°, n.° 4, do Tratado CE (actual artigo 39.°, n.° 4, CE).

37.
    O Governo francês não apresentou nenhuns argumentos para comprovar, no caso presente, o preenchimento dos requisitos de aplicação desta disposição excepcional. Este alegou simplesmente que determinados cargos da administração pública, embora não estejam abrangidos pela excepção do artigo 39.°, n.° 4, CE, ainda pertencem, porém, à administração pública nacional. De facto, no presente processo, é precisamente o alcance da excepção de direito comunitário que é determinante. Até porque para a qualificação jurídica à luz do direito comunitário é sem dúvida determinante a qualificação segundo o direito comunitário e não a classificação segundo o direito nacional.

38.
    Deste modo, pode, pois, haver profissões, ou pelo menos, actividades que, embora pertençam à administração pública do Estado-Membro em causa, não estejam, no entanto, abrangidas pela excepção ancorada no direito originário e que também é relevante para a directiva.

39.
    Para as profissões no sector da saúde pode seguramente dizer-se que estas, em princípio, não preenchem o requisito desenvolvido pela jurisprudência para serem abrangidas pela excepção do artigo 48.°, n.° 4, do Tratado CE (actual artigo 39.°, n.° 4, CE). Até porque isso pressupõe que se trate de empregos «que implicam uma participação directa ou indirecta no exercício da autoridade pública e em funções que têm como objectivo a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas» (9).

40.
    Por fim, é ainda de aprofundar os argumentos apresentados pelo Governo francês relativamente às especificidades das «écoles d'administration» em França, às quais a ENSP pertence.

41.
    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para a aplicação da disposição excepcional do artigo 48.°, n.° 4, do Tratado CE (actual artigo 39.°, n.° 4, CE) não interessa saber se um trabalhador é empregado ou funcionário (10). Por isso, também a circunstância de os participantes num curso de formação da ENSP estarem sujeitos a um estatuto próprio, ou seja, de serem os chamados «agents stagiaires» e de, após a conclusão com aproveitamento da formação, serem nomeados funcionários, não tem qualquer relevância.

42.
    Em conclusão, pode por isso reter-se que a directiva em princípio também se aplica a actividades na administração pública (11).

b) O diploma de administrador hospitalar é um diploma na acepção da directiva?

43.
    Para que o diploma de administrador hospitalar seja considerado um diploma na acepção do artigo 1.°, alínea a), da directiva, tem de preencher os requisitos previstos nesta disposição: ou seja, emissão do diploma por uma autoridade competente de um Estado-Membro, designada nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas desse Estado, bem como qualificação do diploma para o acesso a uma profissão regulamentada.

44.
    O requisito de emissão do diploma da ENSP por uma autoridade competente de um Estado-Membro encontra-se sem dúvida preenchido. No que respeita aos restantes requisitos, apenas se contesta seriamente se, no caso da profissão para cujo acesso é exigido o diploma da ENSP, se trata de uma profissão regulamentada.

45.
    De acordo com a definição legal do artigo 1.°, alínea c), da directiva, estamos perante uma profissão regulamentada quando esta é constituída por uma actividade ou um conjunto de actividades profissionais regulamentadas.

46.
    Resulta, por outro lado, do artigo 1.°, alínea d), da directiva que uma actividade profissional regulamentada é qualquer actividade profissional cujo acesso ou exercício, ou uma das modalidades de exercício, num Estado-Membro se encontrem subordinados, directa ou indirectamente, por força de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, à posse de um diploma.

47.
    Esta última norma foi interpretada pelo Tribunal de Justiça, no acórdão Aranitis, do seguinte modo:

«Deve considerar-se que o acesso a uma profissão ou ao exercício de uma profissão se rege directamente por disposições jurídicas quando disposições legislativas, regulamentares ou administrativas do Estado-Membro de acolhimento estabelecem um regime que conduz a que essa actividade profissional seja expressamente reservada às pessoas que satisfaçam determinadas condições e vedada às que não as preencham» (12).

