Language of document : ECLI:EU:C:2018:164

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 7 de março de 2018 (1)

Processo C544/16

Marcandi Limited, com o nome comercial «Madbid»

contra

Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs

[Administração Tributária e Alfandegária do Reino Unido]

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância, Secção Tributária] (Reino Unido)]

«Pedido de decisão prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Emissão de créditos que podem ser utilizados para licitar em leilões de baixo valor (penny auctions) em linha e cujo valor pode ser deduzido ao preço dos bens adquiridos diretamente à empresa que realiza os leilões — Artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c) — Entregas de bens ou prestações de serviços a título oneroso — Operação prévia — Artigo 65.o — Pagamento por conta — Artigo 73.o — Valor tributável — Artigo 79.o, alínea b) — Abatimento que incide sobre a totalidade do preço»






1.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a decidir se a concessão do direito de participar num leilão de baixo valor (penny auction) deve ser considerada uma prestação de serviços sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE (2), ou uma operação prévia não sujeita ao IVA.

2.        Nos leilões de baixo valor, os participantes pagam uma taxa não reembolsável para poderem licitar (a seguir «taxa de participação») (3). Quando o leilão começa, o temporizador inicia a contagem decrescente até zero. Cada licitação aumenta o preço dos artigos leiloados em 0,01 libras esterlinas (GBP) (daí o nome «penny auction») e o temporizador é reiniciado. O leilão termina quando o temporizador chega ao zero. O vencedor é a pessoa que licitou em último lugar.

3.        Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, as entregas de bens a título oneroso e as prestações de serviços a título oneroso constituem transações sujeitas ao IVA.

4.        Há duas formas de entender o pagamento da taxa de participação para efeitos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

5.        Por um lado, a taxa de participação pode ser entendida como a contraprestação pela prestação de um serviço, in casu, a concessão do direito de participar no leilão. A concessão desse direito em contrapartida do pagamento da taxa de participação seria, assim, uma operação sujeita ao IVA, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. A compra subsequente, pelo vencedor, dos artigos leiloados seria considerada uma entrega de bens na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva e, como tal, uma operação distinta sujeita ao IVA.

6.        Por outro lado, os participantes no leilão têm por objetivo vencer o leilão e comprar os artigos leiloados. Por conseguinte, a concessão do direito de participar no leilão poderia ser entendida como uma mera fase prévia do processo de compra dos artigos leiloados (4). Não seria uma operação sujeita ao IVA na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Apenas a compra subsequente dos artigos leiloados seria considerada uma operação sujeita ao IVA na aceção dessa disposição.

7.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a decidir entre as duas abordagens acima descritas. É‑lhe igualmente pedido que esclareça o que constitui a contraprestação pela prestação de serviços e/ou entrega subsequente dos bens.

I.      Quadro jurídico

8.        O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)      As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[…]

c)      As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[…]»

9.        O artigo 65.o da Diretiva 2006/112 estabelece:

«Em caso de pagamentos por conta antes da entrega de bens ou da prestação de serviços, o imposto torna‑se exigível no momento da cobrança e incide sobre o montante recebido.»

10.      Nos termos do artigo 73.o da Diretiva 2006/112:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.o a 77.o, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

11.      O artigo 79.o da Diretiva 2006/112 tem a seguinte redação:

«O valor tributável não inclui os seguintes elementos:

[…]

b)      Os abatimentos e bónus concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza;

[…]»

II.    Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

12.      A Marcandi Limited (a seguir «Madbid»), uma empresa estabelecida no Reino Unido, desenvolve uma atividade comercial de vendas em linha com o nome comercial «Madbid». A maioria dos produtos vendidos pela Madbid está relacionada com tecnologia, como, por exemplo, telemóveis, tablets, computadores e televisores. Ocasionalmente, vende bens de maior valor, como automóveis. A Madbid disponibiliza uma plataforma em linha na qual os utilizadores registados podem participar em leilões de baixo valor para licitar e adquirir bens. Permite ainda que os utilizadores adquiram bens diretamente na sua loja em linha.

13.      A Madbid lançou inicialmente um sítio Internet no Reino Unido. Em virtude do êxito desse sítio Internet, a Madbid lançou sítios Internet em mais nove Estados‑Membros, incluindo a Alemanha, assim como no Canadá e na Turquia.

14.      A Madbid está registada para efeitos de IVA, designadamente, no Reino Unido e na Alemanha.

15.      A plataforma da Madbid funciona do seguinte modo. Para poderem licitar num leilão em linha ou adquirir bens em linha, as pessoas devem registar‑se no sítio Internet da Madbid como utilizadores (a seguir «utilizadores») e aceitar as condições contratuais da Madbid.

16.      Uma vez registados, os utilizadores podem comprar os chamados «créditos» (a seguir «créditos»), que lhes permitem licitar nos leilões em linha da Madbid. Porém, os créditos não podem ser utilizados para comprar diretamente bens na loja Madbid nem ser convertidos em dinheiro. A compra dos créditos é feita através de um dos métodos de pagamento aceites, como cartões de crédito ou de débito. Cada crédito possui um código de identificação único, que permite à Madbid determinar os créditos existentes na conta de um utilizador em qualquer momento. Os créditos são vendidos em pacotes que incluem quantidades diferentes de créditos a preços distintos (por exemplo, um pacote de 500 créditos custa 49,99 GBP, e um pacote de 80 créditos custa 9,99 GBP). A cada crédito é atribuído um valor monetário específico praticamente igual ao montante que o utilizador pagou por ele (5). Os créditos têm validade de 180 dias.

17.      Como referido anteriormente, os créditos são utilizados para licitar num leilão no sítio Internet da Madbid. Todos os leilões começam com um preço de base de 0,00 GBP, e com um temporizador que indica o limite de tempo previsto para o leilão, que é geralmente um minuto. Cada leilão estabelece um número determinado de créditos (entre 1 e 8) que um utilizador deve gastar para fazer uma licitação. Quando o leilão começa, o temporizador inicia a contagem decrescente até zero. Quando o temporizador chega ao zero, o leilão termina.

18.      Quando um utilizador faz uma licitação clicando no botão «Bid» («Licitar»), o número de créditos exigido para licitar nesse leilão é deduzido ao número total de créditos na conta desse utilizador. A licitação é superior em 0,01 GBP à licitação anterior, o que significa que o preço de leilão indicado para o bem regista um aumento de 0,01 GBP. O temporizador do leilão é reiniciado e começa a contagem decrescente até zero. O vencedor do leilão é o utilizador que, no momento em que o temporizador de leilão chega a zero, tiver feito a licitação mais alta.

19.      O vencedor do leilão tem o direito de comprar os bens leiloados pelo montante da licitação vencedora, acrescido de custos de envio e de gestão (6). Porém, não é obrigado a fazê‑lo. Se o vencedor decidir comprar os bens leiloados, deve pagar o montante da licitação vencedora, acrescido de custos de envio e de gestão, dentro de um determinado período de tempo, sob pena de perder o direito de comprar esse bem pelo montante da licitação vencedora. O valor dos créditos utilizados pelo vencedor do leilão para licitar não é deduzido ao preço pago pelos bens leiloados. O valor desses créditos esgota‑se.

