Language of document : ECLI:EU:C:2012:516

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

5 de setembro de 2012 (*)

«Código das Fronteiras Schengen — Decisão 2010/252/UE — Vigilância das fronteiras marítimas externas — Introdução de modalidades adicionais em matéria de vigilância das fronteiras — Competências de execução da Comissão — Âmbito — Pedido de anulação»

No processo C‑355/10,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.° TFUE, entrado em 12 de julho de 2010,

Parlamento Europeu, representado por M. Dean, A. Auersperger Matić e K. Bradley, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por Z. Kupčová e R. Szostak, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

Comissão Europeia, representada por C. O’Reilly e M. Wilderspin, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot e A. Prechal, presidentes de secção, R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann, E. Juhász, G. Arestis, T. von Danwitz (relator), M. Berger e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 25 de janeiro de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de abril de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, o Parlamento Europeu pede a anulação da Decisão 2010/252/UE do Conselho, de 26 de abril de 2010, que completa o Código das Fronteiras Schengen no que diz respeito à vigilância das fronteiras marítimas externas no contexto da cooperação operacional coordenada pela Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia (JO L 111, p. 20, a seguir «decisão impugnada»).

2        Em apoio do seu recurso, o Parlamento alega, designadamente, que esta decisão excede os limites das competências de execução previstas no artigo 12.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO L 105, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 296/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2008 (JO L 97, p. 60, a seguir «CFS»). O Parlamento sustenta que as disposições da decisão impugnada deviam ter sido adotadas ao abrigo do processo legislativo ordinário e não através do processo de comitologia baseado no referido artigo 12.°, n.° 5.

I —  Quadro jurídico

A —  Decisão 1999/468/CE

3        Com base no artigo 202.° CE, foi adotada a Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23), conforme alterada pela Decisão 2006/512/CE do Conselho, de 17 de julho de 2006 (JO L 200, p. 11, a seguir «segunda decisão ‘comitologia’»).

4        Relativamente ao procedimento de regulamentação com controlo, o considerando 7‑A da segunda decisão «comitologia» tem a seguinte redação:

«É necessário recorrer ao procedimento de regulamentação com controlo no que se refere às medidas de alcance geral que tenham por objeto alterar elementos não essenciais de um ato aprovado nos termos [d]o artigo 251.° do Tratado [CE], nomeadamente suprimindo alguns desses elementos ou completando o ato mediante o aditamento de novos elementos não essenciais. Este procedimento deverá permitir que ambos os ramos da autoridade legislativa efetuem um controlo antes da aprovação das medidas. Os elementos essenciais de um ato legislativo só poderão ser alterados pelo legislador com base no Tratado.»

5        O artigo 2.°, n.° 2, da segunda decisão «comitologia» dispõe:

«Sempre que um ato de base aprovado nos termos do artigo 251.° do Tratado preveja a adoção de medidas de alcance geral que tenham por objeto alterar elementos não essenciais desse ato, nomeadamente suprimindo alguns desses elementos ou completando o ato mediante o aditamento de novos elementos não essenciais, essas medidas devem ser aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo.»

6        A tramitação do procedimento de regulamentação com controlo rege‑se pelo artigo 5.°‑A da segunda decisão «comitologia». No âmbito deste procedimento, intervém igualmente um Comité de Regulamentação com Controlo, composto por representantes dos Estados‑Membros e presidido pelo representante da Comissão Europeia (a seguir «Comité»), que dá o seu parecer sobre um projeto de medidas a tomar. O procedimento diverge consoante as medidas projetadas, por um lado, forem conformes com o parecer deste Comité ou, por outro, não forem conformes com esse parecer ou se este Comité não tiver emitido parecer.

7        Se as medidas projetadas não forem conformes com o parecer do referido Comité ou se este Comité não tiver emitido parecer, o artigo 5.°‑A, n.° 4, da segunda decisão «comitologia» prevê que há que aplicar o seguinte procedimento:

«a)      A Comissão apresenta imediatamente uma proposta relativa às medidas a tomar ao Conselho e envia‑a simultaneamente ao Parlamento Europeu;

b)      O Conselho delibera por maioria qualificada sobre a proposta no prazo de dois meses a contar da data em que o assunto lhe foi submetido;

c)      Se, nesse prazo, o Conselho se pronunciar por maioria qualificada contra as medidas propostas, estas não são aprovadas. Nesse caso, a Comissão pode apresentar uma proposta alterada ao Conselho ou apresentar uma proposta legislativa com base no Tratado;

d)      Se o Conselho previr aprovar as medidas propostas, apresenta‑as imediatamente ao Parlamento Europeu. Se o Conselho não deliberar no referido prazo de dois meses, a Comissão apresenta imediatamente as medidas ao Parlamento Europeu;

e)      O Parlamento Europeu, deliberando por maioria dos membros que o compõem, no prazo de quatro meses a contar da data da transmissão da proposta nos termos da alínea a), pode pronunciar‑se contra a aprovação das medidas em causa, fundamentando tal oposição mediante indicação de que as medidas propostas excedem as competências de execução previstas no ato de base, não são compatíveis com a finalidade ou o conteúdo do ato de base ou não observam os princípios da subsidiariedade ou da proporcionalidade;

f)      Se, nesse prazo, o Parlamento Europeu se pronunciar contra as medidas propostas, estas não são aprovadas. Nesse caso, a Comissão pode apresentar um projeto de medidas alterado ao Comité ou apresentar uma proposta legislativa com base no Tratado;

g)      Se, no termo desse prazo, o Parlamento Europeu não se tiver pronunciado contra as medidas propostas, estas são aprovadas pelo Conselho ou pela Comissão, consoante o caso.»

B —  CFS

8        Conforme decorre do seu artigo 1.°, segundo parágrafo, o CFS estabelece as normas aplicáveis ao controlo de pessoas na passagem das fronteiras externas dos Estados‑Membros da União Europeia.

