Language of document : ECLI:EU:C:2012:8

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 12 de janeiro de 2012 (1)

Processo C‑415/10

Galina Meister

contra

Speech Design Carrier Systems GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht (Alemanha)]

«Política social ― Igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho ― Ónus da prova ― Direito de uma pessoa cuja candidatura a um emprego numa empresa privada não tenha sido considerada a obter todas as informações relativas ao processo de seleção a fim de poder provar uma eventual discriminação ― Facto que permite presumir a existência de uma discriminação ― Consequências jurídicas da não prestação de informações por parte do empregador»





1.        A prova da discriminação é considerada particularmente difícil de produzir. Esta constatação é ainda mais evidente nos casos de discriminação na contratação. Ciente desta dificuldade, o legislador da União adotou medidas destinadas a facilitar a tarefa dos demandantes quando estes consideram ter sido vítimas de discriminação, nomeadamente em razão do sexo, da idade ou da origem. Por isso, permitiu uma adaptação do ónus da prova, mas sem chegar ao ponto de consagrar a sua inversão total porque, na verdade, não seria possível abstrair totalmente da liberdade que habitualmente assiste ao empregador, de contratar as pessoas da sua escolha.

2.        O presente reenvio prejudicial, proveniente da Alemanha, coloca agora ao Tribunal de Justiça a espinhosa questão de saber de que modo o candidato a um emprego pode, em seu benefício, invocar o respeito do princípio da igualdade de tratamento caso a sua candidatura a um emprego tenha sido rejeitada pelo empregador sem este ter indicado qualquer motivo da rejeição ou fornecido qualquer informação relativamente ao processo de seleção e ao seu resultado.

I ―    Quadro jurídico

A ―    Direito da União

3.        A Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (2), tem por objetivo o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica.

4.        O artigo 8.° da Diretiva 2000/43, relativo ao ónus da prova, preceitua, no seu n.° 1, que «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias, de acordo com os respetivos sistemas judiciais, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta, incumba à parte demandada provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento».

5.        A Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (3), tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de deficiência, da idade ou da orientação sexual no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.

6.        O artigo 10.° da Diretiva 2000/78 é também relativo ao ónus da prova e o seu n.° 1 reproduz literalmente o conteúdo do n.° 1, do artigo 8.°, da Diretiva 2000/43.

7.        A Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (4), dispõe, no n.° 1 do seu artigo 19.°, igualmente relativo ao ónus da prova, que «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias, em conformidade com os respetivos sistemas jurídicos, para assegurar que quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta, incumba à parte demandada provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento».

B ―    Direito alemão

8.        De acordo com o disposto no § 1 da Lei geral sobre o princípio da igualdade de tratamento (Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz, a seguir «AGG»), esta tem por objetivo impedir que qualquer trabalhador seja discriminado com base na raça ou na origem étnica, no sexo, na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual. Na aceção desta lei, os candidatos a um emprego são explicitamente considerados trabalhadores (5). Além disso, em matéria de ónus da prova, o § 22 da AGG prevê que, em caso de litígio, se «uma das partes demonstrar a existência de indícios que permitam presumir a existência de uma discriminação pelos motivos indicados no § 1, a parte contrária tem o ónus da prova de que não existiu qualquer violação das disposições de proteção contra a discriminação».

II ― Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9.        Galina Meister, nascida em 1961 e de origem russa, é titular de um diploma russo de engenheira de sistemas, cuja equivalência com um diploma emitido na Alemanha por um estabelecimento de ensino técnico universitário («Fachhochshule») foi reconhecido pelo Land Schleswig‑Holstein.

10.      A sociedade Speech Design Carrier Systems GmbH (a seguir «sociedade Speech Design») publicou em 2006 um anúncio num jornal, com vista à contratação de um(a) «programador/a de software experiente». Em 5 de outubro de 2006, G. Meister apresentou a sua candidatura, que foi rejeitada pela sociedade Speech Design por comunicação de 11 de outubro de 2006. Pouco tempo depois, a mesma sociedade publicou na Internet outro anúncio com conteúdo semelhante. Em 19 de outubro de 2006, G. Meister voltou a candidatar‑se, mas a sociedade Speech Design rejeitou pela segunda vez a sua candidatura, não a tendo convocado para uma entrevista nem dado qualquer indicação sobre o motivo da rejeição.

