Language of document : ECLI:EU:C:2008:63

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 31 de Janeiro de 2008 1(1)

Processo C‑533/06

O2 Holdings Limited & O2 (UK) Limited

contra

Hutchison 3G UK Limited

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales)]

«Directiva 84/450/CEE – Publicidade comparativa – Utilização da marca, ou de um sinal semelhante à marca, de um concorrente numa publicidade comparativa – Aplicabilidade do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104/CEE – Condições da legitimidade da comparação publicitária – Indispensabilidade da referência à marca concorrente»





1.        Com o presente pedido de decisão prejudicial, a Court of Appeal (England & Wales) submete ao Tribunal de Justiça diversas questões relativas à interpretação de disposições constantes da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (2), e da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à publicidade enganosa e comparativa (3), conforme alterada pela Directiva 97/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Outubro de 1997 (4).

2.        Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre empresas activas no sector da telefonia móvel, a O2 Holdings Limited e a O2 (UK) Limited (a seguir, colectivamente, «O2»), por um lado, e a Hutchison 3G Limited (a seguir «H3G»), por outro, a propósito de uma campanha publicitária televisiva que esta última lançou no Reino Unido para promover os seus serviços de telefonia móvel.

 Quadro normativo

3.        O artigo 5.° da Directiva 89/104, intitulado «Direitos conferidos pela marca», estatui:

«1.      A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)      De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)      De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.

2.      Qualquer Estado‑Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado‑Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.

3.      Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

a)      Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;

b)      Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

c)      Importar ou exportar produtos com esse sinal;

d)      Utilizar o sinal nos documentos comerciais e na publicidade.

[…]

5.      Os n.os 1 a 4 não afectam as disposições aplicáveis num Estado‑Membro relativas à protecção contra o uso de um sinal feito para fins diversos dos que consistem em distinguir os produtos ou serviços, desde que a utilização desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»

4.        O artigo 6.° da Directiva 89/104, intitulado «Limitação dos efeitos da marca», estabelece, no n.° 1, o seguinte:

«O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial:

a)      Do seu próprio nome e endereço;

b)      De indicações relativas à espécie, à qualidade, à quantidade, ao destino, ao valor, à proveniência geográfica, à época de produção do produto ou da prestação do serviço ou a outras características dos produtos ou serviços;

c)      Da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente sob a forma de acessórios ou peças sobressalentes,

desde que esse uso seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.»

5.        A Directiva 97/55 introduziu na Directiva 84/450, que originariamente só dizia respeito à publicidade enganosa, uma série de disposições em matéria de publicidade comparativa.

6.        O artigo 2.°, n.° 2A, da Directiva 84/450, conforme alterada pela Directiva 97/55 (a seguir «Directiva 84/450») (5), define a «publicidade comparativa», para efeitos desse mesmo diploma, como «a publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente».

7.        O artigo 3.°A, n.° 1, da Directiva 84/450 estabelece o seguinte:

«A publicidade comparativa é autorizada, no que se refere exclusivamente à comparação, quando se reúnam as seguintes condições:

a)      Não ser enganosa nos termos do n.° 2 do artigo 2.°, do artigo 3.° e do n.° 1 do artigo 7.°;

b)      Comparar bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou têm os mesmos objectivos;

c)      Comparar objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços, entre as quais se pode incluir o preço;

d)      Não gerar confusão no mercado entre o anunciante e um concorrente ou entre as marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante e do concorrente;

e)      Não desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente;

f)      Referir‑se, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação;

g)      Não retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes;

h)      Não apresentar um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço cuja marca ou designação comercial seja protegida.»

 Litígio no processo nacional e questões prejudiciais

8.        Para efeitos da promoção, em especial, dos seus serviços de telefonia móvel, a O2 utiliza imagens de bolhas de vários tipos. A O2 é titular, para além de marcas constituídas pela combinação da letra O com o número 2 (a seguir «marcas O2»), de duas marcas figurativas que representam, ambas, uma imagem estática de bolhas, registadas no Reino Unido para aparelhos e serviços de telecomunicações (a seguir «marcas relativas às bolhas»). Da decisão de reenvio depreende‑se que ficou provado que os consumidores associam exclusivamente à O2 as imagens de bolhas em água (em especial com um fundo azul graduado) utilizadas no contexto da telefonia móvel.

9.        Só a partir de Março de 2003 é que a H3G passou a oferecer serviços de telefonia móvel no Reino Unido, que se identificam pelo sinal «3», num momento em que quatro outros operadores, entre os quais a O2, já tinham uma posição bem consolidada no mercado. Em Março de 2004, a H3G lançou um serviço de pré‑pagamento, denominado «Threepay», e, no decurso desse mesmo ano, uma campanha de publicidade comparativa, no âmbito da qual foram difundidas nos écrans de televisão mensagens publicitárias em que comparavam os seus preços com os de serviços de operadores concorrentes.

10.      A O2 propôs na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, uma acção por violação das marcas O2 e das marcas relativas às bolhas contra a H3G, devido a uma mensagem publicitária televisiva que esta última fez difundir e em que se utilizavam o termo «O2» e imagens de bolhas em movimento, para além da imagem estilizada e animada de um 3, e da qual resultava, no essencial, que o serviço «Threepay» era mais barato do que o serviço análogo oferecido pela O2 (a seguir «publicidade controvertida»).

11.      No âmbito dessa acção, a O2 desistiu de invocar a violação das marcas O2 (6) e admitiu que a comparação relativa aos preços era verdadeira e que, considerada globalmente, a publicidade controvertida não era de forma alguma enganosa e, em especial, não sugeria a existência de uma qualquer relação, do ponto de vista comercial, entre a O2 e a 3. O público médio teria compreendido a utilização do sinal O2 e das bolhas como uma referência à O2 e à sua imagem e considerado que se tratava de publicidade de um concorrente, a 3, que afirmava que o preço do seu serviço era menor (7).

