Language of document : ECLI:EU:C:2008:415

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

17 de Julho de 2008 (*)

«Política social – Directiva 2000/78/CE – Igualdade de tratamento em matéria de emprego e na actividade profissional – Artigos 1.° e 2.°, n.os 1, 2, alínea a), e 3, e 3.°, n.° 1, alínea c) – Discriminação directa em razão de deficiência – Assédio ligado à deficiência – Despedimento de um funcionário não deficiente, mas que tem um filho deficiente – Inclusão – Ónus da prova»

No processo C‑303/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Employment Tribunal, London South (Reino Unido), por decisão de 6 de Julho de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de Julho de 2006, no processo

S. Coleman

contra

Attridge Law,

Steve Law,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts e A. Tizzano, presidentes de secção, M. Ilešič, J. Klučka, A. Ó Caoimh (relator), T. von Danwitz e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Outubro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de S. Coleman, por R. Allen, QC, e P. Michell, barrister,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por V. Jackson, na qualidade de agente, assistida por N. Paines, QC,

–        em representação do Governo grego, por K. Georgiadis e Z. Chatzipavlou, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por N. Travers, BL,

–        em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e C. ten Dam, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Enegren e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 31 de Janeiro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (JO L 303, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre S. Coleman, autora no processo principal, a Attridge Law, uma sociedade de advogados, e um associado dessa sociedade, Steve Law (a seguir, conjuntamente, designados por «antigo empregador»), a respeito do despedimento implícito de que alega ter sido vítima.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        A Directiva 2000/78 foi aprovada com base no artigo 13.° CE. Os seus considerandos sexto, décimo primeiro, décimo sexto, décimo sétimo, vigésimo, vigésimo sétimo, trigésimo primeiro e trigésimo sétimo têm o seguinte teor:

«(6)      A Carta Comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores reconhece a importância da luta contra todas as formas de discriminação, nomeadamente, a necessidade de tomar medidas adequadas em prol da integração social e económica das pessoas idosas e das pessoas deficientes.

[…]

(11)      A discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização dos objectivos do Tratado CE, nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de protecção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas.

[…]

(16)      A adopção de medidas de adaptação do local de trabalho às necessidades das pessoas deficientes desempenha um papel importante na luta contra a discriminação em razão da deficiência.

(17)      Sem prejuízo da obrigação de prever adaptações razoáveis para as pessoas deficientes, a presente directiva não exige o recrutamento, a promoção ou a manutenção num emprego, nem a formação, de uma pessoa que não seja competente, capaz ou disponível para cumprir as funções essenciais do lugar em causa ou para receber uma dada formação.

[…]

(20)      É necessário prever medidas apropriadas, ou seja, medidas eficazes e práticas destinadas a adaptar o local de trabalho em função da deficiência, por exemplo, adaptações das instalações ou dos equipamentos, dos ritmos de trabalho, da atribuição de funções, ou da oferta de meios de formação ou de enquadramento.

[…]

(27)      Na Recomendação 86/379/CEE, de 24 de Julho de 1986, sobre o emprego dos deficientes na Comunidade [JO L 225, p. 43], o Conselho estabeleceu um quadro de orientação que enumera exemplos de acções positivas destinadas a promover o emprego e a formação das pessoas deficientes e, na sua Resolução de 17 de Junho de 1999 sobre a igualdade de oportunidades de emprego para pessoas deficientes [JO C 186, p. 3], afirmou a importância de prestar especial atenção, nomeadamente, ao recrutamento, à manutenção no emprego, à formação e à aprendizagem ao longo da vida, das pessoas deficientes.

[…]

(31)      Impõe‑se a adaptação das regras relativas ao ónus da prova em caso de presunção de discriminação e, nos casos em que essa situação se verifique, a aplicação efectiva do princípio da igualdade de tratamento exige que o ónus da prova incumba à parte demandada. Não cabe, contudo, à parte demandada provar que a parte demandante pertence a uma dada religião, possui determinadas convicções, apresenta uma dada deficiência ou tem uma determinada idade ou orientação sexual.

[…]

(37)      Segundo o princípio da subsidiariedade, consagrado no artigo 5.° do Tratado CE, o objectivo da presente directiva, ou seja, a criação, na Comunidade, de um campo de acção no que se refere à igualdade no emprego e na actividade profissional, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros, podendo pois, devido à dimensão e aos efeitos da acção, ser melhor alcançado ao nível comunitário. Segundo o princípio da proporcionalidade, consagrado no mesmo artigo, a presente directiva não excede o necessário para atingir aquele objectivo.»