48.
    No caso vertente, estes requisitos estão preenchidos. Tal resulta das disposições da Lei n.° 86-33, do Decreto n.° 88-163 e do estatuto dos directores de hospitais. Do artigo 5.° do Decreto n.° 88-163 resulta que o recrutamento para o quadro de pessoal de direcção da função pública hospitalar é efectuado, em princípio, através de um concurso que confere acesso a um ciclo de formação organizado pela ENSP. Os alunos que tenham aproveitamento nas provas de exame de fim de formação são titularizados.

49.
    Daqui resulta que para o exercício da profissão de administrador hospitalar é necessário completar o ciclo de formação com aproveitamento. Com isso, estamos perante um chamado monopólio de actividade.

50.
    O facto de o diploma da ENSP ser simultaneamente o certificado em que assenta a nomeação como funcionário tem tão pouca relevância para o efeito como a circunstância de os candidatos já terem sido admitidos na função pública durante o ciclo de formação. Estes dois aspectos apenas reflectem o múltiplo significado do diploma e atestam a sua dupla natureza de prova da conclusão do curso com aproveitamento e acto de nomeação.

51.
    No significado do acto praticado pela ENSP, que ultrapassa a mera função de diploma de exame final, manifesta-se apenas uma especificidade do sistema de colocação da função pública francesa. Este efeito adicional resulta do direito nacional e em nada altera a qualificação como diploma na acepção do artigo 1.° da directiva. Para os efeitos da directiva é irrelevante que o direito nacional ainda confira a tal diploma outros efeitos para além dos da directiva.

2. Equivalência entre o diploma da Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa e o diploma da ENSP

52.
    A segunda parte da primeira questão prejudicial refere-se à equivalência entre o diploma da Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa e o diploma da ENSP.

53.
    Partindo da disposição do artigo 3.° da directiva, que, quanto a este aspecto, é central, é de averiguar se o requerente, ou seja, I. Burbaud, possui o diploma exigido por outro Estado-Membro, in concreto por Portugal, para ter acesso em Portugal à profissão de director hospitalar ou para aí a exercer. É, assim, de averiguar se o diploma da Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa é exigido para o acesso ou o exercício desta profissão em Portugal.

54.
    É ainda de determinar e analisar, particularmente, a duração e/ou o conteúdo da formação, se a profissão regulamentada inclui em França actividades que em Portugal não pertencem à respectiva profissão regulamentada, ou seja, comparar os respectivos conteúdos das actividades, portanto, não as profissões como tais, porque, caso contrário, haveria o perigo de se decidir apenas com base na mesma designação (13).

55.
    Conforme o Governo sueco alega, e com razão, no caso de uma tal análise trata-se, contudo, de uma tarefa das autoridades nacionais competentes. De facto, enquanto cabe ao Tribunal de Justiça fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação necessários para lhe permitir decidir o litígio, cabe ao Tribunal nacional determinar e apreciar os factos do processo com base nos critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça. Tal é particularmente válido, tendo em conta a natureza da análise a efectuar (14). Até porque a aplicação das disposições de direito comunitário, tal como das disposições para a sua transposição para um caso concreto permanece tarefa do Tribunal nacional.

VII - Quanto à segunda questão prejudicial

56.
    A segunda questão prejudicial diz respeito à admissibilidade de determinadas condições para a integração na função pública, em particular a uma determinada espécie de concurso. Esta questão prejudicial refere-se, de resto, apenas ao caso em que as pessoas afectadas já tenham participado num concurso no seu Estado de origem e que invoquem a posse de um diploma equivalente.

A - Alegações das partes

57.
    O Governo francês propõe que à segunda questão se responda que um Estado-Membro (Estado de acolhimento) pode impor a um nacional de um outro Estado-Membro, que já tenha passado um concurso no seu Estado de origem, a aprovação noutro concurso no Estado de acolhimento, para efeitos de integração na função pública.

58.
    O concurso objecto deste processo não pode ser qualificado como um diploma na acepção do artigo 1.° da directiva porque se trata de uma forma específica de colocação e não atesta que aquele que passa o concurso concluiu um determinado curso com aproveitamento. Além disso, também a integração na função pública da Comunidade ocorre por via de um concurso. Em última instância, esta é a maneira mais objectiva de transpor o princípio da igualdade no acesso à função pública.