11.      Considerando que tinha sido discriminada em razão do seu sexo, da sua origem e da sua idade, G. Meister instaurou uma ação judicial e pediu uma indemnização pecuniária, com fundamento no § 15 da AGG, exigindo igualmente que a sociedade Speech Design lhe prestasse informações sobre o candidato admitido na sequência do anúncio, a fim de esclarecer a situação.

12.      O tribunal de primeira instância e o tribunal de recurso consideraram que G. Meister não tinha apresentado indícios suficientes que, nos termos do § 22 da AGG, permitissem presumir a existência de discriminação e indeferiram o pedido de indemnização formulado. G. Meister interpôs recurso de «Revision» para o Bundesarbeitsgericht (Alemanha). A sociedade Speech Design conclui que esse recurso não é procedente porque a recorrente não alegou matéria de facto que permita fundamentar a presunção de discriminação.

13.      Por seu lado, o órgão jurisdicional de reenvio admite que, nos termos do direito nacional, a demandante no processo principal teve um tratamento menos favorável do que o concedido a outras pessoas em situação comparável, porque o empregador não a convocou para uma entrevista, ao contrário de outras pessoas que também apresentaram a sua candidatura à sociedade Speech Design. Porém, observa igualmente que G. Meister não conseguiu demonstrar que teria sido objeto desse tratamento menos favorável em razão do seu sexo, da sua idade ou da sua origem étnica. Acrescenta que o direito alemão exige que o demandante que se queixa de uma discriminação demonstre factos, apresente indícios que permitam presumir a existência da referida discriminação e não se limite apenas a simples alegações. É nomeadamente o caso quando os factos alegados permitem concluir objetivamente, com elevado grau de probabilidade, que a discriminação ocorreu devido a um dos motivos acima referidos.

14.      Em aplicação das disposições pertinentes da AGG, e nomeadamente do seu § 22, que tinha como objetivo transpor para o direito alemão o artigo 8.° da Diretiva 2000/43 e o artigo 10.° da Diretiva 2000/78, o órgão jurisdicional de reenvio indica que um candidato que considere ter sido discriminado em razão do seu sexo, da sua idade e/ou da sua origem étnica, não cumpre o dever de alegação mediante a simples afirmação de se ter candidatado, de ter sido excluído e de corresponder ao perfil pedido limitando‑se a invocar o seu sexo, a sua idade e a sua origem. G. Meister devia ter alegado outros elementos suscetíveis de estabelecer com elevado grau de probabilidade os motivos da discriminação, podendo o facto de não ter sido convocada para a entrevista de emprego ser explicado por múltiplos fatores. Nos termos do § 22 da AGG, tem de alegar factos. No entanto, foi precisamente a falta de indicações fornecidas pelo empregador quando rejeitou as suas candidaturas que não lhe permitiu preencher esse requisito. É por essa razão que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a questão de saber se das diretivas 2000/43, 2000/78 e 2006/54 decorre um direito de acesso à informação, que permitiria à candidata preterida exigir do empregador que lhe diga quem admitiu e que critérios presidiram à sua escolha.

15.      Nestas circunstâncias, face a uma dificuldade respeitante à interpretação do direito da União, o Bundesarbeitsgericht decidiu suspender a instância e, por despacho de reenvio que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de agosto de 2010, apresentar a este último, nos termos do artigo 267.° TFUE, as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os artigos 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54 […], 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43 […] e 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 […] devem ser interpretados no sentido de que tem de ser reconhecido a um trabalhador que alegue preencher os requisitos indicados pelo empregador para um determinado emprego, caso a sua candidatura não seja considerada, o direito a obter do empregador a informação sobre se admitiu outro candidato e, em caso afirmativo, com base  em que critérios decidiu admiti‑lo?

2)      Caso a resposta à primeira questão seja afirmativa: o facto de o empregador não fornecer essa informação constitui uma circunstância que permite presumir a existência da discriminação alegada pelo trabalhador?»