4        Nos termos do seu artigo 1.°, a Directiva 2000/78 «tem por objecto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

5        A referida directiva define, no seu artigo 2.°, n.os 1 a 3, sob a epígrafe «Conceito de discriminação»:

«Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°

2.      Para efeitos do n.° 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)      Considera‑se que existe discriminação indirecta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja susceptível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)      essa disposição, critério ou prática sejam objectivamente justificados por um objectivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários, ou que,

ii)      relativamente às pessoas com uma determinada deficiência, a entidade patronal, ou qualquer pessoa ou organização a que se aplique a presente directiva, seja obrigada, por força da legislação nacional, a tomar medidas adequadas, de acordo com os princípios previstos no artigo 5.°, a fim de eliminar as desvantagens decorrentes dessa disposição, critério ou prática.

3.      O assédio é considerado discriminação, na acepção do n.° 1, sempre que ocorrer um comportamento indesejado relacionado com um dos motivos referidos no artigo 1.°, com o objectivo ou o efeito de violar a dignidade de uma pessoa e de criar um ambiente de trabalho intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou destabilizador. Neste contexto, o conceito de assédio pode ser definido em conformidade com as legislações e práticas nacionais dos Estados‑Membros.

[…]»

6        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2000/78:

«Dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a presente directiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

[…]

c)      Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;

[…]»

7        A referida directiva prevê no seu artigo 5.°, sob a epígrafe «Adaptações razoáveis para as pessoas deficientes»:

«Para garantir o respeito do princípio da igualdade de tratamento relativamente às pessoas deficientes, são previstas adaptações razoáveis. Isto quer dizer que a entidade patronal toma, para o efeito, as medidas adequadas, em função das necessidades numa situação concreta, para que uma pessoa deficiente tenha acesso a um emprego, o possa exercer ou nele progredir, ou para que lhe seja ministrada formação, excepto se essas medidas implicarem encargos desproporcionados para a entidade patronal. […]»

8        O artigo 7.° da mesma directiva, sob a epígrafe «Acção positiva e medidas específicas», tem o seguinte teor:

«1.      A fim de assegurar a plena igualdade na vida activa, o princípio da igualdade de tratamento não obsta a que os Estados‑Membros mantenham ou adoptem medidas específicas destinadas a prevenir ou compensar desvantagens relacionadas com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.°

2.      No que respeita às pessoas deficientes, o princípio da igualdade de tratamento não afecta o direito dos Estados‑Membros de manterem ou adoptarem disposições em matéria de protecção da saúde e da segurança no local de trabalho nem medidas destinadas a criar ou a manter disposições ou facilidades para salvaguardar ou fomentar a sua inserção no mundo do trabalho.»

9        O artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, sob a epigrafe «Ónus da prova», estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias, de acordo com os respectivos sistemas judiciais, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação directa ou indirecta, incumba à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento.

2.      O disposto no n.° 1 não obsta a que os Estados‑Membros imponham um regime probatório mais favorável à parte demandante.»

10      Nos termos do artigo 18.°, primeiro parágrafo, da Directiva 2000/78, os Estados‑Membros deviam adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento, o mais tardar, em 2 de Dezembro de 2003. Todavia, nos termos do segundo parágrafo do referido artigo:

«Para atender a condições particulares, os Estados‑Membros podem dispor, se necessário, de um prazo suplementar de três anos a contar de 2 de Dezembro de 2003, ou seja, de um total de 6 anos, para executar as disposições da presente directiva relativas à discriminação baseada na idade e na deficiência, devendo, nesse caso, informar imediatamente a Comissão. Qualquer Estado‑Membro que tenha optado por recorrer a esse prazo suplementar, deve apresentar anualmente à Comissão um relatório sobre as medidas adoptadas para fazer face à discriminação baseada na idade ou na deficiência e sobre os projectos realizados tendo em vista a execução da directiva. A Comissão apresenta um relatório anual ao Conselho.»

11      Tendo o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pedido para beneficiar desse prazo suplementar para transpor a referida directiva, este só expirou em 2 de Dezembro de 2006 no que respeita a este Estado‑Membro.

 Legislação nacional

12      A Lei de 1995 sobre a discriminação em razão de deficiência (Disability Discrimination Act 1995, a seguir «DDA»), visa essencialmente tornar ilegal qualquer discriminação das pessoas portadoras de deficiência, designadamente no que respeita ao emprego.