59.
    Resulta do exposto que um concurso não pode de maneira nenhuma ser considerado um diploma na acepção do artigo 1.° da directiva e, por isso, os Estados-Membros não estão obrigados a reconhecer a equivalência entre os concursos realizados por eles e os que são realizados por um outro Estado-Membro.

60.
    Acresce que os Estados-Membros continuam a ter competência para, com observância dos artigos 12.° e 39.°, n.° 2, CE, determinar as condições de colocação e as regras de funcionamento da sua função pública. A este respeito, o Governo francês alega que a realização do mesmo concurso para todos os candidatos que pretendem ser integrados na função pública de um Estado-Membro, independentemente da sua nacionalidade, corresponde ao princípio da igualdade de tratamento. De resto, a Comissão partilha desta opinião no seu parecer fundamentado de 13 de Março de 2000.

61.
    O Governo italiano defende a posição de que a segunda questão não diz respeito nem à livre circulação de trabalhadores no seio da Comunidade, nem ao reconhecimento de diplomas de ensino superior de acordo com a directiva, mas à equivalência entre concursos nacionais para o exercício de funções directivas na função pública.

62.
    Esta matéria é, no entanto, da competência do respectivo Estado-Membro, o qual deve ser livre de escolher o procedimento de colocação que melhor corresponda ao seu sistema e às suas exigências. Com efeito, este espaço de liberdade não é ilimitado, pois surgem limites de uma eventual regulamentação comunitária e da proibição de discriminação aplicável aos trabalhadores.

63.
    O Governo sueco alega, partindo da posição que assumiu quanto à primeira questão, que I. Burbaud preenche as condições de formação prescritas em França para o cargo de administradora hospitalar. Em consequência, não lhe pode ser exigida a prestação da prova de acesso à ENSP.

64.
    O sistema francês caracteriza-se pelo facto de a colocação na função pública ocorrer após a licenciatura, mas antes de uma especialização profissional. Um sistema de colocação que exige de trabalhadores com qualificações profissionais a prestação de uma prova de acesso, que também deve ser prestada por trabalhadores sem qualificações, é contrária às disposições relativas à livre circulação de trabalhadores. De facto, estas proíbem não só discriminações em razão da nacionalidade, mas também todos os obstáculos ao acesso à profissão num outro Estado-Membro. O sistema de colocação existente também está subordinado então à livre circulação de trabalhadores - que, de resto, é indirectamente aplicável - quando é aplicada indiferenciadamente a nacionais do Estado e a nacionais de outros Estados-Membros.

65.
    Na opinião do Governo sueco, o sistema existente pode, no entanto, ser compatível com o direito comunitário se prosseguir um objectivo de interesse geral e não ultrapassar o que for necessário para o alcançar. No entanto, a determinação deste facto é tarefa do juiz nacional. A circunstância de I. Burbaud já ter passado um concurso em Portugal é irrelevante face ao objectivo do concurso francês.

66.
    O sistema existente obriga um director de hospitais qualificado noutro Estado-Membro a submeter-se a um exame de acesso a um ciclo de formação que, contudo, se destina precisamente à formação de directores de hospitais. Esse exame não se destina, pois, a testar a experiência profissional ou os conhecimentos exigidos em França para o exercício da profissão, mas foi talhado para principiantes na profissão.

67.
    Uma vez que o exame de acesso não toma, portanto, em conta a experiência profissional, prejudica os trabalhadores mais qualificados, que não podem contar com as suas qualificações. O sistema existente tem, por isso, um efeito desincentivador. Chega a ser discriminatório, porque no conjunto dos prejudicados se encontram, na sua maioria, trabalhadores estrangeiros, já que os candidatos provenientes da França ainda não tiveram oportunidade de obter uma experiência profissional equiparada.