9        O referido controlo tem por finalidade, em conformidade com o considerando 6 do CFS, «contribuir para a luta contra a imigração clandestina e o tráfico de seres humanos, bem como para a prevenção de qualquer ameaça para a segurança interna, a ordem pública, a saúde pública e as relações internacionais dos Estados‑Membros».

10      Nos termos do considerando 17 do CFS, «[d]everá prever‑se um procedimento que permita à Comissão adaptar certas regras práticas detalhadas aplicáveis ao controlo fronteiriço. Em tais casos, deverão ser adotadas, nos termos da Decisão 1999/468/CE […], as medidas necessárias à execução do [CFS]».

11      O artigo 2.°, ponto 9, do CFS dispõe que o «[c]ontrolo fronteiriço» consiste nos controlos de fronteira e na vigilância de fronteiras e inclui «a atividade que é exercida numa fronteira, nos termos e para efeitos do [CFS], unicamente com base na intenção ou no ato de passar essa fronteira, independentemente de qualquer outro motivo».

12      A vigilância de fronteiras é definida, no artigo 2.°, ponto 11, do CFS, como «a vigilância das fronteiras entre os pontos de passagem de fronteira e a vigilância dos pontos de passagem de fronteira fora dos horários de abertura fixados, de modo a impedir as pessoas de iludir os controlos de fronteira».

13      O CFS prevê, nos seus artigos 6.° a 11.°, regras relativas aos controlos das fronteiras externas.

14      No que se refere à vigilância de fronteiras, o artigo 12.° do CFS enuncia:

«1.      A vigilância de fronteiras tem por objetivo principal impedir a passagem não autorizada da fronteira, lutar contra a criminalidade transfronteiriça e tomar medidas contra pessoas que tenham atravessado ilegalmente a fronteira.

2.      Os guardas de fronteira utilizam unidades fixas ou móveis para efetuar a vigilância das fronteiras [externas].

Esta vigilância é efetuada de forma a impedir e desencorajar as pessoas de iludir o controlo nos pontos de passagem de fronteira.

3.      A vigilância entre os pontos de passagem de fronteira é efetuada por guardas de fronteira, cujo número e métodos são adequados aos riscos e ameaças existentes ou previstos. Devem ser feitas alterações frequentes e inesperadas dos períodos de vigilância, para que haja um risco permanente de deteção da passagem não autorizada da fronteira.

4.      A vigilância é efetuada por unidades fixas ou móveis, que desempenham a sua missão patrulhando ou colocando‑se em pontos reconhecida ou presumivelmente sensíveis, tendo como objetivo deter as pessoas que atravessem ilegalmente a fronteira. As operações de vigilância podem também efetuar‑se por meios técnicos, incluindo meios eletrónicos.

5.      Podem ser aprovadas medidas adicionais relativas à vigilância. Estas medidas, que têm por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, completando‑o, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.° 2 do artigo 33.°»

15      A entrada no território dos Estados‑Membros é recusada a qualquer nacional de um país terceiro, por decisão fundamentada que, por força do artigo 13.°, n.° 2, do CFS, é notificada através de um formulário uniforme que figura na parte B do anexo V deste código.

16      O artigo 33.°, n.° 2, do CFS dispõe:

«Sempre que se faça referência ao presente número, são aplicáveis os n.os 1 a 4 do artigo 5.°‑A e o artigo 7.° da Decisão 1999/468/CE, tendo‑se em conta o disposto no seu artigo 8.°»

C —  Regulamento (CE) n.° 2007/2004

17      O Regulamento (CE) n.° 2007/2004 do Conselho, de 26 de outubro de 2004, que cria uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia (JO L 349, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 863/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007 (JO L 199, p. 30, a seguir «regulamento Frontex»), estipula, nomeadamente, as funções desta Agência Europeia (a seguir «Agência»).

18      Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do regulamento Frontex, a Agência tem, designadamente, por funções:

«a)      Coordenar a cooperação operacional entre os Estados‑Membros no âmbito da gestão das fronteiras externas;

[…]

e)      Apoiar os Estados‑Membros confrontados com circunstâncias que exijam uma assistência operacional e técnica reforçada nas fronteiras externas;

[…]

g)      Destacar equipas [de intervenção rápida nas fronteiras] para Estados‑Membros […]»

19      Se, a pedido de um Estado‑Membro, o diretor executivo da Agência decidir destacar uma ou mais equipas de intervenção rápida para as fronteiras externas deste, a Agência e o Estado‑Membro requerente devem, nos termos do artigo 8.°‑D, n.° 5, do referido regulamento, elaborar um plano operacional.

20      O artigo 8.°‑E do regulamento Frontex, que tem por epígrafe «Plano operacional», dispõe:

«1.      O diretor executivo e o Estado‑Membro requerente devem elaborar um plano operacional que precise as condições específicas do destacamento das equipas. O plano operacional deve incluir:

a)      A descrição da situação, o modus operandi e os objetivos do destacamento, incluindo a sua finalidade operacional;

b)      A duração previsível do destacamento das equipas;

c)      A zona geográfica da responsabilidade do Estado‑Membro requerente para onde serão destacadas as equipas;

d)      A descrição das tarefas e instruções especiais para os membros das equipas, designadamente no que se refere à consulta autorizada de bases de dados e às armas de serviço, munições e equipamento autorizados no Estado‑Membro de acolhimento;

e)      A composição das equipas;

f)      Os nomes e as patentes dos agentes da guarda de fronteiras do Estado‑Membro de acolhimento a quem cabe cooperar com as equipas, em especial os dos agentes da guarda de fronteiras competentes para o comando durante o período de destacamento e a posição das equipas na cadeia hierárquica de comando;

g)      O equipamento técnico a enviar juntamente com as equipas, nos termos do artigo 8.°

2.      Quaisquer alterações ou adaptações do plano operacional carecem da aprovação do diretor executivo da Agência e do Estado‑Membro requerente. A Agência envia imediatamente aos Estados‑Membros participantes um exemplar do plano operacional alterado ou adaptado.»