13      A segunda parte da DDA, que regula as questões de emprego, foi modificada, aquando da transposição da Directiva 2000/78 para a ordem jurídica do Reino Unido pelo Regulamento de 2003 que altera a Lei de 1995 relativa às discriminações em razão de deficiência [Disability Discrimination Act 1995 (Amendment) Regulations 2003], que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2004.

14      Nos termos da section 3A(1) da DDA, com as alterações introduzidas pelas referidas regulations de 2003 (a seguir «DDA de 2003»):

«[…] existe discriminação de uma pessoa portadora de deficiência quando:

a)      por uma razão ligada à deficiência de que essa pessoa é portadora, lhe é dado um tratamento menos favorável do que o que é ou seria dado a outras pessoas relativamente às quais essa razão não se aplica ou não se aplicaria, e

b)      não se demonstre que esse tratamento é justificado.»

15      A section 3A(4) da DDA de 2003 precisa contudo que o tratamento dado a uma pessoa portadora de deficiência não pode, em qualquer caso, ser justificado se consistir numa discriminação directa na acepção do n.° 5 da mesma section, nos termos do qual:

«Existe discriminação directa de uma pessoa portadora de deficiência se, devido à deficiência de que é portadora, a essa pessoa for dado um tratamento menos favorável do que o que é ou seria dado a uma pessoa não portadora dessa deficiência e cujas características relevantes, incluindo as suas capacidades, sejam idênticas ou não essencialmente diferentes das da pessoa portadora de deficiência.»

16      O conceito de assédio é definido da seguinte forma na section 3B da DDA de 2003:

«1)      [...] uma pessoa portadora de deficiência é sujeita a assédio quando, devido à deficiência de que é portadora, for para com ela adoptado um comportamento não desejado que tenha como objectivo ou efeito:

a)      afectar a dignidade da pessoa portadora de deficiência, ou

b)      criar para a mesma um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo.

2)      Só se pode considerar que a conduta tem o efeito referido no n.° 1, alíneas a) ou b), se, tendo em conta todas as circunstâncias do caso, incluindo especialmente a percepção da pessoa portadora da deficiência, se puder razoavelmente considerar que a conduta produz esse efeito.»

17      Nos termos da section 4(2)(d) da DDA de 2003, é proibido a um empregador discriminar uma pessoa portadora de uma deficiência que seja sua empregada, despedindo‑a ou submetendo‑a a qualquer outro tratamento desfavorável.

18      A section 4(3)(a) e (b) da DDA de 2003 estabelece que é igualmente proibido a um empregador, agindo nessa qualidade, sujeitar a qualquer forma de assédio uma pessoa portadora de deficiência que seja sua empregada ou que lhe solicite emprego.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      S. Coleman trabalhou para o seu antigo empregador a partir de Janeiro de 2001 como secretária forense.

20      No decurso de 2002, teve um filho que sofre de crises de apneia bem como de laringomalácia e de broncomalácia congénitas. A situação do seu filho exige cuidados especializados e particulares. É a demandante no processo principal que lhe presta o essencial dos cuidados de que o mesmo carece.

21      Em 4 de Março de 2005, S. Coleman aceitou uma cessação voluntária da relação de trabalho («voluntary redundancy»), o que pôs termo ao seu contrato de trabalho com o seu anterior empregador.

22      Em 30 de Agosto de 2005, S. Coleman intentou no Employment Tribunal, London South, uma acção em que alegou ter sido vítima de um despedimento implícito sem justa causa («constructive unfair dismissal») e de um tratamento menos favorável do que o que seria dado aos outros empregados, pelo facto de ter a seu cargo um filho deficiente. Afirma que esse tratamento a levou a deixar de trabalhar para o seu anterior empregador.

23      Resulta da decisão de reenvio que as circunstâncias relevantes do processo principal não foram ainda totalmente apuradas, tendo as questões prejudiciais sido apresentadas apenas a título preliminar. Com efeito, o tribunal de reenvio suspendeu a instância relativamente ao despedimento de S. Coleman, mas, em 17 de Fevereiro de 2006, ali decorreu uma audiência preliminar consagrada à apreciação do fundamento baseado na discriminação.

24      A questão prévia suscitada no referido tribunal é a de saber se a demandante no processo principal se pode basear nas disposições do direito interno, designadamente as que têm por objectivo transpor a Directiva 2000/78, para invocar contra o seu anterior empregador a discriminação de que considera ter sido objecto, na medida em que terá sido vítima de um tratamento menos favorável em virtude da deficiência do seu filho.

