Language of document : ECLI:EU:C:2004:147

Conclusions

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
PHILIPPE LÉGER
apresentadas em 11 de Março de 2004 (1)



Processo C-169/03



Florian W. Wallentin

contra

Riksskatteverket


[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Regeringsrätten (Suécia)]


«Artigo 39.° CE – Livre circulação de trabalhadores – Imposto sobre o rendimento – Discriminação entre contribuintes residentes e não residentes – Dedução de base – Estudante que recebeu uma bolsa do Estado e uma mesada dos pais no seu Estado de residência – Rendimentos, por natureza, não sujeitos a imposto – Consideração da situação pessoal e familiar no Estado de residência – Inexistência»






1.       No presente processo discutem‑se, uma vez mais, os limites que a liberdade fundamental de circulação dos trabalhadores impõe à competência dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade directa. No caso em apreço, trata‑se de determinar se o artigo 39.° CE se opõe a que um estudante, que beneficia de uma bolsa de estudo e de uma mesada dos seus pais e que, durante as suas férias de Verão, prestou trabalho remunerado num Estado‑Membro que não aquele no qual reside e estuda, possa ser tributado no Estado de emprego sem poder beneficiar da dedução concedida aos residentes.

2.       Esta questão, colocada pelo Regeringsrätten (Supremo Tribunal Administrativo) (Suécia), tem por base o recurso, interposto por um estudante alemão, da decisão da administração sueca de tributar a remuneração que o recorrente auferira por trabalho prestado na Suécia durante o Verão de 1996.

I – Legislação nacional

3.       O regime geral sueco da tributação dos rendimentos das pessoas singulares é definido pela kommunalskattelagen (1928:370) (lei dos impostos municipais) e pela lagen (1947:576) om statlig inkomstskat (lei do imposto estatal sobre o rendimento). Estas leis dispõem que todos os rendimentos auferidos por qualquer pessoa residente na Suécia tanto no país como no estrangeiro estão sujeitos a tributação a favor do Estado e dos municípios. O imposto municipal é proporcional e a sua taxa é, geralmente, de 30%. O imposto a favor do Estado só é cobrado a partir de um determinado montante e é progressivo. A taxa aplicável ao primeiro escalão é de 20%.

4.       As pessoas residentes na Suécia durante todo o ano fiscal têm direito a uma dedução de base por força da qual os rendimentos situados abaixo do limite máximo para a dedução não são tributados. Em 1996, esse limite era de 8 600 SEK.

5.       Os contribuintes que residam na Suécia durante um período inferior a um ano, mas superior ou igual a seis meses, beneficiam de uma dedução proporcional à duração da sua presença no território nacional. A dedução elevava‑se a 700 SEK mensais durante o ano em causa.

6.       Está previsto um regime específico para os não residentes que tenham estado na Suécia durante um período inferior a seis meses. Este regime é definido pela lagen (1991:586) om särskild inkomstskatt för utomlands bosatta (lei relativa ao imposto especial sobre o rendimento de residentes no estrangeiro, a seguir «lei SINK»). Segundo a lei SINK, uma pessoa singular que reside no estrangeiro e que nos termos dessa lei obtém rendimentos tributáveis na Suécia paga ao Estado um imposto especial de 25% sobre o rendimento. Esse imposto, cobrado por retenção na fonte, é definitivo. Não existe o direito a qualquer dedução ou abatimento. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o legislador nacional tomou em consideração esta situação pelo facto de esta taxa de 25% ser inferior à que é aplicável ao imposto sobre o rendimento dos residentes  (2) .

7.       Resulta dos trabalhos preparatórios da lei SINK que a adopção deste sistema teve por objectivo facilitar e simplificar o relacionamento do sujeito passivo com a administração fiscal sueca. Assim, graças a este sistema, o assunto fica resolvido assim que o salário é pago e o imposto retido na fonte entregue na referida administração.

II – Factos e tramitação processual

8.       Na data dos factos subjacentes ao litígio no processo principal, o cidadão alemão Florian Wallentin residia na Alemanha, onde estudava. Recebia dos seus pais uma mesada de 650 DEM e beneficiava de uma bolsa do Estado alemão correspondente a 350 DEM por mês para alimentação e alojamento. Segundo o direito fiscal alemão, estes montantes, por natureza, não constituem rendimentos tributáveis.

9.       F. Wallentin esteve na Suécia de 1 de Julho a 20 de Agosto de 1996. No período de 3 a 25 de Julho de 1996, realizou um trabalho remunerado como estagiário ao serviço da Igreja sueca. Auferiu, por esse estágio, uma remuneração de 8 724 SEK.

10.     F. Wallentin requereu à administração fiscal a isenção do imposto sobre a sua remuneração. O seu requerimento foi indeferido por essa administração, que referiu que a remuneração em causa estava sujeita a imposto à taxa de 25%, por aplicação da lei SINK.