20.      No entanto, a plataforma de leilões da Madbid possui igualmente uma opção «Buy Now» («Comprar Agora») (a seguir «opção Comprar Agora»). Essa opção permite ao utilizador comprar, durante um leilão, bens idênticos aos que são objeto das suas licitações. O preço desses bens (a seguir «preço Comprar Agora inicial») diminui em função do valor dos créditos gastos por esse utilizador nas licitações feitas durante o leilão. Por exemplo, se um utilizador gastar créditos com um valor de 100 GBP em licitações para um iPod, poderá comprar diretamente o iPod pagando 100 GBP abaixo do preço Comprar Agora inicial. O preço Comprar Agora inicial é quase sempre igual ao preço de venda recomendado (7). Por conseguinte, a opção Comprar Agora permite que os utilizadores adquiram os bens por um preço inferior ao preço de venda recomendado. Um utilizador que adquira bens através da opção Comprar Agora durante um leilão não poderá voltar a licitar nesse leilão.

21.      Se um utilizador licitar num leilão, mas não vencer esse leilão nem recorrer à opção Comprar Agora, beneficiará de um desconto igual ao valor dos créditos gastos em licitações no leilão (ou seja, o montante que o utilizador pagou por esses créditos) (a seguir «Desconto Ganho»). O Desconto Ganho é concedido após o encerramento do leilão em que o utilizador gastou os créditos. Se esse utilizador decidir adquirir bens diretamente na loja Madbid, o preço desse bem (a seguir «preço na loja Madbid») sofre uma redução correspondente ao montante do Desconto Ganho. Essa compra será designada infra por compra através da «opção Desconto Ganho». O Desconto Ganho é cumulativo em relação a todos os leilões em que um utilizador tenha usado créditos para fazer licitações. O Desconto Ganho gerado por um crédito expira 365 dias após a utilização desse crédito num leilão. O valor dos créditos utilizados pelo vencedor do leilão para licitar no leilão que venceu não gera qualquer Desconto Ganho.

22.      Graças às opções Comprar Agora e Desconto Ganho, um utilizador que gaste créditos em licitações não se arrisca a perder dinheiro ao fazê‑lo. Com efeito, tal como referido no n.o 20, supra, quando um utilizador clica no botão Comprar Agora durante o leilão, o preço Comprar Agora inicial sofre uma redução correspondente ao valor desses créditos. Do mesmo modo, tal como mencionado no n.o 21, supra, se esse utilizador decidir comprar diretamente na loja Madbid, obtém um Desconto Ganho igual ao valor desses créditos.

23.      Por decisão de 9 de dezembro de 2013, Her Majesty’s Revenue and Customs (a seguir «HMRC»), que são a autoridade pública responsável pela cobrança e gestão do IVA no Reino Unido, concluíram que o montante que os utilizadores pagavam à Madbid pelos créditos constituía a contraprestação pelos serviços prestados, ou seja, a concessão de um direito de participar nos leilões da Madbid, e que o local da prestação desse serviço era o local do estabelecimento dessa empresa, ou seja, o Reino Unido (a seguir «decisão dos HMRC»).

24.      Numa decisão de 9 de julho de 2014, o Finanzamt Hannover‑Nord [Autoridade Tributária de Hanôver‑Norte](a seguir «autoridades tributárias alemãs»), concluiu, em especial, que (i) a emissão de créditos pela Madbid não é uma operação sujeita a IVA; ii) quando a Madbid fornece bens a clientes localizados na Alemanha, esta operação constitui uma entrega de bens para efeitos do IVA; iii) a contraprestação por essa entrega de bens inclui tanto o preço pago pelo utilizador pelos bens (ou seja, o preço vencedor do leilão, o preço Comprar Agora ou o preço na loja Madbid, uma vez deduzido o Desconto Ganho) como o valor dos créditos gastos pelo utilizador na aquisição desses bens (ou seja, os créditos utilizados para licitar e ganhar o leilão, ou para gerar a redução do preço Comprar Agora ou o Desconto Ganho); e iv) a Madbid está sujeita ao IVA na Alemanha em relação a essa entrega de bens.

25.      A Madbid recorreu da decisão dos HMRC para o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) (Tribunal de Primeira Instância, Secção Tributária) (Reino Unido).

26.      Em 10 de maio de 2016, o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) (Tribunal de Primeira Instância, Secção Tributária) proferiu uma decisão interlocutória mediante a qual definiu a matéria de facto e decidiu submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial. Segundo o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) (Tribunal de Primeira Instância, Secção Tributária), os créditos são adquiridos para uma finalidade distinta, a saber, a participação nos leilões da Madbid, e a subsequente compra de bens, caso tenha lugar, é uma operação distinta. Em virtude da complexidade que reveste esta matéria, patente nas interpretações divergentes da Diretiva 2006/112 propugnadas pelos HMRC e pelas autoridades tributárias alemãs, o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) (Tribunal de Primeira Instância, Secção Tributária) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão a título prejudicial:

«1)      Com base na correta interpretação dos artigos 2.o, n.o 1, 24.o, 62.o, 63.o, 65.o e 73.o da [Diretiva 2006/112], e em circunstâncias como as do processo principal:

a) deve considerar‑se que a emissão de créditos pela Madbid destinada aos utilizadores em troca de um pagamento em dinheiro constitui:

i) uma “operação prévia” não compreendida no âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, [da Diretiva 2006/112], como a identificada pelo Tribunal de Justiça no [seu Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts (C‑270/09, EU:C:2010:780)], nos n.os 23 a 42; ou

ii) uma prestação de serviços efetuada pela Madbid na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), [da Diretiva 2006/112], ou seja, a concessão do direito de participar em leilões em linha;

b) caso se considere que a concessão do direito de participar em leilões em linha constitui uma prestação de serviços efetuada pela Madbid, trata‑se então de uma prestação efetuada “a título oneroso” na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), [da Diretiva 2006/112], concretamente, o pagamento pela mesma (ou seja, o dinheiro recebido pela Madbid pago por um utilizador em troca dos créditos);

c) a resposta à alínea b) será diferente se o pagamento dos créditos também conferir ao utilizador o direito de adquirir bens pelo mesmo valor no caso de não ter sucesso no leilão;

d) no caso de a Madbid não efetuar uma prestação de serviços a título oneroso quando emite créditos para os seus utilizadores em troca de um pagamento em dinheiro, efetua essa prestação em qualquer outro momento;

e que princípios devem ser aplicados para responder a estas questões?

2)      Com base na correta interpretação dos artigos 2.o, n.o 1, 14.o, 62.o, 63.o, 65.o, 73.o e 79.o, alínea b), da [Diretiva 2006/112], em circunstâncias como as do processo principal, o que se deve entender pela contraprestação obtida pela Madbid pelas entregas de bens que efetua aos utilizadores, para efeitos dos artigos 2.o, n.o 1, alínea a), e 73.o [da referida diretiva]? Em particular, e tendo em conta a resposta à primeira questão:

a) deve entender‑se que o dinheiro pago por um utilizador à Madbid em troca de créditos é um “pagamento […] por conta” de uma entrega de bens compreendido no âmbito de aplicação do artigo 65.o [da Diretiva 2006/112], de modo que o IVA é “exigível” no momento da cobrança e que o pagamento efetuado pelo utilizador à Madbid é a contraprestação pela entrega de bens;

b) se um utilizador adquirir bens através das opções Buy Now (Comprar Agora) ou Earned Discount (Desconto Ganho), deve o valor dos créditos usados na licitação em leilões, no caso de a licitação não ter êxito, que tem o efeito de gerar um Desconto Ganho ou reduzir o preço do Comprar Agora ser considerado:

i) um “abatimento” na aceção do artigo 79.o, alínea b), [da Diretiva 2006/112], de modo que a contraprestação que a Madbid recebe pela entrega de bens é o dinheiro efetivamente pago à Madbid pelo utilizador no momento da aquisição dos bens e nada mais; ou

ii) parte da contraprestação pela entrega de bens, de modo que essa contraprestação pela entrega de bens da Madbid inclui tanto o dinheiro pago à Madbid pelo utilizador no momento da aquisição dos bens como o dinheiro que o utilizador pagou pelos créditos que usou nas licitações sem êxito;

c) se um utilizador exercer o direito de adquirir bens depois de vencer um leilão em linha, deve entender‑se que a contraprestação pela entrega desses bens inclui apenas o preço declarado vencedor no leilão (acrescido de custos de envio e de gestão), ou o valor dos créditos que o vencedor usou para licitar nesse leilão também faz parte da contraprestação pela entrega desses bens efetuada pela Madbid;

ou que princípios devem ser aplicados para responder a estas questões?