25      Resulta da decisão de reeenvio que, se a interpretação da Directiva 2000/78 pelo Tribunal de Justiça for contrária à preconizada por S. Coleman, o direito nacional obstará à procedência da sua acção no tribunal de reenvio.

26      Resulta igualmente da decisão de reenvio que, de acordo com o direito do Reino Unido, numa audiência preliminar sobre uma questão de direito, o tribunal presume que os factos se verificaram tal como são descritos pelo autor. No processo principal, presume‑se que os factos em causa são os seguintes:

–        quando S. Coleman regressou da sua licença de maternidade, o seu antigo empregador recusou‑se a reintegrá‑la nas funções que até então desempenhara, em circunstâncias em que os pais de crianças não deficientes teriam sido autorizados a retomar as suas anteriores funções;

–        foi‑lhe igualmente recusada a mesma flexibilidade horária e as mesmas condições de trabalho que aos seus colegas que são pais de crianças não deficientes;

–        S. Coleman foi qualificada de «preguiçosa» quando pediu dispensa de trabalho para dar assistência ao seu filho, enquanto outros trabalhadores foram dispensados do trabalho para efeitos de prestarem assistência a filhos não deficientes;

–        a reclamação oficial que apresentou por ter sido incorrectamente tratada não foi devidamente tida em conta, pelo que ela se sentiu obrigada a retirá‑la;

–        houve comentários despropositados e injuriosos a seu respeito e a respeito do seu filho. Nenhum comentário deste tipo foi feito quando outros empregados tiveram de solicitar dispensa de trabalho ou uma certa flexibilidade para prestarem assistência a filhos não deficientes, e

–        tendo chegado por vezes atrasada ao serviço, devido a problemas ligados à situação do seu filho, foi‑lhe dito que seria despedida se chegasse de novo atrasada. Nenhuma ameaça deste tipo foi proferida contra outros empregados com filhos não deficientes quando chegaram atrasados pelas mesmas razões.

27      Por entender que o litígio sobre o qual tem de proferir uma decisão suscita questões de direito comunitário, o Employment Tribunal, London South, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      No contexto da proibição de discriminação em razão de uma deficiência, a Directiva [2000/78] protege da discriminação directa e do assédio unicamente as pessoas que são, elas próprias, deficientes?

2)      Se a resposta à primeira questão for negativa, a Directiva [2000/78] protege os trabalhadores que, não sendo eles próprios deficientes, são tratados menos favoravelmente ou assediados em razão da sua relação com uma pessoa que é deficiente?

3)      No caso de um empregador tratar um trabalhador menos favoravelmente do que trata ou trataria outros trabalhadores, e de se demonstrar que o fundamento para esse tratamento do trabalhador é o facto de este ter um filho deficiente a seu cargo, esse tratamento constitui uma discriminação directa em violação do princípio da igualdade de tratamento consagrado na Directiva [2000/78]?

4)      No caso de um empregador assediar um trabalhador e de se demonstrar que o fundamento para o tratamento do trabalhador é o facto de este ter um filho deficiente a seu cargo, esse assédio constitui uma violação do princípio da igualdade de tratamento consagrado na Directiva [2000/78]?»

 Quanto à admissibilidade

28      Embora considere que as questões colocadas pelo tribunal de reenvio decorrem de um verdadeiro litígio, o Governo neerlandês pôs em causa a admisssibilidade do reenvio prejudicial em virtude do facto de, tratando‑se de questões prévias suscitadas numa audiência preliminar, as circunstâncias do caso não estarem ainda totalmente apuradas. Note‑se que, nessa audiência preliminar, o juiz nacional presume que os factos ocorreram da forma como são alegados pelo autor.

29      A este respeito, cabe recordar que o artigo 234.° CE estabelece o quadro de uma cooperação estreita entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, assente numa repartição de funções entre eles. Resulta claramente do segundo parágrafo do artigo 234.° CE que compete ao órgão jurisdicional nacional decidir em que fase do processo deve este órgão colocar uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (v. acórdãos de 10 de Março de 1981, Irish Creamery Milk Suppliers Association e o., 36/80 e 71/80, Recueil, p. 735, n.° 5, e de 30 de Março de 2000, JämO, C‑236/98, Colect., p. I‑2189, n.° 30).

