Language of document : ECLI:EU:C:2007:249

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

26 de Abril de 2007 (*)

«Propriedade industrial e comercial – Direito de marca – Produtos farmacêuticos – Importação paralela – Reacondicionamento do produto que ostenta a marca»

No processo C‑348/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 17 de Junho de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Agosto de 2004, no processo

Boehringer Ingelheim KG,

Boehringer Ingelheim Pharma GmbH & Co. KG

contra

Swingward Ltd,

e

Boehringer Ingelheim KG,

Boehringer Ingelheim Pharma GmbH & Co. KG

contra

Dowelhurst Ltd,

e

Glaxo Group Ltd

contra

Swingward Ltd,

e

Glaxo Group Ltd,

The Wellcome Foundation Ltd

contra

Dowelhurst Ltd,

e

SmithKline Beecham plc,

Beecham Group plc,

SmithKline & French Laboratories Ltd

contra

Dowelhurst Ltd,

e

Eli Lilly and Co.

contra

Dowelhurst Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J. Klučka, J. Makarczyk, G. Arestis e L. Bay Larsen (relator), juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: K. Sztranc‑Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Janeiro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Boehringer Ingelheim KG e da Boehringer Ingelheim Pharma GmbH & Co. KG, por R. Subiotto, solicitor, bem como por E. Gonzalez Diaz e I. McGrath, legal advisers,

–        em representação da Eli Lilly and Co., por S. Thorley e G. Hobbs, QC, bem como por G. Pritchard, barrister,

–        em representação da Glaxo Group Ltd, da The Wellcome Foundation Ltd, da SmithKline Beecham plc, da Beecham Group plc e da SmithKline & French Laboratories Ltd, por M. Silverleaf, QC, e R. Hacon, barrister,

–        em representação da Swingward Ltd e da Dowelhurst Ltd, por N. Green e R. Arnold, QC, mandatados por C. Tunstall, solicitor,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por N. Rasmussen e M. Shotter, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de Abril de 2006,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 7.°, n.° 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), na redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Directiva 89/104»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de litígios que opõem a Boehringer Ingelheim KG, a Boehringer Ingelheim Pharma GmbH & Co. KG, a Glaxo Group Ltd, a The Wellcome Foundation Ltd, a SmithKline Beecham plc, a Beecham Group plc, a SmithKline and French Laboratories Ltd e a Eli Lilly and Co. (a seguir, conjuntamente, «Boehringer Ingelheim e o.»), que são fabricantes de produtos farmacêuticos, à Swingward Ltd (a seguir «Swingward») e à Dowelhurst Ltd (a seguir «Dowelhurst»), que são importadores paralelos e negociantes deste tipo de produtos, a respeito de medicamentos produzidos pela Boehringer Ingelheim e o., que foram importados paralelamente e comercializados no Reino Unido pela Swingward e pela Dowelhurst, após terem sido objecto de novo acondicionamento e nova rotulagem.

 O direito comunitário

3        Por força do artigo 28.° CE, são proibidas, entre os Estados‑Membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente. No entanto, nos termos do artigo 30.° CE, são autorizadas as proibições e restrições à importação entre os Estados‑Membros, que se justifiquem por razões de protecção da propriedade industrial e comercial, desde que não constituam nem um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros.

4        O artigo 7.° da Directiva 89/104, intitulado «Esgotamento dos direitos conferidos pela marca», determina:

«1.      O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.      O n.° 1 não é aplicável sempre que existam motivos legítimos que justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

5        Em conformidade com o artigo 65.°, n.° 2, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, em conjugação com o seu anexo XVII, ponto 4, o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 89/104 foi alterado para efeitos do referido acordo, sendo a expressão «na Comunidade» substituída pela expressão «numa parte contratante».

 Os litígios nos processos principais, a tramitação do reenvio prejudicial no processo C‑143/00 e as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo

6        Os medicamentos a que respeitam os litígios nos processos principais foram comercializados na Comunidade, sob diversas marcas, pela Boehringer Ingelheim e o., tendo sido aí adquiridos pela Swingward e pela Dowelhurst e importados para o Reino Unido. A fim de os comercializar no território deste Estado‑Membro, estas últimas sociedades alteraram em certa medida o acondicionamento destes medicamentos assim como os folhetos informativos que os acompanhavam.

7        As modificações realizadas variam consoante os casos. Em determinados casos, foi aposto na embalagem de origem um rótulo com informações importantes, como o nome do importador paralelo e o seu número de licença de importação paralela. As indicações redigidas noutras línguas que não o inglês permaneceram visíveis nesta embalagem e a marca não ficou escondida. Noutros casos, o produto foi reacondicionado em caixas concebidas pelo importador paralelo, nas quais foi reproduzida a marca do fabricante. Noutros casos ainda, o produto foi reacondicionado em caixas concebidas pelo importador paralelo e que ostentam não a marca do fabricante mas o nome genérico do produto. Nesta última hipótese, o recipiente que se encontrava na caixa ostentava a marca original, mas tinha aposto um rótulo autocolante a fim de indicar o nome genérico do produto e a identidade do fabricante e do detentor da licença de importação paralela.

8        A Boehringer Ingelheim e o. opuseram‑se a estas modificações, pelo que intentaram, na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), acções por violação do direito de marca.

9        Entendendo que a solução dos litígios nos processos principais dependia de uma interpretação do direito comunitário, o referido órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode o titular de uma marca comercial utilizar os direitos que possui sobre essa marca para impedir ou dificultar a importação dos seus próprios produtos de um Estado‑Membro para outro ou para dificultar a sua posterior comercialização ou promoção quando a importação, [a] comercialização ou [a] promoção não causam qualquer prejuízo, ou pelo menos prejuízos substanciais, ao objecto específico dos seus direitos?

2)      A resposta à questão anterior será diferente se o fundamento invocado pelo titular for o de que o importador ou o revendedor subsequente está a usar a sua marca de modo não necessário, embora não prejudicial para o seu objecto específico?