12.      A acção por violação, que passou, portanto a ter apenas por objecto a utilização das imagens das bolhas na publicidade controvertida, foi julgada improcedente por decisão de 23 de Março de 2006. Essencialmente, o órgão jurisdicional a quem foi submetida a acção considerou que o referido uso integrava efectivamente o âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104, embora a publicidade estivesse em conformidade com o artigo 3.°A, n.° 1, da Directiva 84/450, pelo que estavam reunidas as condições para a aplicação da excepção consagrada no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104.

13.      A O2 recorreu desta decisão para a Court of Appeal, contestando a aplicação da referida excepção. Por seu lado, a H3G contestou a decisão na parte em que declarava que a publicidade controvertida integrava o âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104, e pediu que fosse negado provimento ao recurso da O2.

14.      Com o objectivo de resolver o diferendo, a Court of Appeal, por acórdão de 14 de Dezembro de 2006, considerou ser necessário submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No caso de um comerciante, na publicidade dos seus próprios produtos ou serviços, usar uma marca registada que pertence a um concorrente[,] com o objectivo de comparar as características (em especial, o preço) dos produtos ou serviços que comercializa com as características (em especial, o preço) dos produtos ou serviços comercializados pelo seu concorrente ao abrigo daquela marca, fazendo‑o de uma forma que não cria confusão nem prejudica a função essencial da marca registada enquanto indicação da origem, […] esse uso ca[i] no âmbito de aplicação das alíneas a) ou b) do n.° 1 do artigo 5.° da Directiva 89/104 […]?

2)      No caso de, em publicidade comparativa, um comerciante usar uma marca registada de um concorrente, para dar cumprimento ao artigo 3.°A, [n.° 1], da Directiva 84/450 […], deve esse uso ser ‘indispensável’ e, em caso de resposta afirmativa, quais são os critérios de apreciação do carácter indispensável?

3)      Mais especificamente, e caso exista, o requisito do carácter indispensável exclui qualquer uso de um sinal que, não sendo idêntico, seja muito semelhante à marca registada?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

15.      Ao abrigo do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, a O2, a H3G e a Comissão apresentaram por escrito observações ao Tribunal de Justiça, tendo os seus representantes igualmente apresentado alegações na audiência que teve lugar em 29 de Novembro de 2007.

 Análise jurídica

 Quanto à primeira questão prejudicial

16.      Com a primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se a utilização da marca registada (a seguir, simplesmente, «marca») de um concorrente, em publicidade comparativa, para pôr em confronto as características dos produtos ou serviços do anunciante com as dos produtos ou serviços do concorrente integra o âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) ou b), da Directiva 89/104, quando essa utilização não crie confusão nem de outro modo comprometa a função essencial da marca, que é a de garantir a proveniência do produto ou serviço.

17.      A questão foi colocada porquanto o órgão jurisdicional de primeira instância entendeu que a publicidade controvertida integrava o âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), dessa directiva e que era lícita apenas na medida em que, por estar em conformidade com o artigo 3.°A da Directiva 84/450, estava abrangida pela excepção prevista no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104, ao passo que a H3G defende que de modo algum aquela integra o âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), deste último diploma.

18.      Cabe apenas recordar, a título preliminar, que, segundo jurisprudência constante, uma directiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular e não pode, portanto, ser invocada enquanto tal contra ele, embora, ao aplicar o direito nacional, quer se trate de disposições anteriores ou posteriores à directiva, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá‑lo seja obrigado a fazê‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE (8). É nesta óptica que se devem entender, no presente processo prejudicial, as referências às disposições das Directivas 89/104 e 84/450.

19.      É provável que, suscitando a referida questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio tenha a expectativa de que o Tribunal de Justiça esclareça os pressupostos de aplicação das disposições do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 89/104 e, em especial, se as proibições constantes dessas disposições também se aplicam quando a utilização de um sinal idêntico ou semelhante à marca de outrem numa publicidade é feita para identificar não os produtos ou serviços de quem faz a publicidade, mas os do titular dessa marca (9).

20.      Uma resposta adequada à questão submetida desta forma pelo órgão jurisdicional de reenvio exigiria um exame da jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 89/104, que, pelo menos à primeira vista, não é completamente homogénea no que respeita aos pressupostos de aplicação dessas disposições. Evoco a este respeito, especialmente, a dificuldade em conciliar a perspectiva adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão BMW (10), do qual parece resultar que a utilização que um terceiro faça de uma marca de outrem para identificar não o seu próprio produto ou serviço, mas antes o do titular da marca, não fica excluído, per se, do âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104, com a perspectiva adoptada em acórdãos mais recentes, que antes levam a propender para a solução oposta.

21.      No acórdão BMW, o Tribunal de Justiça considerou que o uso da marca de outrem numa publicidade para distinguir os produtos do titular da marca enquanto objecto dos serviços prestados pelo autor da publicidade integra o âmbito do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva, sem prejuízo da aplicação dos artigos 6.° ou 7.° do mesmo diploma (11).

22.      No processo Hölterhoff (12), o Tribunal de Justiça excluiu a possibilidade de o titular de uma marca poder invocar o seu direito exclusivo ex artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104 quando um terceiro, no quadro de negociações comerciais, revela que o produto provém do seu próprio fabrico e só utiliza a marca em causa para descrever as propriedades específicas do produto que propõe (13), de tal modo que fica excluído que a marca utilizada seja interpretada como uma referência à empresa de proveniência do referido produto.

23.      No acórdão Arsenal Football Club (14), o Tribunal de Justiça especificou que o direito exclusivo previsto pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 foi concedido «para permitir ao titular da marca proteger os seus interesses específicos como titular da marca, ou seja, assegurar que a marca possa cumprir as suas funções próprias», e que «[o] exercício deste direito deve, por conseguinte, ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro afecta ou é susceptível de afectar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial, que é a de garantir aos consumidores a proveniência do produto» (15).

