Language of document : ECLI:EU:C:2012:174

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 27 de março de 2012 (1)

Processo C‑83/11

Secretary of State for the Home Department

contra

Muhammad Sazzadur Rahman,

Fazly Rabby Islam,

Mohibullah Rahman

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London (Reino Unido)]

«Direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União no território dos Estados‑Membros — Diretiva 2004/38/CE — Obrigação de facilitar a entrada e a residência de ‘qualquer outro membro da família’ — Âmbito — Efeito direto»





1.        O presente pedido de decisão prejudicial proporciona, pela primeira vez, ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar sobre o âmbito das disposições do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (2).

2.        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe Muhammad Sazzadur Rahman, Fazly Rabby Islam e Mohibullah Rahman, nacionais do Bangladesh, ao Secretary of State for the Home Department, na sequência da recusa deste último de lhes emitir um cartão de residência no Reino Unido como membros da família a cargo de um nacional de um Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu (EEE).

I –— Quadro jurídico

A —    Direito da União

1.      Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

3.        O artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (3) dispõe que «[t]odas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações».

2.      Diretiva 2004/38

4.        A Diretiva 2004/38 procede a um trabalho de codificação ao reunir num único texto um regulamento e nove diretivas, e ao integrar o acervo jurisprudencial. Ao substituir regimes jurídicos distintos correspondentes à pertença a categorias jurídicas distintas, baseadas na aptidão para o exercício de uma atividade económica, por um estatuto único, assente na cidadania na União, a diretiva confere uma dimensão nova à liberdade de circulação, que se torna um atributo fundamental inerente à qualidade de cidadão da União.

5.        A Diretiva 2004/38 reconhece, de acordo com um sistema gradual, um direito de residência aos «membros da família», que são definidos no artigo 2.°, n.° 2, da mesma, como o cônjuge ou o parceiro com quem um cidadão da União contraiu uma parceria registada considerada como equiparada ao casamento pela legislação do Estado‑Membro de acolhimento, os descendentes diretos com menos de 21 anos de idade ou que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro, bem como os ascendentes diretos que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro.

6.        A Diretiva 2004/38 toma igualmente em consideração os membros da família alargada, ao obrigar, sob certas condições, os Estados‑Membros a facilitarem a entrada e residência destes no seu território.

7.        O sexto considerando desta diretiva dispõe:

«A fim de manter a unidade da família numa aceção mais lata e sem prejuízo da proibição da discriminação por motivos de nacionalidade, a situação das pessoas que não são abrangidas pela definição de ‘membros da família’ […] e que não gozam, por conseguinte, do direito automático de entrada e residência no Estado‑Membro de acolhimento, deverá ser analisada pelo Estado‑Membro de acolhimento à luz da sua legislação nacional, a fim de decidir se a entrada e residência dessas pessoas podem ser autorizadas, tendo em conta a sua relação com o cidadão da União ou com quaisquer outras circunstâncias, como a sua dependência física ou financeira em relação ao cidadão da União.»

8.        O artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva prevê:

«Sem prejuízo de um direito pessoal à livre circulação e residência da pessoa em causa, o Estado‑Membro de acolhimento facilita, nos termos da sua legislação nacional, a entrada e a residência das seguintes pessoas:

a)       Qualquer outro membro da família, independentemente da sua nacionalidade, não abrangido pelo ponto 2) do artigo 2.°, que, no país do qual provenha, esteja a cargo do cidadão da União que tem direito de residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação, ou quando o cidadão da União tiver imperativamente de cuidar pessoalmente do membro da sua família por motivos de saúde graves;

b)      O parceiro com quem o cidadão da União mantém uma relação permanente devidamente certificada.

O Estado‑Membro de acolhimento procede a uma extensa análise das circunstâncias pessoais e justifica a eventual recusa de entrada ou de residência das pessoas em causa.»

9.        O artigo 8.°, n.° 5, da Diretiva 2004/38 dispõe:

«Para a emissão do certificado de registo aos membros da família do cidadão da União, que sejam eles próprios cidadãos da União, os Estados‑Membros podem exigir a apresentação dos seguintes documentos:

[…]

e)      Nos casos previstos na alínea a) do n.° 2 do artigo 3.°, um documento emitido pela autoridade competente do país de origem ou de proveniência, certificando que estão a cargo do cidadão da União ou que com ele vivem em comunhão de habitação, ou a prova da existência de motivos de saúde graves que exigem imperativamente o cuidado pessoal do membro da família pelo cidadão da União;

[…]»

10.      O artigo 10.° desta diretiva refere:

«1.      O direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro é comprovado pela emissão de um documento denominado ‘cartão de residência de membro da família de um cidadão da União’, no prazo de seis meses a contar da apresentação do pedido. É imediatamente emitido um certificado de que foi requerido um cartão de residência.

2.      Para a emissão do cartão de residência, os Estados‑Membros exigem a apresentação dos seguintes documentos:

[…]

e)       Nos casos previstos na alínea a) do n.° 2 do artigo 3.°, um documento emitido pela autoridade competente do país de origem ou de proveniência, certificando que estão a cargo do cidadão da União ou que com ele vivem em comunhão de habitação, ou a prova da existência de motivos de saúde graves que exigem imperativamente o cuidado pessoal do membro da família pelo cidadão da União;

[…]»

B —    Direito nacional

11.      No Reino Unido, a Diretiva 2004/38 foi transposta pelo Regulamento de 2006 relativo à imigração (Espaço Económico Europeu) [Immigration (European Economic Area) Regulations 2006], conforme alterado pelo Regulamento de 2009 relativo à imigração [Immigration (European Economic Area) Regulations 2009] (4).

12.      Sob a epígrafe «Membro da família», o artigo 7.° do Regulamento de 2006 dispõe:

«1)       Sem prejuízo do disposto no n.° 2, para efeitos do presente regulamento, são consideradas como membros da família de outra pessoa:

(a)      o cônjuge ou o parceiro civil;

(b)      os descendentes diretos e os do cônjuge ou do parceiro civil, desde que:

(i)      tenham menos de 21 anos de idade; ou

(ii)      estejam a seu cargo ou a cargo do seu cônjuge ou do seu parceiro civil;

(c)      os ascendentes diretos e os do cônjuge ou do parceiro civil que estejam a cargo;

(d)      qualquer pessoa que deva ser considerada como um membro da família desta outra pessoa nos termos do n.° 3;

2)      Uma pessoa só é considerada como membro da família de um estudante que resida no Reino Unido, após o período de três meses contados a partir da data de admissão no Reino Unido, nos termos do n.°1, alíneas b) ou c), nos seguintes casos:

(a)      se, no caso do [n.° 1, alínea] b), a pessoa for filho a cargo do estudante ou do seu cônjuge ou parceiro civil; ou

(b)      se o estudante estiver igualmente abrangido por uma das categorias de pessoas que preenche as condições exigidas indicadas no artigo 6.°, n.° 1.

3)      Sob reserva do disposto no n.° 4, qualquer pessoa que seja membro da família alargada e à qual tenha sido atribuído um título familiar EEE, um certificado de registo ou um cartão de residência, será considerada como membro da família do nacional do EEE em causa enquanto continuar a preencher os requisitos estabelecidos no artigo 8.°, n.os 2, 3, 4 ou 5 em relação a este nacional do EEE e o título, certificado ou cartão não tenham deixado de ser válidos ou não tenham sido revogados.

4)      Quando o nacional do EEE em causa for um estudante, o membro da família alargada só será considerado como um membro da família deste nacional nos termos do n.° 3 se o título familiar EEE tiver sido emitido por força do artigo 12.°, n.° 2, se o certificado de registo tiver sido emitido por força do artigo 16.°, n.° 5 ou se o cartão de residência tiver sido emitido por força do artigo 17.°, n.° 4.»

13.      O artigo 8.° do Regulamento de 2006, intitulado «Membro da família alargada», dispõe:

«1)      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘membro da família alargada’ qualquer pessoa que não seja membro da família de um nacional do EEE por força do artigo 7.°, n.° 1, alíneas a), b) ou c), e que preenche os requisitos previstos nos n.os 2, 3, 4 ou 5.