3)      Quando dois Estados‑Membros tratam uma operação de forma diferente para efeitos de IVA, em que medida devem os órgãos jurisdicionais de um desses Estados‑Membros ter em conta, ao interpretar as disposições pertinentes do direito da [União] e do direito nacional, a necessidade de evitar:

a) a dupla tributação da operação; e/ou

b) a não tributação da operação;

e que relevância tem o princípio da neutralidade fiscal para responder a estas questões?»

27.      Foram apresentadas observações escritas pela Madbid, pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão Europeia. Essas partes foram igualmente ouvidas na audiência realizada no dia 13 de dezembro de 2017.

III. Análise

A.      Primeira questão prejudicial

28.      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a emissão de créditos aos utilizadores pela Madbid, em contrapartida de um pagamento em dinheiro, constitui uma «prestação de serviços efetuada a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, ou se deve ser considerada uma «operação prévia» que escapa ao âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, dessa diretiva, do tipo identificado no n.o 24 do Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts (C‑270/09, EU:C:2010:780).

29.      Resumirei rapidamente o Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo MacDonald Resorts. O Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre a aquisição dos chamados «direitos a pontos» a uma empresa que comercializava direitos de utilização periódica («timesharing») de alojamentos em complexos turísticos. Os clientes com direitos a pontos podiam ser creditados, todos os anos, com pontos que podiam ser convertidos no direito de utilização periódica de uma residência ou de alojamento num hotel. O Tribunal de Justiça concluiu que a aquisição dos direitos a pontos não era uma finalidade em si mesma para os clientes. A sua intenção final, quando adquiriram direitos a pontos, era a utilização periódica de residência ou o alojamento num hotel. Por conseguinte, a aquisição de direitos a pontos devia ser considerada «[uma] operaç[ão]prévi[a] realizad[a] para poder vir a exercer um direito de utilização periódica de uma residência, [ou] o direito de alojamento num hotel» (8). Como tal, a aquisição de direitos a pontos não era uma operação sujeita a IVA na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Sexta Diretiva (9). Apenas a concessão do direito de utilização periódica de uma residência ou do direito de alojamento num hotel estava sujeita a IVA, na aceção dessa disposição (10).

30.      No caso em apreço, os utilizadores podem adquirir créditos à Madbid em troca de um pagamento em dinheiro. Os créditos não podem ser utilizados para adquirir bens diretamente na loja Madbid. Só podem ser utilizados para licitar em leilões da Madbid e são necessários para fazer essas licitações.

31.      Tal como referido nos n.os 5 e 6, supra, a emissão de créditos pode ser vista como uma prestação de serviços (isto é, a concessão do direito de participar nos leilões da Madbid) (11) ou como uma operação prévia não sujeita a IVA, do tipo identificado no Acórdão MacDonald Resorts (uma vez que se poderia alegar que a compra de créditos não constitui, em si mesma, uma finalidade para os utilizadores, e que a sua intenção final, quando compram os seus créditos, é a aquisição de bens).

32.      No primeiro caso, a Madbid estaria sujeita ao IVA em relação à emissão de créditos no Estado‑Membro onde se encontra estabelecida (12), isto é, no Reino Unido. Era esta a posição dos HMRC (13). No segundo caso, a Madbid estaria sujeita ao IVA em relação à subsequente entrega dos bens no Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens com destino ao adquirente (14) (na Alemanha, caso os bens fossem entregues a um cliente nesse Estado‑Membro). Era esta a posição das autoridades tributárias alemãs (15).

33.      A Madbid defende que a emissão de créditos constitui uma operação prévia do tipo identificado no Acórdão MacDonald Resorts.

34.      O Reino Unido e a Comissão alegam que a emissão de créditos é uma prestação de serviços, não uma operação prévia.

35.      Começarei por examinar a questão de saber se a emissão de créditos deve ser considerada uma prestação de serviços que, se for efetuada a título oneroso, constitui uma operação sujeita ao IVA na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, ou se é uma operação prévia, do tipo identificado no Acórdão MacDonald Resorts, que escapa ao âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, dessa diretiva. Uma vez que a emissão de créditos constitui, no meu entender, uma prestação de serviços, determinarei seguidamente se foi efetuada a título oneroso. Na minha análise desses dois aspetos da primeira questão prejudicial, tomarei em consideração o facto de os utilizadores poderem adquirir bens à Madbid vencendo o leilão e comprando os bens leiloados, ou através das opções Comprar Agora e Desconto Ganho.

1.      A emissão de créditos deve ser considerada uma operação prévia do tipo identificado no Acórdão MacDonald Resorts, ou uma prestação de serviços?

a)      A emissão de créditos não pode ser considerada uma operação prévia

36.      É verdade que a participação nos leilões da Madbid dificilmente será um fim em si mesma para os utilizadores (16) e que, por conseguinte, o objetivo final destes, quando compram os créditos, é adquirir bens.

37.      Porém, no meu entender, a emissão de créditos não pode ser considerada uma operação prévia realizada com vista à entrega de bens, do tipo identificado no Acórdão MacDonald Resorts. [FR‑TRAD: «L’émission de Crédits ne saurait être considérée comme une opération préalable réalisée en vue de livrer des biens, telle qu’identifiée dans l’arrêt MacDonald Resorts.»]

38.      Com efeito, em primeiro lugar, embora seja atribuído um valor monetário específico a cada crédito nos sistemas informáticos da Madbid, os créditos não podem ser utilizados como moeda para adquirir bens diretamente na loja Madbid. Na audiência, o representante da Madbid especificou que as compras diretas são pagas através de cartão de crédito ou cartão de débito.

39.      Em segundo lugar, é prestado um serviço distinto, a saber, a concessão de um direito de participar nos leilões da Madbid. A participação nos leilões da Madbid dá aos utilizadores a possibilidade de adquirirem bens a um preço inferior ao seu valor de mercado, uma vez que o preço vencedor é geralmente inferior ao valor de mercado dos bens leiloados. Em contrapartida, quando adquirem diretamente bens na loja Madbid, os utilizadores pagam o seu preço de mercado. Segundo o pedido de decisão prejudicial, «a decisão de um utilizador […] de comprar créditos em vez de aceder diretamente à loja Madbid equivale a uma decisão de comprar a possibilidade de adquirir os produtos oferecidos por um preço inferior — frequentemente muito inferior — ao preço em loja. […] Os utilizadores que fazem licitações num leilão adquirem a oportunidade de obter um desconto caso vençam o leilão, oportunidade de que os compradores diretos não dispõem» (17).

40.      Em terceiro lugar, o vencedor do leilão não é obrigado a comprar os bens leiloados. Se o vencedor não pagar o preço vencedor dentro de um determinado período de tempo, perde o direito de comprar os bens por esse preço. Por conseguinte, a emissão de créditos não resulta necessariamente na entrega dos bens leiloados.