24.      Nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça sublinhou que, nesse caso, o uso do sinal em questão não tinha, manifestamente, fins puramente descritivos, caso em que ficaria excluído do âmbito de aplicação da referida disposição, mas era passível de fazer crer na existência de uma conexão material na vida comercial entre os produtos do terceiro e o titular da marca e assim pôr em perigo a garantia de proveniência que constitui a função essencial da marca. O Tribunal de Justiça concluiu tratar‑se, portanto, de um uso a que o titular da marca se podia opor em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104 (16).

25.      No acórdão Adam Opel (17) o Tribunal de Justiça considerou que, «[s]alvo [a] hipótese específica do uso de uma marca por um terceiro que presta serviços que têm por objecto os produtos que ostentam essa marca», como a examinada no acórdão BMW, já referido, «o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da [D]irectiva [89/104] deve ser interpretado no sentido de que visa o uso de um sinal idêntico à marca para produtos comercializados ou serviços prestados pelo terceiro, que são idênticos àqueles para os quais a marca foi registada». No mesmo acórdão Adam Opel, refere‑se que, embora no processo BMW o Tribunal de Justiça tenha declarado que, nas circunstâncias específicas do processo objecto deste último acórdão, «o uso, pelo terceiro, do sinal idêntico à marca para produtos comercializados, não pelo terceiro mas pelo titular da marca, estava abrangido pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva», tal acontecia por se ter «em consideração esse vínculo específico e indissociável entre os produtos revestidos da marca e os serviços fornecidos pelo terceiro».

26.      Assim, segundo o acórdão BMW, o uso de uma marca de outrem por um terceiro para identificar os produtos ou serviços fornecidos pelo titular da marca e que não induza em confusão acerca da proveniência desses produtos ou serviços ou dos do terceiro parece poder integrar o âmbito do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104; segundo os acórdãos Hölterhoff e Adam Opel, escapa a esse âmbito, enquanto, segundo a jurisprudência referida no n.° 23, supra, para se determinar se esse uso integra ou não o referido âmbito, seria ainda necessário verificar se é susceptível de prejudicar uma função da marca que não seja a função essencial da garantia de proveniência.

27.      A O2 insiste sobre este último aspecto nas suas observações escritas apresentadas no âmbito do presente processo, evocando em especial a «função publicitária» da marca e o prejuízo que a publicidade controvertida acarreta para essa função das suas marcas relativas às bolhas.

28.      Considero, contudo, que, à luz das disposições da Directiva 84/450 em matéria de publicidade comparativa, a questão formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio pode facilmente receber uma resposta negativa sem que seja necessário prosseguir com o espinhoso exame dos pressupostos de aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 89/104.

29.      Cabe, antes do mais, recordar que a Directiva 97/55 pretendeu uniformizar «as disposições essenciais que regem a forma e o conteúdo da publicidade comparativa» e harmonizar «as condições da utilização da publicidade comparativa nos Estados‑Membros» (segundo considerando), em especial fixando «as condições em que é permitida a publicidade comparativa» (décimo oitavo considerando).

30.      Nesta perspectiva, essa directiva especifica, ao aditar o artigo 3.°A à Directiva 84/450, as condições em que a publicidade comparativa deve ser considerada lícita (18), à luz das quais, como decorre do sétimo considerando da Directiva 97/55, é possível «determinar as práticas relativas à publicidade comparativa que poderão distorcer a concorrência, causar prejuízo aos concorrentes e influenciar negativamente a escolha dos consumidores». Como já anteriormente foi realçado pelo Tribunal de Justiça, o objectivo era «a definição das condições em que a publicidade comparativa deve ser considerada lícita no âmbito do mercado interno» (19). Donde decorre, segundo o Tribunal de Justiça, que «a Directiva 84/450 procedeu a uma harmonização exaustiva das condições de licitude da publicidade comparativa nos Estados‑Membros», «harmonização [essa] que implica, por natureza, que a licitude da publicidade comparativa em toda a Comunidade deva ser apreciada exclusivamente à luz dos critérios fixados pelo legislador comunitário (20).

31.      Para este efeito, o artigo 3.°A da Directiva 84/450 enumera as condições que devem ser cumulativamente preenchidas para que a comparação publicitária possa ser considerada lícita (21).

32.      Assim, importa referir que, efectivamente, quatro das oito disposições que constituem o n.° 1 do referido artigo visam assegurar a protecção da marca, da denominação comercial e de outros sinais distintivos de um concorrente no contexto da comparação publicitária. Como o Tribunal de Justiça sublinhou, «a Directiva 84/450 permite que, em certas condições, um anunciante indique numa publicidade comparativa a marca dos produtos de um concorrente» (22). Em especial, prevê‑se que a publicidade comparativa não deve: gerar confusão no mercado entre as marcas, designações comerciais ou outros sinais distintivos do anunciante e do concorrente [alínea d)]; desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais ou outros sinais distintivos [alínea e)]; retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente [alínea g)]; apresentar um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço cuja marca ou designação comercial seja protegida [alínea h)]. Daí decorre, segundo o Tribunal de Justiça, que, «desde que a comparação não tenha por objecto ou efeito criar essas situações de concorrência desleal, a utilização da marca de um concorrente é permitida pelo direito comunitário» (23).

33.      No décimo quarto considerando da Directiva 97/55 observa‑se, além disso, que «pode ser indispensável, para uma efectiva publicidade comparativa, identificar os produtos ou serviços de um concorrente, através de referências à sua designação comercial ou a uma marca de que seja titular». O considerando seguinte acrescenta que «a utilização da marca, da designação comercial ou de qualquer outra marca distintiva de outrem não infringe o direito exclusivo do titular, na medida em que cumpra as condições estabelecidas na presente directiva, já que o objectivo consiste unicamente em acentuar objectivamente as respectivas diferenças».