2)      Preenche o requisito previsto no presente número qualquer pessoa que seja membro da família de um nacional do EEE, do seu cônjuge ou do seu parceiro civil e

(a)      resida num Estado do EEE [(5)] em que o nacional do EEE reside igualmente e esteja a cargo ou tenha comunhão de habitação com este;

(b)      preencha o requisito previsto na alínea a) e acompanhe o nacional do EEE no Reino Unido ou pretenda reunir‑se a ele, ou

c)      preencha o requisito previsto na alínea a), se tenha reunido ao nacional do EEE no Reino Unido e continue a estar a seu cargo ou tenha comunhão de habitação com este.

3)      Preenche o requisito previsto no presente número qualquer pessoa que seja membro da família de um nacional do EEE, do seu cônjuge ou do seu parceiro civil e que, por motivos de saúde graves, exige imperativamente o cuidado pessoal do nacional do EEE, do seu cônjuge ou do seu parceiro civil.

4)      Preenche o requisito previsto no presente número qualquer pessoa que seja membro da família de um nacional do EEE e que, caso este esteja presente e resida no Reino Unido, satisfaça as exigências previstas pelas regras em matéria de imigração (distintas das respeitantes à autorização de entrada) para a obtenção da autorização de entrada ou residência no Reino Unido por um período indeterminado como membro da família a cargo do nacional do EEE.

5)      Preenche o requisito previsto no presente número qualquer pessoa que seja parceira de um nacional do EEE (distinto de um parceiro civil) e que o possa provar, de forma que o decisor considere satisfatória, que mantém uma relação duradoura com o nacional do EEE.

6)      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘nacional do EEE em causa’, em relação a um membro da família alargada, o nacional do EEE que é, ou cujo cônjuge ou parceiro civil é, familiar do membro da família alargada, para efeitos dos n.os 2, 3 ou 4, ou o nacional do EEE que é parceiro do membro da família alargada para efeitos do n.° 5.»

14.      O artigo 17.° do Regulamento de 2006, intitulado «Emissão do cartão de residência», prevê:

«[…]

4)      O Secretary of State pode atribuir um cartão de residência a um membro da família alargada não abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 7.°, n.° 3, que não seja nacional do EEE:

(a)      Se o nacional do EEE em causa, em relação ao membro da família alargada, preencher os requisitos exigidos ou se for um nacional do EEE titular de um direito de residência permanente nos termos do artigo 15.°, e

(b)      Se, tendo em conta todas as circunstâncias, o Secretary of State considerar apropriada a atribuição do cartão de residência.

5)      Quando o Secretary of State recebe um pedido nos termos do n.° 4, procede a uma análise aprofundada da situação pessoal do requerente e, se indeferir o pedido, fundamenta o indeferimento, salvo se razões do domínio da segurança do Estado se opuserem a essa fundamentação.

[…]»

II –— Matéria de facto e tramitação do processo principal

15.      Em 31 de maio de 2006, Mahbur Rahman, nacional do Bangladesh, casou com uma nacional irlandesa, que trabalhava no Reino Unido. O seu irmão, Muhammad Sazzadur Rahman, o seu meio‑irmão, Fazly Rabby Islam, e o seu sobrinho, Mohibullah Rahman, pediram um cartão de residência no Reino Unido na qualidade de membros da família de um nacional de um Estado‑Membro do EEE.

16.      Tendo esse pedido sido indeferido pelo Secretary of State for the Home Department, interpuseram recurso para o juiz da imigração, que julgou o pedido procedente, considerando que estavam «a cargo» e que o seu processo deveria ser objeto de uma apreciação discricionária, em aplicação do artigo 17.°, n.° 4, do Regulamento de 2006. O Secretary of State for the Home Department apresentou um pedido de reapreciação da decisão no Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London, que decidiu suspender a instância, indicando que, embora o processo colocasse uma questão de facto relativa à existência de uma situação de dependência, suscitava igualmente problemas jurídicos cuja resolução implicava uma compreensão clara do alcance das disposições do direito da União.

III –— Questões prejudiciais

17.      Para controlar a conformidade da regulamentação do Reino Unido com a Diretiva 2004/38, o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London, considerou necessário apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 […] exige que os Estados‑Membros adotem disposições legislativas que facilitem a entrada e/ou a residência num Estado‑Membro de pessoas que fazem parte da categoria «qualquer outro membro da família» que não são nacionais da União Europeia e que preenchem os requisitos do artigo 10.°, 2.° [desta diretiva]?

2)      Podem as pessoas que fazem parte da categoria «qualquer outro membro da família» referida na questão n.° 1 invocar a aplicabilidade direta do artigo 3.°, n.° 2, da [referida] [d]iretiva […] caso não preencham os requisitos previstos nas disposições legislativas nacionais?

3)      A categoria «qualquer outro membro da família» referida [nos artigos] 3.°, n.° 2, e […] 10.°, n.° 2, da [d]iretiva [2004/38] é limitada às pessoas que tenham residido no mesmo país que o nacional da União e o seu cônjuge, antes de o nacional da União se ter deslocado para o Estado de acolhimento?

4)      Deve a situação de dependência referida no artigo 3.°, n.° 2, [desta] [d]iretiva […], na qual a pessoa que faz parte da categoria «qualquer outro membro da família» se baseia para a entrada no Estado de acolhimento, ter existido pouco tempo antes de o nacional da União se ter deslocado para o Estado de acolhimento?

5)      Podem os Estados‑Membros impor requisitos específicos no que diz respeito à natureza e à duração da situação de dependência de «qualquer outro membro da família» referida no artigo 3.°, n.° 2, da [referida] [d]iretiva de forma a evitar que tal dependência seja simulada ou supérflua com o intuito de conseguir a admissão ou a permanência de um não‑nacional no seu território?

6)      Deve a situação de dependência em que se baseia a pessoa que faz parte da categoria «qualquer outro membro da família» para ser admitida no Estado‑Membro perdurar durante um determinado período de tempo ou indefinidamente no Estado de acolhimento para efeitos de emissão ou renovação do cartão de residência nos termos do artigo 10.° da Diretiva 2004/38 […] e, em caso afirmativo, de que forma deve ser demonstrada essa situação de dependência?»

IV –— Análise

A —    Admissibilidade do reenvio prejudicial

18.      A Comissão Europeia, sem suscitar explicitamente uma exceção de inadmissibilidade do reenvio prejudicial, manifesta objeções quanto à pertinência da primeira questão colocada, argumentando que o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte adotou disposições legislativas destinadas a favorecer a entrada e a residência das pessoas que este Estado‑Membro considera abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 e que, na ausência de pedido dos recorridos no processo principal que tenha por objeto obter o reconhecimento de que se tornaram automaticamente titulares de um direito de residência no Reino Unido, a única questão apresentada ao órgão jurisdicional de reenvio, nesta fase do processo, consiste em saber se os pedidos devem ou não ser objeto de uma apreciação discricionária em aplicação destas disposições nacionais.

19.      Importa recordar que, segundo jurisprudência consagrada, o processo previsto no artigo 267.° TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que são chamados a dirimir.

20.      No quadro desta cooperação, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional, a quem o litígio é submetido e que deve assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, face às particularidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para estar em condições de proferir o seu julgamento, como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. A recusa de decisão de uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema tem natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (6).

21.      No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio apresentou ao Tribunal de Justiça uma exposição pormenorizada do quadro factual e jurídico do processo principal, bem como das razões pelas quais considerou que era necessária uma resposta às questões apresentadas para proferir a sua decisão.

22.      Questiona‑se, designadamente, sobre o âmbito de aplicação pessoal do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 e sobre a margem de manobra que esta disposição deixa aos Estados‑Membros. Como observa justamente o Governo alemão, estas questões não se colocariam se a referida disposição não assumisse caráter vinculativo e não exigisse qualquer ação legislativa da parte dos Estados‑Membros. A questão do âmbito do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 é, por conseguinte, prévia.

