Language of document : ECLI:EU:C:2011:23

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIAN KOKOTT

apresentadas em 20 de Janeiro de 2011 (1)

Processo C‑383/09

Comissão Europeia

contra

República Francesa

«Directiva 92/43/CEE – Protecção das espécies – Cricetus cricetus (grand hamster) – Medidas de protecção insuficientes – Deterioração dos habitats»





I –    Introdução

1.        As disposições relativas à protecção das espécies da Directiva 92/43/CEE do Conselho de 21 de Maio de 1992 relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (a seguir «directiva habitats») (2) estão em vigor desde 1994. Muitas destas espécies não se encontram num estado de conservação favorável (3).

2.        Relativamente à presença do grand hamster (Critcetus cricetus) em França, na região de Estrasburgo, verifica‑se inclusivamente uma deterioração considerável do estado de conservação (4). Em virtude deste desenvolvimento, deu entrada no Secretariado da Convenção sobre a Conservação da Vida Selvagem Europeia e Habitats Naturais (5) (a seguir «Convenção de Berna») a denúncia de uma organização não governamental que está actualmente a ser analisada (6)

3.        Também a Comissão aproveita este retrocesso para criticar a transposição para o direito francês da directiva habitats em relação ao grand hamster. A Comissão defende que as medidas francesas são insuficientes para garantir a existência desta espécie no futuro. A dificuldade do presente caso reside no facto de a disposição determinante, o artigo 12.° da directiva habitats, não conter nenhuma obrigação geral de garantir um estado de conservação favorável para as espécies protegidas, exigindo apenas a instituição de determinadas proibições.

4.        Embora a questão de saber quais as exigências que, nesta base, devem ser impostas para a protecção do grand hamster deva ser analisada em função das necessidades específicas desta espécie, também se colocam, em princípio, questões semelhantes em relação a muitas outras espécies para as quais a directiva habitats prevê um sistema de protecção rigorosa, designadamente em relação a algumas espécies de morcegos ou ao gato selvagem (felis silvestris).

II – Quadro jurídico

A –    Convenção de Berna

5.        A União é parte contratante da Convenção relativa à conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, aberta à adesão em 19 de Novembro de 1979 em Berna (a seguir «Convenção de Berna») (7).

6.        O artigo 4.°, n.° 1, da Convenção obriga à protecção dos habitats:

«1.      Cada uma das Partes Contratantes tomará as medidas legislativas e regulamentares adequadas e necessárias à protecção dos habitats das espécies selvagens da flora e da fauna, especialmente das que são mencionadas nos anexos I e II, e à defesa dos habitats naturais ameaçados de extinção.

2.      As Partes Contratantes, nas suas políticas de ordenamento e de desenvolvimento, tomarão em consideração as necessidades da conservação das zonas protegidas visadas no parágrafo anterior, com vista a evitar ou reduzir, tanto quanto possível, toda e qualquer deterioração das mesmas zonas.

3.      As Partes Contratantes comprometem‑se a dedicar especial atenção à protecção das zonas que são importantes para as espécies migradoras enumeradas nos anexos II e III e que se situem de modo adequado relativamente às vias de migração, tais como as áreas de hibernação, de reunião, de alimentação, de reprodução ou de muda.

4.      As Partes Contratantes comprometem‑se a coordenar os seus esforços, consoante as necessidades, para protegerem os habitats naturais visados no presente artigo, sempre que eles se localizem em regiões situadas de um e de outro lado das fronteiras.»

7.        O artigo 6.° da Convenção contém ainda disposições relativas à protecção das espécies:

«Cada uma das Partes Contratantes deverá tomar as medidas legislativas e regulamentares adequadas e necessárias para garantir a conservação particular das espécies da fauna selvagem enumeradas no anexo II. Nomeadamente, serão proibidas, relativamente a tais espécies:

a)      Todas as formas de captura intencional, de detenção e de abate intencional;

b)      A deterioração ou a destruição intencionais dos locais de reprodução ou das áreas de repouso;

c)      A perturbação intencional da fauna selvagem, especialmente durante os períodos de reprodução, de dependência ou de hibernação, apenas na medida em que tal perturbação tenha efeito significativo, segundo os objectivos da presente Convenção.

d)      A destruição ou a apanha intencionais de ovos do meio natural, ou a posse destes ovos, mesmo vazios;

e)      A detenção e a comercialização interna desses animais, vivos ou mortos, incluindo os animais embalsamados, e de qualquer parcela ou produto, facilmente identificáveis, obtidos a partir do mesmo animal, sempre que tal medida contribua para a eficácia das disposições do presente artigo.»

8.        O anexo II da Convenção faz referência, em particular, ao grand hamster.

9.        Em 27 de Novembro de 2008, o comité permanente da Convenção adoptou a Recomendação n.° 136 segundo a qual as Partes Contratantes com populações de grand hamster reduzidas ou que estejam a diminuir devem desenvolver e aplicar planos de acção nacionais baseados num plano de acção europeu (8).

B –    Directiva habitats

10.      A directiva habitats, juntamente com a directiva relativa à conservação das aves selvagens (9), tem como finalidade transpor a Convenção de Berna (10). De entre as definições do artigo 1.° da directiva habitats, a definição de estado de conservação de uma espécie tem um interesse particular:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

[…]

i)      Estado de conservação de uma espécie: o efeito do conjunto das influências que, actuando sobre a espécie em causa, podem afectar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações no território a que se refere o artigo 2.°

O ‘estado de conservação’ será considerado ‘favorável’ sempre que:

–      os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é susceptível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence e

–      a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível e

–      existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo;

11.      O artigo 2.° da directiva habitats contém os objectivos fundamentais da directiva habitats:

«1.      A presente directiva tem por objectivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado é aplicável.

2.      As medidas tomadas ao abrigo da presente directiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.

3.      As medidas tomadas ao abrigo da presente directiva devem ter em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais.»

12.      A disposição da directiva habitats determinante para a protecção do grand hamster é o artigo 12.°, n.° 1, que tem a seguinte redacção:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para instituir um sistema de protecção rigorosa das espécies animais constantes do anexo IV a) dentro da sua área de repartição natural proibindo:

a)      Todas as formas de captura ou abate intencionais de espécimes dessas espécies capturados no meio natural;

b)      A perturbação intencional dessas espécies, nomeadamente durante o período de reprodução, de dependência, de hibernação e de migração;

c)      A destruição ou a recolha intencionais de ovos no meio natural;

d)      A deterioração ou a destruição dos locais de reprodução ou áreas de repouso.»