34.      A utilização da marca de um concorrente no âmbito de uma publicidade que compara as características dos produtos ou serviços que este comercializa sob essa marca com os do anunciante rege‑se específica e exaustivamente pelo artigo 3.°A da Directiva 84/450. Essa utilização só é proibida se contrariar as condições constantes desse mesmo artigo. Nesse caso, essa proibição decorre desse mesmo artigo e não do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) ou b), da Directiva 89/104. Se, pelo contrário, essa utilização estiver em conformidade com as referidas condições, não se pode considerar que seja proibida por força do disposto nas alíneas a) ou b) do n.° 1 do artigo 5.° da Directiva 89/104.

35.      Estas últimas disposições, tal como as constantes do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104, não entram em linha de conta para efeitos da apreciação da licitude da referida utilização. Pouco importa interrogarmo‑nos sobre se se chegaria à mesma conclusão caso a Directiva 97/55 não existisse – porque, como sustentam a H3G e a Comissão, a referida utilização não ficava sob a alçada do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 89/104 (24) – ou se, pelo contrário, essa conclusão decorre da introdução, com o artigo 3.°A aditado à Directiva 84/450 pela Directiva 97/55, de uma disciplina que, surgindo como lex specialis no caso da utilização da marca de outrem numa publicidade comparativa, é derrogatória relativamente à contida no artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva 89/104.

36.      Esta questão tem, para efeitos da controvérsia que foi submetida ao órgão jurisdicional de reenvio, natureza hipotética, razão pela qual não há que resolvê‑la no âmbito do presente processo prejudicial.

37.      Refiro aliás que, como a O2 sublinhou (25), a primeira questão prejudicial, como formulada na decisão de reenvio, tem por objecto a utilização por um anunciante de uma marca de outrem (ou, mais exactamente, de um sinal idêntico à marca de outrem), quando, no entanto, o litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio passou a dizer respeito, na sequência da redução do pedido da O2 na acção por violação da marca inicialmente proposta (26), à utilização por um anunciante (a H3G) não de marcas de outrem (O2 ou as marcas relativas às bolhas), mas sim de sinais (imagens de bolhas) muito semelhantes a marcas de outrem (as marcas relativas às bolhas).

38.      Considero, contudo, que esta precisão não modifica substancialmente os termos do problema examinado supra.

39.      A utilização de um sinal similar à marca de um concorrente numa mensagem publicitária pode ser uma das formas de identificar, pelo menos implicitamente, esse concorrente, ou os seus produtos ou serviços, na acepção do artigo 2.°, n.° 2A, da Directiva 84/450. As mensagens publicitárias que incluam uma tal utilização e que visem comparar o anunciante e o seu concorrente, ou os respectivos produtos ou serviços, estão sujeitas à disciplina consagrada no artigo 3.°A da Directiva 84/450. Como já se viu, este artigo, que se integra num conjunto mais amplo de normas que exaustivamente definem as condições da licitude da publicidade comparativa, inclui normas específicas destinadas a garantir a protecção da marca relativamente a essas formas de publicidade. Por conseguinte, quando o titular de uma marca pretenda opor‑se à utilização, no âmbito de uma comparação publicitária, de um sinal semelhante à referida marca, deve fundar a sua pretensão na violação de uma das condições referidas no artigo 3.°A da Directiva 84/450 (27), não ficando a referida utilização sob a alçada do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104 à semelhança da utilização da marca de outrem no mesmo contexto.

40.      Assim, considero que à primeira questão prejudicial se pode dar a seguinte resposta:

«A utilização de um sinal idêntico ou similar à marca registada de um concorrente no âmbito de uma publicidade que compara as características dos produtos ou serviços comercializados pelo referido concorrente sob essa marca com as dos produtos ou serviços fornecidos pelo anunciante está regulada, de forma exaustiva, no artigo 3.°A da Directiva 84/450 e não está sujeita à aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) ou b), da Directiva 89/104.»

 Quanto às segunda e terceira questões prejudiciais

41.      Com as segunda e terceira questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, antes de mais, se a utilização da marca de um concorrente numa publicidade comparativa, para ser lícita na acepção do artigo 3.°A da Directiva 84/450, deve ser «indispensável». Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais são os critérios em que se deve basear para apreciar essa indispensabilidade e se a mesma obsta a qualquer utilização de um sinal que, embora não seja idêntico à marca do concorrente, é muito semelhante.

42.      A O2, baseando‑se nos décimo quarto e décimo quinto considerandos da Directiva 97/55, nos trabalhos preparatórios desse diploma e na jurisprudência do Tribunal de Justiça, especialmente nos acórdãos Toshiba (28) e Siemens (29), defende que, se a utilização da marca de um concorrente do anunciante numa publicidade comparativa não for indispensável para identificar esse concorrente ou os seus produtos ou serviços, esse anunciante retira dessa marca uma vantagem indevida, em violação do disposto no artigo 3.°A, n.° 1, alínea g), da Directiva 84/450. A O2 alega que, como a H3G utilizou, para efeitos da comparação publicitária em questão, a marca O2, que é perfeitamente idónea para identificar o concorrente do anunciante, este último não tinha qualquer necessidade de utilizar as imagens de bolhas, tanto mais que essas imagens constituíam uma representação deformada das marcas relativas às bolhas da O2.

43.      Todavia, estou de acordo com a H3G e com a Comissão quando consideram que o artigo 3.°A da Directiva 84/450 não obriga a que a utilização da marca de outrem na publicidade comparativa seja indispensável para identificar o concorrente ou os respectivos produtos ou serviços.