23.      O órgão jurisdicional de reenvio precisou igualmente que se questionava quanto a saber se a obrigação de facilitar a entrada e a residência, em conformidade com a legislação nacional, devia ser assegurada por um órgão jurisdicional, em vez de ser objeto de um poder de apreciação discricionário da administração (7). Procura, designadamente, saber se o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 se opõe a uma regulamentação nacional, como a do Reino Unido, que confere à administração um poder discricionário de análise dos pedidos de entrada e de residência apresentados pelos membros da família alargada. Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não parece excluir a possibilidade de, no decurso da instância, reconhecer aos recorridos no processo principal um direito de entrada ou de residência, com fundamento nesta diretiva, a interpretação do direito da União solicitada terá uma incidência direta sobre a situação destes.

24.      Resulta destas considerações que a presunção de pertinência de que beneficia a questão da interpretação do direito da União, longe de ser invertida, é reforçada pelos elementos de facto e de direito apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio, que mostram que este não pode dirimir a questão que lhe é submetida sem saber se os recorridos no processo principal podem ser considerados como «outros membros da família a cargo» na aceção do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 e se, nessa qualidade, podem aspirar a um direito de residência derivado, fundado no direito da União. A primeira questão parece‑me, pois, admissível, tal como a segunda à quinta questões.

25.      Em contrapartida, é possível questionar a admissibilidade da sexta questão.

26.      Resulta da decisão de reenvio (8) que, através desta questão, o órgão jurisdicional nacional procura, na realidade, saber se as pessoas adultas autorizadas a residir no território do Reino Unido enquanto membros da família e, consequentemente, livres de trabalhar, devem continuar a cargo durante o período de validade da sua autorização de residência para poderem obter uma prorrogação desta ou um título de residência permanente. Considero que a referida questão é hipotética e não tem incidência sobre o processo principal, dado que os elementos constantes da decisão de reenvio não mostram, de modo algum, que os recorridos no processo principal se encontravam em situação de pedir uma prorrogação ou uma renovação do seu título de residência quando já não estivessem a cargo do casal Rahman. Ora, não é possível responder à questão colocada de forma geral e abstrata, sem ter em conta as razões pelas quais os mesmos deixariam de estar a cargo. A resposta poderá, efetivamente, ser diferente consoante, por exemplo, que o membro da família tenha encontrado um trabalho no Estado‑Membro de acolhimento ou que esteja, doravante, a cargo de outra pessoa, residente no seu Estado de origem.

27.      Dado que não incumbe ao Tribunal de Justiça resolver, para além do caso concreto que o órgão jurisdicional é chamado a dirimir, todas as dificuldades de interpretação que possam ter feito surgir as disposições que transpõem, no Reino Unido, o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, a sexta questão deve ser considerada inadmissível.

B —    Respostas às questões

1.      Observações preliminares

28.      As questões formuladas no dispositivo da decisão de reenvio incidem sobre três aspetos distintos.

29.      A principal preocupação do órgão jurisdicional de reenvio, tal como decorre da primeira e segunda questões, consiste em determinar o alcance da obrigação de facilitação prevista no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38. Com o objetivo de fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação abrangidos pelo direito da União que lhe serão úteis para dirimir o litígio que lhe é submetido, considero que é necessário proceder a uma reformulação da primeira questão que deve ser entendida no sentido de que inclui duas partes, a primeira destinada a saber se a Diretiva 2004/38 exige que os Estados‑Membros adotem medidas destinadas a facilitar a entrada e a residência das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do seu artigo 3.°, n.° 2, e a segunda, que em caso de resposta afirmativa, coloca o problema da natureza das medidas impostas aos Estados‑Membros.

30.      Em seguida, com a terceira e quarta questões, o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London, interroga‑se a respeito do âmbito de aplicação pessoal do artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38, tendo dúvidas a respeito da questão de saber se esta disposição abrange unicamente as pessoas que tenham residido no mesmo país que o nacional da União, estando a seu cargo pouco tempo antes de ele se ter estabelecido no Estado‑Membro de acolhimento. Na medida em que o órgão jurisdicional nacional duvida da compatibilidade com o direito da União do artigo 8.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento de 2006, que estabelece uma condição de residência no mesmo Estado que o nacional da União, que poderia ser oposta ao pedido dos recorridos no processo principal, a terceira questão deve, a meu ver, ser entendida como destinada a saber se o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 se opõe a uma regulamentação nacional que limite o âmbito de aplicação desta disposição apenas aos outros membros da família que tenham residido no mesmo Estado que o cidadão da União, antes de este se ter estabelecido no Estado‑Membro de acolhimento.

31.      Finalmente, com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o âmbito da margem de manobra deixada aos Estados‑Membros pela Diretiva 2004/38 no que respeita às condições de reconhecimento de um direito de entrada e de residência aos outros membros da família e, mais especificamente, sobre a possibilidade de os Estados‑Membros subordinarem a emissão ou a renovação de uma autorização de residência a requisitos relativos à natureza ou à duração da situação de dependência que deve existir entre o requerente e o cidadão da União.

32.      Se o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre o alcance do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, as decisões pelas quais interpretou outras disposições desta diretiva são, todavia, reveladoras do modo de raciocínio que pretende seguir e, consequentemente, permitem retirar uma grelha interpretativa que poderá ser válida para esta disposição e orientará a resposta às diferentes questões.

33.      Decorrem da jurisprudência quatro regras de interpretação.

34.      Com base no terceiro considerando da Diretiva 2004/38, que dispõe que esta visa, nomeadamente, reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União, o Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, estabeleceu como regra que desta diretiva não podem decorrer menos direitos para os cidadãos da União do que aqueles que para estes decorrem dos atos de direito derivado que ela modifica ou revoga (9).

35.      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça entendeu que as disposições da referida diretiva devem ser objeto de uma interpretação teleológica e útil, tendo em conta o seu objetivo (10). A este respeito, importa salientar que o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 responde a duas preocupações complementares.

36.      O primeiro objetivo desta disposição é favorecer a livre circulação do cidadão da União. Assim, o primeiro considerando da Diretiva 2004/38 recorda que a cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, sujeito às limitações e condições estabelecidas no Tratado e às medidas adotadas em sua execução (11). Nesta perspetiva, o direito ao reagrupamento familiar é concebido como o corolário do direito à livre circulação do cidadão da União, partindo da ideia de que este poderá ser dissuadido de circular de um Estado‑Membro para outro se não puder estar acompanhado pelos membros da sua família. O reagrupamento familiar goza, assim, de proteção por ricochete, indiretamente exercida, em razão da violação que pode sofrer o efeito útil da cidadania da União.

37.      Resulta do sexto considerando da Diretiva 2004/38 que o segundo objetivo do artigo 3.°, n.° 2, desta diretiva é a facilitação da unidade familiar. Por conseguinte, a circulação dos membros da família do cidadão da União não é exclusivamente protegida enquanto direito derivado do direito à livre circulação do cidadão da União, dado que é igualmente protegido através do direito à preservação da unidade da família, na aceção ampla do termo.

38.      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça decidiu que as disposições que consagram um princípio fundamental como o da livre circulação das pessoas devem ser interpretadas em sentido amplo e, de qualquer modo, não devem ficar privadas do seu efeito útil (12). Inversamente, adotou uma regra de interpretação estrita dos limites à livre circulação (13).

39.      Em quarto lugar, segundo jurisprudência consolidada, decorre das exigências, tanto da aplicação uniforme do direito da União, como do princípio da igualdade, que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ter, em toda a União, uma interpretação autónoma e uniforme (14). Daí resulta que, embora a redação de uma disposição da Diretiva 2004/38 não dê qualquer indicação quanto à forma como devem ser entendidos os termos utilizados nesta disposição e também não proceda a uma remissão para os direitos nacionais no que respeita ao significado que deve ser atribuído a estes termos, se deve considerar, para efeitos da aplicação da referida diretiva, que estes designam um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado de maneira uniforme no território de todos os Estados‑Membros, tendo designadamente em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (15).