11.     Na decisão do recurso interposto por F. Wallentin, o länsrätten i Norrbotens (Suécia) (tribunal administrativo do distrito de Norrbotten) anulou a decisão da administração fiscal. Aquele órgão jurisdicional entendeu que o imposto em causa constituía uma discriminação contrária ao artigo 39.° CE, dado que não se verificava qualquer diferença no que dizia respeito à situação em que se encontrava o interessado e à de um contribuinte residente na Suécia.

12.     Na sequência do recurso interposto pela administração fiscal, o Kammarrätten i Sundsvall (Suécia) anulou a sentença do länsrätten i Norrbotens län. Aquele tribunal baseou a decisão de anulação nos elementos seguintes. Por um lado, F. Wallentin tinha o centro dos seus interesses na Alemanha, onde auferia o essencial dos seus meios de subsistência, pelo que a sua situação não era comparável àquela em que se encontrava uma pessoa residente na Suécia. Por outro, se lhe fossem aplicadas as regras fiscais suecas internas e beneficiasse de uma dedução de base em relação ao tempo em que permaneceu na Suécia, o imposto devido seria mais elevado. Por fim, o legislador justificou a relativa diminuição da taxa de imposto sueca de 25% pelo facto de não existir qualquer direito à dedução. No caso em apreço não havia, portanto, qualquer discriminação, directa ou indirecta.

13.     F. Wallentin recorreu da decisão do Kammarrätten i Sundsvall para o Regeringsrätten.

III – Questão prejudicial

14.     O Regeringsrätten decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 39.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação de um Estado‑Membro disponha que as pessoas singulares que não são consideradas residentes no país para efeitos fiscais, mas que aí obtêm um rendimento de trabalho (obrigação fiscal limitada), sejam tributadas através de uma retenção na fonte constituída de forma a que não são admitidas nem a dedução de base nem outras deduções relativas à sua situação pessoal, enquanto os residentes no país têm direito a tais deduções quando da tributação normal de todos os rendimentos obtidos nesse Estado‑Membro ou no estrangeiro (obrigação fiscal ilimitada), mas em que a inexistência do direito à dedução de base e outras é tomada em consideração mediante a aplicação de uma taxa de imposto mais baixa que a aplicável aos sujeitos passivos residentes no país?»

IV – Apreciação

15.     Ao contrário do Governo finlandês e como todos os outros intervenientes, não vemos motivos para duvidar do mérito da análise do Regeringsrätten, da qual resulta que a situação de F. Wallentin cai precisamente no âmbito de aplicação do artigo 39.° CE. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que o interessado efectuou, de 3 a 25 de Julho de 1996, um estágio remunerado ao serviço da Igreja sueca e que auferiu uma remuneração pelo seu trabalho de 8 724 SEK. Não há qualquer elemento que permita pensar que essa relação de trabalho não satisfaz as condições definidas pelo Tribunal de Justiça para atribuir a F. Wallentin a qualidade de «trabalhador» na acepção do artigo 39.° CE  (3) . A esse respeito, há que recordar que a verificação dessas condições é da competência do juiz nacional  (4) . Em qualquer caso, a circunstância de F. Wallentin estudar na Alemanha e ter trabalhado na Suécia por um curto período durante as suas férias de Verão, tal como a existência de uma estreita ligação entre os seus estudos e o seu estágio remunerado ao serviço da Igreja sueca não são, por si sós, susceptíveis de o privar da qualidade de «trabalhador», quando as condições acima referidas estejam satisfeitas  (5) . Assim, prosseguiremos a nossa análise partindo do entendimento que as disposições do artigo 39.° CE têm aplicação no caso em apreço.

16.     Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 39.º se opõe à legislação de um Estado‑Membro por força da qual os rendimentos auferidos nesse Estado por não residentes são tributados a uma taxa fixa sem que estes possam beneficiar das deduções concedidas aos residentes, quando esses não residentes só disponham, no seu próprio Estado de residência, de rendimentos que, por natureza, não estão sujeitos a imposto. Por outras palavras, para o órgão jurisdicional de reenvio a questão de que se trata é a de saber se da legislação em causa resulta uma discriminação do não residente proibida pelo artigo 39.° CE.

17.     Os Governos francês e finlandês, como a administração fiscal sueca, sustentam que a legislação nacional em causa não tem carácter discriminatório. Esses governos sublinham que, durante o ano de 1996, F. Wallentin auferiu o essencial dos seus rendimentos no seu Estado de residência, isto é, a Alemanha, e que a remuneração que recebeu na Suécia só representa uma fracção mínima dos seus rendimentos globais. Assim, F. Wallentin não se encontra numa situação idêntica à dos residentes na Suécia. A circunstância de os rendimentos por ele auferidos na Alemanha não serem tributáveis nesse Estado não põe em causa esta análise. F. Wallentin não pode, portanto, reclamar a dedução concedida pela legislação sueca aos residentes, pois não é à Suécia, mas sim ao seu Estado de residência, que cabe tomar em consideração a sua situação pessoal e familiar. A este respeito, o Governo francês sublinha que a isenção, pelo direito fiscal alemão, dos rendimentos auferidos por F. Wallentin na Alemanha demonstra claramente que este Estado tomou em consideração a sua situação pessoal e familiar.