21      Relativamente à execução do plano operacional, o artigo 8.°‑G, n.° 2, do regulamento Frontex prevê:

«O agente de coordenação age na qualidade de representante da Agência em todos os aspetos relacionados com o destacamento das equipas. Deve, nomeadamente:

[…]

c)      Verificar a correta execução do plano operacional;

[…]»

D —  Decisão impugnada

22      A decisão impugnada foi adotada com base no artigo 12.°, n.° 5, do CFS, no quadro do procedimento de regulamentação com controlo, conforme previsto no artigo 5.°‑A da segunda decisão «comitologia». Não tendo o Comité emitido parecer sobre a proposta inicial da Comissão, esta, em conformidade com este artigo 5.°‑A, n.° 4, apresentou ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar e enviou‑a ao Parlamento. Não se tendo este último oposto a esta proposta, o Conselho adotou a decisão impugnada.

23      Nos termos do considerando 9 da decisão impugnada:

«Tendo em vista uma melhor coordenação entre os Estados‑Membros que participam em operações referentes a tais situações e a facilitação da condução de tais operações, deverão ser incluídas na presente decisão orientações não vinculativas. A presente decisão não deverá afetar as responsabilidades das autoridades de busca e salvamento, nomeadamente de assegurarem a coordenação e a cooperação de modo a que as pessoas socorridas possam ser conduzidas a um lugar seguro.»

24      O artigo 1.° da decisão impugnada dispõe:

«A vigilância das fronteiras marítimas externas no contexto da cooperação operacional entre os Estados‑Membros coordenada pela [Agência] é regida pelas regras estabelecidas na parte I do anexo. Essas regras e as diretrizes não vinculativas constantes da parte II do anexo fazem parte do plano operacional elaborado para cada operação coordenada pela Agência.»

25      A parte I do anexo da decisão impugnada contém, no seu ponto 1, princípios gerais relativos às operações nas fronteiras marítimas coordenadas pela Agência e, no seu ponto 2, normas que preveem medidas concretas que devem ser adotadas no decurso dessas operações. Os pontos 2.1 a 2.3 desta parte I fixam a conduta que deve ser seguida durante a aproximação e a vigilância dos navios detetados, bem como a comunicação às autoridades competentes das informações relativas a esses navios. O ponto 2.4 da mesma parte é relativo às medidas que devem ser tomadas em relação aos navios detetados e às pessoas a bordo e o ponto 2.5 desta enuncia as condições que devem ser respeitadas aquando da execução dessas medidas. Estas condições divergem consoante as medidas devam ser tomadas, por um lado, em águas territoriais e na zona contígua ou, por outro, em alto mar.

26      Relativamente às medidas a tomar contra navios detetados ou contra pessoas a bordo, o ponto 2.4 da referida parte I dispõe:

«As medidas tomadas durante a operação de vigilância contra navios ou outras embarcações relativamente aos quais existam motivos razoáveis para suspeitar que transportam pessoas no intuito de evitar os controlos nos pontos de passagem de fronteiras podem incluir:

a)      Pedir informações e documentação sobre a propriedade, o registo e elementos relativos à viagem, bem como sobre a identidade, a nacionalidade e outros dados relevantes das pessoas a bordo;

b)      Intercetar, entrar a bordo e revistar o navio, a carga e as pessoas a bordo, bem como interrogar estas pessoas;

c)      Informar as pessoas a bordo de que não estão autorizadas a passar a fronteira e que as pessoas que dirigem o navio podem ser sancionadas por facilitarem a viagem;

d)      Apresar o navio e deter as pessoas a bordo;

e)      Ordenar que o navio altere a rota para sair das águas territoriais ou da zona contígua ou se dirija para outro destino fora delas, escoltando o navio ou navegando na proximidade até que este siga essa rota;

f)      Conduzir o navio ou as pessoas a bordo para um país terceiro ou, em alternativa, entregar o navio ou as pessoas a bordo às autoridades de um país terceiro;

g)      Conduzir o navio ou as pessoas a bordo para o Estado‑Membro de acolhimento ou para outro Estado‑Membro que participe na operação.»

27      A parte II do anexo da decisão impugnada intitula‑se «Diretrizes para as situações de busca e de salvamento e o desembarque no âmbito de operações nas fronteiras marítimas coordenadas pela Agência».

28      A referida parte II prevê, no seu ponto 1.1, designadamente, que «[a] obrigação de prestar assistência a pessoas em perigo no mar deverá ser cumprida» pelos Estados‑Membros e que «[a]s unidades participantes devem prestar assistência a todos os navios e pessoas em perigo no mar». Os pontos 1.2 a 1.5 desta parte dizem respeito à avaliação da situação, à comunicação dessa avaliação e de outras informações ao centro de coordenação das operações de salvamento, bem como à adoção de medidas adequadas ou necessárias para assegurar a segurança das pessoas em causa. De acordo com o ponto 1.6 da mesma parte II, a operação deverá, em determinadas condições, ser retomada em conformidade com o disposto na parte I do anexo da decisão impugnada.

29      Por outro lado, a parte II do anexo da decisão impugnada prevê, no seu ponto 2.1, primeiro parágrafo, primeira frase, designadamente, que «[o] plano operacional deverá indicar as modalidades de desembarque das pessoas intercetadas ou socorridas, em conformidade com o direito internacional e os acordos bilaterais aplicáveis». Nos termos da segunda frase do mesmo parágrafo, este plano operacional «não deve ter por efeito impor obrigações aos Estados‑Membros que não participam na operação». Quanto ao ponto 2.1, segundo parágrafo, este enuncia que, salvo especificação em contrário no plano operacional, no que respeita a estas pessoas, «deverá dar‑se prioridade ao desembarque no país terceiro de onde o navio que transporta as pessoas partiu ou por cujas águas territoriais ou zona de busca e salvamento transitou».