40.      É à luz destas diferentes regras de interpretação, que me servirão de fio condutor, que procederei à análise das diversas questões apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2.      Análise das diferentes questões

a)      Quanto à primeira questão

41.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura, no essencial, saber se o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 exige que os Estados‑Membros adotem disposições legislativas destinadas a facilitar a entrada e a residência dos outros membros da família, nacionais de um Estado terceiro, que preenchem os requisitos do artigo 10.°, n.° 2, desta diretiva e, em caso afirmativo, qual a natureza das medidas impostas aos Estados‑Membros.

42.      Apesar de o artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva retomar uma disposição que, ainda que com uma redação um pouco diferente, já figurava no Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (16), e na Diretiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados‑Membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (17), o Tribunal de Justiça ainda não teve ocasião de dar indicações sobre o seu alcance exato. A análise comparativa das modalidades de transposição do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 para o direito dos Estados‑Membros evidencia, aliás, importantes disparidades (18), que tornam ainda mais necessária uma clarificação.

43.      Parece‑me necessário formular duas observações preliminares, relacionadas com o âmbito de aplicação ratione personae desta disposição.

44.      Cumpre, antes de mais, salientar que, se a questão se coloca num processo relativo a nacionais de um Estado terceiro, pode colocar‑se igualmente em relação a cidadãos da União que, ainda que titulares, nessa qualidade, de um direito de residência pessoal e autónomo, requeiram um direito de residência derivado, na sua qualidade de membros da família (19). A questão pode também colocar‑se para as pessoas que, por razões de saúde graves, exigem imperativamente o cuidado pessoal do cidadão da União, e para o parceiro com quem o cidadão da União mantém uma relação permanente, devidamente certificada, dado que a entrada e a residência destas duas categorias de pessoas devem igualmente ser facilitadas.

45.      Em seguida, há que ter em consideração que, embora a Diretiva 2004/38 tenha inquestionavelmente alargado o âmbito de aplicação pessoal do direito ao reagrupamento familiar reconhecido aos membros da família do cidadão da União, incluindo nesta categoria, definida no artigo 2.°, n.° 2, desta diretiva, o parceiro com quem o cidadão da União tem uma parceria registada, continua, no entanto, relativamente restritiva, dado que, por um lado, contrariamente à legislação anterior, inclui apenas os ascendentes e descendentes «diretos» e, por outro, subordina o reconhecimento da qualidade de membro da família a condições de idade e de dependência.

46.      O acórdão a proferir, que será válido para todas as categorias de pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, assumirá, pois, uma importância muito particular, ainda que não esgote todas as dificuldades que suscita esta disposição, de alcance relativamente incerto. Assumirá, antes de mais, uma importância prática, dado que podem ser frequentes os casos, não abrangidos pela definição constante do artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, em que cidadãos da União pretendem poder ser acompanhados por membros da família, ou que estes se lhes reúnam. Assumirá, em seguida, uma importância teórica, dado que esta decisão se inscreve no prolongamento da jurisprudência do Tribunal de Justiça, ainda em construção, que contribui para a edificação do estatuto do cidadão da União.

47.      Defrontam‑se aqui duas interpretações diametralmente opostas.

48.      Numa interpretação maximalista, o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 pode ser compreendido no sentido de que obriga os Estados‑Membros a adotar medidas que consagrem, como princípio, a existência de um direito subjetivo de entrada e residência em benefício, designadamente, dos outros membros da família do cidadão da União que estão a seu cargo ou com quem este viva em comunhão de habitação.

49.      Segundo uma interpretação minimalista, esta disposição pode ser concebida como um simples convite desprovido de valor jurídico vinculativo. Nesta perspetiva, os Estados‑Membros são unicamente incitados a adotar medidas que facilitem a entrada e residência dos outros membros da família, não se expondo, portanto, a qualquer sanção em caso de inação. Equiparável a um desejo sobre a conduta dos Estados‑Membros, a uma simples recomendação, que não é vinculativa (20), a referida disposição seria uma nova expressão do direito «brando», desprovida de qualquer caráter coercivo.

50.      Nem uma nem outra destas duas conceções «extremistas» deve, segundo me parece, ser acolhida.

51.      Podem ser aduzidos vários argumentos contra a interpretação maximalista.

52.      Em primeiro lugar, há que ter em conta os próprios termos da Diretiva 2004/38. Enquanto esta confere um direito automático de entrada e residência em benefício dos «membros da família» enumerados no artigo 2.°, n.° 2, desta diretiva, o artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva dispõe apenas que cada Estado‑Membro «facilita» a entrada e a residência dos membros da família alargada. Resulta claramente destas disposições que o legislador da União pretendeu estabelecer uma distinção, na família do cidadão da União, entre os membros mais próximos, que dispõem de um direito verdadeiro e automático de entrada e residência no território do Estado‑Membro de acolhimento com o cidadão da União, e os membros da família mais afastada, que não beneficiam de um direito subjetivo de entrada e residência resultante da Diretiva 2004/38. Esta última dispõe, além disso, que a entrada e a residência dos outros membros da família devem ser facilitadas por cada Estado‑Membro «nos termos da sua legislação nacional», podendo‑se deduzir daí que a constituição dos direitos de entrada e residência não resulta diretamente da Diretiva 2004/38, decorrendo antes necessariamente do direito interno do Estado‑Membro.

53.      Esta distinção é confirmada pelo sexto considerando da Diretiva 2004/38, que constitui um elemento determinante para a interpretação do artigo 3.°, n.° 2, desta diretiva, dado que foi incluído precisamente com um cuidado de clarificação do alcance desta disposição. Com efeito, enquanto que nem a proposta apresentada em 23 de maio de 2001 pela Comissão (21) nem a proposta alterada que esta apresentou em 15 de abril de 2003 (22) incluíam qualquer considerando explicativo, resulta da Posição Comum (CE) n.° 6/2004 adotada pelo Conselho em 5 de dezembro de 2003 (23) que este acrescentou o sexto considerando «a fim de clarificar a facilitação prevista no artigo 3.°». Ora, este novo considerando opõe as pessoas que estão englobadas na definição dos membros da família na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, as quais beneficiam de um direito, qualificado como «automático», de entrada e residência, aos outros membros da família, que não beneficiam desse direito.

54.      A interpretação minimalista também não é convincente.

55.      Deve deduzir‑se da utilização do presente do indicativo no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, que esta disposição impõe, formalmente, em termos imperativos, uma obrigação a cargo dos Estados‑Membros que têm o dever de facilitar a entrada e a residência dos outros membros da família.

56.      No espírito dos seus autores, a referida disposição foi com efeito concebida como uma disposição que não era proveniente do plano das intenções mas que, pelo contrário, assumia caráter vinculativo em relação aos Estados‑Membros, independentemente da amplitude da margem de manobra que lhes era deixada.

57.      A comparação dos termos do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 com os do artigo 4.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (24), é significativa. Enquanto resulta da Diretiva 2004/38 que os Estados‑Membros «facilita[m]» a entrada e a residência dos membros da família do cidadão da União que não estão abrangidos pela definição da família nuclear, segundo a Diretiva 2003/86, «podem […] autorizar» a entrada e a residência dos ascendentes, dos filhos solteiros maiores incapazes de assegurar o seu próprio sustento e do parceiro não casado do requerente do reagrupamento nacional de um Estado terceiro.

58.      Consequentemente, considero que o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 não dá aos Estados‑Membros uma simples possibilidade, mas impõe aos mesmos uma verdadeira obrigação de adotar as medidas necessárias para facilitar a entrada e a residência das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição. Falta determinar qual é a substância, o alcance exato, desta obrigação.

59.      Enquanto os Governos dinamarquês, polaco e do Reino Unido, bem como a Comissão, consideram que o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 implica apenas obrigações de ordem processual, o AIRE Centre sustenta, nas suas observações escritas, que resulta do mesmo uma «presunção de admissão», de modo que, quando as pessoas abrangidas pela categoria de outros membros da família podem apresentar a prova exigida no artigo 10.°, n.° 2, alínea e), desta diretiva, mas não preenchem os requisitos impostos pelo direito nacional do Estado‑Membro de acolhimento, cabe ao órgão jurisdicional nacional decidir se as disposições nacionais são suficientes para conferir plena eficácia à presunção estabelecida no artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva.