III ― Tramitação no Tribunal de Justiça

16.      A sociedade Speech Design, recorrente no processo principal, o governo alemão e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça.

17.      A recorrida no processo principal, o governo alemão e a Comissão apresentaram as suas alegações orais na audiência realizada em 30 de novembro de 2011.

IV ― Análise jurídica

A ―    Quanto à primeira questão prejudicial

18.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um candidato a emprego que alega, de forma plausível, corresponder ao perfil pedido no anúncio publicado pelo empregador pode exigir deste último, caso a sua candidatura tenha sido rejeitada e não tenha sido convocado para uma entrevista de emprego, que o informe sobre o recrutamento que acabou por fazer e, designadamente, sobre os critérios que presidiram à sua escolha.

19.      Como a recorrente no processo principal alega ter sido discriminada em razão do seu sexo, da sua idade ou da sua origem, esta primeira questão reporta‑se às disposições pertinentes das diretivas 2000/43, 2000/78 e 2006/54 (6), cujo âmbito de aplicação abrange as condições de acesso ao emprego (7). Os artigos 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43, 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78, e 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54 têm uma redação praticamente idêntica e sujeitam os casos de discriminação ao mesmo regime jurídico no que se refere ao ónus da prova.

20.      É igualmente de assinalar que estes artigos têm uma redação praticamente idêntica (8), senão mesmo idêntica (9), ao artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 97/80. Ora, o Tribunal de Justiça já foi chamado a pronunciar‑se sobre a interpretação deste último artigo no acórdão Kelly (10). Nesse processo, P. Kelly tinha solicitado a sua inscrição num mestrado em ciências sociais organizado por uma universidade irlandesa. Como a sua candidatura não foi aceite, P. Kelly alegou ter sido vítima de discriminação em razão do sexo, proibida ao abrigo do n.° 1, do artigo 4.°, da Diretiva 97/80 e exigiu que aquela universidade lhe facultasse cópias dos formulários de inscrição, dos documentos anexos a esses formulários e das pautas com a classificação dos outros candidatos à formação. O Tribunal declarou então que o referido artigo «deve ser interpretado no sentido de que não prevê o direito de um candidato a um curso de formação profissional, que considera que lhe foi negado o acesso a essa formação devido à não aplicação do princípio da igualdade de tratamento, de aceder a informações detidas pelo organizador dessa formação e relativas às qualificações dos outros candidatos, a fim de poder apresentar ‘elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta’, em conformidade com a referida disposição» (11).

21.      Não se pode deixar de observar que nada na letra ou no espírito dos artigos 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43, 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78, e 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54, permite infirmar esta solução. Com efeito, a sua redação não faz em momento algum referência explícita a um direito de acesso às informações detidas pela pessoa «suspeita» de ser a autora de uma discriminação. As partes interessadas que apresentaram observações escritas salientaram na maioria dos casos que, embora a Comissão tenha estado na origem de uma proposta destinada a consagrar um direito à informação em benefício das vítimas de discriminação (12), essa proposta nunca foi incluída nos textos finais. Nestas condições, a falta de referência explícita a um direito à informação nas disposições acima referidas não pode ser interpretada como um lapso do legislador mas, pelo contrário, como uma manifestação da sua vontade de não consagrar esse direito.

22.      Da economia geral das referidas disposições resulta igualmente que a escolha do legislador foi claramente no sentido de uma solução que mantém o equilíbrio entre a vítima de discriminação e o empregador, quando é este último que está na origem da discriminação. Com efeito, em matéria de ónus da prova, as três diretivas optaram por um processo que permite atenuar o referido ónus em relação à vítima, embora não o elimine. Por outras palavras, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Kelly (13), o processo desenvolve‑se em dois tempos. Num primeiro momento, incumbe à vítima alegar os elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação. Ou seja, deve apresentar um indício de discriminação. Num segundo momento, uma vez estabelecida essa presunção, a consequência imediata é deslocar para a recorrida o ónus da prova. Portanto, no cerne dos artigos a que se refere a primeira questão prejudicial há de facto um ónus da prova que, apesar de atenuado, recai efetivamente sobre a vítima. Deste modo, mantém‑se um certo equilíbrio que permite à vítima invocar o seu direito à igualdade de tratamento e à parte recorrida não ser chamada a juízo com base exclusivamente nas afirmações da vítima.