68.
    A Comissão alega que o concurso é parte integrante do sistema de colocação e deve distinguir-se do reconhecimento de diplomas. O reconhecimento de um diploma não confere nenhum direito ao exercício de uma actividade. No respectivo mercado de trabalho, são muito mais os sistemas de colocação existentes que encontram aplicação. As autoridades francesas podiam, por isso, exigir a submissão a um concurso, mesmo às pessoas que já tinham passado um concurso semelhante. Este tinha, no entanto, de garantir o acesso à profissão e não a um ciclo de formação.

69.
    Na audiência, a Comissão concentrou-se numa qualificação do sistema francês à luz do artigo 39.° CE e defendeu, com isso, a posição de que o acesso à profissão fica limitado, uma vez que aos estrangeiros - também aos qualificados - são aplicáveis as mesmas condições. Quanto a uma eventual justificação desta limitação, a Comissão chamou a atenção para o facto de a França não ter apresentado nenhuma justificação.

B - Apreciação

70.
    Na segunda questão prejudicial estão à prova as especificidades do sistema francês de recrutamento para a administração pública hospitalar. No presente processo trata-se de um sistema que prevê sempre uma classificação antes e depois de um ciclo de formação, e, nomeadamente, um concurso de selecção e uma classificação com aproveitamento da conclusão do ciclo de formação.

71.
    Em primeiro lugar, é de notar que a questão prejudicial não diz apenas respeito ao concurso de acesso («concours d'entrée»), mas também à classificação com aproveitamento da conclusão do ciclo de formação, uma vez que a admissão na ENSP é apresentada apenas como uma condição possível para a admissão na função pública.

72.
    Quando o Governo francês alega que os Estados-Membros são livres de estabelecer as modalidades de colocação na função pública, é de referir que também existem limites de direito comunitário para tal, conforme o Governo italiano sublinha, com razão.

73.
    Da formulação da segunda questão prejudicial e da sua conexão com a primeira resulta que aquela questão também está relacionada com a directiva. Nem esta, nem a primeira questão prejudicial referem outras disposições de direito comunitário. Não é tarefa do Tribunal de Justiça averiguar das disposições de direito comunitário aplicáveis, mas sim interpretar as disposições apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou seja, a directiva.

74.
    No entanto, mesmo no quadro da directiva, continua a ser obrigação fundamental dos Estados-Membros tomar em consideração, tanto nas disposições de transposição, como também na aplicação concreta, as premissas que foram desenvolvidas pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência sobre o reconhecimento de diplomas (15).

75.
    Conforme a Comissão alega, e com razão, a existência de um mecanismo de selecção para a admissão na função pública é, em princípio, admissível. Conforme já alegado no âmbito da resposta à primeira questão prejudicial, o sistema eleito pela França conjuga, no seu procedimento de selecção, formação e admissão, bem como elementos quantitativos e qualitativos. Isto é válido tanto para o concurso de acesso como para a classificação final do ciclo de formação, apesar de os participantes no ciclo de formação já pertencerem à função pública como «agents stagiaires» e, com a respectiva classificação da sua formação na ENSP, passam a funcionários.

76.
    Quando o Governo francês alega que a regulamentação existente apenas concretiza o princípio da igualdade no acesso a cargos da administração pública, isso não corresponde totalmente, conforme se demonstrará, à realidade. Tampouco pode seguir-se o argumento de que se está a obedecer às premissas de direito originário do artigo 39.°, n.° 2, CE. O próprio recurso ao imperativo da igualdade de tratamento não parece atingir o seu objectivo, uma vez que, segundo o sistema francês, pessoas qualificadas noutro Estado-Membro estão sujeitas às mesmas regras do que candidatos sem qualificações; têm, particularmente, de concluir a mesma formação.

77.
    Até porque, conforme alegam o Governo sueco e a Comissão, com razão, não são só principiantes na profissão que estão sujeitos ao sistema francês, mas também candidatos com qualificações. Tal é válido, em particular, para a exigência de passar um exame de acesso ao ciclo de formação.

78.
    Os Estados-Membros, de acordo com as indicações da directiva, têm de prever um exame à equivalência dos diplomas. Se desse exame resultar que o diploma obtido noutro Estado-Membro é «equivalente» ao da ENSP - e a segunda questão prejudicial é colocada apenas para este caso - nem sequer poderá exigir-se a conclusão do ciclo de formação.

