Language of document : ECLI:EU:T:2006:200

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

12 de Julho de 2006 (*)

«Política externa e de segurança comum – Medidas restritivas adoptadas contra pessoas e entidades ligadas a Oussama ben Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibãs – Competência da Comunidade – Congelamento de fundos – Princípio da subsidiariedade – Direitos fundamentais – Jus cogens – Fiscalização jurisdicional – Recurso de anulação»

No processo T‑253/02,

Chafiq Ayadi, residente em Dublim (Irlanda), representado inicialmente por A. Lyon, H. Miller, M. Willis‑Stewart, solicitors, e S. Cox, barrister, e em seguida por Lyon, Miller e Cox,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Vitsentzatos e M. Bishop, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por J. Collins, e em seguida por R. Caudwell, na qualidade de agentes, assistida por S. Moore, barrister,

e por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Brown e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial do Regulamento (CE) n.° 881/2002 do Conselho, de 27 de Maio de 2002, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama Bin Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibã, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 467/2001 que proíbe a exportação de certas mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de voos e prorroga o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos talibã do Afeganistão (JO L 139, p. 9),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, N. J. Forwood e S. Papasavvas, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Outubro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 24.°, n.° 1, da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco (Estados Unidos), em 26 de Junho de 1945, os membros da Organização das Nações Unidas (a seguir «ONU») «conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles».

2        Nos termos do artigo 25.° da Carta das Nações Unidas, «[o]s membros [da ONU] concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta».

3        Nos termos do artigo 41.° da Carta das Nações Unidas:

«O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efectivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioeléctricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas.»

4        Por força do artigo 48.°, n.° 2, da Carta das Nações Unidas, as decisões do Conselho de Segurança para a manutenção da paz e da segurança internacionais «serão executadas pelos membros das Nações Unidas directamente e mediante a sua acção nos organismos internacionais apropriados de que façam parte».

5        Segundo o artigo 103.° da Carta das Nações Unidas, «[n]o caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta».

6        Nos termos do artigo 11.°, n.° 1, UE:

«A União definirá e executará uma política externa e de segurança comum extensiva a todos os domínios da política externa e de segurança, que terá por objectivos:

–        a salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais, da independência e da integridade da União, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas;

–        o reforço da segurança da União, sob todas as formas;

–        a manutenção da paz e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas […]»

7        Nos termos do artigo 301.° CE:

«Sempre que uma posição comum ou uma acção comum adoptada nos termos das disposições do Tratado da União Europeia relativas à política externa e de segurança comum prevejam uma acção da Comunidade para interromper ou reduzir, total ou parcialmente, as relações económicas com um ou mais países terceiros, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, toma as medidas urgentes necessárias.»

8        O artigo 60.° CE dispõe:

«1.      Se, no caso previsto no artigo 301.°, for considerada necessária uma acção da Comunidade, o Conselho, de acordo com o procedimento previsto no artigo 301.°, pode tomar, relativamente aos países terceiros em causa, as medidas urgentes necessárias em matéria de movimentos de capitais e de pagamentos.

2.      Sem prejuízo do disposto no artigo 297.°, e enquanto o Conselho não tiver tomado medidas ao abrigo do n.° 1, um Estado‑Membro pode, por razões políticas graves e por motivos de urgência, tomar medidas unilaterais contra um país terceiro relativamente aos movimentos de capitais e aos pagamentos. A Comissão e os outros Estados‑Membros serão informados dessas medidas, o mais tardar na data da sua entrada em vigor.

O Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, pode decidir que o Estado‑Membro em causa deve alterar ou revogar essas medidas. O Presidente do Conselho informará o Parlamento Europeu das decisões tomadas pelo Conselho.»

9        Nos termos do artigo 307.°, primeiro parágrafo, CE:

«As disposições do presente Tratado não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de Janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados que aderem à Comunidade, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados‑Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro.»

10      Por último, o artigo 308.° CE dispõe:

«Se uma acção da Comunidade for considerada necessária para atingir, no curso de funcionamento do mercado comum, um dos objectivos da Comunidade, sem que o presente Tratado tenha previsto os poderes de acção necessários para o efeito, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, adoptará as disposições adequadas.»

 Antecedentes do litígio

11      Em 15 de Outubro de 1999, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (a seguir «Conselho de Segurança») adoptou a Resolução 1267 (1999), através da qual, designadamente, condenou o facto de continuar a ser dado acolhimento e treino a terroristas e de serem preparados actos terroristas em território afegão, reafirmou a sua convicção de que a repressão do terrorismo internacional é essencial para a manutenção da paz e da segurança internacionais e deplorou que os talibãs continuassem a dar refúgio a Usama bin Laden (Oussama ben Laden, na maior parte das versões francesas dos documentos adoptados pelas instituições comunitárias) e a permitir que ele, bem como os seus associados, dirigissem uma rede de campos de treino de terroristas em território por eles controlado e utilizassem o Afeganistão como base para patrocinar operações terroristas internacionais. No n.° 2 dessa resolução, o Conselho de Segurança exigiu que os talibãs entregassem sem demora o nomeado Oussama ben Laden às autoridades competentes. A fim de assegurar o respeito dessa obrigação, o n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999) dispõe que todos os Estados deverão, designadamente, «[c]ongelar os fundos e outros recursos financeiros, incluindo fundos provenientes ou obtidos a partir de bens que sejam propriedade dos taliban ou controlados, directa ou indirectamente, por eles ou por qualquer empresa de que os taliban sejam proprietários ou que esteja sob o seu controlo, tal como designados pelo comité instituído em aplicação do n.° 6, infra, e assegurar que nem os referidos fundos nem quaisquer outros fundos ou recursos financeiros desta forma designados sejam postos, pelos seus nacionais ou por qualquer pessoa que se encontre no seu território, à disposição dos taliban ou de qualquer outra empresa propriedade dos taliban ou controlada, directa ou indirectamente, por eles, salvo autorização contrária dada, pelo Comité, caso a caso, por razões humanitárias.»

12      No n.° 6 da Resolução 1267 (1999), o Conselho de Segurança decidiu criar, em conformidade com o artigo 28.° do seu regulamento interno provisório, um Comité do Conselho de Segurança composto por todos os seus membros (a seguir «comité de sanções»), encarregado, designadamente, de velar pela execução, pelos Estados, das medidas impostas pelo n.° 4, identificar os fundos ou outros recursos financeiros visados no referido n.° 4 e examinar os pedidos de derrogação às medidas impostas por esse mesmo n.° 4.

13      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade a fim dar execução a essa resolução, o Conselho adoptou, em 15 de Novembro de 1999, a Posição Comum 1999/727/PESC, relativa a medidas restritivas contra os Taliban (JO L 294, p. 1). O artigo 2.° dessa posição comum impõe o congelamento dos fundos e outros recursos financeiros detidos no estrangeiro pelos taliban, nas condições definidas na Resolução 1267 (1999) do Conselho de Segurança.

14      Em 14 de Fevereiro de 2000, o Conselho adoptou, com base nos artigos 60.° CE e 301.° CE, o Regulamento (CE) n.° 337/2000, relativo a uma proibição de voos e a um congelamento de fundos e outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão (JO L 43, p. 1).

15      Em 19 de Dezembro de 2000, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1333 (2000), que exige, designadamente, que os taliban dêem cumprimento à Resolução 1267 (1999), em particular, deixando de dar refúgio e treino aos terroristas internacionais e às suas organizações e entregando Oussama ben Laden às autoridades competentes, para que este seja julgado. O Conselho de Segurança decidiu, em particular, reforçar a proibição dos voos e o congelamento dos fundos impostos pela Resolução 1267 (1999). Assim, o n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) dispõe que todos os Estados devem, designadamente, «[c]ongelar sem demora os fundos e outros activos financeiros de Usama bin Laden e das pessoas e entidades a ele associadas, tal como designadas pelo [comité de sanções], incluindo os da organização Al‑Qaida e os fundos provenientes ou obtidos a partir de bens que sejam propriedade de Usama bin Laden ou controlados, directa ou indirectamente, por ele e por pessoas e entidades a ele associadas, e assegurar que nem os referidos fundos nem quaisquer outros fundos ou recursos financeiros sejam postos, pelos seus nacionais ou por qualquer pessoa que se encontre no seu território, à disposição, directa ou indirectamente de Usama bin Laden, dos seus associados ou de qualquer entidade que seja propriedade ou que seja controlada, directa ou indirectamente, por Usama bin Laden ou por pessoas e entidades a ele associados, incluindo os da organização Al‑Qaida».

16      Nessa mesma disposição, o Conselho de Segurança encarregou o comité de sanções de manter, com base nas informações comunicadas pelos Estados e pelos organismos regionais, uma lista actualizada dos indivíduos e entidades que o referido comité identificou como estando associados a Oussama ben Laden, incluindo a organização Al‑Qaida.

17      No n.° 17 da Resolução 1333 (2000), o Conselho de Segurança pediu a todos os Estados membros e a todas as organizações internacionais ou regionais, entre elas a ONU e as instituições especializadas, que observassem estritamente as disposições da referida resolução, não obstante a existência de todos os direitos conferidos ou obrigações impostas por um acordo internacional.

18      No n.° 23 da Resolução 1333 (2000), o Conselho de Segurança decidiu que as medidas impostas, designadamente, ao abrigo do n.° 8, seriam aplicadas durante doze meses e que, no fim desse período, determinaria se deviam ser prorrogadas por um novo período, nas mesmas condições.

19      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade a fim de dar execução a essa resolução, o Conselho adoptou, em 26 de Fevereiro de 2001, a Posição Comum 2001/154/PESC, que impõe medidas restritivas adicionais contra os Taliban e que altera a Posição Comum 96/746/PESC (JO L 57, p. 1). O artigo 4.° dessa posição comum dispõe:

«São congelados os fundos e outros activos financeiros de Usama bin Laden e das pessoas e entidades a ele associadas, conforme designadas pelo [comité de sanções], e não serão disponibilizados fundos ou outros recursos financeiros a Usama bin Laden e às pessoas e entidades a ele associadas, tal como designadas pelo [comité de sanções], nas condições definidas na [Resolução 1333 (2000)].»

20      Em 6 de Março de 2001, o Conselho adoptou, com base nos artigos 60.° CE e 301.° CE, o Regulamento (CE) n.° 467/2001, que proíbe a exportação de certas mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de voos, prorroga o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão e revoga o Regulamento (CE) n.° 337/2000 (JO L 67, p. 1).

21      Nos termos do considerando 3 deste regulamento, as medidas previstas pela Resolução 1333 (2000) «são abrangidas pelo âmbito do Tratado e, tendo especialmente em vista evitar a distorção da concorrência, torna‑se necessário adoptar legislação comunitária destinada a aplicar as decisões pertinentes do Conselho de Segurança no que respeita ao território da Comunidade».

22      O artigo 1.° do Regulamento n.° 467/2001 define o que deve ser entendido por «fundos» e por «congelamento de fundos».

23      Nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 467/2001:

«1.      São congelados todos os fundos e outros recursos financeiros pertencentes a qualquer pessoa singular ou colectiva, entidade ou organismo designado pelo Comité de Sanções […] e constante da lista do anexo I.