41.      Em quarto lugar, se o vencedor do leilão comprar os bens leiloados, o valor dos créditos gastos na licitação não é deduzido ao preço vencedor. O valor desses créditos esgota‑se. Por outras palavras, os créditos gastos na licitação não podem ser utilizados para comprar os bens leiloados.

42.      Em quinto lugar, se o vencedor do leilão comprar os bens leiloados e depois cancelar a encomenda, o reembolso inclui apenas o montante do preço vencedor. O valor dos créditos gastos na licitação não é reembolsado.

43.      Em sexto lugar, a situação em causa no Acórdão MacDonald Resorts é diferente da que se verifica no presente caso.

44.      Com efeito, no Acórdão MacDonald Resorts, o serviço em questão, que consistia no alojamento num hotel ou no direito de utilização periódica de uma residência, não era «completamente fornecido» até que os direitos a pontos fossem convertidos em «serviços concretos» (o direito de alojamento num hotel concreto ou de utilizar uma residência concreta por um período de tempo concreto). Isto devia‑se ao facto de que, quando os clientes adquiriam direitos a pontos, não conheciam as residências disponíveis num determinado ano nem o valor em pontos da utilização destas residências. Quando os clientes adquiriam direitos a pontos, os serviços não estavam identificados (18).

45.      Em contrapartida, no presente caso, quando os utilizadores compram créditos, conhecem o serviço que será prestado, a saber, o direito de participar em leilões da Madbid. Como alegou a Comissão, esse serviço está identificado e é prestado imediatamente (uma vez que os utilizadores podem licitar em leilões da Madbid imediatamente após a compra dos créditos).

46.      Consequentemente, a compra dos créditos não pode ser considerada uma operação prévia realizada com vista à entrega de bens.

b)      Inexistência de uma operação prévia quando os créditos gastos na licitação são utilizados para adquirir bens através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho

47.      Como explicado nos n.os 20 a 22, supra, quando um utilizador abandona ou perde um leilão, o valor dos créditos utilizados para licitar não se esgota (19).

48.      Com efeito, um utilizador pode adquirir bens à Madbid durante um leilão clicando no botão Comprar Agora. Nesse caso, o valor dos créditos que esse utilizador gastou para licitar nesse leilão é deduzido ao preço Comprar Agora inicial.

49.      Um utilizador pode igualmente adquirir bens à Madbid através da opção Desconto Ganho. Nesse caso, o Desconto Ganho, cujo montante é igual ao valor dos créditos gastos por esse utilizador para licitar nos leilões da Madbid, é deduzido ao preço dos bens na loja Madbid.

50.      Segundo a Madbid, o facto de os créditos gastos em licitações poderem ser utilizados para adquirir diretamente bens na sua loja em linha demonstra que a emissão de créditos é uma operação prévia do tipo identificado no Acórdão MacDonald Resorts.

51.      Porém, no meu entender, esse argumento não põe em causa a minha conclusão expressa no n.o 46, supra.

52.      Com efeito, em primeiro lugar, apenas o valor dos créditos gastos em licitações pode ser deduzido ao preço dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho. Os créditos que não foram gastos em licitações não podem ser deduzidos ao preço desses bens.

53.      Em segundo lugar, foi prestado um serviço ao utilizador que beneficia de uma redução no preço Comprar Agora inicial ou no preço na loja Madbid. Esse utilizador participou num leilão, o que lhe deu a oportunidade de comprar os bens leiloados por um preço inferior ao seu valor de mercado. É irrelevante que esse utilizador tenha decidido não aproveitar essa oportunidade (clicando no botão Comprar Agora) ou que não tenha tido a sorte de vencer o leilão, pelo que tem de pagar o preço total de mercado dos bens (20). Isso não afeta o facto de lhe ter sido prestado um serviço distinto. Com efeito, esse utilizador poderia ter decidido adquirir diretamente bens na loja Madbid sem participar primeiro num leilão (21). Nesse caso, teria pago o mesmo preço, ou seja, o preço total de mercado dos bens.

54.      A este respeito, há que rejeitar o argumento da Madbid de que a situação em causa no presente processo é semelhante à do Acórdão Société thermale d’Eugénie‑les‑Bains. No Acórdão Société thermale d’Eugénie‑les‑Bains, o Tribunal de Justiça entendeu que o sinal pago por um cliente ao reservar um quarto de hotel, que é deduzido ao custo total do quarto em caso de ocupação, não constitui a contrapartida de uma prestação autónoma e individualizável (22). Segundo a Madbid, daqui decorre que os créditos gastos em licitações, cujo valor é deduzido ao preço dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho, não constituem a contraprestação pela prestação de um serviço. Contudo, no meu entender, foi prestado um serviço distinto ao utilizador, uma vez que este foi autorizado a participar num leilão. A situação no presente caso é diferente da que foi analisada no Acórdão Société thermale d’Eugénie‑les‑Bains.

55.      Em terceiro lugar, o valor dos créditos gastos em licitações por vezes perde‑se porque os utilizadores se esquecem de efetuar compras diretas às quais o valor desses créditos poderia ser deduzido (23).

56.      Em quarto lugar, quando um utilizador adquire bens através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho e depois cancela a encomenda, o reembolso só abrange o preço Comprar Agora inicial ou o preço na loja Madbid, não o valor dos créditos gastos em licitações.

57.      Por conseguinte, a emissão de créditos não pode ser considerada uma operação prévia realizada com vista à entrega de bens. Deve ser considerada uma prestação de serviços, a saber, a concessão do direito de participar nos leilões da Madbid.

58.      Por uma questão de exaustividade, importa salientar que, segundo a jurisprudência, várias prestações formalmente distintas devem ser consideradas uma operação única quando estejam tão estreitamente ligadas que formem, objetivamente, uma única prestação económica indivisível, ou quando uma ou várias prestações constituam uma prestação principal e a ou as outras prestações constituam uma ou várias prestações acessórias que partilham da sorte fiscal da prestação principal (24). Todas as partes concordam que essa jurisprudência não é aplicável. Considero, em primeiro lugar, que a emissão de créditos e a entrega de bens não podem ser vistas como uma prestação única e indivisível, uma vez que os clientes podem adquirir diretamente bens na loja Madbid sem terem de participar nos leilões. Em segundo lugar, em meu entender, a emissão de créditos não pode ser considerada acessória da entrega de bens, uma vez que as opções Comprar Agora e Desconto Ganho visam garantir que os utilizadores não se arriscam a perder dinheiro ao participarem nos leilões. Por conseguinte, o objetivo dessas opções é induzir os utilizadores a participarem nos leilões. Tão‑pouco pode a entrega de bens ser considerada acessória da emissão de créditos, uma vez que raramente esses utilizadores se esquecem de utilizar os créditos ou de adquirir bens através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho. Consequentemente, a jurisprudência acima referida não é aplicável.

2.      Os créditos são emitidos a título oneroso na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112?

59.      Ao abrigo do disposto no artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, para que uma prestação de serviços esteja abrangida por essa diretiva, deve ser efetuada a título oneroso.

60.      É jurisprudência assente que uma prestação de serviços só é efetuada a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, se existir entre o prestador do serviço e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são trocadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço prestado ao beneficiário. O Tribunal de Justiça sustentou que será assim se existir um nexo direto entre o serviço prestado e a contrapartida recebida, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efetiva de um serviço individualizável fornecido no âmbito dessa relação jurídica (25).