II —  Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

30      O Parlamento pede que o Tribunal de Justiça:

¾        anule a decisão impugnada;

¾        determine que os efeitos da decisão impugnada sejam mantidos até à substituição desta;

¾        condene o Conselho nas despesas.

31      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        a título principal, julgar inadmissível o recurso do Parlamento;

¾        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

¾        condenar o Parlamento nas despesas.

32      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de novembro de 2010 foi admitida a intervenção da Comissão em apoio dos pedidos do Conselho, a qual, nas suas alegações de intervenção, conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso do Parlamento e que este seja condenado nas despesas.

III —  Quanto ao recurso

A —  Quanto à admissibilidade do recurso

1.     Argumentos das partes

33      O Conselho invoca, a título principal, a inadmissibilidade do recurso do Parlamento. Em sua opinião, este não tem interesse em agir nem o direito de contestar a decisão impugnada, uma vez que não exerceu o seu direito de oposição à adoção da referida decisão por violação dos motivos enumerados no artigo 5.°‑A, n.° 4, alínea e), da segunda decisão «comitologia». Se o Parlamento tinha dúvidas sobre a legalidade da decisão impugnada, devia ter‑se‑lhe oposto, em conformidade com o disposto no procedimento de regulamentação com controlo, e esta última decisão não podia ter sido aprovada.

34      A situação do caso vertente distingue‑se da que estava em causa no processo em que foi proferido o acórdão de 12 de julho de 1979, Itália/Conselho (166/78, Recueil, p. 2575), no qual o Tribunal de Justiça julgou admissível o recurso interposto por um Estado‑Membro que, no Conselho, tinha votado a favor do ato impugnado. Com efeito, a fiscalização exercida pelo Parlamento para determinar se uma medida proposta excede as competências de execução previstas no ato de base constitui uma fase processual formal do processo de adoção do ato em causa e exige não uma avaliação política mas a verificação de que os requisitos de legalidade estão preenchidos.

35      O Parlamento alega que não está obrigado a demonstrar que tem interesse em agir, em conformidade com o disposto no artigo 263.°, segundo parágrafo, TFUE e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão de 26 de março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, Colet., p. 1493, n.° 3). Admitindo que essa prova seja necessária, esse interesse existe incontestavelmente no caso vertente, uma vez que se contesta a legalidade de um ato da União que tem efeitos vinculativos e que as prerrogativas do Parlamento são postas em causa devido à adoção de um ato jurídico que ocorre no quadro de um processo de execução e não no quadro de um processo legislativo (acórdão de 18 de junho de 1996, Parlamento/Conselho, C‑303/94, Colet., p. I‑2943, n.os 19 e 20).

36      A verificação, pelo Parlamento, de uma medida de execução proposta, conforme prevista no artigo 5.°‑A, n.° 4, alínea e), da segunda decisão «comitologia», não tem por consequência limitar o direito que assiste a esta instituição de intentar uma ação com vista a obter a fiscalização jurisdicional de tal medida. Por outro lado, o Parlamento sustenta que não está obrigado a exercer o seu direito de veto, quando tem dúvidas sobre a legalidade de uma medida de execução proposta.

2.     Apreciação do Tribunal de Justiça

37      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito a interpor recurso que assiste aos Estados‑Membros, ao Parlamento, ao Conselho e à Comissão, previsto no artigo 263.°, n.° 2, TFUE, não está condicionado pela justificação da existência de interesse em agir (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Itália/Conselho, n.° 6, e Comissão/Conselho, n.° 3; e acórdãos de 21 de janeiro de 2003, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑378/00, Colet., p. I‑937, n.° 28, de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07, Colet., p. I‑8917, n.° 16, e de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, Colet., p. I‑9639, n.° 36).

38      Além disso, decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o exercício deste direito não depende da posição assumida, no decurso do processo de adoção do ato em causa, pela instituição ou pelo Estado‑Membro que interpõe o recurso (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Itália/Conselho, n.° 6, e Comissão/Parlamento e Conselho, n.° 28).

39      O facto de, em conformidade com o disposto no artigo 5.°‑A, n.° 4, alínea e), da segunda decisão «comitologia», o Parlamento ter tido a possibilidade de se opor à adoção da decisão impugnada, deliberando por maioria dos membros que o compõem, não é suscetível, conforme sublinhado pelo advogado‑geral nos n.os 20 e 22 das suas conclusões, de excluir o direito de recorrer de que goza esta instituição.

40      Embora o procedimento de regulamentação com controlo permita que o Parlamento, em conformidade com o considerando 7‑A da segunda decisão «comitologia», efetue um controlo antes da adoção de uma medida, esse procedimento não pode substituir a fiscalização jurisdicional. Assim, o facto de o Parlamento não se ter oposto à adoção de um ato, no quadro de tal procedimento, não determina que seja julgado inadmissível um recurso de anulação por meio do qual se questiona a legalidade do ato assim adotado.

41      Resulta do exposto que há que julgar admissível o recurso de anulação.

B —  Quanto ao mérito

1.     Argumentos das partes

42      As partes estão em desacordo, em substância, por um lado, com os princípios que regem as competências de execução e, por outro, com a questão de saber se a decisão impugnada podia ser adotada ao abrigo das competências de execução.

a)     Quanto aos princípios que regem as competências de execução

43      O Parlamento sustenta que o procedimento de regulamentação com controlo pode ter por objeto a alteração ou a supressão de elementos não essenciais de um ato de base ou o aditamento de novos elementos não essenciais, mas não a alteração dos elementos essenciais de tal ato. O exercício da competência de execução deve, em seu entender, respeitar os elementos essenciais do conteúdo do ato de base. Além disso, o Parlamento considera que a Comissão não está autorizada a regulamentar atividades que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação material do ato legislativo de base.