23.      Se fosse reconhecido um direito à informação em benefício da vítima (14), o único risco não seria a rutura desse equilíbrio entre a pessoa que considera ter sido discriminada e a parte recorrida. Nesse caso, com efeito, suscitar‑se‑ia igualmente a questão dos direitos dos terceiros eventualmente mencionados nos documentos ou informações facultados (15).

24.      Pelas razões expostas, proponho que se responda à primeira questão no sentido de que os artigos 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43, 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78, e 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54 não devem ser interpretados no sentido de que o candidato a um emprego, que foi preterido, pode exigir do empregador que o informe se e com base em que critérios admitiu outro candidato, mesmo que o candidato preterido alegue conclusivamente que preenche os requisitos indicados no anúncio de emprego publicado pelo empregador.

B ―    Quanto à segunda questão prejudicial

1.      Observações preliminares

25.      No pedido de decisão prejudicial, as questões apresentadas estão formuladas de tal forma que o Tribunal de Justiça só é solicitado a responder à segunda questão em caso de resposta afirmativa à primeira. Ora, acabo de sugerir que o Tribunal de Justiça dê uma resposta negativa a essa primeira questão.

26.      No entanto, se o Tribunal de Justiça tivesse que se ater à forma como as questões estão formuladas, as consequências seriam, nomeadamente, que G. Meister não poderia invocar qualquer direito à informação com base nas três diretivas que estão no cerne do presente reenvio prejudicial. Sem as informações que só o empregador possui, não teria condições para apresentar ao órgão jurisdicional de reenvio factos constitutivos da presunção de discriminação; de resto, jamais poderia fazê‑lo sem ter direito à informação. Se o Tribunal de Justiça não levasse mais longe a sua análise, correr‑se‑ia o risco de ficar reduzido a nada o efeito útil das diretivas de combate à discriminação, no âmbito de um processo de contratação para um emprego.

27.      Ainda assim, poder‑se‑ia objetar que compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais de reenvio apreciar se um facto alegado por uma vítima é suficiente para constituir uma presunção de discriminação (16). Contudo, chamo a atenção para o facto de, no passado, o Tribunal de Justiça já ter procedido a essa qualificação (17) e de, além disso, no caso em apreço, ser expressamente convidado pelo órgão jurisdicional de reenvio a decidir se o silêncio do empregador constitui um facto que permite presumir a existência da discriminação alegada pelo trabalhador. Além do mais, do próprio espírito que inspira o processo prejudicial decorre que o Tribunal de Justiça deve prestar ao órgão jurisdicional nacional que se lhe dirige todas as informações úteis para decidir o litígio no processo principal e que, além disso, «tem competência para lhe fornecer indicações baseadas nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais que lhe foram apresentadas, suscetíveis de permitir a este órgão jurisdicional nacional decidir no litígio concreto que lhe foi submetido» (18).

28.      É igualmente com base neste espírito de cooperação que o Tribunal de Justiça deve demonstrar para com a instância judicial nacional que proponho que a segunda questão seja reformulada no sentido de que o que se pretende é determinar se o facto de o empregador não prestar ao candidato ao emprego as informações que este último lhe pediu deve ser, em todos os casos, considerado não pertinente para a presunção de discriminação, na aceção dos artigos 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43, 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 e 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54.

29.      Proponho que o Tribunal de Justiça leve mais longe a reflexão sobre as consequências jurídicas do silêncio do empregador, numa situação como a do processo principal.

2.      Apreciação

30.      A segunda questão interroga o Tribunal de Justiça sobre o método que o órgão jurisdicional de reenvio deve seguir para apreciar, relativamente às três diretivas que estão no âmago do presente reenvio prejudicial, a atitude de um empregador que deixa sem resposta o pedido de informações apresentado por um candidato ao emprego. A este respeito, no acórdão Kelly, já referido, o Tribunal de Justiça, depois de ter recusado consagrar a existência de um direito à informação, declarou porém que «não se pode excluir que a recusa de informação por parte [do empregador], no âmbito da demonstração de [elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação] possa comprometer a realização do objetivo prosseguido» (19) pelas diretivas relativas à igualdade de tratamento e, designadamente, privar de efeito útil as suas disposições relativas ao ónus da prova.