2.      Os fundos ou outros recursos financeiros não devem ser, directa ou indirectamente, colocados à disposição nem utilizados em benefício das pessoas, entidades ou organismos designados pelo Comité de Sanções [contra os] Taliban e constantes da lista do anexo I.

3.      O n.os 1 e 2 não são aplicáveis aos fundos e recursos financeiros isentados pelo Comité de Sanções [contra os] Taliban. As isenções são obtidas através das autoridades competentes dos Estados‑Membros enumeradas no anexo II».

24      Nos termos do n.° 2 do artigo 9.° do Regulamento n.° 467/2001, «[a]s isenções concedidas pelo Comité de Sanções aos Taliban são válidas em toda a Comunidade».

25      O Anexo I do Regulamento n.° 467/2001 contém a lista das pessoas, entidades e organismos visados pelo congelamento de fundos imposto pelo artigo 2.° Nos termos do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 467/2001, a Comissão está habilitada a alterar ou a completar o referido anexo, com base nas decisões do Conselho de Segurança ou do Comité de Sanções.

26      O Anexo II do Regulamento n.° 467/2001 contém a lista das autoridades nacionais competentes para efeitos da aplicação, nomeadamente, do n.° 3 do artigo 2.° Para a Irlanda, essas autoridades são, por um lado o Central Bank of Ireland, Financial Markets Department, e, por outro, o Department of Foreign Affairs, Bilateral Economic Relations Section.

27      Em 8 de Março de 2001, o comité de sanções publicou uma primeira lista consolidada das entidades e das pessoas que devem ser sujeitas ao congelamento de fundos por força das Resoluções 1267 (1999) e 1333 (2000) do Conselho de Segurança. Essa lista foi, desde então, alterada e completada em diversas ocasiões. Assim, a Comissão adoptou diversos regulamentos ao abrigo do artigo 10.° do Regulamento n.° 467/2001, através dos quais alterou ou completou o Anexo I do referido regulamento.

28      Em 19 de Outubro de 2001, o comité de sanções publicou uma nova adenda à lista de 8 de Março de 2001, que contém, designadamente, o nome do recorrente, identificado como sendo uma pessoa associada a Oussama ben Laden, sob a seguinte menção:

«Bin Muhammad, Ayadi Chafiq (A. K. A. Ayadi Shafiq, Ben Muhammad; A. K. A. Ayadi Chafik, Ben Muhammad; A. K. A. Aiadi, Ben Muhammad; A. K. A. Aiady, Ben Muhammad), Helene Meyer Ring 10‑1415‑80809, Munique, Alemanha; 129 Park Road, NW8, Londres, Inglaterra; 28 Chausse Di Lille, Moscron, Bélgica; Darvingasse 1/2/58‑60, Viena, Áustria; Tunísia; Nascido em 21 de Janeiro de 1963; Local de nascimento: Safais (Sfax), Tunísia.»

29      No mesmo dia, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2062/2001, que altera, pela terceira vez, o Regulamento n.° 467/2001 (JO L 277, p. 25). Nos termos do artigo 1.° desse regulamento, o nome do recorrente foi acrescentado ao Anexo I do Regulamento n.° 467/2001, sob a menção:

«BIN MUHAMMAD, Ayadi Chafiq (também conhecido por AYADI SHAFIQ, Ben Muhammad; AYADI CHAFIK, Ben Muhammad; AIADI, Ben Muhammad ou AIADY, Ben Muhammad), Helene Meyer Ring 10‑1415‑80809, Munique, Alemanha; 129 Park Road, NW8, Londres, Inglaterra; 28 Chaussée de Lille, Mouscron, Bélgica; Darvingasse 1/2/58‑60, Viena, Áustria; Tunísia. Nascido em 21 de Janeiro de 1963, em Safais (Sfax), na Tunísia.»

30      Em 16 de Janeiro de 2002, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1390 (2002), que fixa as medidas a impor relativamente a Oussama ben Laden, aos membros da organização Al‑Qaida, bem como aos Taliban e a outras pessoas, grupos, empresas e entidades associadas. Esta resolução prevê, no essencial, nos n.os 1 e 2, a manutenção das medidas, designadamente o congelamento de fundos, impostas pelo n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999) e pelo n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000). Em conformidade com o n.° 3 da Resolução 1390 (2002), estas medidas serão reexaminadas pelo Conselho de Segurança, doze meses depois da sua adopção, prazo findo o qual as manterá ou decidirá melhorá‑las.

31      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade a fim de dar execução a essa resolução, o Conselho adoptou, em 27 de Maio de 2002, a Posição Comum 2002/402/PESC, relativa a medidas restritivas contra Osama bin Laden, os membros da organização Al‑Qaida e os Talibã, bem como contra outros indivíduos, grupos, empresas e entidades a eles associados e que revoga as Posições Comuns 96/746/PESC, 1999/727/PESC, 2001/154/PESC e 2001/771/PESC (JO L 139, p. 4). O artigo 3.° desta posição comum prescreve, designadamente, o prosseguimento do congelamento dos fundos e dos outros haveres financeiros ou recursos económicos dos indivíduos, grupos, empresas e entidades referidos na lista elaborada pelo comité de sanções em conformidade com as Resoluções 1267 (1999) e 1333 (2000) do Conselho de Segurança.

32      Em 27 de Maio de 2002, o Conselho adoptou, com base nos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE, o Regulamento (CE) n.° 881/2002, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama Bin Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibã, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 467/2001 (JO L 139, p. 9, a seguir «regulamento impugnado»).

33      Nos termos do considerando 4 deste regulamento, as medidas previstas, designadamente, na Resolução 1390 (2002) do Conselho de Segurança «estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do Tratado, pelo que se torna necessário, especialmente para evitar distorções de concorrência, aprovar legislação comunitária que permita a aplicação, no território da Comunidade, das decisões pertinentes do Conselho de Segurança».

34      O artigo 1.° do regulamento impugnado define os «fundos» e o «congelamento de fundos» em termos, no essencial, idênticos aos do artigo 1.° do Regulamento n.° 467/2001. Além disso, define o que deve entender‑se por «recursos económicos».

35      Nos termos do artigo 2.° do regulamento impugnado:

«1.      São congelados todos os fundos e recursos económicos que sejam propriedade das pessoas singulares ou colectivas, grupos ou entidades designados pelo Comité de Sanções e enumerados no anexo I, ou que por eles sejam possuídos ou detidos.

2.      [Nenhuns] fundos […] devem ser, directa ou indirectamente, colocados à disposição [ou] utilizados em benefício de pessoas singulares ou colectivas, grupos ou entidades designados pelo Comité de Sanções e enumerados no anexo I.

3.      Os recursos económicos não devem ser, directa ou indirectamente, colocados à disposição [ou] utilizados em benefício de pessoas singulares ou colectivas, grupos ou entidades designados pelo Comité de Sanções e enumerados no anexo I, de forma a que essas pessoas, grupos ou entidades possam vir a beneficiar de fundos, bens ou serviços.»

36      Nos termos do artigo 4.° do regulamento impugnado:

«1.      É proibido participar, consciente e intencionalmente, em actividades que tenham por objectivo ou efeito iludir, directa ou indirectamente, as disposições do artigo 2.° ou promover as transacções referidas no artigo 3.°

2.      Devem ser notificadas às autoridades competentes dos Estados‑Membros e, directamente ou através dessas autoridades, à Comissão todas as informações que indiquem que as disposições do presente regulamento estão a ser ou foram iludidas.»

37      Nos termos do artigo 7.°, n.° 2, do regulamento impugnado, «[s]em prejuízo dos direitos e obrigações dos Estados‑Membros no âmbito da Carta das Nações Unidas, a Comissão deve estabelecer, com o Comité de Sanções, todos os contactos necessários tendo em vista a aplicação efectiva do presente regulamento».

38      O Anexo I do regulamento impugnado contém a lista das pessoas, entidades e grupos visados pelo congelamento de fundos imposto pelo artigo 2.° Esta lista inclui, designadamente, o nome do recorrente, identificado sob a menção:

«Bin Muhammad, Ayadi Chafiq (também conhecido por AYADI SHAFIQ, Ben Muhammad; também conhecido por AYADI CHAFIK, Ben Muhammad; também conhecido por AIADI, Ben Muhammad; também conhecido por AIADY, Ben Muhammad), Helene Meyer Ring 10‑1415‑80809, Munique, Alemanha; 129 Park Road, Londres NW8, Inglaterra; 28 Chaussée de Lille, Mouscron, Bélgica; Darvingasse 1/2/58‑60, Viena, Áustria; Tunísia; nascido em 21.1.1963, em Safais (Sfax), Tunísia.»

39      Em 20 de Dezembro de 2002, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1452 (2002), destinada a facilitar o respeito das obrigações em matéria de luta antiterrorista. O n.° 1 dessa resolução prevê um determinado número de derrogações e de excepções ao congelamento dos fundos e dos recursos económicos imposto pelas Resoluções 1267 (1999), 1333 (2000) e 1390 (2002), que poderão ser concedidas por motivos humanitários pelos Estados, sob reserva de aprovação pelo comité de sanções.

40      Em 17 de Janeiro de 2003, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1455 (2003), que se destina a melhorar a execução das medidas impostas no n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999), no n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) e nos n.os 1 e 2 da Resolução 1390 (2002). Em conformidade com o n.° 2 da Resolução 1455 (2003), essas medidas serão de novo melhoradas dentro de doze meses ou mais cedo, se necessário.

41      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade a fim de dar execução à Resolução 1452 (2002) do Conselho de Segurança, o Conselho adoptou, em 27 de Fevereiro de 2003, a Posição Comum 2003/140/PESC do Conselho, relativa às derrogações às medidas restritivas impostas pela Posição Comum 2002/402/PESC (JO L 53, p. 62). O artigo 1.° desta posição comum prevê que, ao dar execução às medidas a que se refere o artigo 3.° da Posição Comum 2002/402, a Comunidade Europeia terá em conta as excepções permitidas pela Resolução 1452 (2002) do Conselho de Segurança.

42      Em 27 de Março de 2003, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 561/2003, que altera, no referente às excepções ao congelamento de fundos e de recursos económicos, o regulamento impugnado (JO L 82, p. 1). No considerando 4 desse regulamento, o Conselho indica que, tendo em conta a Resolução 1452 (2002) do Conselho de Segurança, torna‑se necessário ajustar as medidas impostas pela Comunidade.

43      Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 561/2003:

«No Regulamento […] n.° 881/2002 é inserido o seguinte artigo:

‘Artigo 2.°‑A

1.      O disposto no artigo 2.° não se aplica aos fundos ou recursos económicos quando:

a)      Qualquer uma das autoridades competentes dos Estados‑Membros referidas no anexo II determinar, a pedido de uma pessoa singular ou colectiva interessada, que esses fundos ou recursos económicos:

i)      são necessários para cobrir despesas de base, incluindo os pagamentos de comida, rendas ou empréstimos hipotecários, medicamentos e tratamentos médicos, impostos, apólices de seguro e serviços públicos;

ii)      se destinam exclusivamente ao pagamento de honorários profissionais razoáveis e ao reembolso de despesas associadas com a prestação de serviços jurídicos;

iii)      se destinam exclusivamente ao pagamento de encargos ou taxas de serviço correspondentes à manutenção ou gestão normal de fundos ou de recursos económicos congelados; ou

iv)      são necessários para cobrir despesas extraordinárias; e

b)      Essa determinação tiver sido notificada ao Comité de Sanções e:

c)      i)     no caso de uma determinação ao abrigo das subalíneas i), ii) ou iii) da alínea a), o Comité de Sanções não tiver, no prazo de 48 horas após a notificação, emitido objecções à determinação, ou

ii)      no caso de uma determinação ao abrigo da subalínea iv) da alínea a), o Comité de Sanções tiver aprovado a determinação.