3)      Se um importador dos produtos do titular ou um revendedor dos referidos produtos tiver de demonstrar que a utilização que faz da marca do titular é ‘necessária’, essa exigência ficará satisfeita se se demonstrar que o uso da marca é razoavelmente necessário para lhe permitir aceder a) a apenas uma parte do mercado desses produtos ou b) a todo o mercado desses produtos, ou implica que o uso da marca seja fundamental para que os produtos possam ser colocados no mercado ou, se assim não for, qual o significado do vocábulo ‘necessário’?

4)      Se o titular de uma marca tem, prima facie, o direito de invocar os seus direitos nacionais sobre uma marca comercial contra a utilização não necessária dessa marca em ou relativamente a produtos, a utilização desse direito para dificultar ou impedir importações paralelas dos seus próprios produtos que não ameaçam o objecto específico ou a função essencial da marca comercial constitui um comportamento abusivo e uma restrição dissimulada ao comércio na acepção do segundo período do artigo 30.° do Tratado?

5)      Quando um importador ou alguém que comercialize produtos importados pretende utilizar a marca comercial do titular em ou relativamente a esses produtos e essa utilização não prejudica nem prejudicará o objecto específico da marca, tem todavia a obrigação de previamente informar o titular da sua intenção de utilizar a marca?

6)      Se a resposta à questão anterior for afirmativa, significa isto que o facto de o importador ou o revendedor não proceder a essa comunicação conduz a que o titular tenha o direito de restringir ou dificultar a importação ou a posterior comercialização desses produtos, mesmo que essa importação ou posterior comercialização não prejudique o objecto específico da marca?

7)      Se um importador ou alguém que comercialize produtos importados tiver de previamente informar o titular acerca das utilizações da marca que não prejudicam o seu objecto específico,

a)      essa exigência aplica‑se a todos esses usos da marca, incluindo a publicidade, a re‑rotulagem e a reembalagem ou, se só a alguns, quais?

b)      o importador ou revendedor tem a obrigação de informar o titular ou basta que este último receba essa informação?

c)      [com que antecedência deve essa informação] ser dada?

8)      Os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros podem, a pedido do titular dos direitos de marca, decidir injunções, indemnizações, a entrega e outras medidas relativamente a produtos importados, ao seu acondicionamento ou à sua publicidade, quando a tomada de tal decisão a) obsta ou impede a livre circulação de mercadorias comercializadas no interior da CE pelo titular ou com o seu consentimento, embora b) não com o objectivo de prevenir qualquer dano ao objecto específico do direito nem contribuindo para o prevenir?»

10      Este pedido de decisão prejudicial conduziu ao acórdão de 23 de Abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, Colect., p. I‑3759), no qual o Tribunal declarou:

«1)      O artigo 7.°, n.° 2, da Primeira Directiva 89/104 […] deve ser interpretado no sentido de que o titular de uma marca pode invocar o seu direito de marca para impedir um importador paralelo de proceder ao reacondicionamento de medicamentos, a menos que o exercício deste direito contribua para compartimentar artificialmente os mercados entre os Estados‑Membros.

2)      Um reacondicionamento de medicamentos por substituição das embalagens é objectivamente necessário na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça se, sem esse reacondicionamento, o acesso efectivo ao mercado em causa ou a uma parte importante do mesmo mercado dever ser considerado dificultado devido a uma forte resistência de uma proporção significativa dos consumidores em relação aos medicamentos nos quais foram colocados novos rótulos.

3)      O importador paralelo deve, em todas as hipóteses, para ter o direito de reacondicionar medicamentos portadores de uma marca, respeitar a condição de informação prévia. Se o importador paralelo não respeitar esta condição, o titular da marca pode opor‑se à comercialização do medicamento reacondicionado. Incumbe ao próprio importador paralelo informar o titular da marca do reacondicionamento previsto. Em caso de contestação, cabe ao juiz nacional apreciar, tomando em consideração todas as circunstâncias pertinentes, se o titular dispôs de um prazo razoável para reagir ao projecto de reacondicionamento.»

11      A High Court of Justice deu aplicação ao acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, e decidiu a favor das demandantes nos processos principais.

12      Todavia, as decisões do referido órgão jurisdicional foram objecto de recurso para o órgão jurisdicional de reenvio e, por acórdão de 5 de Março de 2004, este chegou a certas conclusões que divergem daquelas a que tinha chegado a High Court of Justice.

13      Foi nestas condições que a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Produtos reembalados

1)      Quando um importador paralelo comercializa num Estado‑Membro um produto farmacêutico importado de outro Estado‑Membro na sua embalagem original interior, mas com uma nova embalagem exterior em cartão, impressa na língua do Estado‑Membro de importação (um produto ‘reembalado’):

a)      É o importador que tem o ónus de provar que a nova embalagem preenche todas as condições enunciadas no acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb [e o.] (C‑427/93, C‑429/93 e C 436/93[, Colect., p. I‑3457]), ou é o titular da marca que tem o ónus de provar que estas condições não se encontram preenchidas, ou o ónus da prova varia consoante a condição e, se assim for, de que maneira?

b)      A primeira condição enunciada no acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1996, já referido, conforme foi interpretada no acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 1996, […] Upjohn […] (C‑379/97[, Colect., p. I‑6927]), e no acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2002 [Boehringer Ingelheim e o., já referido], a saber, que se deve provar que é necessário reembalar o produto para que não seja impedido o acesso efectivo ao mercado, aplica‑se unicamente ao facto de reembalar (conforme foi sustentado pelo Tribunal de Justiça da [Associação Europeia de Comércio Livre] no processo E‑3/02, Paranova/Merck) ou aplica‑se igualmente à forma específica e ao estilo da reembalagem adoptados pelo importador paralelo e, se assim for, de que maneira?

c)      A quarta condição enunciada no acórdão [Bristol‑Myers Squibb e o.,] já referido, a saber, que a apresentação do produto reembalado não seja de molde a prejudicar a reputação da marca ou do seu titular, só é violada se a embalagem apresentar defeitos, for de má qualidade ou não cuidada, ou é extensiva a tudo o que for prejudicial à reputação da marca?

d)      Se a resposta à questão 1, c), for a de que a quarta condição é violada por tudo o que for prejudicial à reputação da marca e se i) a nova embalagem exterior não exibe a marca (‘de‑branding’) ou ii) o importador paralelo aplica na nova embalagem exterior o seu próprio logótipo ou um estilo ou apresentação próprios da empresa ou uma apresentação utilizada para vários produtos diferentes (‘co‑branding’), deve considerar‑se que esses modelos de caixa prejudicam a reputação da marca ou esta é uma questão de facto que cabe ao órgão jurisdicional nacional resolver?

e)      Se a resposta à questão 1, d), for a de que é uma questão de facto, a quem cabe o ónus da prova?