60.      A existência de obrigações de ordem processual é, em minha opinião, dificilmente contestável. Em meu entender, a Diretiva 2004/38 obriga os Estados‑Membros a preverem, no mínimo, a possibilidade de as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição obterem uma decisão relativa ao seu pedido de entrada e residência, que se baseie numa análise aprofundada da sua situação pessoal e que, em caso de recusa, seja fundamentada e passível de recurso jurisdicional.

61.      Esta interpretação do âmbito do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 corresponde à vontade do legislador da União tal como é apresentada pelo sexto considerando desta diretiva, que prevê que o Estado‑Membro de acolhimento deve analisar a situação do requerente, tendo em conta diversas circunstâncias, como a sua relação de parentesco com o cidadão da União ou a sua dependência física ou financeira deste.

62.      Parece‑me, sobretudo, que ela é reforçada no artigo 3.°, n.° 2, último parágrafo, da Diretiva 2004/38, que dispõe expressamente que o Estado‑Membro de acolhimento «procede a uma extensa análise das circunstâncias pessoais e justifica a eventual recusa de entrada ou de residência das pessoas [referidas no primeiro parágrafo]».

63.      Em contrapartida, não partilho da posição do AIRE Centre segundo a qual os outros membros da família beneficiam de uma presunção de admissão. Em primeiro lugar, a exigência de uma relação de dependência com o cidadão da União, imposta pelo artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38, parece‑me constituir, não uma presunção, mas uma condição prévia à aplicabilidade desta disposição. Em seguida, o reconhecimento de uma presunção de admissão diretamente resultante desta diretiva parece‑me contrário à remissão para o direito dos Estados‑Membros da definição das condições de obtenção do direito de entrada e de residência que implica a passagem «nos termos da sua legislação nacional».

64.      A obrigação de facilitação é formulada em termos gerais, que deixam uma ampla margem de manobra a cada Estado‑Membro, cuja amplitude é ainda acentuada pela remissão expressa para a legislação nacional. Nestas condições, não se poderia deduzir daí qualquer presunção de admissão. A meu ver, a Diretiva 2004/38 apenas exige um certo nível de harmonização através de uma disposição que contém apenas imposições mínimas e que, consequentemente, deixa subsistir diferenças entre os Estados‑Membros quanto aos requisitos de entrada e residência das pessoas referidas no artigo 3.°, n.° 2, desta diretiva.

65.      Isso não significa que os Estados‑Membros disponham de total liberdade para facilitar, a seu bel‑prazer, a entrada e a residência das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição.

66.      Se uma disposição do direito da União que inclui uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros não pode, em princípio, ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme (25), segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, importa analisar precisamente os termos exatos da remissão efetuada para os direitos nacionais a fim de circunscrever com exatidão a margem de manobra que é deixada aos Estados‑Membros (26).

67.      A precisão dos termos utilizados pelo legislador da União no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 para definir, ainda que por exclusão, o âmbito de aplicação ratione materiae da obrigação de facilitação implica, em minha opinião, uma interpretação autónoma e uniforme dos conceitos utilizados nesta disposição para definir os seus beneficiários, com exclusão de qualquer margem de apreciação. Consequentemente, um Estado‑Membro não pode reduzir o âmbito de aplicação, quer diretamente, decidindo, por exemplo, excluir do benefício das medidas de facilitação os membros da família na linha direta, para além de um determinado grau de parentesco, ou os colaterais, ou ainda o parceiro com o qual o cidadão da União tem uma relação duradoura, quer indiretamente, prevendo requisitos que tenham por objeto ou por efeito excluir certas categorias de beneficiários. Não me parece possível, por exemplo, subordinar os direitos reconhecidos ao parceiro com o qual o cidadão tem uma relação duradoura a uma exigência de parceria registada ou a uma condição de equiparação da parceria ao casamento, tal como a que figura no artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/38.

68.      A meu ver, a margem de apreciação atribuída aos Estados‑Membros comporta, além disso, um duplo limite.

69.      Em primeiro lugar, em aplicação do critério resultante dos acórdãos de 2 de outubro de 2003, Garcia Avello (27), de 14 de outubro de 2008, Grunkin e Paul (28), e de 22 de dezembro de 2010, Sayn‑Wittgenstein (29), retomado no acórdão McCarthy, já referido (30), a medida nacional em causa não deve ter por efeito criar entraves injustificados ao exercício, pelo cidadão da União, do seu direito de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros. Parece‑me que esse entrave estaria caraterizado se se provasse que o cidadão da União era obrigado a sair do território do Estado‑Membro de acolhimento, ou mesmo, a fortiori, a sair do território da União no seu conjunto. Nesta última hipótese, resultava, aliás, daí, em conformidade com as precisões feitas pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão, de 15 de novembro de 2011, Dereci e o. (31), uma privação do gozo efetivo do essencial dos direitos inerentes ao estatuto de cidadão da União, que implicava o reconhecimento de um direito de residência em benefício dos membros da família, dado que este conceito é utilizado pelo Tribunal de Justiça não só como critério de conexão com o direito da União, para incluir na órbita protetora deste direito situações que, na ausência de elemento transfronteiriço, dele estariam normalmente excluídas, mas também como regra de fundo, uma vez que a fruição efetiva do direito de residência do cidadão da União conduz à atribuição de um direito de residência em benefício dos membros da sua família.

70.      Em segundo lugar, a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros encontra os seus limites na obrigação de respeito do direito à vida privada e familiar, consagrado pelo artigo 7.° da Carta, a qual, por força do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, adquiriu o mesmo valor jurídico que os tratados.

71.      O Tribunal de Justiça reconheceu que o direito fundamental à vida familiar fazia parte dos princípios gerais do direito da União. No seu acórdão Metock e o., já referido, precisou que «se os cidadãos da União não fossem autorizados a ter uma vida familiar normal no Estado‑Membro de acolhimento, o exercício das liberdades que o Tratado lhes garante ficaria seriamente comprometido» (32). No acórdão Dereci e o., já referido, recordando que o artigo 7.° da Carta consagra direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 8.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (33), e que se devia, portanto, dar ao primeiro destes dois artigos o mesmo sentido e o mesmo alcance que ao segundo, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o Tribunal de Justiça considerou que o órgão jurisdicional de reenvio, neste processo, devia verificar se a recusa de concessão de um direito de residência a requerentes nacionais de Estados terceiros, membros da família de um cidadão da União, ofendia o direito ao respeito da vida privada e familiar (34).

72.      O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu reiteradamente que o artigo 8.° da CEDH não garante aos estrangeiros «o direito de escolher o local mais adequado para desenvolver uma vida familiar» (35) e não impõe a um Estado «a obrigação geral de respeitar a escolha, levada a cabo pelo casal, da sua residência comum e de permitir o reagrupamento familiar no seu território» (36). Considerou, no entanto, que este artigo pode criar obrigações positivas, inerentes ao respeito efetivo da vida familiar (37), que, para um Estado, consiste em ter a obrigação de deixar uma pessoa entrar no seu território.

73.      Com base nesta interpretação, o Tribunal de Justiça considerou que, mesmo que a CEDH não garanta qualquer direito de um estrangeiro entrar ou residir no território de um país determinado, excluir uma pessoa de um país onde vivem os seus familiares chegados pode constituir uma ingerência no direito ao respeito da vida familiar, como protegido no artigo 8.°, n.° 1, desta Convenção. Semelhante ingerência viola a CEDH se não cumprir as exigências do n.° 2 do mesmo artigo, ou seja, se não estiver «prevista na lei», não for inspirada por uma ou várias finalidades legítimas à luz do referido número e não for «necessária numa sociedade democrática», isto é, «justificada por uma necessidade social imperiosa» e, nomeadamente, proporcionada ao objetivo legítimo prosseguido (38).