2.      Quem pretenda beneficiar do disposto no n.° 1 deve apresentar um requerimento à autoridade competente do Estado‑Membro referida no Anexo II.

A autoridade competente referida no Anexo II deve notificar rapidamente por escrito o requerente, bem como quaisquer outras pessoas, organismos ou entidades reconhecidos como directamente interessados, de que o requerimento foi ou não deferido.

A autoridade competente deve também informar os restantes Estados‑Membros de que o requerimento de isenção foi ou não deferido.

3.      Os fundos descongelados e transferidos no interior da Comunidade para fazer face a despesas ou reconhecidos ao abrigo do presente artigo não ficarão sujeitos a outras medidas restritivas nos termos do artigo 2.°

[…]’»

44      Em 19 de Maio de 2003, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 866/2003 da Comissão, que altera pela décima oitava vez o regulamento impugnado (JO L 124, p. 19). Nos termos do artigo 1.° e do n.° 5 do anexo deste regulamento, o Anexo I do regulamento impugnado é modificado no sentido de que a menção que refere o recorrente (v. n.° 38, supra) é substituída pela seguinte menção:

«Ayadi Shafiq Ben Mohamed BEN MOHAMED [alias a) Bin Muhammad, Ayadi Chafiq; b) Ayadi Chafik, Ben Muhammad; c) Aiadi, Ben Muhammad; d) Aiady, Ben Muhammad; e) Ayadi Shafig Ben Mohamed; f) Ben Mohamed, Ayadi Chafig; g) Abou El Baraa], a) Helene Meyer Ring 10‑1415‑80809, Munique, Alemanha; b) 129 Park Road, NW8, Londres, Reino Unido; c) 28 Chaussée de Lille, Mouscron, Bélgica; d) Darvingasse 1/2/58‑60, Viena, Áustria; data de nascimento: 21 de Março de 1963; local de nascimento: Sfax, Tunísia; nacionalidade: tunisina, bósnia, austríaca; passaporte número E 423362, emitido em Islamabad em 15 de Maio de 1988; número de identificação nacional: 1292931; informações suplementares: filiação materna: Medina Abid; encontra‑se actualmente na Irlanda.»

45      Em 30 de Janeiro de 2004, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 180/2004, que altera pela vigésima nona vez o regulamento impugnado (JO L 28, p. 15). Nos termos do artigo 1.° e do n.° 4 do anexo desse regulamento, o Anexo I do regulamento impugnado é alterado no sentido de que a menção que refere o recorrente (v. n.° 38, supra) é substituída pela seguinte:

«Ayadi Shafiq Ben Mohamed BEN MOHAMED [também designado a) Bin Muhammad, Ayadi Chafiq; b) Ayadi Chafik, Ben Muhammad; c) Aiadi, Ben Muhammad; d) Aiady, Ben Muhammad; e) Ayadi Shafig Ben Mohamed; f) Ben Mohamed, Ayadi Chafig; g) Abou Le Baraa]; a) Helene‑Meyer‑Ring 10‑1415, D‑80809 Munique, Alemanha; b) 129 Park Road, NW8, Londres, Reino Unido; c) 28 Chaussée de Lille, Mouscron, Bélgica. Data de nascimento: 21 de Março de 1963. Local de nascimento: Sfax, Tunísia. Nacionalidade: a) tunisina; b) bósnia. Passaporte n.° E 423362 emitido em Islamabad em 15 de Maio de 1988. Número de identificação nacional: 1292931. Informações suplementares: Filiação materna – Medina Abid; encontra‑se actualmente na Irlanda.»

46      Em 30 de Janeiro de 2004, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1526 (2004) que se destina, por um lado, a melhorar a execução das medidas impostas no n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999), no n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) e nos n.os 1 e 2 da Resolução 1390 (2002) e, por outro, a reforçar o mandato do comité de sanções. Em conformidade com o n.° 3 da Resolução 1526 (2004), essas medidas ainda serão melhoradas dentro de 18 meses ou antes, se necessário.

47      Nos termos do n.° 18 da Resolução 1526 (2004), o Conselho de Segurança «encoraja vigorosamente todos os Estados a informar, na medida do possível, as pessoas e entidades inscritas na lista do [comité de sanções] das medidas contra elas adoptadas, das directrizes do [comité de sanções] e da Resolução 1452 (2002)».

48      Em 29 de Julho de 2005, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1617 (2005). Esta prevê, designadamente, a manutenção das medidas impostas no n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999), no n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) e nos n.os 1 e 2 da Resolução 1390 (2002). Em conformidade com o n.° 21 da Resolução 1617 (2005), essas medidas serão reexaminadas dentro de 17 meses ou antes, se necessário, com vista eventualmente a reforçá‑las.

49      Em 17 de Janeiro de 2006, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 76/2006 da Comissão, que altera pela sexagésima primeira vez o regulamento impugnado (JO L 12, p. 7). Nos termos do artigo 1.° e do n.° 8 do anexo deste regulamento, o Anexo I do regulamento impugnado é alterado no sentido de que a menção que refere o recorrente (v. n.° 45, supra) é substituída pela menção seguinte:

«Shafiq Ben Mohamed Ben Mohamed Al‑Ayadi [também conhecido por a) Bin Muhammad, Ayadi Chafiq, b) Ayadi Chafik, Ben Muhammad, c) Aiadi, Ben Muhammad, d) Aiady, Ben Muhammad, e) Ayadi Shafig Ben Mohamed, f) Ben Mohamed, Ayadi Chafig, g) Abou El Baraa). Endereço: a) Helene Meyer Ring 10‑1415‑80809, Munique, Alemanha, b) 129 Park Road, NW8, Londres, Reino Unido, c) 28 Chaussée de Lille, Mouscron, Bélgica, d) Street of Provare 20, Sarajevo, Bósnia e Herzegovina (último endereço registado na Bósnia e Herzegovina). Data de nascimento: a) 21.3.1963, b) 21.1.1963. Local de nascimento: Sfax, Tunísia. Nacionalidade: a) tunisina, b) Bósnia e Herzegovina. N.° de passaporte: a) E 423362 emitido em Islamabad em 15.5.1988, b) 0841438 (passaporte da Bósnia e Herzegovina emitido em 30.12.1998, caducou em 30.12.2003). N.° de identificação nacional: 1292931. Informações suplementares: a) o endereço na Bélgica é uma caixa postal, b) filiação paterna: Mohamed, filiação materna: Medina Abid; c) pensa‑se que reside em Dublim, na Irlanda.»

 Tramitação processual

50      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Agosto de 2002, C. Ayadi interpôs, contra o Conselho e a Comissão, um recurso com vista à anulação parcial do regulamento impugnado.

51      Por requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Outubro de 2002, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. O recorrente apresentou as suas observações sobre essa questão em 18 de Dezembro de 2002. Por despacho de 3 de Fevereiro de 2003, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) considerou o recurso inadmissível na parte que se dirigia contra a Comissão e condenou o recorrente nas despesas relativas a essa parte do recurso.

52      Por requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Novembro de 2002, C. Ayadi apresentou um pedido de assistência judiciária. Por despacho de 3 de Fevereiro de 2003, o presidente da Segunda Secção do Tribunal concedeu a C. Ayadi o benefício da assistência judiciária gratuita.

53      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Janeiro de 2003, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pediu que fosse admitida a sua intervenção no presente processo em apoio do recorrido. Por despacho de 7 de Fevereiro de 2003, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu essa intervenção. A parte interveniente apresentou as suas alegações no prazo fixado.

54      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Julho de 2003, a Comissão pediu que fosse admitida a sua intervenção no presente processo em apoio do recorrido. Por despacho de 22 de Outubro de 2003, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu essa intervenção ao abrigo do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo.

55      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

56      Com excepção do Reino Unido, dispensado, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 25 de Outubro de 2005.

 Pedidos das partes

57      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 2.° e, na medida em que se refere ao artigo 2.°, o artigo 4.° do regulamento impugnado;

–        a título subsidiário, anular a menção do recorrente no Anexo I do regulamento impugnado;

–        condenar o Conselho nas despesas.

58      Na audiência, o recorrente precisou que o seu recurso só visava o regulamento impugnado na parte em que este lhe diz directa e individualmente respeito, o que ficou exarado na respectiva acta.

59      O Conselho, apoiado pelo Reino Unido e pela Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Matéria de facto

60      O recorrente declara ser nacional tunisino e residir na Irlanda desde 1997, com a sua mulher, igualmente de nacionalidade tunisina, e os seus dois filhos menores, ambos de nacionalidade irlandesa. As suas contas bancárias na Irlanda e no Reino Unido foram congeladas por ordem desses dois Estados‑Membros. O recorrente, que reconhece ter sido designado pelo comité de sanções como sendo uma pessoa ligada a Oussama ben Laden, contesta a justeza dessa designação mas admite que esta contestação não constitui objecto do presente recurso.

 Questão de direito

1.     Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

61      Nas suas alegações, o Reino Unido observa que os fundos do recorrente foram congelados em aplicação do Regulamento n.° 467/2001. O regulamento impugnado limitou‑se a manter o congelamento dos seus fundos sem alterar, assim, de forma caracterizada a situação jurídica do recorrente, na acepção da jurisprudência (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9). Nestas condições, o Reino Unido sustenta que o recorrente devia ter impugnado o Regulamento n.° 467/2001 e que o presente recurso, interposto do regulamento impugnado é intempestivo e, consequentemente, inadmissível.

62      Na audiência, o recorrente alegou que os efeitos do Regulamento n.° 467/2001 estavam estritamente limitados no tempo, à semelhança da Resolução 1333 (2000) do Conselho de Segurança a que esse regulamento dá execução (v. n.° 18, supra). Pelo contrário, os efeitos temporais do regulamento impugnado são ilimitados, à semelhança da Resolução 1390 (2002) do Conselho de Segurança a que dá execução e que prevê simplesmente uma possibilidade de revisão passados doze meses (v. n.° 30, supra). A adopção do regulamento impugnado implicou assim uma alteração fundamental da situação jurídica do recorrente.

63      O Conselho optou por não tomar posição sobre essa questão na audiência. Já a Comissão aderiu à tese do Reino Unido. Segundo a mesma, a natureza temporária das resoluções em causa do Conselho de Segurança não é um elemento relevante para distinguir o Regulamento n.° 467/2001 do regulamento impugnado, uma vez que todas essas resoluções prevêem um mecanismo de revisão da sua aplicabilidade decorridos doze meses. A circunstância de o regulamento impugnado assentar numa base jurídica diferente da do Regulamento n.° 467/2001 também não é relevante, dado que, segundo a Comissão, a mesma não implica uma alteração da posição jurídica da recorrente.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

64      Por força do artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, os pedidos constantes do requerimento de intervenção devem limitar‑se a apoiar os pedidos de uma das partes. Além disso, nos termos do artigo 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção.