30      Deve notar‑se que, no processo principal, o tribunal de reenvio declarou que, se o Tribunal de Justiça interpretar a Directiva 2000/78 num sentido diferente do preconizado por S. Coleman, esta não poderá obter ganho de causa. Assim, o tribunal nacional decidiu, como permite a legislação do Reino Unido, analisar a questão de saber se esta directiva deve ser interpretada no sentido de que é aplicável ao despedimento de um trabalhador numa situação como a de S. Coleman antes de determinar se, de facto, esta foi vítima de um tratamento menos favorável ou de assédio. Por essa razão, as questões prejudiciais foram colocadas no pressuposto de que os factos em causa no processo principal ocorreram tal como foram resumidos no n.° 26 do presente acórdão.

31      Uma vez que ao Tribunal de Justiça foi assim apresentado um pedido de interpretação do direito comunitário que não se pode considerar manifestamente desprovido de ligação com a realidade ou com o objecto do litígio do processo principal e que o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para responder de forma útil às questões que lhe são colocadas, relativas à aplicabilidade da Directiva 2000/78 ao litígio, deve responder‑lhes sem ter de se interrogar sobre a presunção de facto em que se baseou o tribunal de reenvio, presunção essa que caberá a esse tribunal apreciar subsequentemente, se o considerar necessário (v., neste sentido, acórdão de 27 de Outubro de 1993, Enderby, C‑127/92, Colect., p I‑5535, n.° 12).

32      Nestas circunstâncias, há que julgar admissível o pedido de decisão prejudicial.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira parte da primeira questão e à segunda e à terceira questão

33      Com estas questões, que há que apreciar conjuntamente, o tribunal de reenvio questiona, em substância, se a Directiva 2000/78 e, em especial, os seus artigos 1.° e 2.°, alínea a), devem ser interpretados no sentido de que proíbem uma discriminação directa em razão de deficiência apenas relativamente a um trabalhador que é ele próprio portador de deficiência, ou se o princípio da igualdade de tratamento e a proibição de discriminação directa se aplicam igualmente a um trabalhador que não é ele próprio portador de deficiência, mas que, como no processo principal, é vítima de um tratamento menos favorável em razão da deficiência do seu filho, ao qual o próprio trabalhador presta o essencial dos cuidados que a sua situação exige.

34      O artigo 1.° da Directiva 2000/78 identifica como sua finalidade estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional.

35      O n.° 1 do artigo 2.° da mesma directiva define o princípio da igualdade de tratamento como a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, incluindo, portanto, a deficiência.

36      Nos termos do n.° 2, alínea a), do referido artigo 2.°, existe discriminação directa sempre que uma pessoa, em razão, designadamente, de uma deficiência, seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.

37      Nos termos do seu artigo 3.°, n.° 1, alínea c), a Directiva 2000/78 é aplicável, dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração.

38      Assim, não resulta destas disposições da Directiva 2000/78 que o princípio da igualdade de tratamento que a mesma pretende garantir seja limitado às pessoas que sejam elas próprias portadoras de deficiência na acepção desta directiva. Pelo contrário, a referida directiva tem como objectivo, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, lutar contra todas as formas de discriminação em razão de deficiência. Com efeito, o princípio da igualdade de tratamento consagrado por esta directiva neste domínio aplica‑se não a uma determinada categoria de pessoas, mas em função das razões referidas no seu artigo 1.° Esta interpretação é corroborada pelo teor do artigo 13.° CE, disposição que constitui a base jurídica da Directiva 2000/78, que confere competência à Comunidade para tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão, designadamente, de deficiência.

39      É certo que a Directiva 2000/78 prevê um certo número de disposições aplicáveis, como resulta da sua própria letra, unicamente às pessoas portadoras de deficiência. Assim, o seu artigo 5.°, precisa que, para garantir o respeito do princípio da igualdade de tratamento relativamente às pessoas deficientes, são previstas adaptações razoáveis. Isto quer dizer que a entidade patronal deve tomar as medidas adequadas, em função das necessidades numa situação concreta, para que uma pessoa deficiente tenha acesso a um emprego, o possa exercer ou nele progredir, ou para que lhe seja ministrada formação, excepto se essas medidas implicarem encargos desproporcionados para a entidade patronal.

40      O artigo 7.°, n.° 2, da referida directiva prevê igualmente que, no que respeita às pessoas portadoras de deficiência, o princípio da igualdade de tratamento não afecta o direito dos Estados‑Membros de manterem ou adoptarem disposições em matéria de protecção da saúde e da segurança no local de trabalho nem medidas destinadas a criar ou a manter disposições ou facilidades para salvaguardar ou fomentar a sua inserção no mundo do trabalho.