61.      A Madbid alega que, caso a emissão de créditos fosse considerada uma prestação de serviços, essa prestação não seria efetuada a título oneroso.

62.      O Governo do Reino Unido e a Comissão alegam que a emissão de créditos é efetuada a título oneroso, sendo a contraprestação o montante pago pelos utilizadores pela emissão de créditos.

63.      No meu entender, a emissão de créditos é efetuada a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. A contraprestação é o montante pago pelos utilizadores pela emissão de créditos (26).

64.      Primeiro, existe uma relação jurídica entre a Madbid e os utilizadores. De acordo com o despacho de reenvio, quando as pessoas se registam em linha como utilizadores, têm de aceitar as condições contratuais da Madbid. As subsequentes compras de créditos são relações jurídicas entre a Madbid e os utilizadores.

65.      Segundo, existe um nexo direto entre a concessão de um direito de participar nos leilões da Madbid e o montante pago pelos utilizadores pela emissão de créditos. Com efeito, os créditos são utilizados para licitar em leilões da Madbid.

66.      Além disso, quando um utilizador vence um leilão, não existe nenhum nexo entre a entrega dos bens leiloados e o preço pago pela emissão de créditos, dado que o valor dos créditos utilizados para licitar nesse leilão se esgotou, não sendo deduzido ao preço vencedor. Acresce que poderá não existir uma entrega de bens, uma vez que o vencedor não é obrigado a comprar os bens que ganhou.

67.      Além disso, quando um vencedor abandona ou perde um leilão, o nexo entre a entrega dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho e o preço pago pela emissão de créditos é indireto, como alega o Governo do Reino Unido. É certo que o valor dos créditos gastos em licitações é deduzido ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid. Porém, apenas poderá ser deduzido ao preço desses bens o valor dos créditos gastos em licitações. Além disso, em certos casos, poderá não haver lugar a uma entrega de bens se o utilizador se esquecer de efetuar compras às quais possa ser deduzido o preço dos créditos gastos em licitações.

68.      Concluo que a emissão de créditos é efetuada a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. A contrapartida é o montante pago pelos utilizadores pela emissão de créditos.

3.      Inexistência de outra prestação de serviços a título oneroso

69.      Por uma questão de exaustividade, devo deixar claro que a Madbid não efetua qualquer prestação de serviços a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, à exceção da emissão de créditos. Não é prestado qualquer serviço quando um utilizador licita num leilão (uma vez que são os créditos emitidos que permitem ao utilizador licitar) ou quando os créditos, ou o Desconto Ganho gerado por esses créditos, expiram (uma vez que, nessa fase, a Madbid não presta qualquer outro serviço).

70.      Por conseguinte, há que responder à primeira questão prejudicial no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, em que uma empresa realiza leilões de baixo valor (penny auctions) através do seu sítio Internet e vende também diretamente bens numa loja em linha, a emissão aos utilizadores registados, por essa empresa, de créditos como os que estão em causa no processo principal, que permitem aos utilizadores licitar nos leilões dessa empresa mas não podem ser trocados diretamente por bens, não pode ser considerada uma operação prévia do tipo identificado no Acórdão MacDonald Resorts, que, enquanto tal, estaria fora do âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Deve ser considerada uma prestação de serviços a título oneroso na aceção da alínea c) dessa disposição, sendo a contraprestação o montante pago pelos utilizadores pela emissão de créditos. A emissão de créditos em contrapartida desse montante deve ser considerada uma prestação de serviços a título oneroso na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, mesmo quando o utilizador abandona ou perde um leilão e, em seguida, adquire bens à empresa, caso em que o valor dos créditos utilizados para licitar é deduzido ao preço desses bens.

B.      Segunda questão prejudicial

71.      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente o que deve ser considerado como a contraprestação pela entrega de bens efetuada a título oneroso pela Madbid, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/112.

72.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o montante pago pelos utilizadores pela emissão de créditos deve ser considerado um pagamento por conta na aceção do artigo 65.o dessa diretiva, fazendo parte da contraprestação pela entrega de bens. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, quando o utilizador não vence o leilão e o valor dos créditos utilizados para licitar é deduzido ao preço dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho, o valor desses créditos constitui um abatimento na aceção do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2006/112, ou se faz parte da contraprestação por essa entrega de bens. Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional pretende saber se, quando o utilizador vence o leilão e compra os bens leiloados, a contraprestação pela entrega desses bens abrange apenas o preço vencedor, acrescido de custos de envio e de gestão, ou se inclui também o valor dos créditos utilizados para licitar nesse leilão.

73.      Examinarei, primeiro, se o montante pago pela emissão de créditos é um pagamento por conta na aceção do artigo 65.o da Diretiva 2006/112; depois, em que consiste a contraprestação pela entrega do bem ganho no leilão; e, por último, em que consiste a contraprestação pela entrega dos produtos adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho.

1.      O montante pago pela emissão de créditos não é um pagamento por conta na aceção do artigo 65.o da Diretiva 2006/112

74.      Segundo o artigo 63.o da Diretiva 2006/112, o IVA é exigível no momento em que os bens são entregues ou os serviços prestados.

75.      No entanto, o artigo 65.o dessa diretiva dispõe que, em caso de pagamentos por conta antes da entrega de bens ou da prestação de serviços, o imposto torna‑se exigível no momento da cobrança e incide sobre o montante recebido.

76.      De acordo com a jurisprudência, para que o IVA se torne exigível em tal situação, é necessário que todos os elementos pertinentes do facto gerador, isto é, da futura entrega dos bens ou da futura prestação de serviços, já sejam conhecidos e, por conseguinte, em particular, que os bens ou os serviços sejam designados com precisão (27).

77.      A Madbid e o Governo do Reino Unido entendem que o montante pago pelos utilizadores pela emissão de créditos não é um pagamento por conta na aceção do artigo 65.o da Diretiva 2006/112. A Comissão não se pronuncia sobre essa questão.

78.      No meu entender, o montante pago pela emissão de créditos não pode ser considerado um pagamento por conta antes da entrega dos bens, na aceção do artigo 65.o da Diretiva 2006/112.

79.      Com efeito, tal como expliquei nos n.os 63 a 68, supra, o montante pago pela emissão de créditos constitui a contraprestação pela prestação de um serviço (a saber, a concessão do direito de participar nos leilões da Madbid), não pela entrega de bens após o leilão (caso esta tenha lugar). Essas são duas operações distintas. O montante pago como contraprestação por uma operação não pode ser considerado um pagamento por conta da contraprestação por outra operação.

80.      Em todo o caso, como alegou a Madbid, quando compram créditos, os utilizadores não sabem que bens irão adquirir à Madbid (28). Esses bens não estão identificados com precisão, conforme exigido pela jurisprudência referida no n.o 76, supra.

81.      Consequentemente, o montante pago pela emissão de créditos não pode ser considerado um pagamento por conta antes da entrega de bens, na aceção do artigo 65.o da Diretiva 2006/112.

2.      Em que consiste a contraprestação pela entrega dos bens leiloados?

82.      Nos termos do artigo 73.o da Diretiva 2006/112, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação às operações de entrega de bens ou de prestação de serviços.

83.      Segundo jurisprudência assente, essa contrapartida constitui o valor subjetivo, isto é, realmente recebido, em cada caso concreto, e não um valor calculado segundo critérios objetivos (29).

84.      A Madbid alega que a contraprestação pela entrega dos bens leiloados abrange não apenas o preço vencedor do leilão, acrescido de custos de envio e de gestão, como também o valor dos créditos gastos em licitações nesse leilão.