79.
    A não ser assim, tal exigência levaria a que não fossem tomadas em consideração a experiência profissional ou as qualificações que tivessem sido obtidas noutro Estado-Membro, o que seria um caso clássico de discriminação dissimulada.

80.
    Uma vez que a classificação no fim do ciclo de formação ultrapassa uma mera selecção quantitativa, também abrange, portanto, a classificação de conhecimentos e/ou experiência prática, a própria possibilidade - agora não existente - da classificação final (16), ou seja, do acesso directo a esta espécie de exame, no que respeita a trabalhadores que já têm qualificações, poderia representar uma violação da directiva.

81.
    O sistema aplicado no processo principal é, portanto, contrário ao direito comunitário, na medida em que não permite tomar em consideração as qualificações anteriormente obtidas. O dever de reconhecimento de «produtos acabados» (17), ou seja, de um diploma equivalente obtido num outro Estado-Membro, constitui, porém, precisamente um princípio fundamental da directiva.

82.
    Relativamente à alegação do Governo francês, segundo a qual não há nenhuma obrigação de reconhecimento de concursos, é de referir que tal acontece, na medida em que não é de presumir nenhum reconhecimento automático «tel quel». Pelo contrário, é de analisar se e até que ponto o procedimento de selecção estrangeiro é equivalente ao nacional.

83.
    Por um lado, a circunstância de um Estado-Membro não admitir um concurso não pode constituir nenhum entrave à aplicação do dever de reconhecimento regulado na directiva (18). Por outro lado, o direito comunitário também não exige a eliminação total de concursos. De facto, a directiva não regula restrições quantitativas ao acesso, mas qualitativas (19), e, nomeadamente, o reconhecimento de diplomas.

84.
    Em consequência, pode extrair-se da directiva pelo menos uma obrigação de adaptação - para todos os casos - dos sistemas de colocação. É, assim, de prever, no quadro de concursos, uma possibilidade de tomar em consideração qualificações obtidas noutro Estado-Membro (20). Em determinados casos a directiva também exige, deste modo, a transformação de um monopólio fechado num monopólio aberto (21).

85.
    Na verdade, o artigo 4.° da directiva permite aos Estados-Membros, conforme já foi supra-alegado, adoptarem medidas de adaptação e estas também podem ser integradas num concurso modificado (22).

86.
    Por isso, num concurso assim modificado também podem, em princípio, continuar a ser previstos exames. Estes têm, porém, de distinguir-se dos exames objecto deste processo, que são exames uniformes para pessoas com ou sem qualificações, ou seja, sem qualquer possibilidade de se tomarem em consideração.

87.
    As adaptações do direito nacional necessárias podem até exigir alterações legislativas dos sistemas de colocação existentes, tal como, por exemplo, das disposições especiais para a função pública nas instituições hospitalares, no estatuto geral ou nos respectivos decretos relativos a «agents stagiaires», ou relativos à «ENSP» (23). Tal poderia eventualmente suceder através do alargamento das excepções já existentes a casos de reconhecimento de diplomas. Neste contexto recordam-se apenas as excepções existentes para os casos de «mutation» (24) ou de nomeação externa («tour extérieur»).

88.
    Em consequência, deve responder-se à segunda questão prejudicial que a autoridade competente não pode sujeitar a integração na função pública do Estado de acolhimento de funcionários de outro Estado-Membro a quaisquer condições e, em particular, não pode exigir a aprovação no concurso como o do processo principal, se esses funcionários forem titulares de um diploma equivalente.

VIII - Conclusão

89.
    Tendo em conta as considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais:

1)    Um curso de formação numa escola de preparação de funcionários como a escola nacional de saúde pública de Rennes (École Nationale de la Santé Publique - ENSP), que resulta na titularização na função pública, resulta na obtenção de um diploma na acepção da Directiva 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos.

2)    A autoridade competente não pode sujeitar a integração na função pública do Estado de acolhimento de funcionários de outro Estado-Membro a quaisquer condições, e, em particular, não pode exigir a aprovação num concurso como o do processo inicial, se esses funcionários forem titulares de um diploma equivalente.