74.      A conjugação do direito de residência inerente à cidadania da União e da proteção da vida privada e familiar, tal como é posta em prática no direito da União, pode, pois, conduzir à constituição de um direito de residência em benefício dos membros da família do cidadão da União.

75.      Não me parece que este direito deva ser reservado aos familiares mais chegados. Se o artigo 8.° da CEDH garante apenas o exercício do direito ao respeito de uma vida familiar «existente» e, no domínio específico da entrada, residência e afastamento dos não nacionais, se tenha entendido que a família devia ser limitada ao «núcleo familiar» (39), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem adota, contudo, uma conceção alargada da vida familiar (40), que é caraterizada pela presença de elementos jurídicos ou factuais que indiquem a existência de uma relação pessoal estreita, o que permite, por exemplo, incluir, com respeito de certos requisitos, as relações entre avós e netos (41) ou as relações entre irmãos e irmãs (42). Mesmo relações de facto, alheias a qualquer laço de parentesco, foram qualificadas de «vida familiar» (43).

76.      Em minha opinião, o princípio de não discriminação proíbe que se adote uma definição de família de geometria variável consoante os próprios membros da família do cidadão da União em causa sejam cidadãos da União ou nacionais de um país terceiro. Para a delimitação do perímetro do direito fundamental à vida privada e familiar, o conceito de família também não pode variar em função das definições mais ou menos restritivas que dele dão as disposições de direito derivado.

77.      Daí se deduz que o direito fundamental à vida privada e familiar pode, em princípio, ser invocado por todas as categorias de pessoas referidas no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38.

78.      No que respeita à situação dos demandados no processo principal, considerando apenas as circunstâncias de facto salientadas na decisão de reenvio, não está provado que a recusa de emissão de um cartão de residência pelas autoridades do Reino Unido ao irmão, ao meio‑irmão e ao sobrinho de M. Rahman prejudique a vida privada e familiar da mulher deste. Contudo, em minha opinião, esta questão só pode ser resolvida caso a caso, em função das circunstâncias específicas de cada situação, e, consequentemente, incumbe ao órgão jurisdicional nacional, ao qual pertence verificar se existe um prejuízo desproporcionado para a vida privada e familiar da mulher de M. Rahman.

79.      Do que antecede conclui‑se:

¾        por um lado, que o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que exige que os Estados‑Membros adotem as medidas necessárias para facilitar a entrada e a residência no seu território de todas as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição, o que implica que as pessoas em causa tenham a possibilidade de obter um direito de entrada e residência após uma análise aprofundada do seu pedido, tendo em conta a sua situação pessoal e, em caso de recusa, uma decisão suficientemente fundamentada, que possa ser objeto de recurso jurisdicional. A referida disposição não obriga os Estados‑Membros a reconhecer um direito automático de entrada e residência aos outros membros da família, nacionais de um Estado terceiro, que satisfaçam as exigências do artigo 10.°, n.° 2, alínea e), desta diretiva, e

¾        por outro lado, que o direito primário da União, designadamente as suas disposições relativas à cidadania da União e à proteção da vida privada e familiar, e o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, se opõem a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um Estado terceiro, abrangido pelo âmbito de aplicação desta última disposição, a residência no seu território, quando este nacional pretenda residir com um membro da sua família que é cidadão da União, uma vez que essa recusa coloca injustificadamente entraves ao exercício do direito de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros do referido cidadão da União, ou prejudica de forma desproporcionada o seu direito ao respeito da vida privada e familiar, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

b)      Quanto à segunda questão

80.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio, em substância, pretende saber se o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 pode ser invocado por um outro membro da família que não poderia cumprir as exigências impostas pela legislação nacional.

81.      Sem que seja necessário retomar, em pormenor, os princípios, firmemente estabelecidos, que regulam o efeito direto das diretivas, recorde‑se que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, «sempre que as disposições de uma diretiva se mostrem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, estas disposições podem ser invocadas, na falta de medidas de execução tomadas dentro dos prazos, contra qualquer disposição nacional não conforme à diretiva, ou ainda se as mesmas definirem direitos que os particulares possam invocar contra o Estado» (44). Por vezes, o Tribunal de Justiça abandona a dupla exigência de precisão e de incondicionalidade para se interessar apenas pela margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros e, nesse caso, chama o órgão jurisdicional nacional a verificar se o legislador nacional se manteve dentro dos limites da margem de apreciação traçada pela diretiva (45).

82.      Como referido, em minha opinião, o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 contém uma obrigação específica de os Estados‑Membros preverem a possibilidade de as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição obterem um direito de entrada e de residência após uma análise aprofundada do seu pedido. Esta obrigação mínima de ordem processual apresenta o duplo caráter de precisão e de incondicionalidade exigido para que uma disposição constante de uma diretiva possa ter efeito direto.

83.      Apesar da margem de manobra relativamente importante deixada aos Estados‑Membros, designadamente para determinar os requisitos de atribuição dos direitos de entrada ou de residência, salientei que as legislações nacionais não podem limitar o âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, restringindo, direta ou indiretamente, as categorias de beneficiários. Consequentemente, considero que os particulares excluídos do benefício das disposições de direito interno, que transpõem a obrigação de facilitação em razão de exigências específicas não previstas por esta diretiva, podem alegar perante o órgão jurisdicional nacional a incompatibilidade desta regulamentação com o disposto no artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva.

84.      Mais especificamente, no que respeita à situação dos demandados no processo principal, se se provar que entram efetivamente na categoria dos outros membros da família a cargo, na aceção da Diretiva 2004/38, podiam contestar a recusa de análise do seu pedido, fundada no fato de não terem residido no mesmo Estado que o casal Rahman antes de estes se terem estabelecido no Reino Unido (46).

85.      Pelas razões que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão que o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 atribui aos outros membros da família que preenchem os requisitos previstos nesta disposição o direito de a invocar perante um órgão jurisdicional nacional a fim de, designadamente, excluir a aplicação de exigências específicas que restringem o seu âmbito de aplicação.

c)      Quanto à terceira e quarta questões

86.      Com a sua terceira questão, no essencial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a categoria dos outros membros da família, referida no artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38, é ou não limitada aos que residiram no mesmo Estado que o nacional da União e o seu cônjuge, antes de este se ter deslocado para o Estado‑Membro de acolhimento.

87.      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a situação de dependência em relação ao cidadão da União ou ao seu cônjuge, no artigo 3.°, n.° 2, alínea a), desta diretiva, deve ter existido pouco tempo antes de o nacional da União se ter deslocado para o Estado‑Membro de acolhimento.

88.      A título liminar, recorde‑se que, em conformidade com o princípio enunciado no n.° 39 das presentes conclusões e com a interpretação da remissão para o direito dos Estados‑Membros que acabo de sugerir, considero que os conceitos utilizados no artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva para definir os beneficiários desta disposição devem ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme.

89.      Na medida em que a referida disposição é aplicável a qualquer outro membro da família, que esteja «a cargo do cidadão da União […] ou [(47)] que com este viva em comunhão de habitação», considero, como a Comissão, que há que distinguir a situação das pessoas «a cargo» da das pessoas «em comunhão de habitação» com o cidadão da União.

90.      Embora me pareça evidente que o membro da família que declara viver em comunhão de habitação com o cidadão da União deva demonstrar que reside com ele e, portanto, necessariamente no mesmo Estado, considero inversamente que um membro da família «a cargo» não pode ser excluído do âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38 com o fundamento de que não residiu no mesmo Estado que o cidadão da União que pretende acompanhar ou com quem se pretende reunir. Esta opinião baseia‑se em razões atinentes tanto à redação das disposições desta diretiva e à finalidade da mesma como à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

91.      Cumpre, com efeito, salientar que os membros da família cuja entrada e residência os Estados‑Membros devem facilitar são definidos, na aceção do artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da referida diretiva, como aqueles que, «no país do qual provenha[m]», estejam a cargo ou vivam em comunhão de habitação com o cidadão da União que tem direito de residência a título principal. Nada na letra desta disposição permite considerar que a expressão geral «país do qual provenha», que engloba tanto os Estados‑Membros como os Estados terceiros, devia abranger apenas o Estado da União do qual vem o cidadão da União que exerceu o seu direito à livre circulação. Certas versões linguísticas demonstram, aliás, que o conceito de «país do qual provenha» é necessariamente relativa ao membro da família e não ao cidadão da União (48).