13.      O anexo IV, alínea a), da directiva habitats, inclui especificamente o grand hamster.

C –    Direito francês

14.      A França transpôs o artigo 12.° da directiva habitats designadamente através do Decreto de 23 de Abril de 2007 que estabelece a lista dos mamíferos terrestres protegidos em todo o território e as modalidades de protecção dos mesmos (11) (a seguir «Decreto de 23 de Abril de 2007»). O artigo 2.°, n.° 2, regula a protecção dos locais de reprodução e das áreas de repouso:

«É proibido, nas áreas do território metropolitano onde a espécie existe, assim como na área de deslocação natural dos núcleos das populações existentes, destruir, alterar ou degradar os locais de reprodução e as áreas de repouso dos animais. Estas proibições aplicam‑se aos elementos físicos ou biológicos considerados necessários para a reprodução ou para o repouso da espécie em causa, durante o tempo que forem efectivamente utilizadas ou utilizáveis no decurso dos ciclos sucessivos de reprodução ou de repouso desta espécie e desde que a destruição, a alteração ou a degradação ponham em causa a boa conclusão destes ciclos biológicos.»

III – Matéria de facto, fase pré‑contenciosa do processo e pedidos das partes

15.      A Comissão contactou o Governo francês em 2007, na sequência de uma denúncia relativa ao estado de conservação das populações de grand hamster na Alsácia. Verificou‑se que o número de tocas de grand hamster constatados nas zonas núcleo diminuiu de 1167 em 2001 para entre 161 e 174 tocas em 2007. Por esse motivo, a Comissão, receando que esta espécie desapareça a breve trecho, convidou a França a apresentar as suas observações nos termos do artigo 258.° TFUE.

16.      Em resposta, a França comunicou as medidas que tinham sido adoptadas para protecção do grand hamster.

17.      Não obstante, a Comissão emitiu em 6 de Junho de 2008 um parecer fundamentado nos termos do artigo 258.° TFUE, em virtude da violação do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, no qual fixou um último prazo de dois meses para que fosse posto termo à alegada violação.

18.      O Governo francês respondeu em 7 de Agosto de 2008 e comunicou em seguida informações adicionais à Comissão. Não ficando a Comissão satisfeita com estas informações, propôs a presente acção em 25 de Setembro de 2009.

19.      A Comissão pede que:

–      seja declarado que, não tendo estabelecido um programa de medidas que assegurem uma protecção rigorosa da espécie Cricetus cricetus (grand hamster), a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats;

–      a República Francesa seja condenada nas despesas.

20.      A República Francesa pede:

–      que a acção seja julgada improcedente;

–      e que a Comissão seja condenada nas despesas.

21.      As partes alegaram por escrito e oralmente na audiência de 21 de Outubro de 2010.

IV – Apreciação jurídica

22.      As partes concordam que o estado de conservação do grand hamster na Alsácia não é favorável. Pelo menos desde 2000, o número de tocas de hamsters constatadas tem diminuído consideravelmente e as áreas nas quais os grand hamsters se podem encontrar diminuíram substancialmente. As partes atribuem a regressão do grand hamster, no essencial, a dois factores: práticas agrícolas e desenvolvimento urbanístico. As medidas francesas dizem respeito a ambos os factores, mas a Comissão entende que estas não são suficientes tendo em conta o artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats.

23.      Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, da directiva habitats, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para instituir um sistema de protecção rigorosa das espécies animais constantes do anexo IV a) dentro da sua área de repartição natural, ou seja, em particular do grand hamster. Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), este sistema deve proibir, designadamente, a deterioração ou a destruição dos locais de reprodução ou das áreas de repouso.

24.      Poderia entender‑se que, para a transposição do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, bastaria a adopção de um regime de proibição. Contudo, não é isso que está em causa no presente processo. O que a Comissão exige da França é antes um programa de medidas a favor do grand hamster. Para esse efeito, pode, em princípio, apoiar‑se na jurisprudência.

25.      Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que a transposição do artigo 12.°, n.° 1, impõe aos Estados‑Membros não só a adopção de um quadro legislativo completo mas também a aplicação de medidas concretas e específicas de protecção. Por conseguinte, o sistema de protecção rigorosa pressupõe a adopção de medidas coerentes e coordenadas, de carácter preventivo (12).

26.      Ainda não foi esclarecido quais são as exigências específicas que devem ser impostas em matéria de urbanismo ou de agricultura. No entanto, as mesmas devem inserir‑se no quadro do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats. Em consequência, deve tratar‑se de medidas que sejam necessárias para transposição da proibição de deterioração ou destruição dos locais de reprodução ou das áreas de repouso. Tal é problemático sobretudo no que diz respeito às medidas agrícolas, uma vez que não se trata de típicas proibições de determinadas práticas, mas de incentivar a determinadas formas de exploração de áreas agrícolas.

27.      Em consequência, irei analisar em primeiro lugar as medidas que o artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats impõe para protecção do grand hamster (v., a seguir, A.) e, em seguida, analisarei se as medidas francesas preenchem os requisitos desta disposição (v., a seguir, B.).

28.      Para esse efeito, irei também fazer referência a um documento de orientação sobre a protecção das espécies prevista na directiva habitats que a Direcção‑Geral do Ambiente da Comissão elaborou após consulta aos Estados‑Membros (13). Apesar de este documento de orientação, que a França invoca quanto a um ponto, não ser vinculativo, o mesmo contém indícios úteis para a interpretação das disposições pertinentes (14).

A –    Quanto à interpretação do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats

29.      As medidas necessárias nos termos do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats devem ser deduzidas dos vários elementos desta disposição, ou seja, do objecto de protecção, os locais de produção e as áreas de repouso (v. a este respeito, n.° 1), do facto de o sistema de protecção rigorosa exigir proibições (v. a este respeito, n.° 2) e do facto de haver que evitar a deterioração ou a destruição dos locais protegidos (v. a este respeito, n.° 3).

1.      Quanto aos locais de reprodução e áreas de repouso

30.      Em primeiro lugar, o significado dos conceitos «locais de reprodução ou áreas de repouso» é determinante para o alcance da protecção, em particular em termos territoriais.