44      O conceito de «elementos essenciais» abrange, em particular, segundo o Parlamento, as definições dadas por uma regulamentação de base, para delimitar o respetivo âmbito de aplicação material, e estabelece o quadro dentro do qual haverá que aplicar essa regulamentação, a qual pode ser completada através do aditamento de novos elementos não essenciais. Segundo o Parlamento, para determinar os limites das competências de execução, devem, designadamente, ser tomados em consideração os limites materiais dessas competências, decorrentes dos elementos essenciais do ato de base, bem como as disposições do Tratado CE e o dever de respeitar os direitos fundamentais.

45      Em contrapartida, o Conselho alega que o próprio legislador da União pode fixar os limites da delegação, definir os objetivos essenciais da regulamentação de base e decidir quais os elementos essenciais que não podem ser delegados à Comissão. O âmbito da delegação das competências de execução depende, designadamente, do poder de apreciação que o legislador atribui à Comissão e, a este respeito, o Tribunal de Justiça já reconheceu que pode ser conferida a essa instituição uma ampla delegação das competências de execução.

46      Segundo a Comissão, relativamente ao conceito de «elementos essenciais», importa seguir a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual esses elementos são as regras que revestem um caráter essencial para a matéria em questão (acórdãos de 17 de dezembro de 1970, Köster e Berodt & Co., 25/70, Colet.,1969‑1970, p. 659, n.° 6, e de 27 de outubro de 1992, Alemanha/Comissão, C‑240/90, Colet., p. I‑5383, n.° 36). A utilização, no artigo 2.°, n.° 2, da segunda decisão «comitologia», dos termos «completando […] mediante o aditamento de novos elementos não essenciais» permite conferir à Comissão o poder de concretizar os elementos essênciais que os co‑legisladores não enunciaram em pormenor. Esta última tem autorização para completar esses elementos e para regulamentar novas atividades abrangidas pelo âmbito de aplicação da matéria regulada e pelas suas regras essenciais.

b)     Quanto à decisão impugnada

47      Relativamente à decisão impugnada, o Parlamento não contesta os objetivos desta, mas considera que o seu conteúdo devia ter sido adotado através de um ato legislativo e não através de um ato de execução. Esta decisão excede o âmbito de aplicação das competências de execução referidas no artigo 12.°, n.° 5, do CFS, uma vez que introduz novos elementos essenciais neste código e altera elementos essenciais do mesmo, bem como o conteúdo do regulamento Frontex.

i)     No que respeita à introdução de novos elementos essenciais no CFS

48      Relativamente à introdução de novos elementos essenciais no CFS, o Parlamento sustenta que as partes I e II do anexo da decisão impugnada preveem medidas que não podem ser consideradas como estando abrangidas pelo âmbito de aplicação da vigilância das fronteiras conforme definida neste código ou como um elemento não essencial deste.

49      Assim, a parte I, ponto 2.4, deste anexo contém, contrariamente ao disposto no artigo 12.°, n.° 5, do CFS e no considerando 17 deste, não simples regras práticas sobre a vigilância das fronteiras, mas atribui aos guardas de fronteira poderes muito alargados. O CFS nada diz sobre as medidas suscetíveis de serem tomadas contra pessoas ou navios. No entanto, a decisão impugnada prevê medidas coercivas de grande alcance, mas não garante a possibilidade de as pessoas intercetadas no alto mar invocarem o direito de asilo e os respetivos direitos conexos, ao passo que, em conformidade com o disposto no artigo 13.° do CFS, o regresso das pessoas em causa ao país de onde vêm só pode ocorrer no quadro de uma recusa formal de entrada.

50      Por outro lado, as regras relativas a atividades como a busca, o salvamento e o desembarque, que figuram na parte II do anexo da decisão impugnada, não são abrangidas, segundo o Parlamento, pelo conceito de vigilância. Ainda que, na sua epígrafe, contenha o termo «diretrizes», esta parte II é vinculativa e visa produzir efeitos jurídicos em relação aos Estados‑Membros que participem numa operação coordenada pela Agência, atendendo tanto à sua redação como ao facto de que figura num ato juridicamente vinculativo e de que faz parte do plano operacional previsto no regulamento Frontex. A decisão impugnada contém, assim, elementos essenciais do CFS e não podia, por conseguinte, ter sido objeto de uma medida de execução.

51      Por outro lado, o Parlamento alega que a decisão impugnada excede o âmbito de aplicação territorial do CFS. Em conformidade com o disposto no seu artigo 2.°, ponto 11, a vigilância limita‑se à vigilância das fronteiras entre os pontos de passagem e à vigilância dos pontos de passagem de fronteiras fora das horas de abertura fixadas, ao passo que esta decisão se aplica, por força da parte I, ponto 2.5, do seu anexo, não apenas às águas territoriais mas também às zonas contíguas e ao alto mar.

52      Segundo o Conselho, o legislador da União considerou que os controlos nas fronteiras constituem o elemento essencial do controlo nas fronteiras externas, que regulou de forma exaustiva. Quanto à vigilância das fronteiras, o Conselho alega que o legislador considerou, em contrapartida, que era suficiente definir os objetivos gerais e os métodos de base e conceder à Comissão a autorização para adotar, se necessário, medidas adicionais aplicáveis à vigilância e amplas competências de execução.

53      O Conselho sustenta que as medidas enumeradas no ponto 2.4 da referida parte I não são contrárias aos objetivos da vigilância das fronteiras definidos no artigo 12.° do CFS. As regras relativas à coordenação das operações de vigilância no decurso das operações conjuntas, enunciadas no ponto 2.5 da mesma parte I, visam facilitar o desenrolar das operações. Segundo o Conselho, não procede o argumento relativo a um pretenso alargamento do âmbito de aplicação territorial do CFS, uma vez que este código não define o conceito de fronteira marítima, que deve ser entendido no sentido de que também abrange a vigilância das fronteiras assegurada nas zonas contíguas e no alto mar.