Produtos com rótulos apostos

2)      Quando um importador paralelo comercializa num Estado‑Membro um produto farmacêutico importado de outro Estado‑Membro na sua embalagem original interior e exterior sobre a qual aplica um rótulo exterior adicional impresso na língua do Estado‑Membro de importação (produto ‘com rótulos apostos’):

a)      São aplicáveis as cinco condições enunciadas no acórdão [Bristol‑Myers Squibb e o.,] já referido?

b)      Se a resposta à questão 2, a), for afirmativa, é o importador que tem o ónus de provar que as embalagens com rótulos apostos preenchem todas as condições enumeradas no acórdão Bristol‑Myers Squibb [e o.,] já referido, ou é o titular da marca que tem o ónus de provar que essas condições não estão preenchidas, ou o ónus da prova varia consoante a condição?

c)      Se a resposta à questão 2, a), for afirmativa, a primeira condição enunciada no acórdão Bristol‑Myers Squibb [e o.,] já referido, conforme foi interpretada no acórdão […] Upjohn […,] já referido, e no acórdão [Boehringer Ingelheim e o.], já referido, a saber, que deve provar‑se que é necessário reacondicionar o produto para que não seja impedido o acesso efectivo ao mercado, aplica‑se unicamente ao facto de apor rótulos, ou aplica‑se igualmente à forma específica e ao estilo de aposição dos rótulos adoptado pelo importador paralelo?

d)      Se a resposta à questão 2, a), for afirmativa, a quarta condição enunciada no acórdão [Bristol‑Myers Squibb e o.,] já referido, a saber, que a apresentação do produto reacondicionado não seja de molde a prejudicar a reputação da marca ou do seu titular, só é violada se a embalagem apresentar defeitos, for de má qualidade ou não cuidada, ou é extensiva a tudo o que for prejudicial à reputação da marca?

e)      Se a resposta à questão 2, a), for afirmativa e a resposta à questão 2, d), for que a quarta condição é violada por tudo o que for prejudicial à reputação da marca, a reputação de uma marca é prejudicada, para este efeito, se i) o rótulo adicional for colocado de forma a esconder total ou parcialmente uma das marcas do titular, ou se ii) o rótulo adicional não especificar que a marca em questão é propriedade do titular, ou se iii) o nome do importador paralelo estiver impresso em letras maiúsculas?

Aviso

3)      Quando um importador paralelo não tenha efectuado o aviso relativo a um produto reacondicionado, conforme é exigido pela quinta condição enunciada no acórdão Bristol‑Myers Squibb [e o.,] já referido, e tenha, consequentemente, violado a(s) marca(s) do titular apenas por essa única razão:

a)      Cada acto subsequente de importação do referido produto constitui uma violação, ou o importador só incorre em infracção até ao momento em que o titular tem conhecimento do produto e o prazo de aviso aplicável já expirou?

b)      O titular tem direito a reclamar uma reparação financeira (isto é, uma indemnização por violação ou a entrega de todos os lucros resultantes da violação) devido aos actos de violação do importador com base no mesmo fundamento que seria de invocar se os bens fossem espúrios?

c)      A atribuição de uma reparação financeira ao titular, relacionada com essas violações cometidas pelo importador, está sujeita ao princípio da proporcionalidade?

d)      Se não estiver, com que base deve essa compensação ser avaliada, tendo em conta que os produtos em causa foram colocados no mercado no interior do [Espaço Económico Europeu] pelo titular ou com o seu consentimento?»

 Observações preliminares

14      Importa recordar que o objecto específico da marca é assegurar a garantia de proveniência do produto com essa marca e que o reacondicionamento deste produto efectuado por terceiros sem autorização do titular é susceptível de criar riscos reais para esta garantia de proveniência (v. acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, n.° 29).

15      Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, é o reacondicionamento, enquanto tal, dos medicamentos que ostentam a marca que afecta o objecto específico da marca, sem que seja necessário apreciar, neste contexto, quais são os efeitos concretos da reembalagem efectuada pelo importador paralelo (v. acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, n.° 30).

16      Por força do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104, a oposição do titular da marca ao reacondicionamento, na medida em que constitui uma derrogação à livre circulação de mercadorias, não pode ser admitida se o exercício deste direito pelo titular constituir uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros, na acepção do artigo 30.°, segundo período, CE (v., neste sentido, acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, n.os 18 e 31).

17      Constitui uma restrição dissimulada, na acepção desta disposição, o exercício, pelo titular de uma marca, do seu direito de se opor ao reacondicionamento se este exercício contribuir para compartimentar artificialmente os mercados entre os Estados‑Membros e se, além disso, o reacondicionamento for feito de forma a que os interesses legítimos do titular sejam respeitados, o que implica, designadamente, que o reacondicionamento não afecte o estado originário do medicamento nem seja susceptível de prejudicar a reputação da marca (v. acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, n.° 32).

18      Ora, contribui para uma compartimentação artificial dos mercados entre os Estados‑Membros a oposição do titular de uma marca ao reacondicionamento dos medicamentos, quando este é necessário para que o produto importado paralelamente possa ser comercializado no Estado de importação (acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, n.° 33).

19      Resulta, assim, de jurisprudência constante que a modificação que qualquer reacondicionamento de um medicamento que ostente uma marca implica – criando, pela sua própria natureza, o risco de uma violação do estado originário do medicamento – pode ser proibida pelo titular da marca, a menos que o reacondicionamento seja necessário para permitir a comercialização dos produtos importados paralelamente e que os interesses legítimos do titular sejam assim salvaguardados (acórdãos, já referidos, Bristol‑Myers Squibb e o., n.° 57, e Boehringer Ingelheim e o., n.° 34).