31.      Relativamente ao hamster, o conceito de reprodução abrange o acasalamento e o parto (15), mas também se deve incluir o período de dependência das crias (16), uma vez que estas só contribuem para a manutenção da espécie se sobreviverem o tempo suficiente para poderem elas mesmas reproduzir‑se. As áreas de repouso são definidas como territórios necessários para a sobrevivência de um animal ou de um grupo de animais durante a fase inactiva. As áreas de repouso abrangem as estruturas criadas pelos animais para lhes servirem de áreas de repouso (17).

32.      Se se pretendesse apenas proteger o local específico onde os grand hamsters se reproduzem ou repousam, poder‑se‑ia limitar esta protecção às suas tocas. Porém, a protecção dos locais de reprodução e de repouso não deve ser entendida de um modo tão restritivo se, na interpretação destes conceitos, se tiverem em conta as finalidades da directiva habitats (18).

33.      Nos termos do artigo 2.°, n.os 1 e 2 da directiva habitats, as disposições adoptadas para transpor a directiva visam garantir ou restabelecer o estado de conservação favorável dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens de interesse comunitário. Nos termos do artigo 1.°, alínea i), da directiva habitats, o estado de conservação de uma espécie é favorável sempre que os dados relativos à dinâmica das suas populações indicarem que essa espécie continua e é susceptível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence e a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível.

34.      A protecção dos locais de reprodução ou áreas de repouso deve garantir que os mesmos possam contribuir para a manutenção ou restabelecimento de um estado de conservação favorável da espécie em causa. A Comissão designa isto por garantia da continuação da sua funcionalidade ecológica (19). Estes devem oferecer tudo o que for necessário para uma reprodução bem sucedida e para o repouso imperturbado da espécie em causa (20). A transposição francesa do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, o artigo 2.°, n.° 2, do Decreto Regulamentar de 23 de Abril de 2007, delimitou o alcance da protecção de uma forma muito semelhante.

35.      Este critério obriga a que se tenha em conta a multiplicidade das diferentes necessidades e estratégias ecológicas das espécies protegidas e que as medidas de protecção tenham que reflectir as diferentes condições predominantes (21).

36.      Por conseguinte, o documento de orientação da Comissão propõe, correctamente, um entendimento mais abrangente (mais amplo) dos locais de reprodução e/ou de repouso para espécies com um pequeno raio de acção. Essas espécies, tal como, p. ex., o grand hamster, ao contrário das espécies com um amplo raio de acção, só muito transitoriamente podem utilizar locais de reprodução e áreas de repouso isolados sem ambientes na proximidade imediata que os possam alimentar. Se prolongassem a sua estadia nesses locais, morreriam à fome. Por esse motivo, a existência de ambientes necessários para a sobrevivência e para a reprodução do grand hamster na proximidade imediata das suas tocas também deve ser incluída na protecção dos locais de reprodução e áreas de repouso.

37.      Além disso, o conteúdo necessário das medidas de protecção depende essencialmente do estado de conservação da espécie a proteger. Se a espécie se encontrar num estado de conservação favorável, bastará eventualmente estabelecer as proibições referidas no artigo 12.°, n.° 1 da directiva habitats, em termos abstractos e vigiar a espécie. No entanto, no caso de um estado de conservação desfavorável, incumbem aos Estados‑Membros obrigações mais abrangentes, uma vez que o sistema de protecção deve contribuir para o restabelecimento do estado de conservação favorável. Assim, a protecção dos locais de reprodução e áreas de repouso de uma espécie com um estado de conservação muito desfavorável – como acontece com o grand hamster na Alsácia – exige uma delimitação ampla, para evitar que a espécie desapareça e, consequentemente, a função desses locais e áreas se perca. Na medida do possível, as medidas de protecção devem ser especificamente orientadas para as circunstâncias que deram origem ao estado de conservação desfavorável.

38.      Uma protecção dos locais de reprodução e áreas de repouso do grand hamster entendida no sentido de que abrange também o ambiente à volta dessas zonas corresponde às obrigações de direito internacional da União que devem ser transpostas pela directiva habitats. Com efeito, nos termos do artigo 4.° e do Anexo II da Convenção de Berna, devem ser tomadas as medidas legislativas e regulamentares adequadas e necessárias à protecção dos habitats das espécies selvagens da flora e da fauna, especialmente do grand hamster, referido no Anexo II da Convenção.

39.      Os textos de direito derivado da União devem ser interpretados, na medida do possível, em conformidade com as obrigações de direito internacional (22). O mesmo é, em especial, aplicável às disposições da directiva habitats relativas ao grand hamster. Estas destinam‑se a implementar a obrigação de protecção dos seus habitats nos termos do artigo 4.° da Convenção de Berna, na medida do possível, embora a União só tenha expressamente transposto este aspecto da Convenção de Berna para o grand hamster no que diz respeito aos locais de reprodução e áreas de repouso (23).

40.      Deste modo, a protecção dos locais de reprodução e áreas de repouso do grand hamster na Alsácia, impostas pelo artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, através de medidas coerentes e coordenadas, de carácter preventivo, estende‑se às suas tocas e aos habitats circundantes.

2.      Quanto ao conceito de proibição

41.      As medidas de protecção necessárias são limitadas pelo facto de o sistema de protecção rigorosa nos termos do artigo 12.°, n.° 1, da directiva habitats ter de incluir proibições. Por conseguinte, as medidas necessárias não podem ter por objecto quaisquer evoluções naturais.

42.      Em contrapartida, o comportamento humano é um objecto adequado de proibições. O Tribunal de Justiça também já esclareceu que as medidas previstas no artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats não se limitam a proibições proprio sensu, mas também incluem medidas necessárias à sua implementação (24) ou à vigilância da espécie (25).

43.      Contudo, no entender do Governo francês, a Comissão exige medidas que excedem as proibições necessárias nos termos do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats e a sua implementação ou vigilância. Para esse efeito, invoca o documento de orientação já referido, nos termos do qual esta disposição não impõe quaisquer medidas pró‑activas para exploração de habitats, tais como a reposição ou a melhoria dos habitats de determinadas espécies (26).

44.      Um fundamento essencial desta posição reside no facto de tais medidas serem sobretudo associadas à protecção dos sítios nos termos do artigo 4.° a 6.° da directiva habitats (27). Este facto não impede automaticamente que sejam incluídas medidas pró‑activas também na protecção das espécies nos termos do artigo 12.°, n.° 1. Tal é válido sobretudo para espécies como o grand hamster, para o qual não está prevista nenhuma zona de conservação daquela natureza.