31.      Ao decidir desse modo, o Tribunal de Justiça indicou inequivocamente que, do ponto de vista metodológico, a atitude do empregador deve ser apreciada sem tomar em consideração apenas a falta de resposta da sua parte mas, pelo contrário, enquadrando‑a no contexto factual mais lato em que se inscreve. No quadro do presente reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça é precisamente chamado a auxiliar o órgão jurisdicional de reenvio a determinar que tipos de elementos poderiam ser tomados em consideração para proceder à apreciação exigida pelo caso em apreço.

32.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio não pode negligenciar o facto de que, como o empregador recusou prestar essas informações, há uma probabilidade não desprezível de, desse modo, o mesmo empregador poder tornar as suas decisões insuscetíveis de impugnação. Por outras palavras, o empregador continua assim a ter exclusivamente na sua posse elementos importantes de que dependem, em última análise, a procedência e, consequentemente, as hipóteses de sucesso de uma ação judicial intentada pelo candidato preterido. No contexto de um processo de seleção, também é necessário ter consciência de que a posição do candidato – necessariamente não pertencente aos quadros da empresa que pretende preencher o lugar – torna a obtenção dos indícios ou dos elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação mais difícil do que quando se trata de demonstrar que o empregador aplica determinadas medidas discriminatórias no que se refere às condições de remuneração dos empregados, por exemplo (20). Por conseguinte, o candidato ao emprego está, em regra, inteiramente à mercê da boa vontade do empregador para obter elementos de informação suscetíveis de constituir factos que permitam presumir a existência de uma discriminação mas que, no entanto, são indispensáveis para atenuar o ónus da prova, podendo ter de facto dificuldades objetivas em obter os referidos elementos de informação. A este respeito, saliento que as soluções que o governo alemão sugeriu na audiência, no sentido de ser o referido candidato a, por sua própria iniciativa, obter as informações pretendidas, pareceram pouco convincentes. Com efeito, exigir que o candidato contacte diretamente o «comité» de empresa do empregador ou ainda que, no momento da entrada ao serviço, compareça no local de trabalho para contabilizar por «categoria» os trabalhadores presentes, revelar‑se‑ia particularmente hipotético e, em última análise, pouco razoável porque, por um lado, nem todas as entidades patronais têm um «comité» de empresa e, por outro, nem todas as características que podem estar na base de um dos motivos de discriminação são necessariamente identificáveis por mera observação.

33.      Portanto, no caso de o candidato ao emprego estar inteiramente à mercê da boa vontade do empregador para obter elementos de informação suscetíveis de constituir factos que permitam presumir a existência de uma discriminação, poder‑se‑ia destruir o equilíbrio entre a liberdade do empregador e os direitos do candidato ao emprego, a que o legislador da União atribui uma importância significativa.

34.      Confrontados com tal possibilidade, para restabelecer esse equilíbrio, os tribunais nacionais devem, de um modo geral, adotar um nível de exigência menor do que aquele que seria exigido, por exemplo, para a determinação de um elevado grau de probabilidade tal como refere a fundamentação da decisão de reenvio, relativamente à qualificação dos factos constitutivos da presunção de discriminação, na aceção das três diretivas referidas pelo presente reenvio prejudicial, designadamente a fim de que os direitos que o direito da União confere aos particulares possam ser efetivamente garantidos e gozem de proteção jurisdicional efetiva. Com efeito, a recusa de informação por parte do empregador pode, no contexto particular em que se situa, comportar o risco de comprometer a realização do objetivo prosseguido pelas referidas diretivas (21), que consiste na aplicação efetiva do princípio da igualdade de tratamento.