20      Importa ainda recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o importador paralelo que reacondicionar um medicamento que ostenta uma marca deve previamente informar o titular da marca da colocação à venda do medicamento reacondicionado. Deve, além disso, a pedido do titular da marca, fornecer uma amostra do produto reembalado antes da sua colocação à venda. Esta última condição permite ao titular verificar que o reacondicionamento não foi efectuado de modo a afectar directa ou indirectamente o estado originário do produto e que a apresentação após o reacondicionamento não é susceptível de prejudicar a reputação da marca. De igual modo, esta exigência permite ao titular da marca premunir‑se contra as actividades dos contrafactores (acórdãos, já referidos, Bristol‑Myers Squibb e o., n.° 78, e Boehringer Ingelheim e o., n.° 61).

21      Assim, o Tribunal de Justiça, no n.° 79 do acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., já referido, declarou:

«[...] o n.° 2 do artigo 7.° da [D]irectiva [89/104] deve ser interpretado no sentido de que o titular da marca pode legitimamente opor‑se à comercialização posterior de um produto farmacêutico, quando o importador tenha reembalado o produto e neste tenha reaposto a marca, salvo quando

–        se demonstrar que o uso do direito de marca pelo titular para [se] opor à comercialização dos produtos reembalados com essa marca contribui para estabelecer uma compartimentação artificial dos mercados entre Estados‑Membros. É este o caso, designadamente, quando o titular tenha colocado em circulação, em vários Estados‑Membros, um produto farmacêutico idêntico em embalagens diferentes e a reembalagem efectuada pelo importador seja, por um lado, necessária para a comercialização do produto no Estado‑Membro de importação e, por outro, efectuada em condições tais que o estado originário do produto não possa ser afectado. […]

–        se demonstrar que a reembalagem não pode afectar o estado originário do produto contido na embalagem. […]

–        se indicar claramente na nova embalagem o autor do reacondicionamento do produto e o nome do seu fabricante […]

–        a apresentação do produto reembalado não seja tal que possa prejudicar a reputação da marca e a do seu titular. Assim, a embalagem não deve ser defeituosa, de má qualidade ou não cuidada, e

–        o importador avisar, antes da colocação à venda do produto reembalado, o titular da marca e lhe fornecer, a seu pedido, uma amostra do produto reembalado.»

 Quanto à segunda questão, alínea a), relativa ao conceito de «reacondicionamento»

22      Importa começar por examinar a segunda questão, alínea a).

23      No n.° 6 do acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, o Tribunal de Justiça indicou que o acondicionamento de cada um dos medicamentos em causa nos litígios principais, bem como os folhetos informativos contidos nos mesmos, foram, para a sua importação no Reino Unido, alterados em certa medida.

24      No n.° 7 do referido acórdão, verificou que a forma como o acondicionamento dos diferentes medicamentos foi feito variava de caso para caso. Em determinados casos, foi aposto na embalagem de origem um rótulo com algumas informações importantes, como o nome do importador paralelo e o seu número de licença de importação paralela. Indicações redigidas noutras línguas para além do inglês permaneceram visíveis nesta embalagem e a marca não ficou tapada. Noutros casos, o produto foi reembalado em caixas concebidas pelo importador paralelo, nas quais a marca foi reproduzida. Noutros casos ainda, o produto foi reacondicionado em caixas concebidas pelo importador paralelo e que não ostentavam a marca. Em vez disso, o nome genérico do produto foi escrito na caixa. O recipiente contido na caixa exibia a marca original, mas fora‑lhe colocado um rótulo autocolante que indicava o nome genérico do produto e a identidade do fabricante e do detentor da licença de importação paralela. Em todos os casos de reacondicionamento, as caixas continham um folheto informativo, destinado aos doentes, que estava redigido em inglês e indicava a marca.

25      Importa também observar que a sétima questão submetida pela High Court of Justice no processo que deu lugar ao acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, tinha expressamente por objecto a questão de saber se a condição relativa à informação prévia, como recordada no n.° 20 do presente acórdão, se aplica a todos os usos da marca, incluindo a colocação de um novo rótulo no produto, ou se apenas se aplica a alguns destes usos.

26      O Tribunal de Justiça, no n.° 55 do acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, indicou que, com a quinta e a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretendia obter esclarecimentos quanto à condição segundo a qual o importador paralelo deve informar previamente o titular da marca da colocação à venda do produto reacondicionado.

27      No n.° 68 do referido acórdão, foi declarado que o importador paralelo deve, em todas as hipóteses, para ter o direito a reembalar medicamentos que ostentam uma marca, respeitar o requisito da informação prévia.

28      Resulta dos precedentes elementos que o Tribunal de Justiça, no quadro do acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, incluiu no conceito de reacondicionamento a nova rotulagem, que constituía seguramente uma das formas controvertidas de modificação do acondicionamento dos medicamentos em causa que o juiz de reenvio tinha em vista.

29      A este respeito, há que salientar que a nova rotulagem dos medicamentos que ostentam a marca, tal como a sua nova embalagem, afectam o objecto específico da marca, sem que se tenha de apreciar, neste contexto, quais são os efeitos concretos da operação efectuada pelo importador paralelo.

30      Com efeito, a modificação que implica qualquer nova embalagem ou nova rotulagem de um medicamento que ostente uma marca cria, pela sua própria natureza, riscos reais para a garantia de proveniência que a marca visa assegurar. Semelhante modificação pode, portanto, ser proibida pelo titular da marca, salvo quando a nova embalagem ou a nova rotulagem sejam necessárias para permitir a comercialização dos produtos importados paralelamente e os interesses legítimos do titular sejam, além disso, salvaguardados.

31      Donde se conclui que as cinco condições enunciadas no acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., já referido, a respeito da interpretação do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104, condições que, quando são satisfeitas, impedem que o titular da marca se oponha legitimamente à comercialização posterior de um produto farmacêutico que foi reacondicionado pelo importador, também são aplicáveis quando o reacondicionamento consiste na colocação de um rótulo na embalagem de origem.