65      Ora, nos seus pedidos, o Conselho não levantou qualquer questão quanto à admissibilidade.

66      O Reino Unido e a Comissão não têm por isso legitimidade para suscitar essa questão prévia e o Tribunal de Justiça não é obrigado a examinar os fundamentos invocados a esse respeito (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.° 22).

67      Todavia, é jurisprudência assente que, por força do artigo 113.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, este último pode, a todo o tempo e oficiosamente, verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais de ordem pública, incluindo os invocados pelos intervenientes (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Abril de 2005, Sniace/Comissão, T‑88/01, Colect., p. II‑1165, n.° 52, e jurisprudência referida).

68      No caso em apreço, a questão prévia de inadmissibilidade deduzida pelos intervenientes suscita uma questão de ordem pública, na medida em que diz respeito à admissibilidade do recurso (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colect., p. I‑4087, n.° 35). Logo, pode ser apreciada oficiosamente pelo Tribunal de Primeira Instância.

69      Embora o Reino Unido tenha invocado, em apoio dessa questão prévia de inadmissibilidade, o acórdão IBM/Comissão, referido no n.° 61 supra, esta baseia‑se essencialmente na jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância relativa aos actos confirmativos.

70      Segundo esta jurisprudência, um recurso de anulação interposto de um acto puramente confirmativo de um acto anterior não impugnado no prazo é inadmissível (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1988, Irish Cement/Comissão, 166/86 e 220/86, Colect., p. 6473, n.° 16, e de 11 de Janeiro de 1996, Zunis Holding e o./Comissão, C‑480/93 P, Colect., p. I‑1, n.° 14). Um acto é puramente confirmativo de um acto anterior se não contiver nenhum elemento novo em relação ao último e não tiver sido precedido de um reexame da situação do destinatário desse acto anterior (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1978, Herpels/Comissão, 54/77, Recueil, p. 585, n.° 14, Colect., p. 235, e despacho do Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2004, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑521/03, não publicado na Colectânea, n.° 47; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Outubro de 1997, IPK/Comissão, T‑331/94, Colect., p. II‑1665, n.° 24, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Maio de 1998, BEUC/Comissão, T‑84/97, Colect., p. II‑795, n.° 52).

71      No caso em apreço, deve observar‑se que o regulamento impugnado é um acto novo relativamente ao Regulamento n.° 467/2001 e que foi precedido de um reexame da situação das pessoas incluídas, à semelhança do recorrente, nas listas anexadas a esses regulamentos.

72      Em primeiro lugar, tanto o título como o preâmbulo e as disposições materiais desses dois regulamentos divergem sensivelmente, o que, por si só, basta para afastar a tese segundo a qual um seria puramente confirmativo do outro. Assim, a definição de «fundos» constante do artigo 1.° do regulamento impugnado não corresponde exactamente à definição de «fundos» constante do artigo 1.° do Regulamento n.° 467/2001 e o primeiro prevê, além do congelamento de fundos, o congelamento dos «recursos económicos», não previsto pelo segundo.

73      Em segundo lugar, o Regulamento n.° 467/2001 foi adoptado para dar execução na Comunidade à Resolução 1333 (2000) do Conselho de Segurança, em conformidade com a Posição Comum 2001/154, enquanto o regulamento impugnado foi adoptado com vista a dar execução à Resolução 1390 (2002), em conformidade com a posição comum 2002/402.

74      Ora, a Resolução 1390 (2002) e a Posição Comum 2002/402 contêm incontestavelmente elementos novos em relação à Resolução 1333 (2000) e à Posição Comum 2001/154, e as primeiras foram precedidas de um reexame da situação que é objecto das segundas. O mesmo acontece necessariamente relativamente ao regulamento impugnado em relação ao Regulamento n.° 467/2001.

75      Assim, nos termos dos considerandos 3 e 7 da Posição Comum 2002/402, a Resolução 1390 (2002) «adapta o âmbito de aplicação das sanções relativas ao congelamento de fundos» impostas pela Resolução 1333 (2000) e, «[p]or conseguinte, as medidas restritivas da União Europeia […]deverão ser adaptadas em conformidade com a UNSCR 1390(2002)». De igual modo, nos termos dos considerandos 2 e 4 do regulamento impugnado, «[o] Conselho de Segurança decidiu […] que deveria[…] ser […] ajustada a dimensão do congelamento de fundos» e, consequentemente, «torna[‑se] necessário […] aprovar legislação comunitária».

76      Em particular, nos termos do n.° 23 da Resolução 1333 (2000), as medidas previstas na mesma deviam ser aplicadas durante doze meses e, no fim desse período, o Conselho de Segurança devia determinar se os talibãs as tinham respeitado e decidir, por conseguinte, se essas medidas deviam ser prorrogadas por um novo período nas mesmas condições. A Resolução 1390 (2002) contém assim um elemento novo e importante relativamente à Resolução 1333 (2000), na medida em que alarga consideravelmente o seu âmbito de aplicação ratione temporis.

77      Assim, ao contrário do que o Reino Unido e a Comissão alegam, a situação jurídica do recorrente foi efectivamente alterada de forma caracterizada pela Resolução 1390 (2002), pela Posição Comum 2002/402 e pelo regulamento impugnado. Por intermédio desses actos, com efeito, os fundos do recorrente continuam congelados mesmo depois de ter terminado o período de doze meses previsto pelo n.° 23 da Resolução 1333 (2000), quando, se os referidos actos não tivessem sido adoptados, a obrigação imposta a todos os Estados membros da ONU de congelarem os fundos do recorrente, prevista pela referida resolução, ter‑se‑ia extinto automaticamente no termo do período em questão e os actos comunitários que dão execução a essa resolução teriam caducado.

78      Por outro lado, se é verdade que, nos termos do n.° 1 da Resolução 1390 (2002), o Conselho de Segurança decidiu «manter» as medidas impostas pela Resolução 1333 (2000), tal aconteceu na sequência de um reexame das mesmas, como o n.° 23 dessa resolução já deixava antever e como é confirmado pelo n.° 3 da Resolução 1390 (2002), nos termos do qual as medidas nele previstas serão de novo «reexaminadas» decorridos doze meses.

79      Por fim, o Regulamento n.° 467/2001 teve unicamente por base jurídica os artigos 60.° CE e 301.° CE, numa altura em que as medidas em causa se destinavam a interromper ou a reduzir as relações económicas com um país terceiro, enquanto o regulamento impugnado foi adoptado tomando como base jurídica os artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE, numa altura em que já não existia qualquer ligação entre essas medidas e o território ou o regime dirigente de um país terceiro. Ao contrário do que a Comissão sustentou na audiência, essa alteração da base jurídica dos actos em causa, que surgiu devido à evolução da situação internacional no âmbito das quais tiveram sucessivamente lugar as sanções decretadas pelo Conselho de Segurança, e a que a Comunidade deu execução, constitui certamente um elemento novo e implica um reexame da situação do recorrente. Daí resultou uma alteração da posição jurídica do mesmo, que lhe permite invocar fundamentos e argumentos de direito totalmente diferentes em apoio do seu recurso de anulação (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Setembro de 2005, Yusuf e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, T‑306/01, Colect., p. II‑0000, pendente de recurso, a seguir «acórdão Yusuf», n.os 108 a 124 e n.os 125 a 170, e Kadi/Conselho e Comissão, T‑315/01, Colect., p. II‑0000, pendente de recurso, a seguir «acórdão Kadi», n.os 87 a 135).

80      Daqui resulta que deve ser julgada improcedente a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Reino Unido e pela Comissão.

81      No que se refere às outras condições de admissibilidade do recurso, deve observar‑se, igualmente a título oficioso, que, na medida em que o recorrente é nominalmente designado no Anexo I do regulamento impugnado, este acto diz‑lhe directa e individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, se bem que o mesmo tenha incontestavelmente um alcance geral (v., neste sentido, acórdão Yusuf, n.° 186). Logo, o presente recurso é admissível.

2.     Quanto ao mérito

82      Em apoio do seu pedido, o recorrente invoca, no essencial, três fundamentos relativos, o primeiro, à incompetência do Conselho para adoptar os artigos 2.° e 4.° do regulamento impugnado (a seguir «disposições impugnadas») e a um desvio de poder, o segundo, à violação dos princípios fundamentais da subsidiariedade, da proporcionalidade e do respeito dos direitos do homem e, o terceiro, à violação de uma formalidade essencial.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a incompetência e a um desvio de poder

 Argumentos das partes

83      Segundo o recorrente, os artigos 60.° CE e 301.° CE não conferem ao Conselho o poder de adoptar as disposições impugnadas, uma vez que o Governo dos talibãs do Afeganistão já tinha caído antes da sua adopção. Essas disposições só autorizam a adopção de medidas destinadas a interromper ou a reduzir, se for caso disso de forma selectiva, as «relações económicas com um ou mais países terceiros». Ora, diversamente do Regulamento n.° 467/2001, que prevê sanções económicas contra o Afeganistão, o regulamento impugnado visa unicamente os associados de Oussama ben Laden, a rede Al‑Qaida e os talibãs. Estes últimos não são países terceiros e não constituem o governo de nenhuma parte do Afeganistão.

84      No que se refere ao artigo 308.° CE, o recorrente sustenta que o mesmo não confere ao Conselho o poder de ordenar aos Estados‑Membros que imponham sanções económicas a indivíduos, em violação dos direitos fundamentais destes últimos. Esse poder violaria os limites do que é conferido, em termos restritivos, pelos artigos 60.° CE e 301.° CE.

85      Consequentemente, a adopção das disposições impugnadas constitui igualmente um desvio dos poderes conferidos ao Conselho pelos artigos 60.° CE e 301.° CE.

86      O Conselho opõe‑se aos argumentos do recorrente invocando os acórdãos Yusuf e Kadi.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

87      O Tribunal de Primeira Instância já se pronunciou, nos acórdãos Yusuf (n.os 107 a 170) e Kadi (n.os 87 a 135), sobre a competência da Comunidade ao abrigo dos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE para adoptar disposições como as que o regulamento impugnado contém, que prevêem sanções económicas e financeiras contra particulares no âmbito da luta contra o terrorismo internacional, sem estabelecer qualquer ligação com um país terceiro, diversamente do que o Regulamento n.° 467/2001 previa.

88      Nessa ocasião, como o recorrente reconheceu expressamente na audiência em resposta a uma pergunta do Tribunal de Primeira Instância, foi dada resposta exaustiva aos argumentos substancialmente idênticos invocados pelas partes relacionados com esta questão, no âmbito do presente recurso (v., no que se refere aos argumentos análogos invocados pelas partes no processo que culminou no acórdão Yusuf, n.os 80 a 106 desse acórdão, e, no que se refere aos argumentos análogos invocados pelas partes no processo que culminou no acórdão Kadi, n.os 64 a 86 desse acórdão).

89      No fim do seu raciocínio, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que era «com razão que as instituições e o Reino Unido sustenta[va]m que o Conselho era competente para adoptar o regulamento impugnado, que executa na Comunidade as sanções económicas e financeiras previstas pela Posição Comum 2002/402, com o fundamento resultante da conjugação dos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE» (acórdãos Yusuf, n.° 170, e Kadi, n.° 135).