18.     A administração fiscal sueca acrescenta que, para determinar se a lei SINK é discriminatória, é necessário comparar a situação de F. Wallentin não com a dos residentes, mas sim com a das pessoas que trabalharam na Suécia uma parte do ano. A administração fiscal recorda que, segundo a lei sueca, essas pessoas beneficiam de uma dedução proporcional à duração da sua estadia na Suécia. Ora, da aplicação desse regime a F. Wallentin resulta que este tem de suportar uma carga fiscal superior àquela que resulta da lei SINK.

19.     Não concordamos com a posição destes intervenientes. Tal como F. Wallentin e a Comissão das Comunidades Europeias, pensamos que uma legislação como a lei SINK tem carácter discriminatório em relação a um não residente que só beneficia, no seu Estado de residência, de rendimentos que, por natureza, não estão sujeitos a imposto sobre o rendimento. Esta análise decorre, segundo cremos, da jurisprudência do Tribunal em matéria de tributação directa das pessoas singulares.

20.     É jurisprudência constante que, embora a matéria dos impostos directos enquanto tal não caia no âmbito da competência da Comunidade, os Estados‑Membros devem exercer as competências que detêm nesta matéria respeitando o direito comunitário  (6) . A esse respeito, o artigo 39.º n.° 2, CE implica a abolição de toda a discriminação em razão da nacionalidade entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, designadamente no que diz respeito à remuneração. No acórdão de 8 de Maio de 1990, Biehl  (7) , o Tribunal declarou que o princípio da igualdade em matéria de remuneração seria desprovido de efeito se pudesse ser violado o referido princípio em matéria de imposto sobre o rendimento.

21.     É também jurisprudência constante que as regras de igualdade de tratamento proíbem não apenas as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade, mas ainda quaisquer formas dissimuladas de discriminação que, aplicando outros critérios de distinção, conduzam de facto ao mesmo resultado  (8) . O Tribunal entendeu que uma regulamentação de um Estado‑Membro que reserva benefícios fiscais aos residentes no território nacional corre o risco de funcionar principalmente em detrimento de nacionais de outros Estados‑Membros, pois os não residentes são, frequentemente, não nacionais, pelo que tal regulamentação é susceptível de constituir uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade  (9) .

22.     Todavia, a discriminação só pode consistir na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou da mesma regra a situações diferentes. O Tribunal entendeu que, em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes não são, em regra, comparáveis. Com efeito, segundo o Tribunal, o rendimento auferido no território de um Estado por um não residente constitui, muito frequentemente, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da sua residência. Além do mais, a capacidade contributiva pessoal do não residente, resultante da tomada em consideração do conjunto dos seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode mais facilmente ser apreciada no local onde tem o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais, que corresponde, geralmente, à residência habitual do interessado  (10) . Além disso, a residência constitui o factor de ligação ao imposto em que se baseia, regra geral, o direito fiscal internacional actual, nomeadamente a convenção‑tipo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) em matéria de dupla tributação, com vista a repartir entre os Estados a competência fiscal, perante situações que contêm elementos de estraneidade. Daqui decorre que o facto de um Estado‑Membro não fazer beneficiar um não residente de certos benefícios fiscais que concede aos residentes não é, regra geral, discriminatório, tendo em conta as diferenças objectivas entre a situação destas duas categorias de contribuintes  (11) .

23.     Todavia, no acórdão Schumacker, já referido, o Tribunal entendeu que um não residente e um residente não se encontram numa situação objectivamente diferente quando o não residente não aufere rendimentos significativos no seu Estado de residência e obtém o essencial dos seus recursos tributáveis no Estado de emprego. Com efeito, em tal situação, o Estado de residência não se encontra em condições de lhe atribuir os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar  (12) . A diferença de tratamento reveste, então, natureza discriminatória para com o não residente quando a sua situação pessoal e familiar não é tomada em conta no Estado de residência nem no Estado de emprego  (13) .

24.     Aplicados às circunstâncias do caso em apreço, os princípios que acabamos de recordar permitem enunciar as consequências seguintes. Uma regulamentação nacional como a lei SINK, que sujeita os rendimentos dos não residentes a uma taxa de imposto fixa e definitiva de 25%, ao passo que os dos residentes são tributados segundo uma tabela progressiva que inclui uma isenção de base, constitui uma diferença de tratamento desfavorável para os primeiros que são, regra geral, não residentes. Porém, essa diferença de tratamento não constitui uma discriminação contrária ao Tratado CE quando os residentes e não residentes se encontram, em princípio, numa situação objectivamente diferente. Assim, uma dedução como a que está em causa que tem por objecto, em princípio, garantir ao contribuinte um mínimo vital isento de imposto, é legítimo que um Estado reserve tal benefício aos seus residentes, que, regra geral, auferiram o essencial dos seus rendimentos no seu território e que são tributados sobre a totalidade dos seus rendimentos, devendo os não residentes obter um benefício comparável no seu próprio Estado de residência, ao qual cabe tomar em conta a sua situação pessoal e familiar.