35.      Para a apreciação a que deve proceder e a fim de seguir o método proposto pelo acórdão Kelly, já referido, o tribunal de reenvio não deve negligenciar elementos importantes do tipo dos que caracterizam o caso em apreço pelo facto, por um lado, de decorrer dos autos que a adequação entre as qualificações da candidata ao emprego e o lugar a preencher não é contestada pelo empregador, apesar de este não ter convocado G. Meister para uma entrevista de emprego para a qual convocou outros candidatos, e, por outro, de a referida candidata ter respondido a uma oferta de emprego e não se ter proposto espontaneamente. Para ser totalmente claro, a falta de resposta do empregador aos pedidos de informação apresentados por um candidato deveria ser apreciada de modo diferente em relação aos artigos 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43, 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78, e 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54, no caso de o candidato não corresponder manifestamente ao perfil exigido, ter sido convocado para uma entrevista de emprego ou ter apresentado espontaneamente a sua candidatura ao emprego.

36.      Um terceiro elemento pode igualmente ser tomado em consideração. O pedido de decisão prejudicial refere que, em primeiro lugar, a recorrida no processo principal rejeitou a candidatura da recorrente por comunicação de 11 de outubro de 2006 e, em segundo lugar, que, depois de a mesma recorrida ter publicado na Internet novo anúncio de emprego com o mesmo conteúdo, a recorrente voltou a candidatar‑se ao lugar em 19 de outubro de 2006, mas a sua candidatura foi novamente rejeitada sem a recorrente ter sido convocada para uma entrevista. Questionada na audiência sobre as razões da publicação deste segundo anúncio, a representante da recorrida no processo principal não conseguiu explicar concretamente a cronologia do processo de seleção. Competirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a publicação deste segundo anúncio se deveu ao facto de o empregador não ter considerado satisfatórios os candidatos convocados na sequência do primeiro anúncio e se, não obstante, persistiu em rejeitar a candidatura da recorrente, uma vez mais sem a convocar para uma entrevista, embora não conteste a adequação das suas qualificações para o lugar em causa.

37.      De acordo com a metodologia delineada no acórdão Kelly, já referido, proponho que o Tribunal responda à segunda questão prejudicial no sentido de que, nos termos dos artigos 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43, 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78, e 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54, o órgão jurisdicional de reenvio deve apreciar a atitude do empregador, de não fornecer as informações solicitadas pelo candidato ao emprego que tenha sido preterido, sobre a questão do recrutamento e sobre os critérios utilizados pelo empregador para admitir um dos candidatos ao emprego em causa, sem se limitar a tomar em consideração apenas a falta de resposta do empregador mas, pelo contrário, enquadrando‑a no contexto factual mais lato em que se inscreve. A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio pode tomar em consideração elementos como a adequação manifesta do nível de qualificação do candidato ao emprego, a não convocação para uma entrevista e a eventual persistência do empregador em não convocar esse mesmo candidato, caso tenha procedido a uma segunda seleção de candidatos para o mesmo lugar.

V ―    Conclusão

38.      Atendendo a todas as considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às duas questões prejudiciais apresentadas pelo Bundesarbeitsgericht o seguinte:

«1)      O artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, o artigo 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, e o artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, não devem ser interpretados no sentido de que um candidato a um emprego, que tenha sido preterido, deve poder exigir do empregador que o informe se e com base em que critérios admitiu outro candidato, mesmo que o referido candidato preterido alegue conclusivamente que preenche os requisitos indicados no anúncio de emprego publicado pelo empregador.

2)      Nos termos dos artigos 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43, 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78, e 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54, o órgão jurisdicional de reenvio deve apreciar a atitude do empregador, de não fornecer as informações solicitadas pelo candidato ao emprego que tenha sido preterido, sobre a questão do recrutamento e sobre os critérios utilizados pelo empregador para admitir um dos candidatos ao emprego em causa, sem se limitar a tomar em consideração apenas a falta de resposta do empregador mas, pelo contrário, enquadrando‑a no contexto factual mais lato em que se inscreve. A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio pode tomar em consideração elementos como a adequação manifesta do nível de qualificação do candidato ao emprego, a não convocação para uma entrevista e a eventual persistência do empregador em não convocar esse mesmo candidato, caso tenha procedido a uma segunda seleção de candidatos para o mesmo lugar.»


1 ―      Língua original: francês.


2 ―      JO L 180, p. 22.


3 ―      JO L 303, p. 16.


4 ―      JO L 204, p. 23.