41      O Governo do Reino Unido, assim como os Governos grego, italiano e neerlandês sustentam, à luz das disposições mencionadas nos dois números precedentes e dos considerandos décimo sexto, décimo sétimo e vigésimo sétimo da Directiva 2000/78, que a proibição de discriminação directa nela prevista não pode ser interpretada como tendo em vista uma situação como a da demandante no processo principal, visto não ser ela própria deficiente. Só poderiam invocar as disposições desta directiva as pessoas que, numa situação comparável à de outras, sejam tratadas de forma menos favorável ou sejam colocadas numa situação desvantajosa em razão de características que lhes são próprias.

42      Contudo, há que salientar a este respeito que o facto de as disposições mencionadas nos n.os 39 e 40 do presente acórdão visarem especificamente as pessoas portadoras de deficiência resulta da circunstância de se tratar de disposições que ou são relativas a medidas de discriminação positiva a favor da própria pessoa portadora de deficiência, ou são medidas específicas que ficariam destituídas de qualquer alcance ou se poderiam revelar desproporcionadas se não estivessem limitadas às pessoas portadoras de deficiência. Como resulta dos considerandos décimo sexto e vigésimo da directiva, trata‑se de medidas destinadas a ter em conta as necessidades das pessoas portadoras de deficiência no trabalho e a adaptar o posto de trabalho à sua deficiência. Tais medidas visam, portanto, especificamente, permitir e encorajar a inserção das pessoas portadoras de deficiência no mundo do trabalho e, por este motivo, só podem dizer respeito a estas pessoas e às obrigações que incumbem aos seus empregadores e, eventualmente, aos Estados‑Membros a seu respeito.

43      Assim, o facto de a Directiva 2000/78 incluir disposições destinadas a ter em conta especificamente as necessidades das pessoas portadoras de deficiência não permite concluir que o princípio da igualdade de tratamento por ela consagrado deva ser interpretado de forma restritiva, ou seja, no sentido de proibir apenas as discriminações directas em razão da deficiência e de visar exclusivamente as pessoas que sejam elas próprias portadoras de deficiência. Além disso, o sexto considerando da directiva, ao referir a Carta Comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, reconhece tanto a importância da luta contra todas as formas de discriminação como a necessidade de tomar medidas adequadas em prol da integração social e económica das pessoas idosas e das pessoas deficientes.

44      Os Governos do Reino Unido, italiano e neerlandês sustentam igualmente que decorre do acórdão de 11 de Julho de 2006, Chacón Navas (C‑13/05, Colect., p. I‑6467), uma interpretação restritiva do âmbito de aplicação ratione personae da Directiva 2000/78. Segundo o Governo italiano, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça seguiu uma interpretação restritiva do conceito de deficiência e da sua relevância na relação de trabalho.

45      No acórdão Chacón Navas, já referido, o Tribunal de Justiça definiu o conceito de deficiência e, nos seus n.os 51 e 52, considerou que a proibição, em matéria de despedimentos, da discriminação com base em deficiência, inscrita nos artigos 2.°, n.° 1, e 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78, se opõe a um despedimento baseado em deficiência que, atendendo à obrigação de prever adaptações razoáveis para as pessoas deficientes, não seja justificado pelo facto de a pessoa em causa não ser competente, capaz ou disponível para executar as funções essenciais do seu cargo. Contudo, não resulta desta interpretação que o princípio da igualdade de tratamento definido no artigo 2.°, n.° 1, da mesma directiva e a proibição de discriminação directa prevista no n.° 2, alínea a), do mesmo artigo não possam aplicar‑se a uma situação como a que está em causa no processo principal quando o tratamento menos favorável que um trabalhador alega ter sofrido se baseia na deficiência de que o seu fiilho é portador, ao qual dispensa os cuidados essenciais que a sua situação exige.

46      Com efeito, embora no n.° 56 do acórdão Chacón Navas, já referido, o Tribunal de Justiça tenha precisado que o âmbito de aplicação da Directiva 2000/78 não pode, tendo em conta a letra do artigo 13.° CE, ser estendido para além das discriminações baseadas nos motivos enumerados de forma taxativa no seu artigo 1.°, pelo que uma pessoa que tenha sido despedida exclusivamente devido à sua doença não está abrangida pelo quadro geral estabelecido pela Directiva 2000/78, não decidiu, contudo, que o princípio de igualdade de tratamento e o âmbito de aplicação ratione personae da directiva devam, quando estão em causa esses motivos, ser interpretados de forma estrita.