32      Por conseguinte, há que responder à segunda questão, alínea a), que o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que o titular da marca se pode legitimamente opor à comercialização posterior de um produto farmacêutico importado de outro Estado‑Membro na sua embalagem original, interior e exterior, na qual o importador aplicou um rótulo exterior adicional, salvo quando:

–        se demonstrar que o uso do direito de marca pelo respectivo titular, para se opor à comercialização do produto objecto de nova rotulagem com essa marca, contribuiria para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros;

–        se demonstrar que a nova rotulagem não pode afectar o estado originário do produto contido na embalagem;

–        se indicar claramente na nova embalagem o autor da nova rotulagem do produto e o nome do respectivo fabricante;

–        a apresentação do produto objecto desta nova rotulagem não for susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular; assim, o rótulo não deve ser defeituoso, de má qualidade ou pouco cuidado; e

–        antes da colocação à venda do produto objecto desta nova rotulagem, o importador avisar o titular da marca e lhe fornecer, a seu pedido, uma amostra deste produto.

 Quanto à primeira questão, alínea b), e à segunda questão, alínea c), relativas à aplicação da condição respeitante à necessidade de reacondicionamento e à respectiva forma e estilo

33      Como resulta do que se afirmou a respeito da segunda questão, alínea a), o titular da marca pode legitimamente opor‑se à comercialização posterior de um produto farmacêutico quando o importador paralelo tiver reembalado o produto, nesta apondo de novo a marca, ou aplicado um rótulo na embalagem que contém o produto, salvo quando estejam preenchidas cinco condições, nomeadamente a que exige que se demonstre que o uso do direito de marca pelo titular, para se opor à comercialização dos produtos assim reacondicionados, contribui para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros.

34      Segundo a Boehringer Ingelheim e o., o requisito de o reacondicionamento ser necessário para comercializar o produto no Estado‑Membro de importação também se aplica à forma e ao estilo como este reacondicionamento é efectuado pelo importador paralelo. Ao invés, a Swingward e a Dowelhurst, bem como a Comissão das Comunidades Europeias, sustentam que este requisito respeita unicamente ao reacondicionamento e não à forma ou ao estilo como este é realizado.

35      Como foi recordado no n.° 19 do presente acórdão, a modificação que qualquer reacondicionamento de um medicamento que ostente uma marca implica pode ser proibido pelo titular desta, a menos que o reacondicionamento seja necessário para permitir a comercialização dos produtos importados paralelamente e que os interesses legítimos do titular sejam, além disso, salvaguardados.

36      Esta condição de necessidade é preenchida quando regulamentações ou práticas do Estado‑Membro de importação impedem a comercialização dos referidos produtos no mercado desse Estado com o mesmo acondicionamento com que são comercializados no Estado‑Membro de exportação (v., neste sentido, acórdão Upjohn, já referido, n.os 37 a 39 e 43).

37      Em contrapartida, esta condição de necessidade não é preenchida se o reacondicionamento do produto se explicar exclusivamente pela procura, pelo importador paralelo, de uma vantagem comercial (v. acórdão Upjohn, já referido, n.° 44).

38      Assim, a referida condição de necessidade apenas respeita ao facto de se proceder ao reacondicionamento do produto – assim como à escolha entre uma nova embalagem e uma nova rotulagem – com vista a permitir a comercialização deste produto no mercado do Estado de importação, e não à forma ou ao estilo como este reacondicionamento é realizado (v., igualmente, acórdão do Tribunal EFTA, de 8 de Julho de 2003, Paranova/Merck, E‑3/02, EFTA Court Report 2004, p. 1, n.os 41 a 45).

39      Há, pois, que responder à primeira questão, alínea b), e à segunda questão, alínea c), que a condição segundo a qual o reacondicionamento do produto farmacêutico, através de uma nova embalagem do produto, na qual a marca é de novo aposta, ou através da aplicação de um rótulo na embalagem que contém este produto, é necessário para a sua comercialização posterior no Estado‑Membro de importação, dado ser uma das condições que, uma vez satisfeitas, impedem, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104, que o titular da marca se oponha à referida comercialização, se aplica unicamente ao reacondicionamento propriamente dito, e não à forma ou ao estilo de realização deste.

 Quanto à primeira questão, alínea c), e à segunda questão, alínea d), relativas à condição que impõe que a apresentação do produto reembalado não seja susceptível de prejudicar a reputação da marca

40      Resulta dos n.os 21 e 32 do presente acórdão que o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que o titular da marca pode legitimamente opor‑se à comercialização posterior de um produto farmacêutico, quando o importador paralelo tiver reembalado o produto, nesta apondo de novo a marca, ou aplicado um rótulo na embalagem que contém o produto, salvo quando estejam preenchidas cinco condições, entre as quais a que impõe que a apresentação do produto reacondicionado não seja susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular. Assim, a embalagem ou o rótulo não devem ser defeituosos, de má qualidade ou pouco cuidados.

41      Importa salientar que, como sustentam a Boehringer Ingelheim e o. e a Comissão, a condição que impõe que a apresentação do produto reacondicionado não seja susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular não se pode restringir unicamente aos casos de acondicionamento defeituoso, de má qualidade ou pouco cuidado.

42      Com efeito, quando o Tribunal de Justiça enunciou, no n.° 76 do acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., já referido, que uma embalagem defeituosa, de má qualidade ou pouco cuidada poderá prejudicar a reputação da marca, limitou‑se a indicar certas hipóteses em que uma apresentação inadequada do produto reacondicionado é susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular.

43      Assim, um produto farmacêutico reacondicionado poderá ser apresentado de forma inadequada e, portanto, prejudicar a reputação da marca, nomeadamente, quando a embalagem ou o rótulo, apesar de não serem defeituosos, de má qualidade ou pouco cuidados, sejam de natureza a afectar o valor da marca, prejudicando a imagem de seriedade e de qualidade inerente a tal produto e a confiança que ele é susceptível de inspirar no público em causa (v., neste sentido, acórdãos Bristol‑Myers Squibb e o., já referido, n.° 76, e de 4 de Novembro de 1997, Parfums Christian Dior, C‑337/95, Colect., p. I‑6013, n.° 45).