54      No que se refere à parte II do anexo da decisão impugnada, tanto a redação dos considerandos 7 a 9 desta como a diferença de redação das epígrafes das duas partes deste anexo e a maneira como foram formuladas as diretrizes demonstram a intenção de o autor desta decisão não conferir força vinculativa a esta parte. É certo que a prestação de assistência aos navios em perigo não é uma medida de vigilância em sentido estrito. No entanto, quando semelhante situação se apresentar no decurso de uma operação de vigilância coordenada pela Agência, afigura‑se indispensável a coordenação prévia do modo como a busca e o salvamento são efetuados pelos diversos Estados‑Membros participantes. Nestas condições, o Conselho considera que a decisão impugnada não introduz elementos novos no CFS.

55      A Comissão considera que a vigilância das fronteiras é um elemento essencial do CFS, mas que as regras essenciais que regem esta matéria se encontram no artigo 12.° do CFS, que prevê disposições sobre o conteúdo bem como sobre o objeto e a finalidade da vigilância, sem ter vocação para a regular extensiva e exaustivamente. Os co‑legisladores conferiram à Comissão poder para completar esses elementos essenciais. O poder de regular novas atividades permite‑lhe determinar o conteúdo da vigilância das fronteiras e definir o que implica esta atividade.

56      A Comissão considera que a decisão impugnada não introduz novos elementos essenciais no CFS. A vigilância devia, tendo em conta a sua finalidade, abranger não apenas a deteção de tentativas de entrada ilegal na União mas também as medidas concretas como a interceção dos navios suspeitos de tentarem entrar na União sem se submeterem aos controlos de fronteira. O artigo 12.°, n.° 4, do CFS indica especificamente que deter os indivíduos é um dos objetivos da vigilância. Para determinar se «a busca e o salvamento» são abrangidos pelo conceito de vigilância, importa tomar em consideração as circunstâncias de facto em que se desenrolam as tentativas de entrada ilegal. A operação de vigilância desencadeia frequentemente a operação de busca e de salvamento, sem que seja possível estabelecer uma distinção clara entre estes dois tipos de operações. A questão de saber se as diretrizes são vinculativas não se põe, visto que as medidas previstas nestas diretrizes são abrangidas pelo conceito de vigilância.

ii)  No que respeita à alteração de elementos essenciais do CFS

57      Relativamente à alteração de elementos essenciais do CFS, o Parlamento alega, designadamente, que a decisão impugnada altera o artigo 13.° deste código. Aplicando‑se este artigo a todos os casos de interceção, as pessoas que entraram ilegalmente nas águas territoriais e nas zonas contíguas não podem ser expulsas ou convidadas a sair sem ser adotada uma decisão ao abrigo deste artigo 13.° Em contrapartida, a parte I, ponto 2.4, do anexo da decisão impugnada confere aos guardas de fronteira o poder de ordenar que o navio altere a sua rota para sair das águas territoriais, sem que tenha sido tomada uma decisão na aceção do referido artigo 13.° e sem que as pessoas em causa tenham a possibilidade de interpor recurso da recusa de entrada.

58      A este respeito, o Conselho e a Comissão alegam que o artigo 13.° do CFS não se aplica às atividades de vigilância das fronteiras, pelo que a decisão não pode alterar este artigo.

iii)  No que respeita à alteração do regulamento Frontex

59      No que se refere à alteração do regulamento Frontex, o Parlamento alega que o artigo 12.°, n.° 5, do CFS não confere à Comissão competência para estabelecer regras que alterem os poderes e obrigações estabelecidos no regulamento Frontex para as operações coordenadas pela Agência. A decisão impugnada não é o instrumento jurídico adequado para criar obrigações relativas a tais operações nem para alterar disposições do regulamento Frontex.

60      Todavia, a referida decisão destina‑se a ser aplicada apenas no quadro das operações coordenadas pela Agência e é obrigatória para esta e para os Estados‑Membros, uma vez que o seu anexo faz parte do plano operacional elaborado para cada operação, ao passo que o artigo 8.°‑E do regulamento Frontex determina os principais elementos desse plano. A inclusão obrigatória, no plano operacional, das regras e das diretrizes enunciadas no anexo da decisão impugnada altera consideravelmente a lista dos elementos necessários à execução do referido plano, como o papel dos guardas de fronteira, das unidades participantes e do centro de coordenação das operações de salvamento.

61      A este respeito, o Conselho sustenta que a decisão impugnada não altera as funções da Agência, ainda que o anexo dessa decisão faça parte do plano operacional. As modalidades da vigilância das fronteiras fazem parte dos elementos necessários do plano operacional enumerados no artigo 8.°‑E do regulamento Frontex. Ainda que esta decisão adite novos elementos não essenciais às disposições deste artigo 8.°‑E, nem por isso daí decorre a ilegalidade deste regulamento. O CFS e as respetivas medidas de execução, por um lado, e o regulamento Frontex, por outro, são complementares. Os dois atos de base são instrumentos jurídicos destinados a implementar a política relativa aos controlos das fronteiras definida no artigo 77.° TFUE, sendo a coordenação com o sistema implementado pelo regulamento Frontex regulada pelo CFS. Por conseguinte, os novos elementos não essenciais aditados pela decisão impugnada são compatíveis com o regulamento Frontex e com o CFS.

62      Segundo a Comissão, a decisão impugnada não tem incidência no funcionamento do regulamento Frontex. A exigência enunciada no artigo 1.° desta decisão, segundo a qual as duas partes do seu anexo devem fazer parte do plano operacional, não vincula a Agência, mas sim os Estados‑Membros enquanto destinatários da referida decisão e enquanto responsáveis por assegurarem a integração deste anexo no plano. Nestas condições, a decisão impugnada não altera o regulamento Frontex.

2.     Apreciação do Tribunal de Justiça

63      Importa constatar que a norma de habilitação em causa no caso vertente, a saber, o artigo 12.°, n.° 5, do CFS, prevê que podem ser aprovadas «medidas adicionais relativas à vigilância […] que têm por objeto alterar elementos não essenciais do [CFS], completando‑o». Esta norma, conjugada com o artigo 33.°, n.° 2, do CFS, remete, no que se refere ao procedimento a seguir, para a segunda decisão «comitologia», sendo esta última, por sua vez, fundada no artigo 202.°, terceiro travessão, CE.