90      Por motivos idênticos, no essencial, aos indicados nos acórdãos Yusuf e Kadi, há, consequentemente, que rejeitar as acusações do recorrente relativas à incompetência da Comunidade (v., no que se refere à faculdade de o juiz comunitário fundamentar um acórdão mediante remissão para um acórdão anterior que decide sobre questões substancialmente idênticas, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2005, Crailsheimer Volksbank, C‑229/04, Colect., p. I‑9273, n.os 47 a 49).

91      Quanto à acusação relativa a desvio de poder, que é a única que pode distinguir este processo dos que culminaram nos acórdãos Yusuf e Kadi, esta também deve ser rejeitada, uma vez que é apresentada como simples corolário das outras acusações do recorrente relativas à competência.

92      Consequentemente, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos princípios fundamentais da subsidiariedade, da proporcionalidade e do respeito dos direitos do homem

 Argumentos das partes

93      Na primeira parte do fundamento, o recorrente sustenta que as disposições impugnadas violam o princípio da subsidiariedade na medida em que impõem aos Estados‑Membros a adopção, por força das suas obrigações nos termos do direito comunitário, de medidas que, nos termos do direito internacional, são abrangidas pela sua liberdade de escolha.

94      A esse respeito, o recorrente alega que os artigos 25.° e 41.° da Carta das Nações Unidas, interpretados à luz dos princípios desta organização, e designadamente do princípio da igualdade soberana dos Estados membros, enunciado no artigo 2.°, n.° 1, da referida Carta, não impõe aos Estados membros da ONU que apliquem à letra as medidas que o Conselho de Segurança os «insta» a adoptar. Pelo contrário, os Estados membros são livres de escolher a forma como irão responder a esse convite.

95      Em compensação, a interpretação do Conselho, segundo a qual os n.os 8, alínea c), e 17.° da Resolução 1333 (2000) do Conselho de Segurança vinculam os membros da ONU e, por conseguinte, as instituições comunitárias, é contrária às regras fundamentais do direito internacional, e designadamente aos artigos 7.°, 8.°, 17.°, 22.° e 23.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948, na medida em que permite que o comité de sanções obrigue os membros das Nações Unidas a privar um indivíduo por ele designado de todos os recursos financeiros, sem que o interessado tenha o direito de conhecer as razões dessa medida nem os elementos sobre os quais se baseia, e sem que tenha acesso a um órgão independente ou judicial que possa decidir da sua justeza.

96      Por outro lado, mesmo admitindo que as resoluções em causa do Conselho de Segurança obriguem os Estados membros, o Conselho não explicou a razão pela qual estava obrigado a agir em seu lugar no presente caso.

97      Na segunda parte do fundamento, o recorrente sustenta que as disposições impugnadas violam o princípio da proporcionalidade, na medida em que têm por efeito privar um indivíduo de qualquer rendimento ou auxílio social e, no fim de contas, de qualquer meio de subsistência para si e para a sua família. Estas medidas não são indispensáveis, nem mesmo para privar Oussama ben Laden de recursos.

98      Na terceira parte do fundamento, o recorrente sustenta que as disposições impugnadas violam os seus direitos fundamentais, designadamente o direito de acesso aos seus bens, reconhecido pelo artigo 1.° do primeiro protocolo adicional à Convenção Europeia para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») e o direito de recorrer às vias jurisdicionais, reconhecido pelo artigo 6.° da CEDH. A consequência dessas medidas, que, em seu entender, são contrárias às tradições constitucionais dos Estados‑Membros, é a de que o recorrente é impelido a roubar para sobreviver, o que constitui igualmente um tratamento degradante proibido pelo artigo 3.° da CEDH e uma recusa de respeitar a sua dignidade, em violação do artigo 8.° da CEDH.

99      No que se refere mais particularmente à alegada violação do direito de acesso aos seus bens, o recorrente reconheceu na audiência que esta devia ser unicamente apreciada à luz da regulamentação actualmente em vigor, em conformidade com o decidido nos acórdão Yusuf (n.° 287) e Kadi (n.° 236), e que, portanto, havia que ter em conta as possibilidades expressas de isenções e de derrogações ao congelamento de fundos previstas no Regulamento n.° 561/2003, adoptado após a interposição do presente recurso.

100    A esse respeito, o recorrente admitiu que as autoridades irlandesas lhe concediam prestações sociais necessárias para as suas despesas de base, pelo que não estava desprovido de todo e qualquer recurso ou meio de subsistência. Contudo, o regulamento impugnado, mesmo na versão resultante do Regulamento n.° 561/2003, não lhe permite usufruir de outras vantagens sociais, impede‑o de ter uma existência normal e torna‑o inteiramente dependente do Estado irlandês para a sua subsistência. O recorrente sustentou mais particularmente que o artigo 2.° do regulamento impugnado não lhe permite exercer qualquer actividade profissional, assalariada ou independente. Assim, foi‑lhe recusada a concessão de uma licença de motorista de táxi. De qualquer forma, é para ele impossível alugar um veículo ou ser pago por clientes, pois trata‑se de uma colocação à sua disposição de fundos ou de recursos económicos, na acepção dessa disposição.

101    No que se refere mais particularmente à alegada violação do direito a um recurso jurisdicional, o recorrente reconheceu, na audiência, que a fiscalização jurisdicional exercida no presente caso pelo Tribunal de Primeira Instância, na medida em que aborda, de forma incidental, as resoluções em causa do Conselho de Segurança, se deve limitar à verificação do respeito das regras superiores do direito internacional abrangidas pelo jus cogens, conforme foi decidido nos acórdãos Yusuf (n.os 276 e segs.) e Kadi (n.os 225 e segs.).

102    Todavia, o recorrente sustentou que as conclusões às quais o Tribunal de Primeira Instância chegou nos acórdãos Yusuf (em particular nos n.os 344 e 345) e Kadi (em particular nos n.os 289 e 290), não se aplicam ao presente caso. Por um lado, o congelamento de fundos não deve ser considerado uma medida cautelar temporária, ao contrário do que foi decidido nesses dois acórdãos, mas um verdadeiro confisco. Por outro lado, não existe um mecanismo efectivo de reexame das medidas individuais de congelamento de fundos decididas pelo Conselho de Segurança, de forma que existe o risco de os seus fundos permanecerem congelados para o resto da sua vida. A este respeito, o recorrente alega que se esforçou em vão por persuadir o Conselho de Segurança a alterar a sua posição a seu respeito. Assim, enviou dois pedidos, nos dias 5 de Fevereiro e 19 de Maio de 2004, às autoridades irlandesas, para que estas o ajudassem a obter a sua exclusão da lista do comité de sanções. Por carta de 10 de Outubro de 2005, essas autoridades participaram‑lhe que o seu processo ainda estava a ser examinado, sem deixarem entrever que encetavam qualquer diligência em seu favor.

103    O Conselho, apoiado pelos intervenientes, opõe‑se aos argumentos do recorrente, remetendo para os acórdãos Yusuf e Kadi.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

104    Em primeiro lugar, há que apreciar a primeira parte do fundamento e em seguida, conjuntamente, a segunda e a terceira partes. Com efeito, a constatação de uma eventual violação dos direitos fundamentais do recorrente pelo regulamento impugnado implica necessariamente uma avaliação do respeito por este acto do princípio da proporcionalidade, à luz do objectivo que prossegue (conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo C‑317/04, Parlamento/Conselho, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 107).

–       Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à violação do princípio da subsidiariedade

105    O recorrente sustenta, no essencial que, mesmo admitindo que os artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE justifiquem uma competência de princípio da Comunidade para adoptar medidas como as que estão em causa no presente processo (questão que constitui o objecto do primeiro fundamento), o certo é que os Estados‑Membros estão em melhor posição para apreciar quais as medidas particulares necessárias para dar execução a uma resolução do Conselho de Segurança. Ao adoptar o regulamento impugnado, o Conselho violou a liberdade de escolha daqueles e violou o princípio da subsidiariedade.

106    A este respeito, há que recordar que o princípio da subsidiariedade está enunciado no artigo 5.°, segundo parágrafo, CE, nos termos do qual, nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário.

107    Segundo jurisprudência bem assente, o juiz comunitário fiscaliza a legalidade dos actos comunitários à luz deste princípio geral [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.os 177 a 185, e de 14 de Abril de 2005, Bélgica/Comissão, C‑110/03, Colect., p. I‑2801, n.° 58; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., p. II‑4653, n.os 197 e 198].

108    Contudo, o Tribunal considera que este princípio geral não pode ser invocado no domínio de aplicação dos artigos 60.° CE e 301.° CE, mesmo supondo que este não é da competência exclusiva da Comunidade (v., a este respeito, artigo 60.°, n.° 2, CE)

109    Com efeito, no que se refere à interrupção ou à redução das relações económicas com os países terceiros, essas mesmas disposições prevêem uma intervenção da Comunidade quando uma acção desta seja «considerada necessária» por uma posição comum ou uma acção comum adoptadas nos termos das disposições do Tratado EU relativas à Política Externa e de Segurança Comum (PESC).

110    Assim, no domínio de aplicação dos artigos 60.° CE e 301.° CE, o Tratado CE confere à União o poder de determinar se uma acção da Comunidade é necessária. Essa determinação faz parte do exercício de um poder discricionário da União. Exclui o direito de os particulares contestarem, à luz do princípio da subsidiariedade enunciado no artigo 5.°, segundo parágrafo, CE, a legalidade da acção subsequentemente exercida pela Comunidade em conformidade com a posição comum ou com a acção comum PESC da União.

111    Por outro lado, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância admitiu, nos acórdãos Yusuf (n.os 158 e segs.) e Kadi (n.os 122 e segs.), que o domínio de aplicação dos artigos 60.° CE e 301.° CE pode ser alargado, recorrendo à base jurídica complementar do artigo 308.° CE, à adopção de sanções económicas e financeiras contra particulares, no âmbito da luta contra o terrorismo internacional, sem estabelecer qualquer ligação com um país terceiro, daqui resulta necessariamente que a legalidade das medidas comunitárias adoptadas a esse título, em conformidade com uma posição comum ou com uma acção comum PESC da União, também não pode ser contestada pelos particulares à luz do princípio da subsidiariedade.

112    De qualquer forma, mesmo supondo que o princípio da subsidiariedade é aplicável em circunstâncias como as do presente caso, é evidente que a execução uniforme nos Estados‑Membros das resoluções do Conselho de Segurança, que se impõem indistintamente a todos os membros da ONU, pode ser melhor realizada a nível comunitário do que a nível nacional.

113    Por fim, no que se refere à crítica segundo a qual o Conselho infringiu a liberdade de escolha dos Estados‑Membros, é com razão que o Conselho salienta que a Posição Comum 2002/402 traduz a apreciação unânime dos Estados‑Membros segundo a qual era necessária uma acção da Comunidade para dar execução ao congelamento de fundos decidido pelo Conselho de Segurança. Como o Reino Unido observa, tendo os próprios Estados‑Membros optado por dar cumprimento às suas obrigações decorrentes da Carta das Nações Unidas através de um acto comunitário, não se pode censurar o Conselho por ter violado a sua liberdade de escolha ao respeitar a vontade daqueles.