44      Por conseguinte, há que responder à primeira questão, alínea c), e à segunda questão, alínea d), que a condição que impõe que a apresentação do produto reacondicionado não seja susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular, enquanto condição necessária para que este último não possa, por força do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104, legitimamente, opor‑se à comercialização posterior de um produto farmacêutico, quando o importador paralelo tiver reacondicionado o produto, nesta apondo de novo a marca, ou aplicado um rótulo na embalagem que contém o produto, não se limita aos casos de acondicionamento defeituoso, de má qualidade ou pouco cuidado.

 Quanto à primeira questão, alínea d), e à segunda questão, alínea e), relativas às circunstâncias de natureza a prejudicar a reputação da marca

45      Como correctamente sustenta a Comissão nas suas observações escritas, o facto de o importador paralelo não apor a marca na nova embalagem exterior («de‑branding») ou de aplicar nesta o seu próprio logótipo ou estilo, ou ainda uma «apresentação ‘própria da empresa’» ou uma apresentação utilizada para vários produtos diferentes («co‑branding»), bem como o facto de apor um rótulo adicional de forma a ocultar total ou parcialmente a marca do titular, ou de não especificar no rótulo adicional que a marca em questão é propriedade deste último, ou ainda de imprimir o nome do importador paralelo em letras maiúsculas, é, em princípio, susceptível de prejudicar a reputação da marca.

46      Porém, tal como a questão de saber se uma publicidade é susceptível de dar a impressão de que existe uma relação comercial entre o revendedor e o titular da marca e, portanto, de constituir um motivo legítimo na acepção do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104 (v. acórdão de 23 de Fevereiro de 1999, BMW, C‑63/97, Colect., p. I‑905, n.os 51 e 55), a questão de saber se as circunstâncias evocadas no número anterior do presente acórdão são de natureza a prejudicar a reputação da marca é uma questão de facto que cabe ao juiz nacional apreciar face às circunstâncias específicas de cada caso concreto.

47      Por conseguinte, há que responder à primeira questão, alínea d), e à segunda questão, alínea e), que a questão de saber se o facto de o importador paralelo:

–        não apor a marca na nova embalagem exterior do produto («de‑branding») ou

–        aplicar nesta embalagem o seu próprio logótipo ou estilo ou ainda uma «apresentação ‘própria da empresa’» ou uma apresentação utilizada para vários produtos diferentes («co‑branding»), ou

–        apor um rótulo adicional na referida embalagem de forma a esconder total ou parcialmente a marca do titular, ou

–        não especificar no rótulo adicional que a marca em questão é propriedade do titular ou, ainda,

–        imprimir o nome do importador paralelo em letras maiúsculas

é de natureza a prejudicar a reputação da marca é uma questão de facto que cabe ao juiz nacional apreciar face às circunstâncias específicas de cada caso concreto.

 Quanto à primeira questão, alíneas a) e e), e à segunda questão, alínea b), relativas ao ónus da prova

48      Como foi exposto nos n.os 2 e 8 do presente acórdão, os litígios nos processos principais opõem fabricantes de produtos farmacêuticos a importadores paralelos e a negociantes deste tipo de produtos, contra os quais os primeiros intentaram acções por violação dos seus direitos de marca devido ao facto de os medicamentos produzidos por estes fabricantes terem sido importados paralelamente e comercializados no Reino Unido pelos referidos importadores, após terem sido objecto de reembalagem ou de nova rotulagem.

49      Como recordado no n.° 15 do presente acórdão, é o reacondicionamento, enquanto tal, dos medicamentos que ostentam a marca que afecta o objecto específico da marca, sem que seja necessário apreciar neste contexto quais são os efeitos concretos do reacondicionamento efectuado pelo importador paralelo.

50      Resulta, designadamente, dos n.os 31 a 33 do presente acórdão que, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104, o titular da marca pode, legitimamente, opor‑se à comercialização posterior de um produto farmacêutico quando o importador paralelo o tiver reacondicionado, quer realizando uma nova embalagem e nesta apondo de novo a marca quer aplicando um rótulo na embalagem de origem, salvo quando estejam preenchidas as cinco condições recordadas no n.° 32 do presente acórdão.

51      Ora, se a questão do ónus da prova da verificação destas condições, que, uma vez satisfeitas, impedem que o titular da marca se oponha legitimamente à comercialização posterior de um produto farmacêutico reacondicionado, fosse regulada pelo direito nacional dos Estados‑Membros, daí poderia resultar para os titulares de marcas uma protecção variável em função da lei em causa. O objectivo de uma «mesma protecção de acordo com a legislação de todos os Estados‑Membros», visado no nono considerando da Directiva 89/104 e aí qualificado de «fundamental», não seria então alcançado (v., neste sentido, acórdão de 18 de Outubro de 2005, Class International, C‑405/03, Colect., p. I‑8735, n.° 73).

52      Vistas as precedentes considerações, há que concluir que, em situações como as dos litígios nos processos principais, incumbe aos importadores paralelos, quando estiver provado que os medicamentos importados paralelamente foram reacondicionados, demonstrar a verificação das condições mencionadas no n.° 32 do presente acórdão, as quais, estando satisfeitas, impedem que os titulares das marcas se oponham legitimamente à comercialização posterior dos referidos medicamentos (v., por analogia, acórdão Class International, já referido, n.° 74).

53      No tocante à condição que impõe que se demonstre que o reacondicionamento não pode afectar o estado originário do produto contido na embalagem, basta, porém, que o importador paralelo apresente elementos de prova susceptíveis de, razoavelmente, fazer presumir que esta condição está preenchida. O mesmo vale, a fortiori, no tocante à condição segundo a qual a apresentação do produto reacondicionado não deve ser susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular. Desde que o importador produza tal início de prova quanto a esta última condição, incumbirá, eventualmente, ao titular da marca, que é quem melhor pode apreciar se o reacondicionamento é susceptível de prejudicar a sua reputação e a da marca, provar que estas foram prejudicadas.