85.      O Governo do Reino Unido e a Comissão consideram que apenas o preço vencedor do leilão, acrescido de custos de envio e de gestão, constitui a contraprestação pela entrega dos bens leiloados.

86.      No meu entender, apenas o preço vencedor do leilão, acrescido de custos de envio e de gestão, constitui a contraprestação pela entrega dos bens leiloados. O montante pago pela emissão dos créditos gastos em licitações nesse leilão não constitui a contraprestação pela entrega desses bens, uma vez que, conforme explicado nos n.os 63 a 68, supra, é a contraprestação pela concessão do direito de participar no leilão, constituindo uma transação distinta.

3.      Em que consiste a contraprestação pela entrega dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora e Desconto Ganho?

87.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, quando um utilizador adquire bens através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho, a contraprestação por essa entrega de bens é o preço Comprar Agora inicial ou o preço na loja Madbid em linha, ou se é o preço Comprar Agora inicial ou o preço na loja Madbid em linha, menos o valor dos créditos gastos em licitações.

88.      A Madbid alega que, quando são adquiridos bens através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho, a contraprestação por essa entrega de bens inclui o valor dos créditos gastos em licitações.

89.      O Governo do Reino Unido e a Comissão alegam que a contraprestação por essa entrega de bens é o preço Comprar Agora inicial ou o preço na loja Madbid, acrescido de custos de envio e de gestão, menos o valor dos créditos gastos em licitações.

a)      O valor dos créditos gastos em licitações não faz parte da contraprestação pela entrega dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho

90.      Considero que, quando são adquiridos bens através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho, a contraprestação por essa entrega de bens é o preço Comprar Agora inicial ou o preço na loja Madbid, acrescido de custos de envio e de gestão, menos o valor dos créditos gastos em licitações (30).

91.      Isto porque, como explicado nos n.os 63 a 68, supra, o montante pago pela emissão dos créditos gastos em licitações é a contraprestação de um serviço, a saber, a concessão do direito de participar em leilões da Madbid. Por conseguinte, esse montante não pode fazer parte da contraprestação pela subsequente entrega dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho, que é uma operação distinta.

92.      Consequentemente, o valor dos créditos utilizados em licitações, que é deduzido ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid, deve ser considerado um abatimento ao preço dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho, na aceção do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2006/112. Como tal, o valor desses créditos não faz parte do valor tributável relativo à entrega desses bens.

93.      Além disso, se os créditos fossem considerados cupões que, uma vez gastos em licitações, poderiam ser utilizados para obter uma redução no preço dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho (31), este entendimento estaria em conformidade com a conclusão do Tribunal de Justiça no Acórdão Elida Gibbs de que o valor tributável é o preço de venda dos bens, diminuído do valor do cupão (32) — no presente caso, o preço Comprar Agora inicial dos bens ou o seu preço na loja Madbid (acrescido de custos de envio e de gestão), menos o valor dos créditos gastos em licitações.

b)      Situação em que o valor dos créditos gastos em licitações é igual ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid

94.      Todavia, nos casos em que o valor dos créditos gastos em licitações é igual ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid, o abatimento corresponde a 100% do preço dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho. Nessa situação, pode questionar‑se se o valor dos créditos gastos em licitações constitui um abatimento na aceção do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2006/112.

95.      Nessa matéria, há que remeter para o Acórdão de 27 de abril de 1999, Kuwait Petroleum (C‑48/97, EU:C:1999:203). Nesse processo, uma sociedade petrolífera oferecia aos clientes selos por cada doze litros de gasolina comprados. Esses selos podiam ser trocados por produtos escolhidos de um catálogo (a seguir «produtos trocados pelos selos»). O preço da gasolina era o mesmo quer os clientes aceitassem ou não os selos. Como referido anteriormente, o Tribunal de Justiça concluiu que os clientes não beneficiavam de um abatimento no preço desses produtos, uma vez que o termo «abatimento» no artigo 11.o‑A, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva (33) [atual artigo 79. o, alínea b), da Diretiva 2006/112] não pode ser aplicado a uma redução que incida sobre a totalidade do preço (34). Assim, os produtos trocados pelos selos eram transmitidos a título gratuito. Nos termos do artigo 5. o, n. o 6, da Sexta Diretiva (atual artigo 16. o da Diretiva 2006/112 (35)), a disposição de bens a título gratuito deve ser equiparada a uma entrega de bens efetuada a título oneroso quando o IVA sobre esses bens possa ser objeto de dedução total ou parcial (36).

96.      Nas suas observações escritas, a Madbid alega que resulta do Acórdão Kuwait Petroleum que o valor dos créditos gastos em licitações não pode ser considerado um abatimento na aceção do artigo 79. o, alínea b), da Diretiva 2006/112.

97.      Interrogado sobre este ponto na audiência, o Governo do Reino Unido referiu que, nos casos em que o valor dos créditos gastos em licitações é igual ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid, a contraprestação pela entrega dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho não é zero. Com efeito, nessa situação, os custos de envio e de gestão têm de ser pagos e fazem parte da contraprestação pela entrega desses bens. O montante dos créditos gastos em licitações não pode ser deduzido a esses custos.

98.      Na perspetiva da Comissão, decorre do Acórdão Kuwait Petroleum que, nos casos em que o valor dos créditos gastos em licitações é igual ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid, os bens são transmitidos a título gratuito na aceção do artigo 16. o da Diretiva 2006/112. Por conseguinte, nesses casos, o valor tributável é, segundo o artigo 74. o dessa diretiva, o preço de compra pago à Madbid. No entanto, a Comissão sublinhou que a Madbid normalmente não transmite bens a título gratuito, pelo que o Acórdão Kuwait Petroleum dificilmente será pertinente para o caso em apreço.

99.      No meu entender, ao contrário do que alega a Madbid, não decorre do Acórdão Kuwait Petroleum que o valor dos créditos gastos em licitações não constitui um abatimento, na aceção do artigo 79. o, alínea b), da Diretiva 2006/112. Com efeito, nesse processo, o abatimento abrangia a totalidade do preço de qualquer dos bens trocados por selos, ao passo que, no presente caso, o valor dos créditos gastos em licitações que é deduzido ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid é habitualmente inferior a esse preço (37). Consequentemente, no presente caso, uma parte do preço dos bens é normalmente paga através de um dos métodos de pagamento aceites, como cartão de crédito ou de débito.

100. Além disso, considero que, nos casos em que o valor dos créditos gastos em licitações é igual ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid, a entrega dos bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho não constitui uma transmissão a título gratuito, na aceção do artigo 16. o da Diretiva 2006/112.

101. É verdade que, no Acórdão Kuwait Petroleum, existiam duas operações distintas (a saber, a entrega de gasolina e a entrega dos bens trocados pelos selos), e que o preço da gasolina era o mesmo independentemente de os clientes aceitarem ou não os selos. Do mesmo modo, no presente caso, existem duas operações, e o montante pago pelos créditos é o mesmo quer o utilizador gaste esses créditos em licitações quer se esqueça de o fazer no prazo de 180 dias (38), e quer o utilizador deduza o valor dos créditos gastos em licitações ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid quer se esqueça de o fazer no prazo de 365 dias (39).