114    Deve, portanto, ser julgada improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

–       Quanto às segunda e terceira partes do segundo fundamento, relativas à violação dos princípios da proporcionalidade e do respeito dos direitos do homem

115    Excluindo apenas a questão de direito específica que será apreciada no n.° 156 infra, o Tribunal de Primeira Instância já se pronunciou, nos acórdãos Yusuf (n.os 226 a 346) e Kadi (n.os 176 a 291), sobre todas as questões de direito que as partes suscitam no âmbito das segunda e terceira partes do segundo fundamento do presente recurso.

116    Nessa ocasião, o Tribunal declarou designadamente o seguinte:

–        do ponto de vista do direito internacional, as obrigações dos Estados membros da ONU decorrentes da Carta das Nações Unidas prevalecem sobre qualquer outra obrigação de direito interno ou de direito internacional convencional, incluindo, para os Estados que são membros do Conselho da Europa, sobre as suas obrigações por força da CEDH e, para os que são igualmente membros da Comunidade, sobre as suas obrigações decorrentes do Tratado CE (acórdãos Yusuf, n.° 231, e Kadi, n.° 181);

–        esse primado é extensivo às decisões contidas numa resolução do Conselho de Segurança, em conformidade com o artigo 25.° da Carta das Nações Unidas (acórdãos Yusuf, n.° 234, e Kadi, n.° 184);

–        se bem que não seja membro das Nações Unidas, deve considerar‑se que a Comunidade está vinculada pelas obrigações resultantes da Carta das Nações Unidas, da mesma forma que o estão os seus Estados‑Membros, por força do próprio Tratado que a institui (acórdãos Yusuf, n.° 243, e Kadi, n.° 193);

–        por um lado, a Comunidade não pode violar as obrigações que incumbem aos seus Estados‑Membros por força da Carta das Nações Unidas, nem obstar à sua execução, e, por outro, está obrigada, nos termos do próprio Tratado através do qual foi instituída, a adoptar, no exercício das suas competências, todas as disposições necessárias para permitir que os Estados‑Membros cumpram essas obrigações (acórdãos Yusuf, n.° 254, e Kadi, n.° 204);

–        consequentemente, devem ser afastados os argumentos invocados contra o regulamento impugnado e baseados, por um lado, na autonomia da ordem jurídica comunitária relativamente à ordem jurídica emanada das Nações Unidas e, por outro, na necessidade de uma transposição das resoluções do Conselho de Segurança para o direito interno dos Estados‑Membros, em conformidade com as disposições constitucionais e com os princípios fundamentais desse direito (acórdãos Yusuf, n.° 258, e Kadi, n.° 208);

–        o regulamento impugnado, adoptado à luz da Posição Comum 2002/402, constitui a execução, a nível da Comunidade, da obrigação que cabe aos seus Estados‑Membros, enquanto membros da ONU, de dar execução, eventualmente através de um acto comunitário, às sanções contra Oussama ben Laden, a rede Al‑Qaida, bem como contra os talibãs e outras pessoas, grupos, empresas e entidades associados, que foram decididas e depois reforçadas por várias resoluções do Conselho de Segurança adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas (acórdãos Yusuf, n.° 264, e Kadi, n.° 213);

–        neste contexto, as instituições comunitárias agiram ao abrigo de uma competência vinculada, pelo que não dispunham de qualquer margem de apreciação autónoma (acórdãos Yusuf, n.° 265, e Kadi, n.° 214);

–        à luz das considerações enunciadas supra, a afirmação de uma competência do Tribunal de Primeira Instância para fiscalizar de maneira incidental a legalidade das decisões do Conselho de Segurança ou do comité de sanções à luz do modelo de protecção dos direitos fundamentais, tal como são reconhecidos na ordem jurídica comunitária, não se pode consequentemente justificar com base no direito internacional nem com base no direito comunitário (acórdãos Yusuf, n.° 272, e Kadi, n.° 221);

–        as resoluções em causa do Conselho de Segurança escapam, assim, em princípio, à fiscalização jurisdicional do Tribunal de Primeira Instância e este não está autorizado a pôr em causa, ainda que de forma incidental, a sua legalidade à luz do direito comunitário; pelo contrário, o Tribunal é obrigado, na medida do possível, a interpretar e a aplicar esse direito de maneira compatível com as obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força da Carta das Nações Unidas (acórdãos Yusuf, n.° 276, e Kadi, n.° 225);

–        no entanto, o Tribunal pode fiscalizar, de forma incidental, a legalidade das resoluções em causa do Conselho de Segurança, à luz do jus cogens, entendido como uma ordem pública internacional que se impõe a todos os sujeitos do direito internacional, incluindo as instâncias da ONU, o qual não é possível derrogar (acórdãos Yusuf, n.° 277, e Kadi, n.° 226);

–        o congelamento de fundos previsto pelo regulamento impugnado não viola o direito fundamental dos interessados a dispor dos seus bens nem o princípio geral da proporcionalidade, à luz do modelo de protecção universal dos direitos fundamentais da pessoa humana abrangidos pelo jus cogens (acórdãos Yusuf, n.os 288 e 289, e Kadi, n.os 237 e 238);

–        dado que as resoluções em causa do Conselho de Segurança não prevêem um direito de audição dos interessados pelo comité de sanções antes da sua inscrição na lista controvertida e que nenhuma norma imperativa de ordem pública internacional parece exigir essa audição em circunstâncias como as do presente caso, os argumentos relativos à alegada violação desse direito devem ser julgados improcedentes (acórdãos Yusuf, n.os 306, 307 e 321, e Kadi, n.os 261 e 268);

–        em particular, em circunstâncias em que está em causa uma medida cautelar que limita a disponibilidade dos bens dos interessados, o respeito dos direitos fundamentais dos mesmos não impõe que os factos e elementos de prova contra eles acolhidos lhes sejam comunicados, quando o Conselho de Segurança ou o seu comité de sanções consideram que razões relativas à segurança da comunidade internacional se opõem a isso (acórdãos Yusuf, n.° 320, e Kadi, n.° 274);

–        as instituições comunitárias também não eram obrigadas a ouvir os interessados antes da adopção do regulamento impugnado (acórdão Yusuf, n.° 329) ou no contexto da sua adopção e da sua execução (acórdão Kadi, n.° 259);

–        no âmbito de um recurso de anulação do regulamento impugnado, o Tribunal exerce uma fiscalização completa da legalidade deste regulamento quanto ao respeito, pelas instituições comunitárias, das regras de competência assim como das regras de legalidade externa e das formalidades essenciais que se impõem à sua acção; o Tribunal fiscaliza igualmente a legalidade do regulamento impugnado à luz das resoluções do Conselho de Segurança que este regulamento é suposto executar, designadamente, sob o ângulo da adequação formal e material, da coerência interna e da proporcionalidade do primeiro em relação às segundas; o Tribunal fiscaliza ainda a legalidade do regulamento impugnado e, indirectamente, a legalidade das resoluções em causa do Conselho de Segurança, à luz das normas superiores do direito internacional abrangidas pelo jus cogens, designadamente as normas imperativas relativas à protecção universal dos direitos da pessoa humana (acórdãos Yusuf, n.os 334, 335 e 337, e Kadi, n.os 279, 280 e 282);

–        pelo contrário, não incumbe ao Tribunal de Primeira Instância fiscalizar indirectamente a conformidade das próprias resoluções em causa do Conselho de Segurança com os direitos fundamentais tal como são protegidos pela ordem jurídica comunitária; também não compete ao Tribunal de Primeira Instância verificar a inexistência de erro na apreciação dos factos e dos elementos de prova a que o Conselho de Segurança atendeu para tomar as referidas medidas, nem, salvo no âmbito limitado definido no travessão anterior, fiscalizar indirectamente a oportunidade e a proporcionalidade dessas medidas (acórdãos Yusuf, n.os 338 e 339, e Kadi, n.os 283 e 284);

–        nesta medida, os interessados não dispõem de nenhuma via de recurso jurisdicional, uma vez que o Conselho de Segurança não considerou oportuno criar uma jurisdição internacional independente encarregada de se pronunciar, tanto em matéria de direito como em matéria de facto, sobre os recursos interpostos contra as decisões individuais adoptadas pelo comité de sanções (acórdãos Yusuf, n.° 340, e Kadi, n.° 285);

–        a lacuna assim verificada no travessão antecedente na protecção jurisdicional dos recorrentes não é, em si, contrária ao jus cogens, uma vez que: a) o direito de acesso aos tribunais não é absoluto; b) no presente caso, a limitação do direito de acesso dos interessados a um tribunal, resultante da imunidade de jurisdição de que beneficiam, em princípio, na ordem jurídica interna dos Estados membros, as resoluções do Conselho de Segurança adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas deve ser considerado inerente a esse direito; c) essa limitação é justificada tanto pela natureza das decisões que o Conselho de Segurança é levado a tomar ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas como pela finalidade legítima prosseguida; e d) não existindo uma jurisdição internacional competente para fiscalizar a legalidade dos actos do Conselho de Segurança, a criação de um órgão como o comité de sanções e a possibilidade, prevista pelos textos, de se lhe dirigir em qualquer momento a fim de obter o reexame de cada caso individual, através de um mecanismo formalizado que envolva os governos em causa, constituem uma outra via razoável para proteger adequadamente os direitos fundamentais dos interessados tal como são reconhecidos pelo jus cogens (acórdãos Yusuf, n.os 341 a 345, e Kadi, n.os 286 a 290);

–        os argumentos invocados contra o regulamento impugnado e relativos à alegada violação do seu direito a uma fiscalização jurisdicional efectiva devem, por conseguinte, ser julgados improcedentes (acórdãos Yusuf, n.° 346, e Kadi, n.° 291).

117    Como o recorrente reconheceu na audiência, o Tribunal de Primeira Instância respondeu de forma exaustiva, por ocasião da sua apreciação dos processos Yusuf e Kadi, aos argumentos de direito substancialmente idênticos invocados no presente caso pelas partes nos seus articulados no âmbito da segunda e terceira partes do segundo fundamento (v., no que diz respeito aos argumentos análogos invocados pelas partes no processo que culminou no acórdão Yusuf, n.os 190 a 225 deste acórdão, e, no que diz respeito aos argumentos análogos invocados pelas partes no processo que culminou no acórdão Kadi, n.os 138 a 175 deste acórdão). O mesmo se pode dizer dos argumentos do recorrente relacionados com o carácter alegadamente não vinculativo para os Estados membros das resoluções do Conselho de Segurança (n.° 94, supra), a alegada incompatibilidade das resoluções em causa com as regras fundamentais do direito internacional relativas à protecção dos direitos do homem (n.° 95, supra) e a alegada violação dos direitos fundamentais conforme são garantidos pela CEDH (n.° 98, supra), designadamente sob a perspectiva da proporcionalidade (n.° 97, supra) e do direito a um recurso jurisdicional efectivo (n.° 101, supra).

118    No entanto, há que acrescentar o que se segue, em resposta aos argumentos mais especificamente desenvolvidos pelo recorrente na audiência e respeitantes, por um lado, à alegada ineficácia das isenções e derrogações ao congelamento de fundos previstas no Regulamento n.° 561/2003, designadamente no que diz respeito ao exercício de uma actividade profissional (n.os 99 e 100, supra), e, por outro, à alegada invalidade, no presente caso, das conclusões a que o Tribunal de Primeira Instância chegou, nos acórdãos Yusuf e Kadi, quanto à compatibilidade com o jus cogens da lacuna verificada na protecção jurisdicional dos interessados (n.os 101 e 102, supra).