44.      Contudo, não é possível chegar a esta conclusão com base apenas naquilo que o Tribunal de Justiça já declarou, a propósito da reprodução, numa mensagem publicitária, para além do nome do concorrente, da sua sigla e de uma imagem da fachada do seu estabelecimento, nos n.os 83 e 84 do acórdão Pippig Augenoptik, que a H3G refere. Nesse processo, o Tribunal de Justiça chegou à conclusão, partindo do exame do décimo quinto considerando da Directiva 97/55, que o «o artigo 3.°A, n.° 1, alínea e), da Directiva 84/450 não se opõe a que uma publicidade comparativa reproduza, para além do nome do concorrente, a sua sigla e uma imagem da fachada do seu estabelecimento, se essa publicidade respeitar as condições de licitude definidas pelo direito comunitário».

45.      Assim, como a referida disposição visa apenas proibir a publicidade comparativa que «desacredit[e] ou depreci[e]» marcas ou outros elementos pertencentes ao concorrente, a referida conclusão a que o Tribunal chegou só pode significar, objectivamente, que a reprodução, numa mensagem publicitária, para além do nome do concorrente, da sua sigla e da imagem da fachada do seu estabelecimento – isto é, de elementos que verosimilmente não são indispensáveis para identificar o concorrente já designado pelo nome – não acarreta per se descrédito ou depreciação para este último. Isto não impede, todavia, que, como a O2 observou, a indispensabilidade da utilização da marca ou de outros sinais distintivos de outrem numa comparação publicitária possa, eventualmente, decorrer das outras disposições do mesmo artigo 3.°A. De resto, não posso deixar de referir a ambiguidade e imprecisão da conclusão do Tribunal de Justiça a que fiz referência no n.° 44, supra, na parte em que parece condicionar o respeito do artigo 3.°A, n.° 1, alínea e), da Directiva 84/450 à observância de todas as outras condições de licitude da publicidade comparativa estabelecidas pelo direito comunitário, que, contudo, nada têm a ver com o aspecto desacreditante ou depreciativo dessa publicidade a que se atendeu na referida disposição.

46.      Para determinar se o artigo 3.°A da Directiva 84/450 impõe uma condição de indispensabilidade relativamente à utilização da marca de outrem numa comparação publicitária, devo recordar, antes de mais, que o referido artigo procede a uma harmonização exaustiva das condições da licitude desse tipo de comparação (v. n.° 30, supra) e observo que nenhuma das suas disposições consagra expressamente uma condição de indispensabilidade para a utilização da marca ou de outro sinal distintivo de outrem.

47.      Também não me parece que, como defendido pela O2, se possa implicitamente inferir essa condição do artigo 3.°A, n.° 1, alínea g), da referida directiva, disposição essa que proíbe que se retire partido indevido do renome de uma marca ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes.

48.      A referência que a O2 faz ao décimo quarto considerando da Directiva 97/55 não valida a interpretação que faz da referida disposição. Como a Comissão justamente sublinha, nesse considerando o legislador comunitário parece ter apenas pretendido pôr em evidência que, de um modo geral, para se proceder a uma publicidade comparativa eficaz é inevitável a referência a uma marca ou à designação comercial do concorrente, sem com isso pretender identificar uma condição da licitude dessa referência. De resto, as condições da licitude dessa referência são evocadas em seguida, no décimo quinto considerando («na medida em que cumpra as condições estabelecidas na presente directiva»), o qual, quando menciona «a utilização da marca», pretende referir‑se à utilização da marca com vista a identificar os produtos ou serviços de um concorrente e não a uma utilização da marca que seja indispensável para esse efeito.

49.      O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de interpretar o artigo 3.°A, n.° 1, alínea g), da Directiva 84/450.

50.      No processo Toshiba, foi instado pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente, a esclarecer os critérios com base nos quais se deve considerar que uma publicidade comparativa retira partido indevido do renome de um sinal distintivo de um concorrente, na acepção da referida disposição.

51.      O advogado‑geral P. Léger sugeriu ao Tribunal de Justiça uma hipótese de fundamentação destinada a identificar, no âmbito do artigo 3.°A, n.° 1, alínea g), da Directiva 84/450, «o limite para além do qual um anunciante deve ser considerado como agindo de modo desleal». A título de premissa, referiu que um comportamento inspirado pela única preocupação de retirar partido do renome do concorrente em benefício da sua própria actividade supera o referido limite, enquanto não se pode considerar existir abuso em relação ao renome quando o conteúdo da publicidade comparativa pode justificar‑se face a determinados requisitos (30).

52.      A este respeito, o advogado‑geral P. Léger inferiu dos décimo quarto e décimo quinto considerandos da Directiva 97/55 que «um concorrente pode utilizar o direito exclusivo de um operador económico à sua marca ou a outros sinais distintivos se a referência assim efectuada se justificar por exigências da publicidade comparativa» e que «[o] anunciante tem legitimidade para utilizar essas referências, se a comparação das qualidades e defeitos dos produtos em concorrência for impossibilitada ou, mais simplesmente, dificultada pela ausência de identificação do concorrente». Quanto aos «requisitos de utilização dos sinais distintivos do concorrente», observou que, «[d]evendo as excepções ser objecto de uma interpretação restritiva, as derrogações aos direitos protegidos dos titulares só podem ser autorizadas nos limites absolutamente necessários ao objectivo da directiva, que é o de tornar possível a comparação das características objectivas dos produtos». «Por conseguinte», prossegue o advogado‑geral, «retira‑se partido indevido do renome de um concorrente quando se lhe faz referência ou quando o modo como se lhe faz referência não é necessário à informação dos clientes relativamente às qualidades dos bens comparados. Ao invés, essa ilicitude não ocorre quando os elementos sobre os quais incide a comparação não podem ser descritos sem que o anunciante recorra a referências ao seu concorrente, embora desse facto possa tirar um certo aproveitamento». «É pois sobre o critério da necessidade que [pensou] dever assentar a apreciação da licitude da publicidade comparativa, à luz do artigo 3.°A, n.° 1, alínea g), da directiva» (31).