5 ―      § 6 da AGG.


6 ―      Relativamente à invocação desta última diretiva, é verdade que os factos no processo principal ocorreram na vigência da Diretiva 97/80/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo (JO 1988 L 14, p. 6). A Diretiva 2006/54 substituiu a Diretiva 97/80 na pendência do processo principal. Dito isto, a Diretiva 2006/54 não introduziu qualquer alteração quanto ao ónus da prova.


7 ―      V. artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2000/43, artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 e artigos 1.°, n.° 2, alínea a), e 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/54.


8 ―      A redação, na versão em língua francesa, dos artigos 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43 e 10.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 só difere da do artigo 4.° da Diretiva 97/80 relativamente à posição que a locução «conformément à leur système judiciaire» ocupa na frase.


9 ―      Artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 2006/54.


10 ―      Acórdão de 21 de julho de 2011 (C‑104/10, Colet., p. I‑6813).


11 ―      Acórdão Kelly, já referido (n.° 38).


12 ―      V. artigo 4.°, alínea b), da proposta de diretiva do Conselho relativa ao ónus da prova no domínio da igualdade de remuneração e igualdade de tratamento entre homens e mulheres [COM(88) 269 final] apresentada pela Comissão em 27 de maio de 1988 (JO C 176, p. 5). Esta proposta foi retirada pela Comissão em 1988 (JO 1988 C 40, p. 7).


13 ―      Já referido (n.° 30).


14 ―      Note‑se que o legislador admitiu que esse equilíbrio seja quebrado mas apenas a favor da recorrente, porque as três diretivas autorizam os Estados‑Membros a instituir um regime probatório mais favorável à parte demandante (v. artigos 8.°, n.° 2, da Diretiva 2000/43, 10.°, n.° 2, da Diretiva 2000/78 e 19.°, n.° 2, da Diretiva 2006/54). No entanto, esta alteração do equilíbrio depende apenas da vontade dos Estados‑Membros. Dos autos decorre que a República Federal da Alemanha não instituiu um regime probatório mais favorável à parte demandante quando transpôs as três diretivas em causa no presente pedido prejudicial.


15 ―      Aliás, o Tribunal de Justiça reconheceu que no caso de um candidato a uma formação profissional poder invocar a Diretiva 97/80 a fim de aceder a informações detidas pelo organizador dessa formação e relativas às qualificações dos outros candidatos, esse direito de acesso pode ser afetado por regras do direito da União em matéria de confidencialidade (acórdão Kelly, já referido, n.° 56).


16 ―      V. décimo quinto considerando da Diretiva 2000/43, décimo quinto considerando da Diretiva 2000/78 e trigésimo considerando da Diretiva 2006/54. V., igualmente, acórdão de 26 de junho de 2001, Brunnhofer (C‑381/99, Colect., p. I‑4961, n.° 49).


17 ―      V., nomeadamente, quanto à questão de saber se as declarações públicas pelas quais uma entidade patronal anuncia que não empregará trabalhadores de determinada origem étnica ou racial constituem um facto na aceção do artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 2000/43, acórdão de 10 de julho de 2008, Feyrn (C‑54/07, Colect., p. I‑5187, n.os 30 e 34).


18 ―      Acórdão de 14 de julho de 2011, Henfling e o. (C‑464/10, Colet., p. I‑6219, n.° 41 e jurisprudência citada).


19 ―      N.° 39.


20 ―      Mesmo nesse caso, a discriminação é difícil de provar. No entanto, decorre de jurisprudência constante que, se uma empresa aplica um sistema de remuneração caracterizado por uma total falta de transparência, que por isso torna mais difícil a tarefa da parte demandante, cabe ao empregador provar que a sua prática salarial não é discriminatória, sempre que o trabalhador do sexo feminino que alega ser objeto de discriminação demonstre, em relação a um número relativamente elevado de assalariados, que a remuneração média dos trabalhadores femininos é inferior à dos trabalhadores masculinos (v., entre jurisprudência abundante, acórdão Brunnhofer, já referido, n.° 54 e jurisprudência aí indicada).


21 ―      V., por analogia, acórdão Kelly, já referido (n.° 34).