102. Porém, devo salientar que, no Acórdão Kuwait Petroleum, o Tribunal de Justiça convidou o órgão jurisdicional de reenvio a determinar se parte do preço pago pela gasolina, identificável ou não, constituía a contraprestação pelos bens trocados pelos selos. Não obstante, o Tribunal de Justiça concluiu que a entrega dos bens trocados pelos selos era uma transmissão a título gratuito porque o facto de o preço da gasolina ser o mesmo quer os clientes aceitassem ou não os selos constituía um forte indício de que a entrega dos bens trocados pelos selos era uma transmissão a título gratuito (40). Em contrapartida, no presente caso, o preço dos bens adquiridos à Madbid é claramente identificável. Quando um utilizador adquire bens através da opção Comprar Agora, o preço Comprar Agora inicial e o novo preço (ou seja, o preço Comprar Agora inicial, menos o valor dos créditos gastos por esse utilizador para licitar no leilão em causa) são indicados a esse utilizador (41). Do mesmo modo, o preço dos bens na loja Madbid é necessariamente exibido na loja, uma vez que esses bens podem ser adquiridos por clientes que não compraram créditos e que, consequentemente, não beneficiam de um Desconto Ganho suscetível de ser deduzido a esse preço. Por conseguinte, no presente caso, os bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho são fornecidos em contrapartida do pagamento de uma quantia identificável. Além disso, o pagamento dessa quantia é distinto do pagamento pela emissão de créditos. Com efeito, o primeiro pagamento é necessariamente efetuado após o segundo pagamento, uma vez que, quando compra os créditos, o utilizador não sabe que bens irá adquirir à Madbid e qual o seu preço. Consequentemente, quando o valor dos créditos gastos em licitações é igual ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid, os bens adquiridos através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho não são transmitidos a título gratuito na aceção do artigo 16. o da Diretiva 2006/112.

103. Em qualquer caso, recordo que, como alegou o representante do Governo do Reino Unido, os utilizadores têm de pagar os custos de envio e de gestão mesmo quando o valor dos créditos gastos em licitações é igual ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid em linha. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a venda dos bens e a sua expedição pela Madbid devem ser consideradas operações distintas. Porém, importa salientar que, na audiência, o Governo do Reino Unido afirmou, sem que a Madbid ou a Comissão o tivessem contestado, que a Madbid efetua uma única entrega de bens sempre que fornece bens e os entrega aos utilizadores. Nesse caso, os custos de envio e de gestão seriam considerados como parte da contraprestação pela entrega de bens. Essa entrega não seria uma transmissão a título gratuito, na aceção do artigo 16. o da Diretiva 2006/112.

104. Por conseguinte, no meu entender, mesmo quando o valor dos créditos gastos em licitações é igual ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid em linha, o valor desses créditos deve ser considerado um abatimento, na aceção do artigo 79. o, alínea b), da Diretiva 2006/112. O valor tributável imputável à Madbid é, conforme mencionado nos n. os 92 e 93, supra, o preço de venda dos bens (o preço Comprar Agora inicial ou o preço na loja Madbid), mais os custos de envio e de gestão, e menos o valor dos créditos gastos em licitações.

105. Consequentemente, há que responder à segunda questão no sentido de que o montante pago pela emissão de créditos como os que estão em causa no processo principal não pode ser considerado um pagamento por conta antes da entrega dos bens, na aceção do artigo 65.o da Diretiva 2006/112. Quando o utilizador vence o leilão, a contraprestação pela entrega dos bens leiloados abrange apenas o preço vencedor do leilão, acrescido dos custos de envio e de gestão. O valor dos créditos utilizados para licitar nesse leilão não faz parte da contraprestação pela entrega dos bens leiloados. Quando o utilizador abandona ou perde um leilão e, em seguida, adquire bens à empresa (caso em que o valor dos créditos utilizados para licitar é deduzido ao preço desses bens), a contraprestação pela entrega dos bens é esse preço, acrescido dos custos de envio e de gestão, e diminuído do valor dos créditos utilizados para licitar. Nesse caso, o valor dos créditos utilizados para licitar deve ser considerado um abatimento, na aceção do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2006/112.

C.      Terceira questão prejudicial

106. Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta em que medida, quando dois Estados‑Membros tratam uma operação de forma diferente para efeitos de IVA, devem os órgãos jurisdicionais de um desses Estados‑Membros ter em conta a necessidade de evitar a dupla tributação e, inversamente, a não tributação dessa operação, bem como o princípio da neutralidade fiscal.

107. Tal como alegou a Comissão, considero que há que responder à terceira questão prejudicial no sentido de que, quando os órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro cuja decisão seja passível de recurso à luz do direito nacional estejam cientes de que a interpretação dada às disposições da Diretiva 2006/112 pelos órgãos jurisdicionais ou pelas autoridades tributárias de outro Estado‑Membro é diferente da sua, podem submeter a matéria ao Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o TFUE.

IV.    Conclusão

108. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais apresentadas pelo First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância, Secção Tributária] (Reino Unido), nos seguintes termos:

1)      Em circunstâncias como as do processo principal, em que uma empresa realiza leilões de baixo valor (penny auctions) através do seu sítio Internet e também vende bens diretamente numa loja em linha, a emissão aos utilizadores registados, por essa empresa, de créditos como os que estão em causa no processo principal, que permitem aos utilizadores licitar nos leilões dessa empresa mas não podem ser trocados diretamente por bens, não pode ser considerada uma operação prévia do tipo identificado no n.o 24 do Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts (C‑270/09, EU:C:2010:780), que, enquanto tal, estaria fora do âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado. Deve ser considerada uma prestação de serviços a título oneroso na aceção da alínea c) dessa disposição, sendo a contraprestação o montante pago pelos utilizadores pela emissão de créditos. A emissão de créditos em contrapartida desse montante também deve ser considerada uma prestação de serviços a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, mesmo quando o utilizador abandona ou perde um leilão e, em seguida, adquire bens à empresa, caso em que o valor dos créditos utilizados para licitar é deduzido ao preço desses bens.

2)      O montante pago pela emissão de créditos como os que estão em causa no processo principal não pode ser considerado um pagamento por conta antes da entrega dos bens, na aceção do artigo 65.o da Diretiva 2006/112. Quando o utilizador vence o leilão, a contraprestação pela entrega dos bens leiloados abrange apenas o preço vencedor do leilão, acrescido dos custos de envio e de gestão. O valor dos créditos utilizados para licitar nesse leilão não faz parte da contraprestação pela entrega dos bens leiloados. Quando o utilizador abandona ou perde um leilão e, em seguida, adquire bens à empresa (caso em que o valor dos créditos utilizados para licitar é deduzido ao preço desses bens), a contraprestação pela entrega dos bens é esse preço, acrescido dos custos de envio e de gestão, e diminuído do valor dos créditos utilizados para licitar. Nesse caso, o valor dos créditos utilizados para licitar deve ser considerado um abatimento, na aceção do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2006/112.

3)      Quando os órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro cuja decisão seja passível de recurso à luz do direito nacional estejam cientes de que a interpretação dada às disposições da Diretiva 2006/112 pelos órgãos jurisdicionais ou pelas autoridades tributárias de outro Estado‑Membro é diferente da sua, podem submeter a matéria ao Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o TFUE.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).


3      Em contrapartida, nos leilões normais, não é exigida qualquer taxa de participação para poder licitar.


4      A natureza da operação realizada pelos licitantes que não venceram o leilão também será analisada adiante, no contexto das características específicas da atividade comercial exercida pela demandante no processo principal.


5      O preço do pacote é dividido pelo número de créditos, sendo aplicado um mecanismo de arredondamento que resulta numa equivalência exata ou quase exata entre o montante originalmente pago pelo utilizador e o valor atribuído ao crédito.