25.     No entanto, a questão que se levanta no caso em apreço é a de saber se a jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal no acórdão Schumacker, já referido, pode ser transposta para a situação de F. Wallentin. Por outras palavras, dever‑se‑á considerar que, embora tenha auferido na Alemanha uma bolsa do Estado e uma mesada dos seus pais durante o ano em causa, na Suécia ele se encontra na mesma situação que um residente no que respeita ao direito à dedução controvertida?

26.     Pensamos que a resposta a esta questão deve ser afirmativa, tendo em conta as aplicações que o Tribunal fez da jurisprudência desenvolvida no acórdão Schumacker, já referido. Assim, o exame dos acórdãos proferidos pelo Tribunal na sequência deste acórdão em matéria de tributação directa das pessoas singulares permite, segundo cremos, extrair dois ensinamentos que são pertinentes para a resposta a dar à questão prejudicial.

27.     O primeiro desses ensinamentos é que, quando um contribuinte exerce o seu direito à livre circulação, se compete efectivamente ao seu próprio Estado de residência tomar em conta a sua situação pessoal e familiar, também é necessário que os rendimentos do contribuinte estejam sujeitos a imposto nesse mesmo Estado, que permite que aquela situação seja tomada em consideração  (14) . Em consequência, a tomada em consideração pelo Estado de residência da situação pessoal e familiar desse contribuinte está subordinada à percepção de rendimentos tributáveis nesse mesmo Estado.

28.     Esta condição é perfeitamente lógica face ao que está em jogo neste tipo de litígio. Com efeito, trata‑se de litígios que opõem um não residente à administração fiscal do Estado de emprego e no âmbito dos quais esse não residente reclama, para os rendimentos tributáveis por si auferidos nesse Estado, um benefício fiscal previsto pelo direito deste último. Para admitir que a concessão de tal benefício lhe possa ser recusada sem que essa diferença de tratamento constitua uma discriminação proibida pelo Tratado, o Tribunal considerou que a situação de um não residente e a de um residente não são, em regra, comparáveis porque o rendimento auferido num Estado por um não residente «constitui, muito frequentemente, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da sua residência»  (15) , e é no lugar da sua residência que a capacidade contributiva pessoal, resultante da tomada em consideração da totalidade dos seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode mais facilmente ser apreciada  (16) . Nestas condições, os benefícios fiscais previstos pelo direito nacional do Estado do emprego podem ser recusados aos não residentes porque lhes podem ser concedidos benefícios comparáveis no seu próprio Estado de residência, nas condições e modalidades previstas no direito desse Estado  (17) . Portanto, a concessão de benefícios comparáveis às reduções ou abatimentos sobre rendimentos tributáveis no Estado do emprego implica, necessariamente, a existência de rendimentos tributáveis no Estado de residência.

29.     O segundo ensinamento que se extrai do exame da jurisprudência é que a situação pessoal e familiar de um contribuinte que tenha exercido o direito à livre circulação deve efectivamente ser tomada em consideração. É aos Estados‑Membros que compete adoptar as disposições necessárias para esse efeito. Já vimos que essa obrigação recai, em princípio, sobre o Estado de residência  (18) . O Tribunal esclareceu que o âmbito dessa obrigação não pode ser reduzido quando o Estado‑Membro é parte numa convenção de prevenção da dupla tributação  (19) . Não obstante, quando o contribuinte não dispõe no seu Estado de residência de rendimentos tributáveis suficientes para permitir que a sua situação pessoal e familiar seja tomada em consideração, essa obrigação incumbe necessariamente ao Estado de emprego  (20) . Em qualquer caso, isso implica que a tributação dos rendimentos desse contribuinte no ou nos Estados de emprego e no Estado de residência não tem, no final, como consequência que a situação pessoal e familiar do contribuinte não seja tomada em consideração ou só o seja parcialmente  (21) .

30.     É perante estes elementos que entendemos que a jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal no acórdão Schumacker, já referido, pode ser transposta para as circunstâncias do litígio no processo principal.

31.     No caso em apreço, é pacífico que, no ano fiscal de 1996, F. Wallentin auferiu na Suécia a totalidade dos seus rendimentos tributáveis. Com efeito, resulta da decisão de reenvio e das alegações escritas da Comissão que tanto a mesada paga pelos pais de F. Wallentin como a bolsa concedida pelo Estado constituem rendimentos que, por natureza, não são tributáveis na Alemanha  (22) . Por consequência, embora F. Wallentin resida nesse Estado‑Membro e aí tenha o centro dos seus interesses pessoais, é forçoso concluir que as autoridades fiscais alemãs não podiam tomar em conta a sua situação pessoal e familiar no que respeita à tributação dos seus rendimentos, pois aquele não auferiu no Estado de residência qualquer rendimento tributável.