64      Segundo jurisprudência constante, a adoção das regras essenciais da matéria em causa é reservada à competência do legislador da União (v., neste sentido, acórdão Alemanha/Comissão, já referido, n.° 36; e acórdãos de 14 de outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, Colet., p. I‑6983, n.° 76, e de 6 de julho de 2000, Molkereigenossenschaft Wiedergeltingen, C‑356/97, Colet., p. I‑5461, n.° 21). As regras essenciais da matéria em causa devem ser aprovadas na regulamentação de base e não podem ser objeto de delegação (v., neste sentido, acórdão de 13 de julho de 1995, Parlamento/Comissão, C‑156/93, Colet., p. I‑2019, n.° 18; acórdão Parlamento/Conselho, já referido, n.° 23; e acórdãos de 11 de novembro de 1999, Söhl & Söhlke, C‑48/98, Colet., p. I‑7877, n.° 34, e de 6 de maio de 2008, Parlamento/Conselho, C‑133/06, Colet., p. I‑3189, n.° 45).

65      Deste modo, as normas para a adoção das quais seja necessário efetuar opções políticas da responsabilidade própria do legislador da União não podem ser objeto de uma delegação deste tipo.

66      Resulta assim que as medidas de execução não podem alterar elementos essenciais de uma regulamentação de base nem completá‑la com novos elementos essenciais.

67      A questão de saber quais os elementos de uma matéria que devem ser qualificados de essenciais não depende, ao contrário do que sustentam o Conselho e a Comissão, exclusivamente da apreciação do legislador da União, mas deve basear‑se em elementos objetivos, suscetíveis de serem objeto de fiscalização jurisdicional.

68      A este respeito, há que tomar em consideração as características e as especificidades da matéria em causa.

69      No que se refere à questão de saber se o Conselho estava habilitado a adotar a decisão impugnada enquanto medida de execução do artigo 12.° do CFS relativo à vigilância das fronteiras, com base no n.° 5 deste artigo, cabe, em primeiro lugar, apreciar o conteúdo do referido artigo.

70      O artigo 12.°, n.os 1 e 4, do CFS dispõe que a vigilância visa impedir a passagem não autorizada da fronteira, lutar contra a criminalidade transfronteiriça e tomar medidas contra pessoas que tenham atravessado ilegalmente a fronteira e deter essas pessoas. O considerando 6 do CFS prevê, além disso, que o controlo fronteiriço tem por finalidade contribuir «para a luta contra a imigração clandestina e o tráfico de seres humanos, bem como para a prevenção de qualquer ameaça para a segurança interna, a ordem pública, a saúde pública e as relações internacionais dos Estados‑Membros».

71      Relativamente às operações de vigilância das fronteiras, o artigo 12.° do CFS contém, nos seus n.os 2 a 4, disposições relativas a alguns aspetos do funcionamento das operações de vigilância, limitando‑se estas disposições a descrever em abstrato a missão dos guardas de fronteira. Nomeadamente, o n.° 2, segundo parágrafo, deste artigo prevê que a vigilância é «efetuada de forma a impedir e desencorajar as pessoas de iludir o controlo nos pontos de passagem de fronteira». De igual modo, o n.° 3 do mesmo artigo 12.° dispõe, na sua primeira frase, que «[a] vigilância entre os pontos de passagem de fronteira é efetuada por guardas de fronteira, cujo número e métodos são adequados aos riscos e ameaças existentes ou previstos».

72      No que se refere à habilitação da instituição em causa para tomar medidas de execução relativas à vigilância das fronteiras, o artigo 12.°, n.° 5, do CFS enuncia, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 64 do presente acórdão, que podem ser aprovadas «medidas adicionais relativas à vigilância […] que têm por objeto alterar elementos não essenciais do [CFS], completando‑o». Além disso, de acordo com os considerandos 17 do CFS e 4 do Regulamento n.° 296/2008, a delegação de competências de execução só diz respeito a algumas regras práticas do controlo das fronteiras.

73      Ora, embora o CFS, que é a regulamentação de base nesta matéria, mencione, no seu artigo 12.°, n.° 4, que a vigilância tem por objetivo a detenção de pessoas que atravessem ilegalmente as fronteiras, não contém regras sobre as medidas que os guardas de fronteira estão autorizados a tomar contra pessoas ou navios, no ato da respetiva retenção e a seguir à mesma, como a aplicação de medidas coercivas, a utilização da força das armas ou o envio das pessoas detidas para um lugar determinado, ou ainda as medidas contra pessoas implicadas no tráfico de seres humanos.

74      Deste modo, o anexo da decisão impugnada prevê, no ponto 2.4 da sua parte I, as medidas que os guardas de fronteira podem tomar contra os navios detetados ou contra as pessoas a bordo desses navios. A este respeito, este ponto 2.4, alíneas b), d), f) e g), permite, nomeadamente, intercetar, entrar a bordo, revistar e apresar o navio, revistar e deter as pessoas a bordo do navio, bem como conduzir o navio ou as referidas pessoas para um Estado terceiro e, assim, tomar medidas coercivas contra pessoas e navios que podem estar sujeitos à soberania do Estado de que arvoram o pavilhão.

75      Além disso, o referido anexo prevê, no ponto 1.1 da sua parte II, designadamente, a obrigação de as unidades participantes em operações nas fronteiras marítimas externas coordenadas pela Agência prestarem assistência a todos os navios e pessoas em perigo no mar. A mesma parte II prevê, no seu ponto 2, regras sobre o desembarque das pessoas intercetadas ou socorridas, e o ponto 2.1, segundo parágrafo, especifica que se deverá dar prioridade ao desembarque no país terceiro de onde partiu o navio a bordo do qual essas pessoas foram encontradas.