45.      Mais importante é a ideia de que as proibições têm natureza defensiva e, por conseguinte, visam sobretudo evitar que o estado existente piore. Contudo, as proibições também podem contribuir para o restabelecimento ou para a melhoria dos habitats, na medida em que possibilitam evoluções naturais positivas.

46.      Além disso, as proibições no âmbito da protecção das espécies também influenciam, naturalmente, a exploração dos habitats. Relativamente à protecção do grand hamster, poderia conceber‑se, p. ex., a proibição de lavra profunda, já que esta é susceptível de destruir as suas tocas (28).

47.      Por último, as proibições podem ser concebidas de uma forma tão abrangente que se tornam praticamente equivalentes a imposições, nomeadamente, nos casos em que já só permitem o comportamento que se pretende em concreto. Seria contrário ao objectivo de garantir ou repor um estado de conservação favorável excluir esta forma de regulação do comportamento do conceito de proibição – e, deste modo, do sistema de protecção rigorosa ‑, se as condições concretas de vida da espécie em causa exigissem essas medidas.

3.      Quanto às medidas necessárias contra a deterioração ou a destruição

48.      É, por conseguinte, determinante saber quais os comportamentos humanos que a proibição de deterioração ou destruição de locais de reprodução ou áreas de repouso do grand hamster deve impedir.

49.      Para esse efeito, o critério também deve ser a funcionalidade ecológica permanente dos locais de reprodução e áreas de repouso (29). Por conseguinte, devem considerar‑se como deterioração ou destruição os comportamentos que prejudiquem ou eliminem esta funcionalidade.

50.      Em contrapartida, não são necessárias medidas relativamente a áreas onde não existam tocas de grand hamster. Essas medidas são certamente razoáveis para um repovoamento futuro desses habitats por grand hamsters e, por conseguinte, também são presumivelmente necessárias, em termos gerais, para o restabelecimento de um estado de conservação favorável da espécie na Alsácia. Contudo, as medidas impostas pelo artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats dizem apenas respeito aos locais de reprodução e áreas de repouso de populações existentes. A Comissão não referiu que um estado de conservação favorável destas populações em concreto exigia uma determinada forma de exploração das superfícies para além da proximidade das suas tocas, e tal parece também pouco provável.

51.      Contrariamente ao que alega na réplica, a Comissão também não pode basear uma obrigação de restabelecimento das existências anteriores de hamsters, em todo o caso no presente processo, no facto de a França também não ter eventualmente no passado protegido suficientemente o grand hamster. Com efeito, já em 1994 teve de ser introduzido um regime de protecção rigorosa do grand hamster e não é de excluir que os incumprimentos do passado possam justificar uma obrigação de reparação por parte dos Estados‑Membros (30). Porém, a Comissão não exigiu nenhuma reparação na fase pré‑contenciosa nem na acção, mas apenas a tal aludiu na réplica. Isto constitui uma ampliação inadmissível do objecto do processo (31).

52.      Por último, importa referir que a França alega, com razão, que o artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats não implica nenhuma obrigação de atingir um determinado resultado. O estado de conservação das espécies depende de demasiados factores naturais para que um Estado‑Membro possa garantir números concretos de populações.

53.      No entanto, não basta que as autoridades competentes «encar[em] seriamente o objectivo» de evitar a deterioração ou a destruição de locais de reprodução e áreas de repouso, como a França sugere com base num acórdão relativo ao artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves» (32). Esta disposição permite que, fora das zonas de protecção das aves, seja suficiente um mero «esforço», ao passo que o artigo 12.°, n.° 1, da directiva habitats exige um sistema de protecção rigorosa. Este sistema deve, em princípio, ser adequado a impedir eficazmente toda e qualquer deterioração ou destruição de locais de reprodução e áreas de repouso susceptível de afectar a conservação ou o restabelecimento de um estado de conservação favorável.

54.      Assim, embora a evolução do número de espécimes não seja adequada para provar directamente uma violação do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, a mesma pode, no entanto, ser tida em conta como indício da eficácia das medidas adoptadas.

55.      Em suma, importa notar que o artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats exige medidas coerentes e coordenadas de carácter preventivo que impeçam eficazmente comportamentos humanos que prejudiquem ou eliminem totalmente a funcionalidade ecológica das tocas do grand hamster e dos habitats circundantes enquanto locais de reprodução e áreas de repouso.

B –    Quanto às medidas adoptadas pela França

56.      As medidas adoptadas pela França devem ser analisadas com base no critério que foi referido. Irei em primeiro lugar debruçar‑me sobre a agricultura e, em seguida, sobre o urbanismo.

1.      Quanto à agricultura

57.      A França adoptou medidas nas chamadas zonas de acção prioritária (Zones d’action prioritaire, a seguir «ZAP») e num território maior, designado por área de repovoamento.

58.      Dentro das ZAP, deve garantir‑se através de medidas contratuais que as superfícies sejam cultivadas com 20% de cereais de inverno e 2% de alfafa. As ZAP são três territórios de pelo menos 600 hectares, totalizando 3 285 hectares, em cada um dos quais se pretende seja atingida uma população de 1 500 indivíduos.

59.      Além disso, é incentivado o cultivo de alfafa e de cereais de inverno num território maior, de 77 000 hectares, a área de repovoamento, que abrange 49% das superfícies historicamente utilizadas pelo grand hamster e que são adequadas à sua presença no futuro. Também aqui se pretende atingir o cultivo de 20% de cereais e de 2% de alfafa nas áreas de presença de hamsters.

60.      A Comissão contesta o alcance e a qualidade destas medidas.

61.      Contudo, estas só devem ser apreciadas à luz do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats se forem necessárias para impedir com eficácia o comportamento humano que prejudique ou impeça totalmente a funcionalidade ecológica das tocas de grand hamster e dos habitats circundantes enquanto locais de reprodução e áreas de repouso.

62.      O forte retrocesso das populações de hamsters na Alsácia no passado demonstra que esta espécie não consegue sobreviver sem medidas adicionais de protecção. As partes concordam que as práticas agrícolas, em particular, o cultivo de milho, são factores essenciais. Aliás, é também pacífico que o grand hamster não consegue sobreviver sem uma utilização agrícola dos seus habitats que lhe seja favorável.