6      Por exemplo, se o preço base do leilão de um computador for 0,00 GBP, acrescido de custos de envio e de gestão, e a licitação vencedora for de 1,45 GBP (ou seja, após 145 licitações), o vencedor do leilão terá direito a comprar o computador por 1,45 GBP, acrescido de custos de envio e de gestão no montante de 8,00 GBP, o que resulta num preço total de 9,45 GBP.


7      No entanto, o preço Comprar Agora inicial poderá ser inferior ao preço de venda recomendado nos casos em que a Madbid tenha adquirido os bens em causa em grandes quantidades.


8      Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C‑270/09, EU:C:2010:780, n.o 24 (o sublinhado é meu).


9      Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; a seguir «Sexta Diretiva»). A Sexta Diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva 2006/112. O artigo 2. o, n. o 1, da Sexta Diretiva dispõe que «[a]s entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso», estão sujeitas ao IVA.


10      Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C‑270/09, EU:C:2010:780, n.os 27 e 32.


11      Segundo o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, qualquer operação que não constitua uma entrega de bens deve ser considerada uma prestação de serviços. No caso em apreço, é pacífico que a emissão de créditos não constitui uma entrega de bens. Por conseguinte, apenas pode constituir uma prestação de serviços.


12      V. artigo 43.o da Diretiva 2006/112.


13      V. n.o 23, supra.


14      V. artigo 33.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.


15      V. n.o 24, supra.


16      Nessa matéria, refira‑se que, segundo o pedido de decisão prejudicial, não existem elementos de prova conclusivos de que os licitantes consideram a participação no leilão como uma forma de entretenimento.


17      O sublinhado é meu.


18      Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C‑270/09, EU:C:2010:780, n.os 27 a 29. V. n.o 29, supra.


19      Em contrapartida, quando um utilizador vence o leilão, o valor dos créditos gastos na licitação esgota‑se.


20      O utilizador que efetua uma compra através das opções Comprar Agora ou Desconto Ganho paga o preço total de mercado dos bens, uma vez que pagou os créditos gastos em licitações, cujo valor é deduzido ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid.


21      Nessa matéria, o despacho de reenvio salienta que «[a] diferença entre o comportamento daqueles que acedem diretamente à loja Madbid e os que compram créditos e participam num leilão deixa claro que este último grupo deve ter uma razão para o fazer quando opta por essa via, e que essa razão consiste em querer participar num leilão na esperança de o vencer».


22      Acórdão de 18 de julho de 2007, Société thermale d'Eugénie‑les‑Bains, C‑277/05, EU:C:2007:440, n.os 26 e 27.


23      Como mencionado no n.o 21, supra, o Desconto Ganho expira 365 dias após o crédito ter sido gasto num leilão.


24      Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ’94, C‑208/15, EU:C:2016:936, n.o 27.


25      Acórdãos de 3 de março de 1994, Tolsma, C‑16/93, EU:C:1994:80, n.os 13 e 14; de 21 de março de 2002, Kennemer Golf, C‑174/00, EU:C:2002:200, n.o 39; de 18 de julho de 2007, Société thermale d'Eugénie‑les‑Bains, C‑277/05, EU:C:2007:440, n.o 19; de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C‑270/09, EU:C:2010:780, n.os 16 e 26; de 21 de novembro 2013, Dixons Retail, C‑494/12, EU:C:2013:758, n.os 32 e 33; de 2 de junho de 2016, Lajvér, C‑263/15, EU:C:2016:392, n.o 26; de 10 de novembro de 2016, Baštová, C‑432/15, EU:C:2016:855, n.o 28; e de 18 de janeiro de 2017, SAWP, C‑37/16, EU:C:2017:22, n.os 25 e 26.


26      Conforme descrito no n.o 16, supra.


27      Acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, BUPA Hospitals e Goldsborough Developments, C‑419/02, EU:C:2006:122, n.o 48; de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C‑270/09, EU:C:2010:780, n.o 31; de 19 de dezembro de 2012, Orfey Balgaria, C‑549/11, EU:C:2012:832, n.o 28; e de 7 de março de 2013, Efir, C‑19/12, não publicado, EU:C:2013:148, n.o 32.


28      A menos que os créditos sejam comprados no decurso do leilão. Com efeito, segundo o despacho de reenvio, o sítio Internet da Madbid disponibiliza também uma opção «Rapid Recharge» («Carregamento Rápido»), que evita que os utilizadores percam um leilão por terem esgotado os seus créditos durante o mesmo. Porém, mesmo nessa situação, o montante pago pela emissão de créditos não constituiria um pagamento por conta antes da entrega dos bens leiloados, pelo motivo exposto no n.o 79, supra.


29      Acórdãos de 5 de fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats, 154/80, EU:C:1981:38, n.o 13; de 23 de novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics, 230/87, EU:C:1988:508, n.o 16; de 24 de outubro de 1996, Argos Distributors, C‑288/94, EU:C:1996:398, n.o 16; de 20 de janeiro de 2005, Hotel Scandic Gåsabäck, C‑412/03, EU:C:2005:47, n.o 21; e de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin, C‑249/12 e C‑250/12, EU:C:2013:722, n.o 33.


30      Entendendo‑se que os créditos cujo valor é deduzido ao preço Comprar Agora inicial ou ao preço na loja Madbid são créditos utilizados para licitar sem êxito (uma vez que, quando um utilizador vence um leilão, o valor dos créditos que gastou para licitar nesse leilão esgota‑se).


31      Chamo a atenção para o facto de que os créditos não podem ser considerados cupões normais na compra de bens, uma vez que (i) não podem ser utilizados para comprar bens diretamente à Madbid (v. n.o 16 supra), e (ii) são trocados por um serviço, a saber, o direito de participar em leilões da Madbid.


32      Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, C‑317/94, EU:C:1996:400, n.os 29, 34 e 35.


33      V. nota 9. O artigo 11. o‑A, n. o 3, da Sexta Diretiva dispõe que «[a] matéria coletável não inclui: […] b) os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário no momento em que a operação se realiza; […]».


34      Acórdão de 27 de abril de 1999, Kuwait Petroleum, C‑48/97, EU:C:1999:203, n.os 16 e 17.


35      O artigo 5.o, n.o 6, da Sexta Diretiva dispõe que «[é] equiparada a entrega efetuada a título oneroso a afetação, por um sujeito passivo, de bens da própria empresa a seu uso privado ou do seu pessoal, ou a disposição de bens a título gratuito, ou, em geral, a sua afetação a fins estranhos à empresa, sempre que, relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado […]».


36      Acórdão de 27 de abril de 1999, Kuwait Petroleum, C‑48/97, EU:C:1999:203, n.os 26 a 32.


37      Como mencionado no n.o 98, supra, na audiência, a Comissão alegou, sem contestação, que a Madbid normalmente não transmite bens a título gratuito.


38      Caso em que o Desconto Ganho expira.


39      Caso em que se esgota o valor dos créditos gastos em licitações.


40      Acórdão de 27 de abril de 1999, Kuwait Petroleum, C‑48/97, EU:C:1999:203, n.os 27, 31 e 32.


41      Nos termos da cláusula 15.a, n.o 2, das condições contratuais da Madbid, «selecionada a opção Comprar Agora, o preço dos créditos […] que o utilizador […] já tenha gasto no leilão é deduzido ao preço Comprar Agora. […] O novo preço (por exemplo, o preço Comprar Agora menos o custo dos créditos […] gastos pelo utilizador) é então indicado ao utilizador […], que deve confirmar se deseja comprar o produto por aquele preço».