92.      Do mesmo modo, o artigo 10.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/38, que enumera taxativamente os documentos que os nacionais de um Estado terceiro abrangidos pela categoria referida no artigo 3.°, n.° 2, alínea a), desta diretiva podem ser levados a apresentar no Estado‑Membro de acolhimento para a emissão de um cartão de residência, dispõe que estes documentos podem ser emitidos pela autoridade competente do «país de origem ou de proveniência», sem prever a possibilidade de o Estado‑Membro de acolhimento exigir documentos que justifiquem uma eventual residência no mesmo Estado que o cidadão da União.

93.      Esta leitura é confirmada pela finalidade da Diretiva 2004/38, que visa facilitar a livre circulação do cidadão da União e manter a unidade da sua família, independentemente de quaisquer considerações relativas à origem ou à proveniência dos outros membros da família.

94.      O Tribunal de Justiça seguiu uma abordagem idêntica para definir o conceito de descendente ou de ascendente a cargo tal como este figurava nos atos, anteriores à Diretiva 2004/38, que regulavam a livre circulação dos trabalhadores assalariados e dos trabalhadores independentes, bem como dos prestadores de serviços.

95.      Longe de subordinar a existência de uma relação de dependência a qualquer requisito de residência prévia do membro da família e do cidadão da União no mesmo Estado, considerou que a qualidade de familiar «a cargo» resulta de uma situação de facto caracterizada pela circunstância de o apoio material do familiar ser assegurado pelo cidadão comunitário que fez uso da liberdade de circulação ou pelo seu cônjuge (49).

96.      O Tribunal de Justiça precisou, além disso, a propósito do artigo 6.° da Diretiva 73/148, que a necessidade de apoio material deve verificar‑se no Estado de origem ou de proveniência dos ascendentes «no momento em que pedem para se juntar ao referido cidadão [da União]» (50).

97.      Segundo o Tribunal, esta conclusão impunha‑se à luz do artigo 4.°, n.° 3, da Diretiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados‑Membros e suas famílias na Comunidade (51), segundo o qual a prova da qualidade de ascendente a cargo do trabalhador assalariado ou do seu cônjuge, na aceção do artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68, se faz através da apresentação de um documento emitido pela autoridade competente do «Estado de origem ou de proveniência» atestando que o ascendente em causa está a cargo do referido trabalhador ou do seu cônjuge (52).

98.      Procuro, em vão, as razões que poderiam levar à adoção de uma outra definição do conceito de «pessoa a cargo», na aceção do artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38, e a subordinar esta qualificação a um requisito de residência no mesmo Estado que o cidadão da União.

99.      Também nada me parece justificar que se exija que a situação de dependência tenha existido pouco tempo antes de o nacional da União se ter deslocado para o Estado‑Membro de acolhimento, quando o critério a tomar em consideração é o momento em que o pedido de entrada e residência é apresentado. Se a dependência existia no momento da instalação no Estado‑Membro de acolhimento, mas foi interrompida desde então, o requisito do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 não está preenchido. Se, em contrapartida, a situação de dependência surgiu posteriormente à entrada do cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, o membro da família poderá ser considerado como estando «a cargo». Esse poderia ser o caso, por exemplo, de um cidadão da União que, após ter exercido o seu direito à livre circulação, é levado a assumir a cargo um sobrinho cujos pais acabaram de morrer.

100. O princípio de interpretação, recordado no n.° 34 das presentes conclusões, leva a transpor as regras estabelecidas pela jurisprudência sob a égide das disposições anteriores à Diretiva 2004/38, sem que se possa alegar qualquer motivo suscetível de justificar que o conceito de «pessoa a cargo» seja objeto de uma apreciação diferenciada em função da pertença do nacional do Estado terceiro em causa à categoria dos membros da família referida no artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, ou à categoria dos outros membros da família referida no artigo 3.°, n.° 2, da diretiva em causa.

101. Resulta do que precede que o artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que:

¾        se opõe a uma regulamentação nacional que limita o âmbito de aplicação desta disposição aos outros membros da família que residiram no mesmo Estado que o cidadão da União, antes de este se ter deslocado para o Estado‑Membro de acolhimento, e

¾        o conceito de «pessoa a cargo» não implica que a relação de dependência tenha existido pouco tempo antes de o cidadão da União se ter deslocado para o Estado‑Membro de acolhimento.

d)      Quanto à quinta questão

102. Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se os Estados‑Membros podem subordinar a entrada e a residência de um outro membro da família a exigências específicas relativas à natureza ou à duração da dependência referida no artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38.

103. A resposta a esta questão decorre necessariamente das respostas anteriores.

104. Na aceção do artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38, o conceito de «pessoa a cargo» deve ser objeto de uma definição uniforme e autónoma, de modo que a obrigação de facilitação, interpretada no sentido de que implica a possibilidade de qualquer pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação desta disposição obter uma análise aprofundada do seu pedido e, em caso de recusa, uma decisão suficientemente fundamentada, não pode estar subordinada à satisfação de exigências específicas relativas à natureza ou à duração da situação de dependência.

105. Em contrapartida, na medida em que considero que esta disposição não implica a atribuição automática de um direito de residência, não vejo qualquer obstáculo de princípio a que um Estado‑Membro defina requisitos específicos de obtenção do direito de entrada e residência com o objetivo de assegurar a realidade, a efetividade e a duração do nexo de dependência.

106. Estes requisitos devem, no entanto, respeitar o princípio da efetividade, o que supõe que não sejam estruturadas de maneira a tornar praticamente impossível o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União. Daí resulta que os requisitos previstos pelos Estados‑Membros não poderão privar, de facto, as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida disposição de qualquer possibilidade de obter um direito de entrada e de residência. Não poderia ser admitida, por exemplo, uma disposição nacional que estipulasse que, para poder beneficiar de um direito de residência, o nacional de um Estado terceiro deve demonstrar que está a cargo do cidadão da União há mais de 20 anos.

107. Além disso, os requisitos relativos à natureza ou à duração da relação de dependência podem constituir restrições à admissão dos outros membros da família, que, no entanto, os Estados‑Membros têm a obrigação de facilitar. Do mesmo modo, para serem aceites, devem prosseguir um objetivo legítimo, ser adequadas a assegurar a realização deste objetivo e não exceder o que é necessário para o alcançar.

108. Por conseguinte, considero que o artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38 não se opõe a uma regulamentação nacional que subordina a entrada e a residência de um nacional de um Estado terceiro a requisitos de natureza ou de duração da relação de dependência, desde que estes requisitos prossigam um objetivo legítimo, que sejam adequados a assegurar a realização deste objetivo e não excedam o necessário para o alcançar.

V –— Conclusão

109. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais apresentadas pelo Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London:

«1)      O artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, deve ser interpretado no sentido de que exige que os Estados‑Membros adotem as medidas necessárias para facilitar a entrada e a residência no seu território de todas as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição, o que implica que as pessoas em causa tenham a possibilidade de obter um direito de entrada e residência após uma análise aprofundada do seu pedido, tendo em conta a sua situação pessoal e, em caso de recusa, uma decisão suficientemente fundamentada, que possa ser objeto de recurso jurisdicional. A referida disposição não obriga os Estados‑Membros a reconhecer um direito automático de entrada e residência aos outros membros da família, nacionais de um Estado terceiro, que satisfaçam as exigências do artigo 10.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2004/38.