54      Há, pois, que responder à primeira questão, alíneas a) e e), e à segunda questão, alínea b), que, em situações como as dos litígios nos processos principais, incumbe aos importadores paralelos demonstrar a verificação das condições segundo as quais:

–        o uso do direito de marca pelo próprio titular, para se opor à comercialização dos produtos reacondicionados com essa marca, contribuiria para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros;

–        o reacondicionamento não pode afectar o estado originário do produto contido na embalagem;

–        o autor do reacondicionamento do produto e o nome do seu fabricante estão indicados claramente na nova embalagem;

–        a apresentação do produto reacondicionado não deve ser susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular; assim, o reacondicionamento não deve ser defeituoso, de má qualidade ou pouco cuidado;

–        antes da colocação à venda do produto reacondicionado, o importador deve avisar o titular da marca e fornecer‑lhe, a seu pedido, uma amostra do produto reacondicionado;

que, se forem satisfeitas, impedem que o titular da marca se oponha legitimamente à comercialização posterior de um produto farmacêutico reacondicionado.

No que respeita à condição que impõe que se demonstre que o reacondicionamento não pode afectar o estado originário do produto contido na embalagem, basta, porém, que o importador paralelo apresente elementos de prova susceptíveis de fazer razoavelmente presumir que esta condição está preenchida. O mesmo vale, a fortiori, no que respeita à condição segundo a qual a apresentação do produto reacondicionado não deve ser susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular. Desde que o importador produza tal início de prova quanto a esta última condição, incumbirá, eventualmente, ao titular da marca, que é quem melhor pode apreciar se o reacondicionamento é susceptível de prejudicar a sua reputação e a da marca, provar que estas foram prejudicadas.

 Quanto à terceira questão, relativa às consequências da falta de informação prévia

55      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o importador paralelo deve, em todas as hipóteses, para ter o direito de reacondicionar medicamentos que ostentem uma marca, respeitar a condição de informação prévia. Se o importador paralelo não respeitar esta condição, o titular da marca pode opor‑se à comercialização do medicamento reacondicionado. Incumbe ao próprio importador paralelo informar o titular da marca do reacondicionamento previsto. Não basta que o titular seja informado por outras fontes, como a autoridade que concede uma licença de importação paralela ao importador (acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, n.os 63 e 64).

56      Donde se conclui que quando um importador paralelo não der ao titular da marca a informação prévia a respeito de um medicamento reacondicionado, infringe os direitos deste titular em cada importação subsequente do referido medicamento, enquanto não tiver dado tal informação.

57      No tocante à questão de saber se o titular da marca tem o direito, em razão da infracção cometida pelo importador paralelo, de reclamar uma reparação financeira nas mesmas condições que no caso de contrafacção, a Boehringer Ingelheim e o. sustentam que a falta de informação prévia deve ser punida como a comercialização de produtos de contrafacção. Segundo a Swingward e a Dowelhurst, a falta de informação prévia não pode conduzir a uma reparação financeira avaliada da mesma maneira que se os produtos tivessem sido objecto de contrafacção. A Comissão indica que a compensação pela falta de informação prévia deve ser determinada de acordo com os princípios nacionais respeitantes às medidas de reparação financeira, sem prejuízo de deverem ser compatíveis com o direito comunitário e internacional e, designadamente, de respeitarem os princípios do efeito útil e da proporcionalidade.

58      A este respeito, cabe recordar que os Estados‑Membros têm a obrigação, no âmbito da liberdade que lhes é deixada pelo artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, de escolher as formas e os meios mais adequados a fim de assegurar o efeito útil das directivas, tendo em conta o seu objectivo (v. acórdãos de 8 de Abril de 1976, Royer, 48/75, Colect., p. 221, n.° 75; e de 12 de Setembro de 1996, Gallotti e o., C‑58/95, C‑75/95, C‑112/95, C‑119/95, C‑123/95, C‑135/95, C‑140/95, C‑141/95, C‑154/95 e C‑157/95, Colect., p. I‑4345, n.° 14; e de 4 de Julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, Colect., p. I‑6057, n.° 93).

59      Assim, quando, como nos processos principais, o direito comunitário não previr sanções específicas para a hipótese do cometimento de infracções, compete às autoridades nacionais adoptar medidas adequadas para fazer face a essa situação, devendo estas medidas revestir‑se de um carácter não só proporcionado mas também suficientemente eficiente e dissuasivo para garantir a plena eficácia da Directiva 89/104 (v., neste sentido, acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 94).

60      Importa recordar que, como resulta nomeadamente do n.° 21 do presente acórdão, basta que uma das condições enunciadas no n.° 79 do acórdão Bristol‑Meyers Squibb e o., já referido, não esteja satisfeita, para que o titular da marca se possa legitimamente opor à comercialização posterior de um produto farmacêutico que tenha sido objecto de um reacondicionamento.

61      Donde se conclui que o direito de proibição de que goza o titular da marca relativamente a um importador paralelo de produtos farmacêuticos que, apesar de não terem sido objecto de contrafacção, foram comercializados sem ter sido satisfeito o dever de informação prévia a esse titular não pode ser diferente daquele de que este goza a respeito dos produtos de contrafacção.

62      Em ambas estas hipóteses, os produtos não poderiam ser comercializados no mercado em questão.

63      Assim, uma medida nacional por força da qual, quando um importador paralelo tenha comercializado produtos que não foram objecto de contrafacção, sem ter dado uma informação prévia ao titular da marca, este último tem direito a uma reparação financeira nas mesmas condições que no caso de contrafacção não é, enquanto tal, contrária ao princípio da proporcionalidade. Todavia, cabe ao juiz nacional determinar em cada caso concreto, tendo nomeadamente em conta a amplitude do dano causado ao titular do direito de marca pela infracção cometida pelo importador paralelo e no respeito do princípio da proporcionalidade, o montante da reparação financeira.