53.      Estas considerações, que suportam a tese interpretativa da O2, foram, no entanto, recusadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Toshiba. O n.° 54 desse acórdão, invocado pela O2, em nada suporta essa tese, uma vez que, não obstante o Tribunal de Justiça aí ter indicado que «não pode entender‑se que um anunciador beneficie indevidamente da notoriedade de que gozam os sinais distintivos do seu concorrente se a referência a tais sinais for condição de uma efectiva concorrência no mercado em causa», não existe qualquer indício de que tenha pretendido também considerar que, pelo contrário, quando não seja o pressuposto de uma concorrência efectiva no referido mercado, a referência a esses sinais implica necessariamente para o anunciante retirar partido indevido do seu renome. No acórdão Toshiba considerou, pelo contrário, que a utilização dos sinais distintivos de um concorrente permite ao anunciante «beneficiar indevidamente da notoriedade de que gozam quando tal menção tiver por efeito criar no espírito do público visado pela publicidade uma associação entre o fabricante cujos produtos são identificados e o fornecedor concorrente, por o público transferir a reputação dos produtos do fabricante para os do fornecedor concorrente» (32).

54.      Associando‑se a esta conclusão contida no acórdão Toshiba, o advogado‑geral A. Tizzano, nas conclusões que apresentou no processo Pippig Augenoptik (33), considerou que «a indicação da marca dos produtos de um concorrente não se opõe ao artigo 3.°A, n.° 1, alínea g), desde que tal indicação seja justificada pela exigência objectiva de identificar os produtos do concorrente e pôr em relevo as qualidades dos produtos publicitados (eventualmente por meio de uma comparação directa com os mesmos) e não seja, portanto, exclusivamente destinada a tirar partido do renome da marca, denominação comercial ou de outro sinal distintivo do concorrente», «a menos que, tendo em conta as particularidades do caso vertente, se verifique que essa indicação é efectuada de forma a criar no público uma associação entre o autor da publicidade e o concorrente, transferindo o renome dos produtos do segundo para o primeiro».

55.      O Tribunal de Justiça não tomou posição, no referido acórdão Pippig Augenoptik, sobre a interpretação do artigo 3.°A, n.° 1, alínea g), embora o tenha feito mais tarde no acórdão Siemens, já referido, do qual se infere que, para se verificar se a utilização de uma marca ou outro sinal distintivo de um concorrente por um anunciante numa publicidade comparativa implica que este retire um partido indevido do renome dessa marca ou sinal, se deve, por um lado, apurar se essa utilização pode ter por efeito criar no espírito do público visado pela publicidade uma associação entre o concorrente e o referido anunciante, por o público poder transferir a reputação dos produtos do primeiro para os vendidos pelo segundo (34), e, por outro, atender aos benefícios que a publicidade comparativa em causa apresenta para os consumidores (35).

56.      Se, como comummente se observa na doutrina, a publicidade comparativa tem, a maior parte das vezes, por objecto a comparação com um concorrente mais instalado e por isso produz, per se, um certo efeito de «arrastamento» associado à reputação deste ou dos seus sinais distintivos, a vantagem obtida com o referido efeito de arrastamento apenas seria indevida, segundo os acórdãos Toshiba e Siemens, quando, no espírito do público destinatário, se produz uma associação entre o anunciante e o seu concorrente que possa levar o referido público a transferir a reputação dos produtos deste último para os do primeiro. Trata‑se, segundo esses acórdãos, de um efeito que deve ser apurado caso a caso e que obviamente prescinde da verificação da indispensabilidade da referência ao sinal distintivo do concorrente.

57.      O critério de aplicação pelo qual o Tribunal de Justiça optou nos referidos acórdãos, fundado na análise das impressões do público sobre as relações entre as empresas identificadas na publicidade, é um tanto favorável ao anunciante, permitindo a referência ao sinal distintivo de outrem mesmo quando se revele que essa referência não corresponde a nenhuma exigência legítima atinente à operação publicitária, se, concretamente, no espírito do público não se realizar essa associação com transferência de reputação evocada nos referidos acórdãos. Pessoalmente, considero que uma interpretação que implique a existência de semelhante exigência, que também o advogado‑geral P. Léger parecia prefigurar na premissa do seu raciocínio referida no n.° 51, supra, pode lograr uma ponderação mais equilibrada entre os interesses opostos do anunciante e do seu concorrente, na medida em que permite que se considere proibida qualquer referência ao sinal distintivo de outrem quando se revele que a comparação publicitária é apenas um pretexto para parasitariamente se desfrutar da notoriedade desse sinal, independentemente da realização dessa associação.

58.      De qualquer modo, para efeitos do presente processo prejudicial, sem que seja necessário elencar, genericamente, os critérios a seguir na aplicação do artigo 3.°A, n.° 1, alínea g), da Directiva 84/450, basta sublinhar que os acórdãos Toshiba e Siemens não consagram, mas antes implicitamente excluem, o critério da indispensabilidade (ou necessidade) no que respeita à utilização de um marca ou outro sinal distintivo do concorrente numa comparação publicitária. Não se pode assim sustentar, como faz a O2, que, quando a referida utilização não seja indispensável para identificar o concorrente ou os seus produtos ou serviços, a publicidade comparativa é ipso facto susceptível de acarretar para o anunciante uma vantagem indevida decorrente da notoriedade dessa marca ou sinal. Como a Comissão observa, essa vantagem indevida deve, pelo contrário, ser verificada em concreto, sem poder ser presumida a partir do carácter não indispensável da referência a essa marca ou sinal na comparação publicitária.

59.      Assim, como correctamente observam tanto a H3G como a Court of Appeal na decisão de reenvio, contra a existência de uma condição de indispensabilidade deste tipo milita a obrigação, constantemente sublinhada na jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria, de as condições da licitude da publicidade comparativa deverem ser interpretadas da forma que seja mais favorável a esta (36).