119    No que se refere, em primeiro lugar, à alegada ineficácia das isenções e derrogações ao congelamento de fundos, há que recordar que o artigo 2.°‑A do regulamento impugnado, inserido no referido regulamento pelo Regulamento n.° 561/2003, adoptado na sequência da Resolução 1452 (2002) do Conselho de Segurança, prevê, entre outras derrogações e isenções que, a pedido dos interessados, e salvo oposição expressa do comité de sanções, as autoridades nacionais competentes declararão que o congelamento de fundos ou de recursos económicos não é aplicável aos fundos ou recursos económicos que elas determinaram serem «necessários para cobrir despesas de base, incluindo os pagamentos de comida, rendas ou empréstimos hipotecários, medicamentos e tratamentos médicos, impostos, apólices de seguro e serviços públicos» (v. n.° 43, supra). A utilização do termo «incluindo», retomado dos termos da Resolução 1452 (2002), indica que nem essa resolução nem o Regulamento n.° 561/2003 enumeram de forma taxativa ou exaustiva as «despesas de base» susceptíveis de serem isentas do congelamento de fundos. A determinação dos tipos de despesas susceptíveis de corresponder a essa qualificação é, assim, deixada, em larga medida, à apreciação das autoridades nacionais competentes, responsáveis pela aplicação do regulamento impugnado, sob a supervisão do comité de sanções. Além disso, os fundos necessários para qualquer outra «despesa extraordinária» podem de ora em diante ser descongelados mediante autorização expressa do comité de sanções.

120    É pacífico que, em conformidade com estas disposições, a Irlanda pediu e obteve o consentimento do comité de sanções, em Agosto de 2003, para poder pagar prestações de auxílio social ao recorrente, permitindo‑lhe dessa forma fazer face às suas necessidades de base e às da sua família. Em Dezembro de 2003, o comité de sanções autorizou a Irlanda a aumentar o montante das prestações pagas desta forma ao recorrente, tendo em conta o aumento do orçamento nacional irlandês. Desta forma confirma‑se que, longe de ter por objectivo ou por efeito sujeitar o recorrente a qualquer tratamento desumano ou degradante, o congelamento de fundos tem em conta, na medida do possível, as suas necessidades de base e os seus direitos fundamentais (v., neste sentido, acórdãos Yusuf, n.os 291 e 312, e Kadi, n.os 240 e 265).

121    Quanto ao restante, é certo que se deve reconhecer que o congelamento de fundos do recorrente, exceptuando apenas as isenções e derrogações previstas no artigo 2.°‑A do regulamento impugnado, constitui uma medida particularmente drástica adoptada contra ele, susceptível mesmo de o impedir de levar uma vida social normal e de o tornar inteiramente dependente do auxílio social concedido pelas autoridades irlandesas.

122    No entanto, há que recordar que esta medida constitui um aspecto das sanções decididas pelo Conselho de Segurança contra Oussama ben Laden, a rede Al‑Qaida e os talibãs e outras pessoas, grupos, empresas e entidades associadas, com vista, designadamente, a evitar a repetição de ataques terroristas do tipo dos cometidos nos Estados Unidos em 11 de Setembro de 2001 (acórdãos Yusuf, n.os 295 e 297, e Kadi, n.os 244 e 246).

123    Ora, qualquer medida de sanção deste tipo comporta, por definição, efeitos que afectam os direitos de propriedade e o livre exercício das actividades profissionais, causando assim prejuízos a partes que não têm qualquer responsabilidade na situação que levou à adopção das sanções (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Julho de 1996, Bosphorus, C‑84/95, Colect., p. I‑3953, n.° 22). A importância dos objectivos prosseguidos pela regulamentação que prevê essas sanções é, contudo, susceptível de justificar essas consequências negativas, mesmo consideráveis, para determinados operadores (acórdão Bosphorus, já referido, n.° 23).

124    No acórdão Bosphorus, já referido no n.° 123 supra, o Tribunal de Justiça decidiu que a apreensão de uma aeronave, propriedade de uma pessoa estabelecida na República Federativa da Jugoslávia, mas que foi alugada a um operador económico externo «inocente» e de boa fé, não era incompatível com os direitos fundamentais reconhecidos pelo direito comunitário, à luz do objectivo de interesse geral fundamental para a comunidade internacional de pôr termo a um estado de guerra na região e às violações maciças dos direitos humanos e do direito internacional humanitário na República da Bósnia‑Herzegovina. No acórdão Bosphorus c. Irlanda de 30 de Junho de 2005 (n.° 45036/98, ainda não publicado na Colectânea dos acórdãos e decisões), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou igualmente que a apreensão da aeronave não implicava a violação da CEDH (n.° 167), tendo em conta, designadamente, a natureza da ingerência em litígio e o interesse geral prosseguido pela apreensão e pelo regime de sanções (n.° 166).

125    Por maioria de razão, deve decidir‑se, no presente caso, que o congelamento de fundos, haveres financeiros e outros recursos económicos das pessoas identificadas pelo Conselho de Segurança como estando associadas a Oussama ben Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibãs não é incompatível com os direitos fundamentais da pessoa humana abrangidos pelo jus cogens, à luz do objectivo de interesse geral fundamental para a comunidade internacional de lutar, recorrendo a todos os meios, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, contra as ameaças que os actos de terrorismo representam para a paz e a segurança internacionais (v., neste sentido, acórdãos Yusuf, n.° 298, e Kadi, n.° 247).

126    Além disso, deve observar‑se que o regulamento impugnado e as resoluções do Conselho de Segurança a que esse regulamento dá execução não impedem o recorrente de ter uma vida pessoal, familiar e social satisfatória, tendo em conta as circunstâncias. Assim, segundo a interpretação que o Conselho deu a esse aspecto na audiência, que merece ser acolhida, a utilização para fins estritamente pessoais dos recursos económicos congelados, como uma casa de habitação ou um veículo automóvel, não é, em si, proibida por esses actos. O mesmo se diga, a fortiori, no que diz respeito aos bens de consumo corrente.

127    Deve igualmente acolher‑se a tese defendida pelo Conselho na audiência, segundo a qual o regulamento impugnado e as resoluções do Conselho de Segurança a que esse regulamento dá execução não impedem, por si só, o recorrente de exercer uma actividade profissional assalariada ou independente, ao contrário do que este alega, mas afectam essencialmente o recebimento dos rendimentos dessa actividade.

128    Em primeiro lugar, com efeito, nenhuma disposição desses actos refere expressamente o exercício de uma actividade desse tipo, seja para a proibir ou para a regulamentar.

129    Em segundo lugar, os actos em causa não se destinam a impedir, enquanto tal, a aquisição de fundos e de recursos económicos pelos interessados, mas limitam‑se a prescrever o congelamento desses fundos e recursos económicos e a impedir a sua colocação à disposição ou a sua utilização em benefício dos mesmos, salvo para fins estritamente pessoais conforme referido no n.° 126 supra. Por conseguinte, não é tanto o exercício de uma actividade profissional assalariada ou independente mas antes a livre percepção dos rendimentos dessa actividade que se encontra regulamentada por esses actos.

130    Em terceiro lugar, o artigo 2.°‑A do regulamento impugnado permite tornar inaplicável o artigo 2.° do referido regulamento, nas condições determinadas por esta disposição, a todo o tipo de fundos ou de recursos económicos, incluindo assim os recursos económicos necessários ao exercício de uma actividade profissional, assalariada ou independente, e os fundos recebidos ou a receber no âmbito dessa actividade. Se bem que o artigo 2.°‑A constitua uma disposição derrogatória do artigo 2.°, não pode ser interpretado estritamente à luz do objectivo de ordem humanitária que evidentemente prossegue.

131    Assim, no presente caso, tanto a concessão de uma licença de motorista de táxi ao recorrente e o aluguer por este de um veículo automóvel, enquanto «recursos económicos», como os rendimentos profissionais provenientes da actividade de motorista de táxi, enquanto «fundos», são em princípio susceptíveis de ser objecto de uma derrogação ao congelamento de fundos e de recursos económicos do recorrente, se for caso disso nas condições e nos limites fixados por uma das autoridades competentes dos Estados‑Membros enumeradas no Anexo II do regulamento impugnado ou pelo comité de sanções.

132    Todavia, como o Conselho observou na audiência, é a essas autoridades nacionais, que estão melhor colocadas para ter em conta as circunstâncias particulares de cada caso, que incumbe, em primeiro lugar, apurar se essa derrogação pode ser concedida e assegurar, em seguida, a sua fiscalização e a sua aplicação, no respeito do congelamento dos fundos do interessado. Assim, no presente caso, poderia competir às referidas autoridades realizar as fiscalizações destinadas a verificar se os rendimentos profissionais auferidos pelo recorrente no exercício da sua actividade de motorista de táxi não ultrapassam o limite do que é considerado necessário para as suas despesas de base. Em compensação, uma eventual recusa de concessão de uma licença de motorista de táxi ao recorrente, decidida pelas referidas autoridades sem tomar em consideração as suas necessidades básicas ou extraordinárias, e sem consulta ao comité de sanções, resultaria a priori de uma interpretação ou de uma aplicação incorrecta do regulamento impugnado.

133    Nestas condições, não há que pôr em causa a apreciação realizada pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos Yusuf e Kadi à luz dos argumentos mais especificamente desenvolvidos pelo recorrente na audiência e relativos à alegada ineficácia das isenções e derrogações ao congelamento de fundos previstas no Regulamento n.° 561/2003.

134    No que se refere, em segundo lugar, à pretensa invalidade, no presente caso, das conclusões a que o Tribunal de Primeira Instância chegou, nos acórdãos Yusuf e Kadi, quanto à compatibilidade com o jus cogens da lacuna verificada na protecção jurisdicional dos interessados, o recorrente alega, por um lado, a natureza confiscatória do congelamento dos seus fundos e, por outro, a ineficácia do mecanismo de reexame das medidas individuais de congelamento de fundos decididas pelo Conselho de Segurança, a que foi dada execução pelo regulamento impugnado.

135    No que diz respeito, em primeiro lugar, à natureza alegadamente confiscatória do congelamento de fundos do recorrente, há que recordar que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos acórdãos Yusuf (n.° 299) e Kadi (n.° 248), que o congelamento de fundos é uma medida cautelar que, ao contrário do confisco, não lesa a própria essência do direito de propriedade dos interessados sobre os seus activos financeiros, mas unicamente a sua utilização. Na sua apreciação da compatibilidade dessa medida com o jus cogens, na medida em que a mesma não está submetida a um controlo jurisdicional, o Tribunal de Primeira Instância atribuiu, além disso, uma importância significativa à circunstância de que, longe de preverem medidas com uma duração de aplicação ilimitada ou indeterminada, as resoluções sucessivamente adoptadas pelo Conselho de Segurança previram sempre um mecanismo de reexame da oportunidade da manutenção dessas medidas após um lapso de tempo de 12 ou 18 meses no máximo (acórdãos Yusuf, n.° 344, e Kadi, n.° 289).