76      Por um lado, a adoção das regras relativas à atribuição de poderes coercivos aos guardas de fronteira, mencionadas nos dois pontos anteriores do presente acórdão, requer opções políticas da responsabilidade própria do legislador da União, porquanto implica uma ponderação dos interesses divergentes em causa com base em apreciações múltiplas. Em função das opções políticas nas quais assenta a adoção dessas regras, os poderes dos guardas de fronteira podem variar consideravelmente, podendo o seu exercício ser sujeito a uma autorização, a uma obrigação ou a uma proibição, como, por exemplo, a que consiste em aplicar medidas coercivas, utilizar a força das armas ou enviar as pessoas detidas para um lugar determinado. Por outro lado, visto que esses poderes dizem respeito à tomada de medidas contra navios, o exercício desses poderes é suscetível de interferir, em função do respetivo âmbito, com os direitos de soberania de Estados terceiros, consoante o pavilhão arvorado pelos navios em causa. Assim, a adoção dessas regras constitui uma evolução importante no sistema do CFS.

77      Por outro lado, importa sublinhar que disposições relativas à atribuição de poderes de autoridade pública aos guardas de fronteira, como os atribuídos na decisão impugnada, entre os quais figuram a detenção das pessoas retidas, o apresamento de navios e o envio das pessoas detidas para um lugar determinado, permitem ingerências nos direitos fundamentais das pessoas em causa a ponto de tornar necessária a intervenção do legislador da União.

78      Assim, a adoção de disposições como as previstas na parte I, ponto 2.4, e na parte II, pontos 1.1 e 2.1, do anexo da decisão impugnada requer que se efetuem opções políticas na aceção dos dois números anteriores do presente acórdão, pelo que essa adoção excede o quadro das medidas adicionais na aceção do artigo 12.°, n.° 5, do CFS e, no quadro do sistema institucional da União, faz parte da responsabilidade do legislador desta última.

79      Nestas condições, importa declarar que as partes I e II do anexo da decisão impugnada contêm, conforme assinalado pelo advogado‑geral nos n.os 61 e 66 das suas conclusões, elementos essenciais da vigilância nas fronteiras marítimas externas.

80      O mero facto de a epígrafe da parte II do anexo da decisão impugnada conter o termo «diretrizes» e de o artigo 1.°, segunda frase, desta decisão especificar que as regras e as diretrizes contidas na referida parte são «não vinculativas» não põe em causa a respetiva qualificação como regras essenciais.

81      Com efeito, em conformidade com o artigo 1.°, segunda frase, desta decisão, a parte II deste anexo faz parte do plano operacional elaborado para cada operação coordenada pela Agência. Ora, nos termos do artigo 8.°‑E do regulamento Frontex, este plano estabelece «as condições específicas do destacamento das equipas» cuja verificação da «correta execução» incumbe ao agente de coordenação, por força do artigo 8.°‑G desse mesmo regulamento.

82      Assim, uma vez que as condições previstas neste plano devem ser preenchidas, depreende‑se necessariamente que as regras contidas na parte II, pontos 1.1 e 2.1, do anexo da decisão impugnada se destinam a produzir efeitos jurídicos vinculativos.

83      Por último, ainda que a decisão impugnada contenha igualmente disposições que regem modalidades práticas de exercício da vigilância das fronteiras, há que concluir que as regras previstas, respetivamente, nas partes I e II do anexo desta decisão são todas conexas, visto que dizem respeito ao desenrolar, respetivamente, de uma operação de vigilância e de uma operação de salvamento.

84      Nestas condições, a decisão impugnada deve ser anulada na íntegra, uma vez que contém elementos essenciais da vigilância das fronteiras marítimas externas dos Estados‑Membros, que excedem o quadro de medidas adicionais na aceção do artigo 12.°, n.° 5, do CFS, e que só o legislador da União podia ter adotado uma decisão deste tipo.

85      Resulta do exposto que não há que examinar os argumentos do Parlamento segundo os quais a decisão impugnada altera elementos essenciais do CFS e o regulamento Frontex.

IV —  Quanto ao pedido de manutenção dos efeitos da decisão impugnada

86      O Parlamento pede ao Tribunal de Justiça que, caso a decisão impugnada venha a ser anulada, sejam mantidos, em aplicação do artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE, os efeitos da mesma, até à sua substituição.

87      Segundo o Parlamento, a manutenção dos efeitos desta decisão é necessária devido à importância dos objetivos das medidas propostas no quadro da política da União relativa às operações de controlo nas fronteiras.

88      Nos termos do artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça pode, quando considerar necessário, indicar quais os efeitos de um ato anulado que devem ser considerados subsistentes.

89      A anulação da decisão impugnada, sem serem mantidos os seus efeitos a título provisório, pode prejudicar o bom funcionamento das operações em curso ou futuras, que são coordenadas pela Agência, e, por conseguinte, a vigilância das fronteiras marítimas externas dos Estados‑Membros.

90      Nestas condições, há motivos importantes de segurança jurídica que justificam que o Tribunal de Justiça exerça o poder que lhe é conferido pelo artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE. No caso vertente, cabe manter os efeitos da decisão impugnada, até à entrada em vigor de uma nova regulamentação, num prazo razoável, destinada a substituir a decisão impugnada, que é anulada pelo presente acórdão.

V —  Quanto às despesas

91      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento pedido a condenação do Conselho e tendo este sido vencido, há que o condenar nas despesas. A Comissão, que interveio em apoio dos pedidos formulados pelo Conselho, suporta as suas próprias despesas, em conformidade com o disposto no n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É anulada a Decisão 2010/252/UE do Conselho, de 26 de abril de 2010, que completa o Código das Fronteiras Schengen no que diz respeito à vigilância das fronteiras marítimas externas no contexto da cooperação operacional coordenada pela Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia.

2)      São mantidos os efeitos da Decisão 2010/252 até à entrada em vigor de uma nova regulamentação, num prazo razoável.

3)      O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

4)      A Comissão Europeia suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.