60.      As considerações que acabo de expor, relativas à utilização da marca de um concorrente numa publicidade comparativa, são igualmente válidas, naturalmente, no caso de utilização, no mesmo contexto, de um sinal não idêntico, mas semelhante à referida marca. A questão jurídica colocada ao Tribunal de Justiça acerca da existência, ao abrigo do artigo 3.°A da Directiva 84/450, de uma condição de licitude atinente à indispensabilidade da utilização de um sinal destinado a identificar o concorrente coloca‑se, em meu entender, nos mesmos termos, quer se trate da utilização de um sinal idêntico ou de um sinal apenas semelhante à marca do concorrente.

61.      Além disso, acrescento que, num plano concreto que, no entanto, amplamente excede o necessário para se responder à primeira parte da segunda questão prejudicial (37), parece difícil imaginar que a H3G possa ter obtido uma vantagem indevida com a utilização, na publicidade controvertida, das imagens com bolhas semelhantes às marcas relativas às bolhas da O2, se se tiver presente que a referida publicidade também identifica explicitamente o concorrente através de referências à marca O2, cuja legitimidade de utilização já não é contestada pela O2, e que, como resulta da decisão de reenvio, os consumidores, num contexto de telefonia móvel, associam as imagens de bolhas à O2. Por conseguinte, se já se verifica um efeito de arrastamento pelo concorrente através da referência à marca O2, sem que esta última o conteste, não vejo que vantagem indevida poderia a H3G retirar da utilização, na publicidade controvertida, de sinais semelhantes às marcas relativas às bolhas de que a mesma O2 é titular.

62.      Dado que considero que a utilização da marca, ou de um sinal semelhante à marca, de um concorrente numa publicidade comparativa não é proibida pelo artigo 3.°A da Directiva 84/450 apenas porque não é indispensável para identificar o concorrente ou os seus produtos ou serviços, não se torna necessário examinar a segunda parte da segunda questão prejudicial, nem a terceira questão, que pressupõem uma solução oposta à que acabo de propor.

63.      Observo, além disso, dado que a O2 insistiu particularmente, sobretudo na audiência, no facto de a publicidade controvertida apresentar uma imagem alterada das suas marcas relativas às bolhas, acarretando assim um prejuízo para o carácter distintivo dessas marcas e para a sua reputação, que a referida alteração só tem relevância a ponto de tornar ilícita a referida publicidade caso esteja em contradição com uma das condições estabelecidas no artigo 3.°A da Directiva 84/450.

64.      Entre estas figuram condições destinadas a proteger a reputação da marca, como a constante do n.° 1, alínea e), que impede que se desacreditem ou depreciem marcas, e a que acabámos de examinar, constante do n.° 1, alínea g), que obsta a que se retire partido indevido do renome da marca. Em especial, se a alteração das marcas relativas às bolhas na publicidade controvertida fosse susceptível de apresentar de forma negativa essas marcas ou imagens do seu titular, então a O2 poderia queixar‑se invocando a norma nacional de transposição do artigo 3.°A, n.° 1, alínea e), da Directiva 84/450.

65.      Contudo, entre as condições constantes do artigo 3.°A não figura a exigência de proteger o carácter distintivo da marca. Esta última, contemplada no seu duplo aspecto da proibição de prejudicar esse carácter e da proibição de se retirar vantagens indevidas graças a esse carácter tanto no artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 como no artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (38), conforme alterado, no que respeita às marcas notórias, não foi assumida – contrariamente à exigência de protecção da reputação da marca, igualmente defendida pelas referidas disposições sempre no que respeita às marcas notórias – no artigo 3.°A da Directiva 84/450, o qual, como se viu (v. n.° 59, supra), é de interpretação estrita. Assim, no presente caso só pode tratar‑se de uma escolha deliberada do legislador comunitário, que evidentemente considerou dever privilegiar o interesse numa publicidade comparativa eficaz que sirva de instrumento de informação dos consumidores e de estímulo à concorrência entre os fornecedores de bens e de serviços (v., em especial, segundo considerando da Directiva 97/55) relativamente ao interesse na protecção do carácter distintivo das marcas.

66.      À luz das considerações que acabo de expor, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão prejudicial nos seguintes termos:

«O artigo 3.°A da Directiva 84/450 não deve ser interpretado no sentido de que apenas admite a utilização, numa publicidade comparativa, de um sinal idêntico ou semelhante à marca registada de um concorrente caso a referida utilização seja indispensável para identificar o concorrente ou os seus produtos ou serviços.»

 Conclusões

67.      Em conclusão, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Court of Appeal (England & Wales) do seguinte modo:

«1)      A utilização de um sinal idêntico ou similar à marca registada de um concorrente no âmbito de uma publicidade que compara as características dos produtos ou serviços comercializados pelo referido concorrente sob essa marca com as dos produtos ou serviços fornecidos pelo anunciante está regulada, de forma exaustiva, no artigo 3.°A da Directiva 84/450 do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à publicidade enganosa e comparativa, conforme alterada pela Directiva 97/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro de 1997, e não está sujeita à aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) ou b), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas.

2)      O artigo 3.°A da Directiva 84/450 não deve ser interpretado no sentido de que apenas admite a utilização, numa publicidade comparativa, de um sinal idêntico ou semelhante à marca registada de um concorrente caso a referida utilização seja indispensável para identificar o concorrente ou os seus produtos ou serviços.»


1 – Língua original: italiano.


2 – JO 1989, L 40, p. 1.


3 – JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55.


4 – JO L 290, p. 18.