47      No que se refere aos objectivos que prossegue, como resulta dos n.os 34 e 38 do presente acórdão, a Directiva 2000/78 visa establecer um quadro geral para lutar, em matéria de emprego e de actividade profissional, contra a discriminação baseada num dos motivos referidos no seu artigo 1.°, entre os quais figura a deficiência, com o objectivo de dar aplicação ao princípio da igualdade de tratamento nos Estados‑Membros. Resulta do seu trigésimo sétimo considerando que a directiva tem também por objectivo a criação, na Comunidade, de um campo de acção no que se refere à igualdade no emprego e na actividade profissional.

48      Como alega S. Coleman, os Governos lituano, sueco e a Comissão, os referidos objectivos, tal como o efeito útil da Directiva 2000/78, ficariam comprometidos se um trabalhador que se encontrasse numa situação como a da autora no processo principal não pudesse invocar a proibição de discriminação directa estabelecida no artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da mesma directiva quando se provasse ter sido vítima de um tratamento menos favorável do que o que é, foi ou seria dado a outro trabalhador em razão da deficiência do seu filho, mesmo que esse trabalhador não seja ele próprio deficiente.

49      Resulta do décimo primeiro considerando da referida directiva que o legislador comunitário considerou igualmente que a discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização dos objectivos do Tratado, nomeadamente no que se refere ao emprego.

50      Ora, embora numa situação como a que está em causa no processo principal, a pessoa que foi alvo de discriminação directa baseada em deficiência não seja ela própria deficiente, isso não significa que não seja a deficiência que, segundo S. Coleman, constitui o motivo do tratamento menos favorável de que alegadamente foi vítima. Como resulta do n.° 38 do presente acórdão, a Directiva 2000/78, que visa, no domínio do emprego e da actividade profissional, lutar contra todas as formas de discriminação baseadas numa deficiência, não se aplica a uma determinada categoria de pessoas, mas em função dos motivos indicados no seu artigo 1.°

51      A partir do momento em que se demonstre que um trabalhador que se encontra numa situação como a que está em causa no processo principal é vítima de discriminação directa baseada numa deficiência, uma interpretação da Directiva 2000/78 que limite a sua aplicação exclusivamnte às pessoas que sejam elas próprias deficientes seria susceptível de privar esta directiva de uma parte importante do seu efeito útil e de reduzir a protecção que ela visa garantir.

52      Quanto ao ónus da prova aplicável a uma situação como a do processo principal, há que recordar que, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias, de acordo com os respectivos sistemas judiciais, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação directa ou indirecta, incumba à parte requerida provar que não houve violação do referido princípio. Nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, o disposto no n.° 1 não obsta a que os Estados‑Membros imponham um regime de ónus da prova mais favorável à parte demandante.

53      No processo principal, incumbe portanto a S. Coleman, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, provar, no tribunal de reenvio, factos que permitam presumir a existência de uma discriminação directa baseada na deficiência, proibida por esta directiva.

54      Segundo esta última disposição da Directiva 2000/78 e o seu trigésimo primeiro considerando, a adaptação das regras relativas ao ónus da prova impõe‑se quando exista uma presunção de discriminação. Se S. Coleman provar factos que permitam presumir a existência de uma discriminação directa, a aplicação efectiva do princípio da igualdade de tratamento exigirá então que o ónus da prova caiba aos demandados no processo principal, que devem provar que a violação do referido princípio não ocorreu.

55      Neste contexto, os demandados no processo principal, poderão contestar a existência dessa violação demonstrando, por qualquer meio permitido em direito, designadamente, que o tratamento de que o trabalhador foi objecto é justificado por factores objectivos, alheios a qualquer discriminação baseada na deficiência bem como à relação que o trabalhador mantém com uma pessoa portadora de deficiência.

56      Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à primeira parte da primeira questão, bem como à segunda e à terceira questão, que a Directiva 2000/78 e, nomeadamente, os seus artigos 1.° e 2.°, n.os 1 e 2, alínea a), devem ser interpretados no sentido de que a proibição de discriminação directa que estabelecem não se limita apenas às pessoas que são elas próprias portadoras de deficiência. Quando um empregador dá a um trabalhador que não é deficiente um tratamento menos favorável do que o que dá, deu ou daria a outro trabalhador numa situação comparável e quando se prove que o tratamento menos favorável de que esse trabalhador é vítima se baseia na deficiência de um filho ao qual o trabalhador presta o essencial dos cuidados de que o mesmo carece, tal tratamento é contrário à proibição de discriminação directa prevista no referido artigo 2.°, n.° 2, alínea a).