2)      O direito primário da União, designadamente as suas disposições relativas à cidadania da União e à proteção da vida privada e familiar, e o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, opõem‑se a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um Estado terceiro, abrangido pelo âmbito de aplicação desta última disposição, a residência no seu território, quando este nacional pretenda residir com um membro da sua família que é cidadão da União, uma vez que essa recusa coloca injustificadamente entraves ao exercício do direito de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros do referido cidadão da União, ou prejudica de forma desproporcionada o seu direito ao respeito da vida privada e familiar, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

3)      O artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 atribui aos outros membros da família que preenchem os requisitos previstos nesta disposição o direito de o invocar perante um órgão jurisdicional nacional a fim de, designadamente, excluir a aplicação das exigências específicas que restringem o seu âmbito de aplicação.

4)      O artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que:

—      se opõe a uma regulamentação nacional que limita o âmbito de aplicação desta disposição aos outros membros da família que residiram no mesmo Estado que o cidadão da União, antes de este se ter deslocado para o Estado‑Membro de acolhimento;

—      o conceito de ‘pessoa a cargo’ não implica que a relação de dependência tenha existido pouco tempo antes de o cidadão da União se ter deslocado para o Estado‑Membro de acolhimento; e

—      não se opõe a uma regulamentação nacional que subordina a entrada e a residência de um nacional de um Estado terceiro a requisitos de natureza ou de duração da relação de dependência, desde que estes requisitos prossigam um objetivo legítimo, que sejam adequados a assegurar a realização deste objetivo e não excedam o necessário para o alcançar.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 158, p. 77; retificações no JO L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34.


3 —      A seguir «Carta».


4 —      A seguir «Regulamento de 2006».


5 —      O Regulamento de 2011 relativo à imigração (Espaço Económico Europeu) (Amendment) [Immigration (European Economic Area) (Amendment) Regulations 2011] substituiu as palavras «num Estado do EEE» por «num país distinto do Reino Unido». Mesmo supondo que esta alteração, efetuada após o recurso para o Tribunal de Justiça, seja imediatamente aplicável aos processos pendentes, não me parece suscetível de pôr em causa a pertinência da terceira questão colocada pelo Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London (Reino Unido), uma vez que subsiste uma condição de residência prévia no mesmo Estado que o nacional da União.


6 —      V. acórdão de 7 de julho de 2011, Agafitei e o. (C‑310/10, Colet., p. I‑5989, n.os 25 e 27e jurisprudência aí referida).


7 —      V., designadamente, n.° 37 da decisão de reenvio.


8 —      V. n.° 41 da mesma decisão.


9 —      V. acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis (C‑145/09, Colet., p. I‑11979, n.° 23 e jurisprudência aí referida).


10 —      V. acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, Colet., p. I‑6241, n.° 68).


11 —      V., igualmente, acórdãos de 7 de outubro de 2010, Lassal (C‑162/09, Colet., p. I‑9217, n.° 29), e de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, Colet., p. I‑3375, n.° 27).


12 —      V. acórdão Lassal, já referido (n.° 31).


13 —      V. acórdão de 3 de junho de 1986, Kempf (139/85, Colet., p. 1741, n.° 13).


14 —      V. acórdão de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja (C‑424/10 e C‑425/10, Colet., p. I‑14035, n.° 32 e jurisprudência aí referida).


15 —      Ibidem (n.os 33 e 34 e jurisprudência aí referida).


16 —      JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77. O artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68 dispunha que «[o]s Estados‑Membros favorecerão a admissão de todos os familiares que não beneficiem do disposto no n.° 1, desde que estes se encontrem a cargo ou vivam, no país de origem, sob o mesmo teto que o referido trabalhador».


17 —      JO L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132. Segundo o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 73/148, «[o]s Estados‑Membros favorecerão a admissão de qualquer outro familiar dos nacionais referidos no n.° 1, alíneas a) e b), ou do respetivo cônjuge, que se encontre a seu cargo ou que viva sob o mesmo teto no país de origem».


18 —      V. relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação da Diretiva 2004/38/CE [COM(2008) 840 final]. Neste relatório, de 10 de dezembro de 2008, salienta‑se que treze Estados‑Membros não asseguraram a transposição correta do n.° 2 do artigo 3.° dessa diretiva, enquanto dez Estados‑Membros alargaram o direito automático de residir com o cidadão da União a esta categoria de membros da família (n.° 3.1).


19 —      Poderia ser o caso, por exemplo, de um cidadão da União que não trabalha e que não dispõe de recursos suficientes para beneficiar de um direito de residência por mais de três meses, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38.


20 —      Artigo 288.°, último parágrafo, TFUE.


21 —      Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros [COM(2001) 257 final].


22 —      Proposta alterada de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros [COM(2003) 199 final].


23 —      JO 2004, C 54 E, p. 12.


24 —      JO L 251, p. 12.


25 —      Esta proposta deduz‑se, a contrario, da regra de interpretação recordada no n.° 39 das presentes conclusões.


26 —      V., designadamente, acórdão de 26 de junho de 2001, BECTU (C‑173/99, Colet., p. I‑4881, n.° 53).


27 —      C‑148/02, Colet., p. I‑11613.


28 —      C‑353/06, Colet., I‑7639.


29 —      C‑208/09, Colet., p. I‑13693.


30 —      N.os 49 a 53 desse acórdão.


31 —      C‑256/11, Colet., p. I‑11315.


32 —      N.° 62.


33 —      A seguir «CEDH».


34 —      Acórdão Dereci e o., já referido (n.os 70 a 72).


35 —      V. TEDH, acórdão Ahmut c. Países Baixos de 28 de novembro de 1996, Recueil des arrêts et décisions 1996‑VI, p. 2030, § 71.


36 —      V. TEDH, acórdãos Gül c. Suíça de 19 de fevereiro de 1996, 1996‑I, p. 174, § 38, e Ahmut c. Países Baixos, Recueil des arrêts et décisions, já referido, § 67.


37 —      V. TEDH, acórdão Sen c. Países Baixos de 21 de dezembro de 2001, Recueil des arrêts et décisions 2001‑I, § 31.


38 —      Acórdão de 23 de setembro de 2003, Akrich (C‑109/01, Colet., p. I‑9607, n.° 59 e jurisprudência aí referida).


39 —      V. TEDH, acórdão Slivenko c. Letónia de 9 de outubro de 2003, Recueil des arrêts et décisions 2003‑X, § 94.


40 —      Sem contar que lhe acontece proteger quanto ao aspeto da vida privada relações que não poderiam sê‑lo ao abrigo do direito à vida familiar (v. acórdão Slivenko c. Letónia, já referido, § 95).


41 —      V. TEDH, acórdão Marckx e Bélgica de 13 de junho de 1979, série A, n.° 31, § 45.


42 —      V. TEDH, acórdão Moustaquim e Bélgica de 18 de fevereiro de 1991, série A, n.° 193. Para declarar a violação do artigo 8.° da CEDH constituída pela expulsão da Bélgica de um nacional marroquino, o Tribunal toma em consideração a presença dos irmãos e irmãs na Bélgica.


43 —      V. TEDH, acórdão X, Y e Z c. Reino Unido de 22 de abril de 1997, Recueil des arrêts et décisions 1997‑II, § 36.


44 —      Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, Colet., p. I‑5357, n.° 11). V., para uma aplicação desta regra a uma disposição da Diretiva 2004/38, acórdão de 17 de novembro de 2011, Aladzhov (C‑434/10, Colet., p. I‑11659, n.° 32).


45 —      Acórdão de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, Colet., p. I‑7405, n.° 66 e jurisprudência aí referida).


46 —      V. desenvolvimentos em resposta à terceira questão.


47 —      O sublinhado é meu.


48 —      Por exemplo, a versão inglesa tem a seguinte redação:


      «any other family members, irrespective of their nationality, not falling under the definition in point 2 of Article 2 who, in the country from which they have come, are dependants or members of the household of the Union citizen […]».


49 —      Acórdão de 9 de janeiro de 2007, Jia (C‑1/05, Colet., p. I‑1, n.° 35 e jurisprudência aí referida).


50 —      Ibidem (n.° 37).


51 —      JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88.


52 —      Acórdão Jia, já referido (n.° 38).