63.      Em consequência, deve presumir‑se que a funcionalidade ecológica permanente das tocas de grand hamster só pode ser garantida se as superfícies agrícolas próximas forem utilizadas de uma forma que lhe seja favorável. Em consequência, em termos de proibições, é necessário evitar todas as utilizações destas superfícies que prejudiquem o grand hamster.

64.      Com efeito, a França não adoptou nenhumas proibições dessa natureza, mas apenas tentou obter uma utilização correspondente através de medidas de incentivo. No entanto, isso é apenas um outro meio para alcançar a regulação dos comportamentos exigida pelo artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats. A França só terá violado esta disposição se esse meio não for suficientemente eficaz.

65.      A Comissão critica sobretudo a extensão das áreas assim exploradas em comparação com a anterior área de repartição do grand hamster. Esta acusação é, pelo menos, parcialmente procedente.

66.      Na altura relevante – em 2008 – só 60% das superfícies ocupadas pelo grand hamster é que eram objecto de medidas agro‑ambientais nas ZAP e na área de repovoamento (33). Os restantes 40% da sua área de povoamento não estavam, assim, sujeitos às medidas que, no entender da França, são necessárias para garantir a utilização continuada dos locais de reprodução e áreas de repouso.

67.      Embora as áreas em falta devessem também ser incluídas nos anos seguintes até 2011, tal facto é irrelevante para a presente acção. Isto porque a existência do incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (34).

68.      A Comissão também critica, com razão, o facto de as medidas agrícolas se limitarem às ZAP e a área de repovoamento. Embora a área de repovoamento corresponda ao território onde existiam grand hamsters em 2000, isso não exclui que os grand hamsters escavem também tocas noutros locais que necessitem da protecção contra danos causados pela agricultura. Estes locais também podem estar situados na área de repartição histórica do grand hamster onde, segundo informações prestadas pela França, foi encontrada em 2008 pelo menos uma toca de grand hamster (35).

69.      Contrariamente ao entendimento da Comissão, isso não significa que a França deva implementar medidas agrícolas que cubram toda a área de repartição histórica do grand hamster. Se estas medidas fossem aplicadas onde se encontram as tocas de grand hamster conhecidas, bastaria antes uma observação adequada com base na evolução das populações. Onde não existem tocas de grand hamster, o artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats também não exige que sejam adoptadas quaisquer medidas.

70.      Assim, a França não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, dado que as medidas agro‑ambientais favoráveis ao grand hamster apenas abrangem 60% das áreas ocupadas por esta espécie e não se aplicam às populações fora das ZAP e da área de repovoamento.

71.      Também é duvidoso que as medidas francesas enquanto tais sejam suficientemente eficazes.

72.      Em virtude do mau estado de conservação do grand hamster, as autoridades francesas partem do princípio de que as populações actualmente existentes são demasiado pequenas para poderem continuar a existir a longo prazo. Só as populações de pelo menos 1 500 exemplares numa área contínua é que têm capacidade para sobreviver a longo prazo. As três ZAP devem ser exploradas de forma a que cada uma delas passe a albergar no futuro uma população daquela dimensão.

73.      Contudo, entre 2007 e 2010 as medidas francesas nas ZAP não conduziram a esse objectivo.

74.      Na sua totalidade, nos dois primeiros anos, as mesmas continham 230 e 231 tocas, em 2009 já só havia 161, enquanto em 2010 o número aumentou para 298 tocas. Cada toca corresponde a um animal. Se esta tendência continuar, poderá esperar‑se que a população de grand hamster volte a atingir, a longo prazo, uma dimensão que lhe permita sobreviver. Nesse caso, as medidas francesas poderiam ser suficientes.

75.      Contudo, uma análise mais profunda dos números revela que a evolução positiva se concentra em poucas superfícies, onde aparentemente predominam condições particularmente favoráveis para o grand hamster. Trata‑se do município de Geispolsheim, sobretudo na zona de protecção das águas (36) e a escola agrícola de Obernai (37). Recentemente, havia nestes dois locais um total de 267 tocas que se encontravam em parte manifestamente fora da ZAP. Em contrapartida, as populações nos outros territórios estão a estagnar ou a regredir.

76.      Além das ZAP, a evolução das populações está documentada nas chamadas zonas núcleo. Estas diminuíram de 1 167 tocas em 2001 para 174 tocas em 2007. Nos anos seguintes, os números voltaram a aumentar ligeiramente, primeiro para 209 tocas, depois para 244 tocas e, por último, para 261 tocas. No entanto, esta evolução também é em grande medida influenciada pelas áreas de excepção de Geispolsheim e de Obernai.

77.      Resulta do exposto que a estratégia francesa de exploração agrícola de 20% de cereais de inverno e 2% de alfafa não é suficiente para alcançar um estado de conservação favorável das populações de grand hamster na Alsácia. Pelo contrário, são necessários elementos adicionais, tais como os que aparentemente se encontram em Geispolsheim e em Obernai.

78.      O documento no qual o Governo francês baseia a sua estratégia também confirma esta conclusão. Refere experiências que demonstraram que se se ocuparem os terrenos de cultivo com 20% a 30% de cereais de inverno e 2% a 4% de alfafa, o número de tocas de hamsters aumenta (38). Contudo, o objectivo de 20% de cereais de inverno e de 2% de alfafa situa‑se no limite inferior destes valores. Além disso, nestas experiências, só três áreas com estas quotas de cultivo é que foram comparadas com nove outras áreas, nas quais tinham sido cultivados significativamente menos cereais de inverno e quase nenhuma alfafa.

79.      Aparentemente, não foram tidas em consideração outras medidas, como p. ex., delimitar os campos com margens de erva ou deixar faixas de cereais (39).

80.      Com efeito, na audiência, o Governo francês sublinhou com razão que, em princípio, o hamster não devia ser mantido em pequenas zonas de protecção artificiais, mas em terrenos agrícolas efectivamente explorados. Do mesmo modo, o mau estado de conservação pode exigir transitoriamente uma protecção particularmente forte da espécie até voltarem a existir populações suficientemente grandes.

81.      A França defende, contudo, que o objectivo de conseguir populações permanentes com capacidade de sobrevivência não resulta do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, mas excede o seu âmbito.