32.     Portanto, ao contrário do Governo francês, entendemos que a isenção de imposto, prevista pelo direito fiscal alemão, da bolsa e da mesada recebidas por F. Wallentin na Alemanha não pode ser equiparada à tomada em consideração da situação pessoal e familiar do interessado, na acepção da jurisprudência do Tribunal em matéria de tributação directa das pessoas singulares. Com efeito, essa isenção não tem o efeito de atribuir ao interessado uma redução da carga fiscal sobre os rendimentos tributáveis na sequência da apreciação global da sua capacidade contributiva em função da sua situação pessoal e familiar.

33.     Daqui deduzimos que, no que respeita à dedução controvertida, F. Wallentin se encontra precisamente na mesma situação que um residente na Suécia que tenha realizado um trabalho comparável de idêntica duração, pois os únicos rendimentos tributáveis que auferiu foram‑lhe pagos na Suécia e são tributáveis nesse Estado. Daqui decorre que, ao contrário do que sustenta a administração fiscal sueca, a situação de F. Wallentin também não pode ser comparada à de um não residente que tenha exercido uma actividade profissional na Suécia durante um período compreendido entre seis meses e um ano.

34.     Para corroborar a nossa análise, há que notar, igualmente, que a adopção pelo Tribunal da posição defendida pelos Governos francês e finlandês, bem como pela administração fiscal sueca, seria susceptível de dissuadir um grande número de estudantes nacionais da Comunidade a prestar trabalho durante o Verão num Estado‑Membro que não seja o da sua residência. Com efeito, é manifesto que um estudante não pode viver todo o ano à custa da remuneração auferida por trabalho prestado durante as suas férias de Verão. O estudante deve beneficiar de uma ajuda dos seus pais ou do Estado para prover às suas necessidades, a não ser que contraia um empréstimo. De seguida, suponhamos que essas importâncias são superiores ao montante da remuneração de um trabalho de Verão. Como consequência, numerosos estudantes poderiam ser confrontados, pelas autoridades fiscais do Estado de emprego, com o facto de beneficiarem no Estado de residência de rendimentos muito superiores à remuneração auferida pelo seu trabalho, pelo que este Estado de emprego poderia recusar‑se sistematicamente a aplicar‑lhes a dedução prevista para os residentes.

35.     Finalmente, verifica‑se que essa posição dificilmente pode ser conciliada com a solução a que o Tribunal chegou no acórdão Gerritse, já referido, que também dizia respeito à aplicação a um contribuinte não residente de uma taxa de imposto fixa de 25% sem direito a qualquer dedução  (23) . O Tribunal verificou que A. Gerritse, que reside nos Países Baixos, só auferiu uma parte mínima do seu rendimento global no território alemão  (24) . No entanto, o Tribunal referiu que A. Gerritse poderia beneficiar nos Países Baixos de uma vantagem comparável àquela que reclama na Alemanha, no sentido de que poderia beneficiar da parte de rendimentos isentos, que seria deduzida do rendimento global. De seguida, o Tribunal observou que, nos termos da convenção celebrada entre o Reino dos Países Baixos e a República Federal da Alemanha, os Países Baixos integram na matéria colectável, em conformidade com a regra da progressividade, os rendimentos de A. Gerritse tributados na Alemanha e efectuam uma dedução, de forma a ter em conta o imposto cobrado nesse Estado. O Tribunal deduziu daí que, na perspectiva da regra da progressividade, os não residentes e os residentes encontram‑se numa situação comparável, pelo que a aplicação aos primeiros de uma taxa de tributação sobre o rendimento mais elevada do que a aplicável aos segundos constitui uma discriminação indirecta proibida pelo direito comunitário  (25) .

36.     Daqui decorre que, nesse processo, a aplicação aos não residentes de uma taxa de tributação fixa de 25% foi considerada compatível com as regras do Tratado numa situação como a do não residente que auferiu, no seu Estado de residência, a maior parte dos rendimentos tributáveis, desde que aquela taxa não seja, todavia, superior à que seria efectivamente aplicada ao interessado se lhe fosse aplicável a tabela progressiva normal do Estado de emprego.

37.     A tese defendida pelos Governos francês e finlandês bem como pela administração fiscal sueca levaria à aplicação aos contribuintes na situação de F. Wallentin de uma solução comparável à adoptada no caso de A. Gerritse. Isso seria, pois, o mesmo que equiparar a bolsa do Estado e o apoio financeiro por parte dos pais de que F. Wallentin beneficiou no Estado de residência, não tributáveis por natureza e destinados simplesmente a proporcionar ao interessado um meio de sustento durante os seus estudos, a rendimentos tributáveis significativos auferidos no âmbito do exercício de uma actividade profissional. Não podemos subscrever semelhante solução  (26) .

38.     É por isso que entendemos que a lei SINK reveste carácter discriminatório relativamente a não residentes que só auferiram no Estado de residência rendimentos que por natureza não estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento.

39.     Há que examinar, agora, se se pode justificar essa discriminação indirecta.

40.     O Regeringsrätten não mencionou na decisão de reenvio qualquer questão específica quanto à eventual justificação da discriminação em causa. A administração fiscal sueca, que centrou a sua argumentação na inexistência de discriminação, também não invocou qualquer elemento sobre esse ponto. Em contrapartida, o Governo finlandês sustenta que a discriminação em causa se justifica pela necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal. Com efeito, a dedução de base não é aplicável no âmbito de um sistema de retenção na fonte porque concederia ao não residente um benefício fiscal injustificado.