5 – A Directiva 84/450 foi posteriormente modificada pela Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno («directiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22). Algumas das modificações introduzidas pela Directiva 2005/29 afectam disposições da Directiva 84/450 relativas à publicidade comparativa, designadamente o artigo 3.°A. Todavia, a Directiva 2005/29 é posterior aos factos que estão na origem do processo; assim, terei presente, nestas conclusões, o texto da Directiva 84/450 conforme modificado pela Directiva 97/55 e não o também resultante das modificações introduzidas pela Directiva 2005/29. De resto, a Directiva 84/450 foi recentemente revogada e substituída, com efeitos a partir de 12 de Dezembro de 2007, pela Directiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa (JO L 376, p. 21), que, todavia, mais não é do que uma versão codificada, por necessidades de clareza e de racionalização, das anteriores disposições da Directiva 84/450.


6 – V. acórdão de reenvio, n.° 3; observações escritas da O2, p. 14, nota 4, e observações escritas da H3G, n.os 5 e 6.


7 – V. acórdão de reenvio, n.° 11.


8 – V., especialmente no que respeita à Directiva 89/104, acórdão de 16 de Julho de 1998, Silhouette International Schmied (C‑355/96, Colect., p. I‑4799, n.° 36), e de 23 de Outubro de 2003, Adidas‑Salomon e Adidas Benelux (C‑408/01, Colect., p. I‑12537, n.° 21).


9 – Na apreciação da primeira questão prejudicial, abstraio do facto de a referência ao artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 ser, de qualquer modo, irrelevante no presente caso, por agora só estar em causa a utilização, na publicidade controvertida, de sinais (as imagens de bolhas) não idênticos, mas semelhantes a marcas da O2.


10 – Acórdão de 23 de Fevereiro de 1999 (C‑63/97,Colect., p. I‑905).


11 – Acórdão BMW, já referido, n.° 38. Tratava‑se do serviço de venda de automóveis BMW usados e do serviço de reparação e manutenção de automóveis BMW.


12 – Acórdão de 14 de Maio de 2002 (C‑2/00, Colect., p. I‑4187, n.° 17).


13 – Estava assente, neste caso, que o terceiro só utilizou as designações protegidas da marca de outrem para descrever as qualidades e, mais precisamente, o tipo de lapidação das pedras preciosas propostas para venda (v. acórdão Hölterhoff, já referido, n.° 10).


14 – Acórdão de 12 de Novembro de 2002 (C‑206/01, Colect., p. I‑10273).


15 – Ibidem, n.° 51. No mesmo sentido acórdãos de 16 de Novembro de 2004, Anheuser‑Busch (C‑245/02, Colect., p. I‑10989, n.° 59); de 25 de Janeiro de 2007, Adam Opel (C‑48/05, Colect., p. I‑1017, n.° 21), e de 11 Setembro de 2007, Céline (C‑17/06, Colect., p. I‑0000, n.os 16 e 26).


16 – Acórdão Arsenal Football Club, já referido., n.os 54 a 56 e 60.


17 – Já referido, n.os 27 e 28 (sublinhado por mim).


18 – V. artigo 1.° da Directiva 84/450, nos termos do qual esse diploma «tem por objectivo proteger os consumidores e as pessoas que exercem uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, bem como os interesses do público em geral, contra a publicidade enganosa e suas consequências desleais, e estabelecer as condições em que a publicidade comparativa é considerada lícita» (sublinhado meu).


19 – Acórdão de 8 de Abril de 2003, Pippig Augenoptik (C‑44/01, Colect., p. I‑3095, n.° 38; v. igualmente n.° 43).


20 – Ibidem, n.° 44.


21 – O carácter cumulativo dessas condições é posto em evidência no décimo primeiro considerando da Directiva 97/55 («as condições para a publicidade comparativa devem ser cumulativas e integralmente respeitadas») e foi invocado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Pippig Augenoptik, já referido, n.° 54.


22 – Ibidem, n.° 47.


23 – Ibidem, n.° 49. V., igualmente, as conclusões que o advogado‑geral A. Tizzano apresentou em 12 de Setembro de 2002 no processo Pippig Augenoptik, já referido (n.° 27).


24 – Neste sentido se pronunciou, no essencial, o advogado‑geral F. G. Jacobs nas conclusões que apresentou em 20 de Setembro de 2001 no processo Hölterhoff, já referido (n.os 74 a 77).


25 – V. n.° 52 das respectivas observações escritas.


26 – V. n.° 11, supra.


27 – Invocando naturalmente as disposições nacionais de transposição do referido artigo 3.°A para o ordenamento interno.


28 – Acórdão de 25 de Outubro de 2001 (C‑112/99, Colect., p. I‑7945).


29 – Acórdão de 23 de Fevereiro de 2006 (C‑59/05, Colect., p. I‑2147).


30 – Conclusões de 8 de Fevereiro de 2001 apresentadas no processo Toshiba, já referido (n.os 79 e 80).


31 – Ibidem, n.os 82, 84, 85 e 87. No n.° 86, o advogado‑geral P. Léger enfatizou, além disso, como o fez a O2 no presente processo, que o critério da necessidade também foi acolhido nas disposições do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104.


32 – Acórdão Toshiba, já referido, n.° 60 (v. igualmente n.° 57). Sublinhado meu.


33 – Já referido, n.° 32.


34 – Acórdão Siemens, já referido, n.os 18 a 20.


35 – Ibidem, n.os 22 a 24.


36 – Acórdãos, já referidos, Toshiba, n.° 37; Pippig Augenoptik, n.° 42; de 19 de Setembro de 2006, Lidl Belgium (C‑356/04, Colect., p. I‑8501, n.° 22), e de 19 de Abril de 2007, De Landtsheer (C‑381/05, Colect., p. I‑3115, n.os 35 e 63).


37 – Compete obviamente ao órgão jurisdicional nacional, se for esse o caso, apurar se a utilização, na publicidade controvertida, das imagens de bolhas permite que a H3G beneficie indevidamente da notoriedade das marcas relativas às bolhas da O2 (v., por analogia, acórdão Adam Opel, já referido, n.° 36).


38 – JO 1994, L 11, p. 1.