82.      No entanto, a funcionalidade ecológica persistente dos locais de reprodução e áreas de repouso do grand hamster, pretendida pela directiva habitats (40) pressupõe que as suas populações tenham capacidade para sobreviver a longo prazo. Por conseguinte, a protecção destes locais deve ter por objectivo manter ou restabelecer populações com capacidade de sobreviver.

83.      Quando o estado de conservação de uma espécie só é desfavorável porque esta está sujeita a determinadas ameaças, pode ser suficiente proteger a população desta espécie de factores. Porém, quando – como no presente caso – as populações da espécie são tão pequenas que podem extinguir‑se por força de oscilações naturais das populações, um sistema de protecção eficaz deve ter por objectivo um aumento suficiente dos números da população.

84.      Em consequência, a protecção dos locais de reprodução e áreas de repouso deverá ser adequada para garantir a sobrevivência da espécie a longo prazo no respectivo território. Isto significa em particular que, no caso de populações demasiado pequenas, os habitats na proximidade das tocas de hamsters devem ser explorados de maneira a que as populações de hamsters recuperem numa medida suficiente.

85.      Contrariamente ao entendimento da França, este raciocínio também não é posto em causa pelo artigo 2.°, n.° 3, da directiva habitats, segundo o qual as medidas tomadas ao abrigo desta directiva devem ter em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais. Por conseguinte, estes requisitos devem ser tidos em conta no desenvolvimento das medidas de protecção. Porém, o objectivo de obter um estado de conservação favorável não é posto em causa pelo artigo 2.°, n.° 3. Por isso, as medidas para protecção de espécies sujeitas a uma protecção rigorosa devem ser suficientes, apesar desta ressalva, para garantir ou repor um estado de conservação favorável. Tal não se verifica no caso em apreço.

86.      Por último, a Comissão critica o facto de o grand hamster também ser prejudicado por não terem sido respeitadas as exigências da directiva Nitratos (41). Para esse efeito, baseia‑se num documento das autoridades francesas relativo à protecção do grand hamster (42) onde se incentivam as boas práticas agrícolas e, em particular, o respeito pela directiva Nitratos. É sobretudo importante zelar por uma cobertura vegetal de inverno nos territórios mais sensíveis.

87.      Contudo, é pacífico que o presente processo não tem por objecto a violação da directiva Nitratos. Além disso, não resulta das alegações da Comissão nem do documento pela mesma apresentado qual o motivo pelo qual o respeito pela directiva Nitratos ou a cobertura vegetal de inverno são necessários para a protecção dos locais de reprodução e áreas de repouso do grand hamster. Por isso, neste ponto, as alegações da Comissão não são convincentes.

88.      Importa igualmente salientar que, não sendo as medidas agro‑ambientais adoptadas a favor do grand hamster suficientes para que se desenvolvam populações capazes de sobreviver a longo prazo, a França também não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats.

C –    Quanto às medidas urbanísticas

89.      As tocas de grand hamster e os habitats circundantes também devem ser protegidos através de medidas urbanísticas. A avaliação dos factores urbanísticos é menos complexa do que a avaliação de medidas agrícolas, uma vez que o grand hamster não depende de medidas urbanísticas precisas para sobreviver. Por conseguinte, basta garantir que a urbanização poupa as áreas em causa (43). Quanto a esta questão, a França refere diversas medidas:

–      as disposições legislativas gerais relativas à protecção do grand hamster,

–      nas ZAP, num total de 3 285 hectares, com excepção da agricultura, a utilização dos solos não pode ser alterada (44),

–      na zona de repovoamento de 77 hectares, ou seja, 49% das superfícies utilizadas no passado pelo grand hamster, relativamente aos projectos que ocupem mais de um hectare, deve ser demonstrado que os mesmos não prejudicam esta espécie (45),

–      na área histórica de distribuição do grand hamster, de 139 000 hectares, ou seja, 89% das superfícies utilizadas no passado pelo grand hamster, as novas medidas de planeamento de 301 municípios devem ter em conta o grand hamster (46),

–      a observação do desenvolvimento das populações de grand hamster e

–      a sensibilização do público.

90.      A Comissão não contesta as disposições legislativas gerais relativas à protecção do grand hamster. Com efeito, embora a Comissão receie que sejam permitidas derrogações sem medidas de compensação suficientes, não contesta a disposição legal pertinente, o artigo L.411‑2 do Code de l’environnement (código do ambiente). Por conseguinte, deve partir‑se do princípio de que estas regras fixam as proibições necessárias para impedir a deterioração ou a destruição de locais de reprodução e áreas de repouso do grand hamster por medidas urbanísticas.

91.      Porém, estas proibições só podem ser eficazes se, no momento em que é tomada a decisão sobre medidas urbanísticas, se souber se serão afectados locais de reprodução e áreas de repouso do grand hamster. Isto pode sobretudo ser garantido por exigências especiais de planeamento dos municípios e de aprovação de determinados projectos.

92.      Com efeito, segundo informações não contestadas das autoridades francesas, 301 municípios que cobrem 89% da área histórica de repartição do grand hamster são obrigados a prever um estudo relativo ao grand hamster quando da reformulação dos seus documentos de planificação urbanística («document de planification de l’urbanisme»). Nestes documentos de planificação, os municípios devem incentivar uma utilização contida dos terrenos e conservar os terrenos que sejam favoráveis para a espécie.

93.      Este procedimento pode levar, em particular, a que seja totalmente excluída a construção em determinadas áreas, para protecção do grand hamster. Isto sucedeu sobretudo nas ZAP, que são muito limitadas, mas também fora delas.

94.      Na chamada área de repovoamento, que abrange uma grande parte da área histórica de repartição, acrescem deveres especiais de verificação para projectos que envolvam mais de um hectare. Isto significa que, num projecto desse tipo, não basta que as medidas de planeamento não contenham nenhuma referência à existência de grand hamster, mas que, antes de uma aprovação, há que verificar se podem ser afectadas tocas de grand hamster.

95.      No entender da Comissão, tal não constitui nenhum sistema de protecção rigorosa, sobretudo porque as superfícies excluídas das medidas urbanísticas e as ZAP abrangem, em conjunto, uma área demasiado pequena. Contudo, a Comissão ignora que os referidos deveres de verificação, conjugados com as disposições legais, podem, em princípio, impedir que as tocas de grand hamster sejam danificadas e destruídas nos territórios abrangidos. Isto porque, se os estudos forem realizados de uma forma diligente e objectiva, deverão ser conhecidos os locais onde existem ou poderão existir tocas de grand hamster e onde, por conseguinte, se exige um cuidado especial.