41.     Esta argumentação converge, em parte, com os motivos expostos nos trabalhos preparatórios da lei SINK, citados na decisão de reenvio. De acordo com esses motivos, a adopção do sistema de retenção fixa na fonte deveu‑se ao facto de a tributação dos residentes no estrangeiro através de um sistema de declaração se ter revelado demasiado difícil de pôr em prática e as autoridades fiscais suecas não poderem tomar em conta a situação pessoal e familiar de trabalhadores que vêm para a Suécia por um curto período.

42.     É certo que não pretendemos defender que, na falta de harmonização a nível comunitário da tributação directa das pessoas singulares, é fácil às autoridades fiscais nacionais prever sistemas de tributação que assegurem, em todas as situações, o respeito pela liberdade de circulação garantido pelo Tratado. No entanto, é manifesto que, se o Tratado pudesse ser derrogado, quanto à liberdade de circulação, devido a sujeições ou dificuldades administrativas, o âmbito dessa liberdade seria singularmente reduzido. É por isso que o Tribunal tem rejeitado sempre o argumento baseado na necessidade de garantir a coerência do regime fiscal lembrando que, nas situações em que admitiu que essa necessidade podia justificar uma regulamentação susceptível de restringir as liberdades fundamentais  (27) , existia uma ligação directa entre a dedutibilidade das quotizações pagas no quadro de contratos de seguro de velhice e por morte, por um lado, e a tributação das importâncias pagas em execução desses contratos, por outro  (28) .

43.     No caso em apreço, não existe uma ligação dessa natureza entre um sistema de retenção na fonte e a não tomada em consideração da situação pessoal e familiar do contribuinte. Além disso, não vemos como pode ser concedido um benefício fiscal injustificado a um contribuinte na situação de F. Wallentin, que não auferiu qualquer rendimento tributável no Estado de residência. A esse respeito, há que recordar que, no acórdão Schumacker, já referido, o Tribunal rejeitou o argumento baseado na necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal referindo que, quando o Estado de residência não pode tomar em consideração a situação pessoal e familiar do contribuinte, pois a carga fiscal aí existente não é suficiente para o permitir, o princípio comunitário da igualdade de tratamento exige que a situação pessoal e familiar do não residente seja tomada em consideração no Estado de emprego da mesma forma que para os nacionais residentes e que lhes sejam concedidos os mesmos benefícios fiscais  (29) .

44.     Entendemos, portanto, que não se pode justificar a discriminação indirecta, contida na lei SINK, em relação a um não residente que se encontre na situação de F. Wallentin. É por isso que propomos ao Tribunal que responda à questão prejudicial que o artigo 39.° CE se opõe a uma regulamentação como a lei SINK quando os não residentes no Estado de tributação só tenham auferido no Estado de residência rendimentos que, por natureza, não estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento.

V – Conclusão

45.     Face às considerações que antecedem, propomos que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial colocada pelo Regeringsrätten da seguinte forma:

«O artigo 39.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a legislação dum Estado‑Membro disponha que as pessoas singulares, que não são consideradas residentes no referido Estado‑Membro para efeitos fiscais, mas que aí obtêm um rendimento de trabalho, sejam tributadas através de uma retenção na fonte constituída de forma a que não são admitidas nem a dedução de base nem outras deduções relativas à sua situação pessoal, enquanto os contribuintes residentes nesse mesmo Estado têm direito a tais deduções quando da tributação normal de todos os rendimentos obtidos nesse Estado ou no estrangeiro, se os não residentes no Estado de tributação só tiverem auferido no seu próprio Estado de residência rendimentos que, por natureza, não estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento.»


1
Língua original: francês.


2
Despacho de reenvio (n.° 4).


3
O conceito de «trabalhador» na acepção do artigo 39.° CE foi objecto de jurisprudência abundante e dela o Tribunal de Justiça deu uma definição sintética no acórdão de 19 de Novembro de 2002, Kurz (C‑188/00, Colect., p. I‑10691, n.° 32). De acordo com essa definição, para ser qualificada de «trabalhador», uma pessoa deve exercer actividades reais e efectivas, com exclusão de actividades de tal maneira reduzidas que se afigurem como puramente marginais e acessórias. A característica essencial da relação laboral é a circunstância de uma pessoa realizar, durante um certo tempo, em favor de outra e sob a direcção desta, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração. Diferentemente, a natureza jurídica sui generis da relação laboral face ao direito nacional, a maior ou menor produtividade do interessado, a origem dos fundos destinados à remuneração ou ainda o nível limitado desta última não podem ter quaisquer consequências quanto ao reconhecimento da qualidade de «trabalhador» na acepção do direito comunitário.


4
V., para uma aplicação recente, acórdão de 6 de Novembro de 2003, Ninni‑Orasche (C‑413/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 32).