 Quanto à segunda parte da primeira questão e à quarta questão

57      Com estas questões, que há que apreciar conjuntamente, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se a Directiva 2000/78 e, designadamente, os seus artigos 1.° e 2.°, n.os 1 e 3, devem ser interpretados no sentido de que proíbem o assédio ligado a uma deficiência apenas em relação a um trabalhador que seja ele próprio deficiente, ou se a proibição de assédio se aplica igualmente a um trabalhador que não é deficiente, mas que, como no caso do processo principal, é vítima de um comportamento indesejável constitutivo de assédio ligado à deficiência de que sofre um filho ao qual o trabalhador presta o essencial dos cuidados necessários que a sua situação exige.

58      Sendo o assédio, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, da Directiva 2000/78, considerado como uma forma de discriminação na acepção do n.° 1 do mesmo artigo, há que salientar que, pelas mesmas razões expostas nos n.os 34 a 51 do presente acórdão, esta directiva e, designadamente, os seus artigos 1.° e 2.°, n.os 1 e 3, devem ser interpretados no sentido de que não se limitam a proibir o assédio de pessoas que sejam elas próprias deficientes.

59      Quando se prove que o comportamento indesejável constitutivo de assédio sofrido por um trabalhador que não é portador de deficiência está ligado à deficiência de um filho ao qual presta o essencial dos cuidados de que este carece, tal comportamento é contrário ao princípio da igualdade de tratamento consagrado pela Directiva 2000/78 e, designadamente, à proibição de assédio enunciada no seu artigo 2.°, n.° 3.

60      A este propósito, há todavia que recordar que, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, da referida directiva, o conceito de assédio pode ser definido de acordo com as legislações e práticas nacionais dos Estados‑Membros.

61      No que diz respeito ao ónus da prova aplicável numa situação como a do processo principal, há que salientar que, sendo o assédio uma forma de discriminação na acepção do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, são aplicáveis ao assédio as regras expostas nos n.os 52 a 55 do presente acórdão.

62      Assim, como resulta do n.° 54 do presente acórdão, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 2000/78 e do seu trigésimo primeiro considerando, a adaptação das regras relativas ao ónus da prova impõe‑se a partir do momento em que exista uma presunção de discriminação. Se S. Coleman provar factos que permitam presumir a existência de um assédio, a aplicação efectiva do princípio da igualdade de tratamento exige que o ónus da prova incumba aos demandados no processo principal, aos quais cabe provar que não houve assédio nas circunstâncias do caso em apreço.

63      Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda parte da primeira questão e à quarta questão que a Directiva 2000/78 e, nomeadamente, os seus artigos 1.° e 2.°, n.os 1 e 3, devem ser interpretados no sentido de que a proibição de assédio neles prevista não se limita apenas às pessoas que são elas próprias deficientes. Quando se prove que o comportamento indesejável constitutivo de assédio de que é vítima um trabalhador, que não é portador de deficiência, está ligado à deficiência de um filho ao qual presta o essencial dos cuidados de que o mesmo carece, esse comportamento é contrário à proibição de assédio consagrada no referido artigo 2.°, n.° 3.

 Quanto às despesas

64      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      A Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, e, nomeadamente, os seus artigos 1.° e 2.°, n.os 1 e 2, alínea a), devem ser interpretados no sentido de que a proibição de discriminação directa que estabelecem não se limita apenas às pessoas que são elas próprias portadoras de deficiência. Quando um empregador dá a um trabalhador que não é deficiente um tratamento menos favorável do que o que dá, deu ou daria a outro trabalhador numa situação comparável e quando se prove que o tratamento menos favorável de que esse trabalhador é vítima se baseia na deficiência de um filho ao qual o trabalhador presta o essencial dos cuidados de que o mesmo carece, tal tratamento é contrário à proibição de discriminação directa prevista no referido artigo 2.°, n.° 2, alínea a).

2)      A Directiva 2000/78 e, nomeadamente, os seus artigos 1.° e 2.°, n.os 1 e 3, devem ser interpretados no sentido de que a proibição de assédio neles prevista não se limita apenas às pessoas que são elas próprias deficientes. Quando se prove que o comportamento indesejável constitutivo de assédio de que é vítima um trabalhador, que não é portador de deficiência, está ligado à deficiência de um filho ao qual presta o essencial dos cuidados de que o mesmo carece, esse comportamento é contrário à proibição de assédio consagrada no referido artigo 2.°, n.° 3.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.