96.      Em contrapartida ‑ conforme já foi alegado (47) – as superfícies que apenas potencialmente são utilizáveis pelo grand hamster não devem ser objecto de uma protecção especial nos termos do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats. Por isso, também não têm de ser previstas quaisquer proibições de construção para estas superfícies.

97.      Além disso, a Comissão critica o facto de não ser exigida nenhuma verificação em relação a projectos de pequena dimensão.

98.      Esta acusação é particularmente importante no que diz respeito a superfícies que foram no passado objecto de planeamento sem uma análise do grau de afectação dos grand hamster. Além disso, não é de excluir que uma superfície seja ocupada pelo grand hamster no período que decorre entre o planeamento e a sua execução e que, por conseguinte, nela se encontrem tocas. De resto, fora da área de repovoamento, os projectos mais significativos também não carecem de nenhuma verificação especial.

99.      No entanto, o trabalho de sensibilização do público realizado pelos serviços competentes e a observação do desenvolvimento da população de grand hamster podem contribuir para que também sejam detectadas tocas de grand hamster nestas superfícies a tempo de evitar prejuízos para as mesmas ou a sua destruição. Isto porque, através do trabalho de sensibilização do público, também é chamada a atenção para o risco de prejuízos para o grand hamster e a observação das populações de grand hamster também pode contribuir para que a sua presença seja detectada a tempo. Porém, logo que se tenha conhecimento da existência de espécimes, as medidas legislativas de protecção não contestadas pela Comissão deverão evitar que as tocas e os habitats na sua proximidade sejam afectados pelas medidas urbanísticas.

100. Este sistema de protecção contra danos decorrentes de intervenções urbanísticas parece ser basicamente suficiente. No entanto, no termo do prazo do parecer fundamentado, em 6 de Agosto de 2008, o mesmo estava ainda incompleto. O Governo francês comunicou, em 7 de Agosto de 2008, que ainda não tinha sido reconhecida uma ZAP e também que as exigências relativamente aos projectos na área de repovoamento e ao planeamento dos municípios na área histórica de repartição do grand hamster ainda não tinham sido decididas (48).

101. Sem estas medidas, não estava garantido que as disposições legais de protecção do grand hamster seriam sistematicamente implementadas. Impõe‑se, contudo, essa implementação, tendo em conta o seu mau estado de conservação.

102. A França também não cumpriu, por esse motivo, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.°, n.° 1, alínea d) da directiva habitats, uma vez que as medidas coerentes e coordenadas, de carácter preventivo, destinadas a proteger o grand hamster contra danos decorrentes de projectos urbanísticos ainda estavam incompletas na data relevante.

V –    Quanto às despesas

103. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Dado que a Comissão obteve, no essencial, ganho de causa, deve a França ser condenada nas despesas.

VI – Conclusão

104. Tendo em conta as observações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare:

1.      A República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 92/43/CEE, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, uma vez que:

–      as medidas agro‑ambientais adoptadas a favor do grand hamster (Cricetus cricetus) abrangem apenas 60% das superfícies ocupadas por esta espécie e não se aplicam às zonas de presença do grand hamster para além das zonas de acção prioritárias e da área de repovoamento;

–      as medidas agro‑ambientais adoptadas a favor do grand hamster não são suficientes para o desenvolvimento duradouro de populações viáveis, e

–      as medidas coerentes e coordenadas, de carácter preventivo, destinadas a proteger o grand hamster contra danos causados por projectos urbanísticos ainda estavam incompletas na data relevante.

2.      A República Francesa é condenada nas despesas.


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 206, p. 7; a versão determinante é a resultante da Directiva 2006/105/CE do Conselho, de 20 de Novembro de 2006 , que adapta as Directivas 73/239/CEE, 74/557/CEE e 2002/83/CE no domínio do ambiente, em virtude da adesão da Bulgária e da Roménia à directiva relativa aos habitats (JO 2006, L 363, p. 368).


3 – V. o relatório de síntese da Comissão em conformidade com o artigo 17.° da directiva habitats, COM(2009) 358 final e o respectivo site http://biodiversity.eionet.europa.eu/article17.


4 – Aliás, o estado de conservação da espécie na Alemanha também é desfavorável, v. documento 14/6976 do Landtag von Baden‑Württemberg, pp. 3 e segs.


5 – Constituído em 19 de Setembro de 1979 em Berna, ETS n.° 104, JO 1982, L 38, p. 3; EE 15 F3 p. 86.


6 – V., mais recentemente, o documento de trabalho da 30.ª reunião do comité permanente de 6 a 9 de Dezembro de 2010, Summary of case files and complaints, T‑PVS(2010)02revE, de 15 de Outubro de 2010, p. 6.


7 – Decisão do Conselho, de 3 de Dezembro de 1981, respeitante à conclusão da Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, JO 1982, L 38, p. 1. A Convenção foi publicada no JO 1982 L 38, p. 3; EE 15 F3 p. 86.


8 – Draft European Action Plan for the conservation of the Common hamster (Cricetus cricetus, L. 1758) de 15 de Setembro de 2008, documento T‑PVS/Inf (2008) 9.


9 – Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125, consolidada pela Directiva 2009/147/CE, de 30 de Novembro de 2009, JO L 20, p. 70.


10 – Relatório sobre a Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa (1997‑1998) (artigo 9.°, n.° 2) (apresentado pela Comissão Europeia), SEC(2001) 515 final. V., também, neste sentido, a Resolução do Conselho das Comunidades Europeias e dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho, de 19 de Outubro de 1987, relativa à prossecução e aplicação de uma política e de um programa de acção da Comunidade Europeia em matéria de ambiente (1987‑1992), JO C 328, ponto 5.1.6. O acórdão de 13 de Fevereiro de 2003, Comissão/Luxemburgo (C‑75/01, Colect., p. 1585, n.° 57) não se opõe a que esta convenção seja tida em consideração, dado que o Tribunal de Justiça declarou neste acórdão que a transposição desta convenção não é suficiente para transposição da directiva na medida em que a convenção fica aquém da directiva.


11 – Arrêté du 23 avril 2007 fixant la liste des mammifères terrestres protégés sur l’ensemble du territoire et les modalités de leur protection, JORF n.° 108 de 10 de Maio de 2007, p. 8367, texto n.° 152.