5
V., neste sentido, acórdãos de 21 de Junho de 1988, Brown (197/86, Colect., p. 3205, n.os 21 a 23), e de 26 de Fevereiro de 1992, Raulin (C‑357/89, Colect., p. I‑1027, n.° 19). V. igualmente, neste sentido, acórdão Ninni‑Orasche, já referido (n.° 28).


6
V., designadamente, acórdãos de 4 de Outubro de 1991, Comissão/Reino Unido (C‑246/89, Colect., p. I‑4585, n.° 12), e de 13 de Novembro de 2003, Schilling (C‑209/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 22).


7
C‑175/88, Colect., p. I‑1779, n.° 12.


8
V., designadamente, acórdãos de 12 de Fevereiro de 1974, Sotgiu (152/73, Colect., p. 91, n.° 11), e de 21 de Novembro de 1991, Le Manoir (C‑27/91, Colect., p. I‑5531, n.° 9).


9
Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C‑279/93, Colect., p. I‑225, n.° 28); de 27 de Junho de 1996, Asscher (C‑107/94, Colect., p. I‑3089, n.° 38), e de 16 de Maio de 2000, Zurstrassen (C‑87/99, Colect., p. I‑3337, n.os 19 e 20).


10
V., designadamente, acórdãos Schumacker, já referido (n.os 31 e 32), e de 12 de Junho de 2003, Gerritse (C‑234/01, Colect., p. I‑5933, n.° 43).


11
V. acórdãos Schumacker, já referido (n.° 34); de 14 de Setembro de 1999, Gschwind (C‑391/97, Colect., p. I‑5451, n.° 23), e Gerritse, já referido (n.° 44).


12
R. Schumacker, nacional belga, que residia na Bélgica com a mulher e filhos, auferira na Alemanha a totalidade da sua remuneração, que constituía todo o rendimento do casal, uma vez que a Sr.ª Schumacker não tinha trabalho. Nos termos da convenção preventiva da dupla tributação celebrada entre o Reino da Bélgica e a República Federal da Alemanha, os rendimentos de R. Schumacker deviam ser tributados na Alemanha. R. Schumacker tinha pedido a concessão do benefício fiscal previsto pelo direito alemão para os trabalhadores por conta de outrem casados, denominado «splitting», que consiste, a fim de atenuar a progressividade do imposto sobre o rendimento, em adicionar o rendimento global dos dois cônjuges, imputando, ficticiamente, metade a cada um deles, para tributar separadamente o rendimento assim imputado. O pedido de R. Schumacker foi indeferido com fundamento no facto de esse benefício estar sujeito à condição de os dois cônjuges residirem na Alemanha e aí estarem integralmente sujeitos a imposto.


13
.Ibidem (n.os 36 a 38).


14
No acórdão Gschwind, já referido, o litígio dizia respeito ao mesmo benefício fiscal que no acórdão Schumacker, já referido. F. Gschwind, de nacionalidade neerlandesa, que residia com a sua família nos Países Baixos, pediu a concessão desse benefício às autoridades fiscais alemãs em relação à tributação dos rendimentos que auferira na Alemanha. Esses rendimentos representavam 58% dos rendimentos somados do casal, uma vez que a mulher de F. Gschwind era trabalhadora por conta de outrem nos Países Baixos. O Tribunal considerou que, tendo em conta que cerca de 42% do rendimento mundial do casal Gschwind tinha sido obtido no seu Estado de residência, este último estava em condições de tomar em conta a situação pessoal e familiar de F. Gschwind, segundo as modalidades previstas pela legislação desse Estado, pois a matéria colectável é aí suficiente para permitir essa tomada em conta (n.os 29 e 30) (sublinhado nosso).


15
Acórdãos já referidos, Schumacker (n.os 31 e 32), Gschwind (n.° 22), Zurstrassen (n.° 21) e Gerritse (n.° 43), já referidos.


16
.Idem.


17
Acórdãos Asscher (n.° 44) e Gschwind (n.° 29), já referidos.


18
Assim, no acórdão Zurstrassen, já referido, o Tribunal entendeu que a decisão das autoridades fiscais luxemburguesas de considerar P. Zurstrassen, que auferia a quase totalidade dos seus rendimentos no Luxemburgo onde residia como contribuinte solteiro sem encargos familiares, apesar de ele ser casado e ter filhos, pelo facto de a mulher, que não tinha rendimentos próprios, ter mantido a sua residência noutro Estado‑Membro, não pode ser justificada, uma vez que o Grão‑Ducado do Luxemburgo é o único Estado que pode tomar em consideração a situação pessoal e familiar do interessado (n.° 23).


19
No acórdão de 12 de Dezembro de 2002, De Groot (C‑385/00, Colect., p. I‑11819), o Tribunal entendeu que o Estado de residência, parte numa convenção preventiva da dupla tributação, não se pode contentar em tomar em conta os encargos familiares de um contribuinte residente na proporção dos rendimentos tributados sem se assegurar, previamente, que o saldo desses encargos será tomado em consideração pelos Estados do emprego, partes na referida convenção (n.os 90 a 95).