1: -     Língua original: alemão.


2: -    JO L 19, p. 16.


3: -    «Décret portant statut spécial des grades et emplois des personnels de direction des établissements mentionnés à l'article 2 (1.°, 2.° et 3.°) de la loi 86-33 du 9 janvier 1986» (JORF de 20 de Fevereiro de 1988, p. 2390). Este decreto foi entretanto alterado (Decreto n.° 2000-232, de 13 de Março de 2000, JORF de 14 de Março de 2000, p. 3971).


4: -    JORF de 11 de Janeiro de 1986, p. 535.


5: -    JORF de 28 de Março de 1993.


6: -    JORF de 14 de Março de 2000.


7: -    Acórdão de 8 de Julho de 1999, Fernández de Bobadilla (C-234/97, Colect., p. I-4773).


8: -    V. Pertek, «Une dynamique de la reconnaissance des diplômes à des fins professionnelles et à des fins académiques: réalisations et nouvelles réflexions», pp. 119 e segs., in: Perek, La reconnaissance des qualifications dans un espace européen des formations et des professions, 1998.


9: -    V., por exemplo, apenas os acórdãos de 2 de Julho de 1996, Comissão/Luxemburgo (C-473/93, Colect., p. I-3207, n.° 48) e de 3 de Junho de 1986, Comissão/França (307/84, Colect., p. 1725), relativos a enfermeiros e enfermeiras.


10: -    Acórdãos Comissão/França (já referido na nota 9, n.° 11) e de 12 de Fevereiro de 1974, Sotgiu Deutsche Bundespost (152/73, Colect., p. 91, n.° 5).


11: -    Pertek, «La reconnaissance mutuelle des diplômes d'enseignement supérieur», Revue trimestrelle de droit européen, 1989, pp. 623 e 624; Scordamaglia, «La direttiva Cee sul riconoscimento die diplomi», in: Tizzano (editores), Problematica del diritto delle Comunità europee, 1992, p. 266; Schneider, Die Anerkennung von Diplomen in der Europäischen Gemeinschaft, 1995, pp. 184 e segs.


12: -    Acórdão de 1 de Fevereiro de 1996, Aranitis (C-164/94, Colect., p. I-135, n.° 19).


13: -    A este respeito, perigo de um nominalismo, Scordamaglia (já referido na nota 11), p. 276.


14: -    Acórdão de 14 de Dezembro de 2000, Fazenda Pública (C-446/98, Colect., p. I-1435), n.° 23.


15: -    Trata-se essencialmente dos princípios do acórdão de 7 de Maio de 1991, Vlassopoulou (C-340/89, Colect., p. I-2357). V. acórdãos de 14 de Setembro de 2000, Hocsman (C-238/98, Colect., p. I-6623, n.os 23 e segs. e 31 e segs.), bem como de 22 de Janeiro de 2002, Dreessen (C-31/00, Colect., p. I-663, n.os 24 e segs.).


16: -    V. Favret, «Le système général de reconnaissance des diplômes et des formations professionnelles en droit communautaire: L'esprit et la méthode», Revue trimestrielle de droit européen, 1995, p. 259.


17: -    V., quanto aos concursos de selecção para a formação de professores, Schneider (já referido na nota 11), p. 377.


18: -    Acórdão de 23 de Fevereiro de 1994, Scholz (C-419/92, Colect., p. I-505).


19: -    Quanto a esta distinção, v. as minhas conclusões de 4 de Outubro de 2001, no processo Comissão/Espanha (C-232/99, ainda não publicadas na Colectânea, n.os 41 e segs.).


20: -    V. para o sector do ensino, Pertek (já referido na nota 11), p. 634.


21: -    Quanto às duas formas, v. Pertek (já referido na nota 8), pp. 153 e 162.


22: -    Quanto a esta possibilidade, v. Favret (já referido na nota 16), p. 265.


23: -    V. Decreto n.° 2000-232, de 13 de Março de 2000 (JORF de 14 de Março de 2000, p. 3971).


24: -    Schneider (já referido na nota 11), p. 392.