12 – Acórdão de 11 de Janeiro de 2007, Comissão/Irlanda (C‑183/05, Colect., p. I‑137, n.os 29 e segs.). V. também acórdão de 16 de Março de 2006, Comissão/Grécia (C‑518/04, Milosviper, não publicado na Colectânea, n.° 16).


13–       Documento de orientação sobre a protecção rigorosa das espécies animais de interesse comunitário prevista na directiva habitats 92/43/CEE, Fevereiro de 2007, acessível nas versões inglesa, francesa e alemã em http://circa.europa.eu/Public/irc/env/species_protection/home.


14 – V. a referência já feita no acórdão de 14 de Junho de 2007, Comissão/Finlândia (C‑342/05, caça ao lobo, Colect., p. I‑4713, n.° 30).


15 – V. documento de orientação (já referido na nota 13, p. 47, n.° 57).


16 – V. documento de orientação (já referido na nota 13, p. 47, n.° 58).


17 – Documento de orientação (já referido na nota 13, p. 47, n.° 59).


18 – V. conclusões do advogado‑geral P. Léger de 25 de Outubro de 2001, Comissão/Grécia (C‑103/00, Caretta caretta, Colect., p. I‑1147, n.° 43), e de 21 de Setembro de 2006, Comissão/Irlanda (C‑183/05, Colect., p. I‑137, n.° 25).


19 – Documento de orientação (já referido na nota 13, p. 50, n.° 62).


20 – Documento de orientação (já referido na nota 13, p. 45, n.° 53).


21 – Documento de orientação (já referido na nota 13, p. 46, n.° 55).


22 – Acórdãos de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Alemanha (C‑61/94, Colect., p. I‑3989, n.° 52); de 14 de Julho de 1998, Bettati (C‑341/95, Colect., p. I‑4355, n.° 20); de 1 de Abril de 2004, Bellio F.lli (C‑286/02, Colect., p. I‑3465, n.° 33); de 7 de Dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, Colect., p. I‑11519, n.° 35), e de 14 de Maio de 2009, Internationaal Verhuis‑ en Transportbedrijf Jan de Lely (C‑161/08, Colect., p. I‑4075, n.° 38).


23 – Em contrapartida, relativamente a outras espécies, aplica‑se a protecção prevista nos artigos 4.° a 6.° da directiva habitats, a qual abrange expressamente os seus outros habitats.


24 – Acórdão de 30 de Janeiro de 2002, Comissão/Grécia (C‑103/00, Caretta caretta, Colect., p. I‑1147, n.os 32 e segs.).


25 – Acórdão Comissão/Irlanda (já referido na nota 12, n.° 32).


26 – Documento de orientação (já referido na nota 13, p. 22, n.° 61, p. 28, n.° 10, p. 31, n.° 19 e p. 44, n.° 49).


27 – V., por exemplo, o documento de orientação (já referido na nota 13, p. 22).


28 – Kupfernagel, Populationsdynamik und Habitatnutzung des Feldhamsters (Cricetus cricetus) in Südost‑Niedersachsen, Dissertation 2007, p. 82.


29 – V. supra, n.os 33 e segs.


30– V. acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda (C‑418/04, Colect., p. I‑10947, n.os 82 e segs.), quanto a incumprimentos em relação a uma potencial zona de protecção de aves. Neste sentido aponta também a jurisprudência relativa à transferência dos recursos próprios para a União; v. acórdãos de 15 de Dezembro de 2009, Comissão/Itália (C‑239/06, ainda não publicado na Colectânea, n.os 55 e segs.) e Comissão/Finlândia (C‑284/05, ainda não publicado na Colectânea, n.os 55 e segs.).


31 – V. acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Comissão/Espanha (C‑186/06, Colect., p. I‑12093, n.os 15 e segs. e jurisprudência aí referida).


32 – Acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Irlanda (C‑418/04, Colect., p. I‑10947, n.° 179).


33 – V. a comunicação do Governo francês de 7 de Abril de 2009, Anexo 7 da petição, p. 98.


34 – Acórdãos de 25 de Julho de 2008, Comissão/Itália (C‑504/06, não publicado na Colectânea,; v. informação sobre a decisão na Colect. 2008, p. I‑118*, n.° 24); de 4 de Março de 2010, Comissão/França (C‑241/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 59), e de 18 de Novembro de 2010, Comissão/Portugal (C‑458/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 81).


35 – Segundo a comunicação de 7 de Agosto de 2008, foram nesse ano encontradas 643 tocas de grand hamster em toda a área histórica de repartição, mas apenas 642 das mesmas na área de repovoamento, v. anexo 6 da petição, pp. 91 e segs.


36 – Esta zona é referida no Plan de conservation 2007 – 2011 pour le Hamster commun (Cricetus cricetus) en Alsace, Bilan de comptages 2009, pp. 121 e segs., como exemplo de uma evolução positiva em caso de exploração agrícola adequada.


37 – V. Plan de conservation 2007 – 2011 pour le Hamster commun (Cricetus cricetus) en Alsace, Bilan de comptages 2009, p. 117 da petição, assim como a comunicação do Governo francês relativa aos números para 2010. Esta instituição tem aparentemente um papel importante em diversas partes do programa de acção a favor do grand hamster; v. Plan d’action pour le Hamster commun (Cricetus cricetus) en Alsace, Tome I, 2007 – 2011, p. 8, 21, 47 e 53 (medidas A2‑5 e A2‑8).


38 – Anexo 4 da contestação.


39 – V. a lista de possíveis medidas no projecto de um plano de acção europeu para a conservação do grand hamster, referido na nota 8, p. 24


40 – V. supra, n.os 33 e segs.


41 – Directiva do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991, relativa à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola, JO L 375, p. 1.


42 – Balland, Définition et gestion du milieu particulier du grand hamster d’Alsace, de 14 de Fevereiro de 2008, IGE/08/001, pp. 5 e segs.


43 – A Comissão não contesta o simples isolamento de habitats e de populações através de medidas urbanísticas, em particular de projectos de infra‑estruturas. Por conseguinte, não tem de ser apreciada no presente caso a questão de saber se esta forma de alteração de habitats é contrária à protecção dos locais de reprodução e áreas de repouso não.


44 –      N.° 62 da contestação.


45 –      N.os 63 e 152 da contestação.


46 –      N.° 68 da contestação.


47 – V. supra, n.° 50.


48 – Anexo 6 da petição, p. 91.