20
No acórdão de 11 de Agosto de 1995, Wielockx (C‑80/94, Colect., p. I‑2493), o Tribunal considerou que a legislação fiscal neerlandesa, que não permitia aos não residentes deduzir ao seu rendimento tributável as quotizações pagas em sede de reforma ao passo que os residentes tinham direito a fazê‑lo, era discriminatória quando o não residente auferia a totalidade ou quase totalidade dos seus rendimentos nos Países Baixos. O Tribunal entendeu que, nessa situação, os rendimentos do não residente e do residente são tributados unicamente naquele Estado e a base da matéria colectável do seu imposto é a mesma, pelo que, quanto às deduções ao rendimento tributável, se o contribuinte não residente não é sujeito ao mesmo tratamento fiscal que o seu homólogo residente, a sua situação pessoal não será tomada em consideração nem pela administração fiscal do Estado onde exerce as suas actividades profissionais por não residir aí nem pelo Estado de residência por aí não auferir qualquer rendimento.


21
No acórdão De Groot, já referido, o Tribunal considerou que esta obrigação é de resultado. O Tribunal afirmou que «[o]s mecanismos utilizados para eliminar a dupla tributação ou os sistemas fiscais nacionais que têm por efeito eliminá‑la ou atenuá‑la devem, porém, assegurar aos sujeitos passivos dos Estados em causa que, no total, toda a sua situação pessoal e familiar seja devidamente tida em conta, qualquer que seja o modo segundo o qual os Estados‑Membros em causa repartiram entre si essa obrigação, sob pena de se criar uma desigualdade de tratamento incompatível com as disposições do Tratado sobre a livre circulação de trabalhadores, que de modo algum resulta das disparidades existentes entre as legislações fiscais nacionais» (n.° 101).


22
Esta é, igualmente, a interpretação que damos ao direito fiscal alemão. Segundo o § 3, n.° 11, da Einkommensteuergesetz (código do imposto sobre o rendimento), os subsídios do Estado ou de qualquer outra instituição pública destinadas à promoção da formação profissional, designadamente, subsídios como as bolsas de estudos pagas nos termos da Bundesausbildungsförderungsgesetz (lei relativa às bolsas de estudos) estão isentas de imposto (v. Heinicke, W., in Schmidt, L., Einkommensteuergesetz, 21.ª ed., 2002, p. 83). No que respeita às mesadas pagas pelos pais aos filhos que a elas têm direito, regra geral, as mesmas também não constituem rendimentos sujeitos a imposto pois não se contam entre os rendimentos tributáveis definidos no § 2, n.° 1, da Einkommensteuergesetz nem entre os outros tipos de rendimentos tributáveis mencionados no § 22 dessa mesma lei.


23
A. Gerritse, de nacionalidade neerlandesa e residente nos Países Baixos, auferiu, em 1996, a quantia de cerca de 6 000 DEM como contrapartida de uma prestação musical na Alemanha. No mesmo ano, os seus rendimentos no Estado de residência e na Bélgica ascenderam a 55 000 DEM. Em confomidade com a convenção celebrada entre o Reino dos Países Baixos e a República Federal da Alemanha, os rendimentos auferidos por A. Gerritse neste último Estado foram aí tributados segundo o direito fiscal alemão, quer dizer, à taxa fixa de 25%. Na sequência da contestação de A. Gerritse, o Tribunal pronunciou‑se, designadamente, sobre a questão de saber se as regras relativas à liberdade de prestação de serviços se opõem à legislação em causa enquanto os rendimentos dos residentes são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui uma parte de base isenta.


24
.Ibidem (n.° 46).


25
.Ibidem (n.os 51 a 53). O Tribunal concluiu que os artigos 49.° CE e 50.° CE não se opõem a uma legislação que sujeita os rendimentos dos não residentes a um imposto definitivo à taxa uniforme de 25%, enquanto os rendimentos dos residentes são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui uma parte de base isenta, desde que a taxa de 25% não seja superior à que seria efectivamente aplicada, de acordo com a tabela progressiva, aos rendimentos líquidos do interessado, acrescidos do montante correspondente à parte de base isenta.


26
Tal equiparação é igualmente discutível face à convenção‑modelo da OCDE sobre dupla tributação, que entendeu reservar um regime específico para os rendimentos dos estudantes. Segundo o artigo 20.º da convenção‑modelo, as importâncias que os estudantes ou estagiários recebam para suportar as despesas com a estadia, os estudos ou a formação, provenientes de fontes situadas fora do Estado no qual se encontram, não podem ser tributadas nesse Estado (convenção‑modelo da OCDE sobre a tributação do rendimento e do património, versão condensada, 28 de Janeiro de 2003).


27
Trata‑se dos acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C‑204/90, Colect., p. I‑249, n.° 28), e Comissão/Bélgica (C‑300/90, Colect., p. I‑305, n.° 21).


28
V., por exemplo, acórdão De Groot, já referido (n.° 108).


29
N.° 41.