64      Tendo em conta as precedentes considerações, há que responder à terceira questão que quando um importador paralelo não der ao titular da marca a informação prévia respeitante a um produto farmacêutico reacondicionado, infringe os direitos do titular em cada importação subsequente do referido produto e enquanto não tiver efectuado tal aviso. A punição desta infracção deve ser não só proporcionada mas também suficientemente eficiente e dissuasiva para garantir a plena eficácia da Directiva 89/104. Uma medida nacional por força da qual, no caso de tal infracção, o titular da marca tem direito a uma reparação financeira nas mesmas condições que no caso de contrafacção não é, enquanto tal, contrária ao princípio da proporcionalidade. Todavia, cabe ao juiz nacional determinar, em cada caso concreto, tendo nomeadamente em conta a importância do dano causado ao titular do direito de marca pela infracção cometida pelo importador paralelo e no respeito pelo princípio da proporcionalidade, o montante da reparação financeira.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 7.°, n.° 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, na redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992, deve ser interpretado no sentido de que o titular da marca se pode legitimamente opor à comercialização posterior de um produto farmacêutico importado de outro Estado‑Membro na sua embalagem original, interior e exterior, na qual o importador aplicou um rótulo exterior adicional, salvo quando:

–        se demonstrar que o uso do direito de marca pelo respectivo titular, para se opor à comercialização do produto objecto de nova rotulagem com essa marca, contribuiria para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros;

–        se demonstrar que a nova rotulagem não pode afectar o estado originário do produto contido na embalagem;

–        se indicar claramente na nova embalagem o autor da nova rotulagem do produto e o nome do respectivo fabricante;

–        a apresentação do produto objecto desta nova rotulagem não for susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular; assim, o rótulo não deve ser defeituoso, de má qualidade ou pouco cuidado; e

–        antes da colocação à venda do produto objecto desta nova rotulagem, o importador avisar o titular da marca e lhe fornecer, a seu pedido, uma amostra deste produto.

2)      A condição segundo a qual o reacondicionamento do produto farmacêutico, através de uma nova embalagem do produto, na qual a marca é de novo aposta, ou através da aplicação de um rótulo na embalagem que contém este produto, é necessário para a sua comercialização posterior no Estado‑Membro de importação, dado ser uma das condições que, uma vez satisfeitas, impedem, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104, na redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, que o titular da marca se oponha à referida comercialização, aplica‑se unicamente ao reacondicionamento propriamente dito, e não à forma ou ao estilo de realização deste.

3)      A condição que impõe que a apresentação do produto reacondicionado não seja susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular, enquanto condição necessária para que este último não possa, por força do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104, na redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, legitimamente, opor‑se à comercialização posterior de um produto farmacêutico, quando o importador paralelo tiver reacondicionado o produto, nesta apondo de novo a marca, ou aplicado um rótulo na embalagem que contém o produto, não se limita aos casos de acondicionamento defeituoso, de má qualidade ou pouco cuidado.

4)      A questão de saber se o facto de o importador paralelo:

–        não apor a marca na nova embalagem exterior do produto («de‑branding») ou

–        aplicar nesta embalagem o seu próprio logótipo ou estilo ou ainda uma «apresentação ‘própria da empresa’» ou uma apresentação utilizada para vários produtos diferentes («co‑branding»), ou

–        apor um rótulo adicional na referida embalagem, de forma a esconder total ou parcialmente a marca do titular, ou

–        não especificar no rótulo adicional que a marca em questão é propriedade do titular ou, ainda,

–        imprimir o nome do importador paralelo em letras maiúsculas

é de natureza a prejudicar a reputação da marca é uma questão de facto que cabe ao juiz nacional apreciar face às circunstâncias específicas de cada caso concreto.

5)      Em situações como as dos litígios nos processos principais, incumbe aos importadores paralelos demonstrar a verificação das condições segundo as quais:

–        o uso do direito de marca pelo próprio titular, para se opor à comercialização dos produtos reacondicionados com essa marca, contribuiria para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros;

–        o reacondicionamento não pode afectar o estado originário do produto contido na embalagem;

–        o autor do reacondicionamento do produto e o nome do seu fabricante estão indicados claramente na nova embalagem;

–        a apresentação do produto reacondicionado não deve ser susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular; assim, o reacondicionamento não deve ser defeituoso, de má qualidade ou pouco cuidado;

–        antes da colocação à venda do produto reacondicionado, o importador deve avisar o titular da marca e fornecer‑lhe, a seu pedido, uma amostra do produto reacondicionado;

que, se forem satisfeitas, impedem que o titular da marca se oponha legitimamente à comercialização posterior de um produto farmacêutico reacondicionado.

No que respeita à condição que impõe que se demonstre que o reacondicionamento não pode afectar o estado originário do produto contido na embalagem, basta, porém, que o importador paralelo apresente elementos de prova susceptíveis de fazer razoavelmente presumir que esta condição está preenchida. O mesmo vale, a fortiori, no que respeita à condição segundo a qual a apresentação do produto reacondicionado não deve ser susceptível de prejudicar a reputação da marca e a do seu titular. Desde que o importador produza tal início de prova quanto a esta última condição, incumbirá, eventualmente, ao titular da marca, que é quem melhor pode apreciar se o reacondicionamento é susceptível de prejudicar a sua reputação e a da marca, provar que estas foram prejudicadas.

6)      Quando um importador paralelo não der ao titular da marca a informação prévia respeitante a um produto farmacêutico reacondicionado, infringe os direitos do titular em cada importação subsequente do referido produto e enquanto não tiver efectuado tal aviso. A punição desta infracção deve ser não só proporcionada mas também suficientemente eficiente e dissuasiva para garantir a plena eficácia da Directiva 89/104, com a redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu. Uma medida nacional por força da qual, no caso de tal infracção, o titular da marca tem direito a uma reparação financeira nas mesmas condições que no caso de contrafacção não é, enquanto tal, contrária ao princípio da proporcionalidade. Todavia, cabe ao juiz nacional determinar, em cada caso concreto, tendo nomeadamente em conta a importância do dano causado ao titular do direito de marca pela infracção cometida pelo importador paralelo e no respeito pelo princípio da proporcionalidade, o montante da reparação financeira.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.