136    Ora, o recorrente não adiantou nenhum elemento ou argumento susceptível de pôr em causa a justeza destas apreciações no caso particular do presente processo. Pelo contrário, as referidas apreciações foram entretanto confirmadas pela circunstância de, à semelhança das quatro resoluções que a precederam (v. n.os 18, 30, 40 e 46, supra), a Resolução 1617 (2005), adoptada em 29 de Julho de 2005, isto é no prazo máximo de 18 meses previsto pela anterior Resolução 1526 (2004), ter de novo previsto um mecanismo de reexame «decorridos 17 meses ou antes» (v. n.° 48, supra).

137    No que diz respeito, em segundo lugar, à eficácia do mecanismo de reexame das medidas individuais de congelamento de fundos decididas pelo Conselho de Segurança a que o regulamento impugnado deu execução, há que recordar, além das conclusões resumidas no n.° 116 supra, que, nos acórdãos Yusuf (n.os 309 e segs.) e Kadi (n.os 262 e segs.), o Tribunal de Primeira Instância observou que os interessados podiam dirigir‑se ao comité de sanções, por intermédio das suas autoridades nacionais, a fim de obter quer a sua retirada da lista de pessoas visadas pelas sanções, quer uma derrogação ao congelamento dos fundos.

138    Com base nas medidas referidas no n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999), no n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) e nos n.os 1 e 2 da Resolução 1390 (2002), e enunciadas de novo no n.° 1 da Resolução 1526 (2004) e da Resolução 1617 (2005), cabe efectivamente ao comité de sanções actualizar regularmente a lista das pessoas e entidades cujos fundos devem ser congelados ao abrigo das referidas resoluções do Conselho de Segurança.

139    No que respeita, em particular, a um pedido de reexame de um caso individual, a fim de obter a exclusão do interessado da lista de pessoas visadas pelas sanções, as «directrizes que regulam a condução dos trabalhos do [comité de sanções]» (a seguir «directrizes»), adoptadas em 7 de Novembro de 2002, rectificadas em 10 de Abril de 2003 e revistas (sem alteração substancial) em 21 de Dezembro de 2005, prevêem o seguinte, na sua secção 8, intitulada «Exclusão da lista»:

«a) Sem prejuízo dos procedimentos em vigor, uma pessoa, um grupo, uma empresa ou uma entidade que figure na lista recapitulativa do [comité de sanções] pode apresentar ao governo do país em que reside ou de que é cidadão um pedido de que o seu caso seja reexaminado. Para esse efeito, o requerente deve justificar o seu pedido de exclusão da lista, fornecer as informações pertinentes e pedir o apoio do governo.

b) O governo a que for feito o pedido (o‘governo requerido’) deve examinar todas as informações pertinentes, e depois, contactar bilateralmente o governo que propôs inicialmente a inscrição na lista [‘governo que propôs a inscrição’] para pedir informações complementares e proceder a consultas sobre o pedido de exclusão da lista.

c) O governo que pediu a inscrição pode igualmente pedir informações complementares ao país da residência ou da nacionalidade do requerente. O governo requerido e o governo que propôs a inscrição podem, se necessário, consultar o presidente do [comité de sanções] durante essas consultas bilaterais.

d) Se, depois de ter examinado as informações complementares, o governo requerido quiser dar seguimento a um pedido de exclusão, deve tentar convencer o governo que propôs a inscrição a apresentar ao [comité de sanções], com ou sem outros governos, um pedido de exclusão. No âmbito do procedimento de aprovação tácita, o governo requerido pode apresentar ao [comité de sanções] um pedido de exclusão, sem que esse pedido seja acompanhado de um pedido do governo que propôs a inscrição.

e) O [comité de sanções] decide por consenso. Se os seus membros não chegarem a acordo sobre uma questão particular, o presidente procede a consultas suplementares adequadas a facilitar o consenso. Se, após essas consultas, também não se chegar a um consenso, a questão é submetida ao Conselho de Segurança. Dada a natureza específica da informação, o presidente pode encorajar intercâmbios bilaterais entre Estados‑Membros interessados, a fim de clarificar a questão antes de tomar uma decisão.»

140    O Tribunal de Primeira Instância já constatou que, com a adopção destas directrizes, o Conselho de Segurança quis ter em conta, na medida do possível, os direitos fundamentais das pessoas inscritas na lista do comité de sanções, designadamente os direitos de defesa (acórdãos Yusuf, n.° 312, e Kadi, n.° 265). A importância que o Conselho de Segurança atribui ao respeito desses direitos resulta, de resto, claramente da sua Resolução 1526 (2004). Nos termos do n.° 18 desta resolução, o Conselho de Segurança «encoraja vigorosamente todos os Estados a informar, na medida do possível, as pessoas e entidades inscritas na lista do [comité de sanções] das medidas [contra elas] tomadas, das directrizes do [comité de sanções] e da Resolução 1452 (2002)».

141    Se é verdade que o procedimento descrito supra não confere directamente aos próprios interessados o direito a serem ouvidos pelo referido comité, única autoridade competente para se pronunciar, a pedido de um Estado, sobre o reexame do seu caso, pelo que dependem, no essencial, da protecção diplomática que os Estados conferem aos seus cidadãos, essa restrição ao direito de ser ouvido não pode considerar‑se inadmissível à luz das normas imperativas decorrentes da ordem pública internacional. Pelo contrário, tratando‑se de pôr em causa a justeza de decisões que ordenam o congelamento de fundos de indivíduos ou de entidades suspeitos de contribuírem para o financiamento do terrorismo internacional, adoptadas pelo Conselho de Segurança por intermédio do seu comité de sanções ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, com base em informações comunicadas pelos Estados e pelas organizações regionais, é normal que o direito de os interessados serem ouvidos seja regulado no âmbito de um procedimento administrativo de vários níveis, no qual as autoridades nacionais referidas no Anexo II do regulamento impugnado desempenham um papel essencial (acórdãos Yusuf, n.os 314 e 315, e Kadi, n.os 267 e 268; v. igualmente, por analogia, despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Agosto de 2000, «Invest» Import und Export e Invest commerce/Comissão, T‑189/00 R, Colect., p. II‑2993).

142    Embora o comité de sanções tome as suas decisões por consenso, a eficácia do procedimento de pedido de exclusão da lista é garantida, por um lado, pelos diversos mecanismos formais de consulta adequados a favorecer esse consenso, previstos na secção 8, alíneas b) a e), das directrizes e, por outro, pela obrigação que incumbe a todos os Estados membros da ONU, incluindo os que são membros desse comité, de agir de boa fé no âmbito desse procedimento, em conformidade com o princípio geral de direito internacional segundo o qual todo o tratado em vigor vincula as partes e deve ser por elas executado de boa fé (pacta sunt servanda), consagrado no artigo 26.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, celebrada em Viena em 23 de Maio de 1969. Deve salientar‑se, a esse respeito, que as directrizes se impõem a todos os Estados membros da ONU por força das suas obrigações jurídicas internacionais, em conformidade com as resoluções em causa do Conselho de Segurança. Em particular, resulta do n.° 9 da Resolução 1267 (1999), do n.° 19 da Resolução 1333 (2000) e do n.° 7 da Resolução 1390 (2002) que todos os Estados são obrigados a cooperar plenamente com o comité de sanções na execução das suas incumbências, designadamente comunicando‑lhe as informações que lhe possam ser necessárias por força das referidas resoluções.

143    No que diz mais particularmente respeito ao governo requerido, que é aquele ao qual é dirigido o pedido de exclusão e que é, por isso, na maior parte dos casos, o do país de residência ou de nacionalidade do interessado, a eficácia deste procedimento de exclusão é ainda garantida pela obrigação que lhe incumbe, por força da secção 8, alínea b), das directrizes, de examinar todas as informações pertinentes fornecidas pelo interessado e depois contactar bilateralmente o governo que propôs a inscrição.

144    Deve acrescentar‑se, neste contexto, que incumbem aos Estados‑Membros da Comunidade obrigações particulares quando lhes é dirigido um pedido de exclusão.

145    Com efeito, tendo o comité de sanções, através das suas directrizes, interpretado as resoluções em causa do Conselho de Segurança como conferindo aos interessados o direito de submeterem um pedido de reexame do seu caso ao Governo do país no qual residem ou de que são nacionais, a fim de que o seu nome seja excluído da lista controvertida (v. n.os 138 e 139, supra), deve interpretar‑se e aplicar‑se no mesmo sentido o regulamento impugnado, que constitui a execução das referidas resoluções na Comunidade (v., neste sentido, acórdãos Yusuf, n.° 276, e Kadi, n.° 225). Consequentemente, este direito deve ser qualificado de direito garantido não apenas pelas referidas directrizes, mas igualmente pela ordem jurídica comunitária.

146    Daqui resulta que, tanto no âmbito da apreciação de um pedido desse tipo como no âmbito das consultas e diligências entre os Estados que daí podem resultar por força da secção 8 das directrizes, os Estados‑Membros são obrigados, em conformidade com o artigo 6.° UE, a respeitar os direitos fundamentais dos interessados, conforme são garantidos pela CEDH e resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário, dado que o respeito desses direitos fundamentais não parece susceptível de constituir obstáculo à boa execução das suas obrigações decorrentes da Carta das Nações Unidas (v., a contrario, acórdãos Yusuf, n.° 240, e Kadi, n.° 190).

147    Assim, os Estados‑Membros devem zelar por que, na medida do possível, os interessados possam fazer valer utilmente o seu ponto de vista perante as autoridades nacionais competentes, no âmbito de um pedido de reexame do seu caso. Por outro lado, a margem de apreciação que se deve reconhecer a estas autoridades, neste contexto, deve ser exercida de forma que tenha devidamente em conta as dificuldades que os interessados possam ter em organizar uma protecção efectiva dos seus direitos, atendendo ao contexto e à natureza específica das medidas de que são destinatários.

148    Assim, os Estados‑Membros não têm justificação para recusar dar início ao procedimento de reexame previsto pelas directrizes devido unicamente ao facto de os interessados não conseguirem fornecer informações precisas e pertinentes em apoio do seu pedido, por não terem podido tomar conhecimento, em razão do seu carácter confidencial, dos motivos precisos que justificaram a sua inclusão na lista controvertida ou dos elementos de prova em que esses motivos se baseiam.

149    Igualmente, atendendo à circunstância, recordada no n.° 141 supra, de os particulares não terem o direito de ser pessoalmente ouvidos pela comité de sanções, pelo que dependem, no essencial, da protecção diplomática que os Estados concedem aos seus cidadãos, os Estados‑Membros são obrigados a actuar com diligência para que o caso dos interessados seja apresentado sem demora e de forma leal e imparcial ao referido comité, com vista ao seu reexame, se tal for objectivamente justificado à luz das informações pertinentes fornecidas.

150    Deve acrescentar‑se que, como o Tribunal de Primeira Instância observou, na sequência do Reino Unido, nos acórdãos Yusuf (n.° 317) e Kadi (n.° 270), os interessados têm a possibilidade de interpor recurso jurisdicional com base no direito interno do Estado do Governo requerido, ou mesmo directamente com base no regulamento impugnado, bem como nas resoluções pertinentes do Conselho de Segurança a que aquele dá execução, de uma eventual recusa abusiva da autoridade nacional competente em submeter os seus casos, para reexame, ao comité de sanções e, de um modo mais geral, de qualquer violação, por parte da autoridade nacional, do direito dos interessados a requerer o reexame do seu caso. Na audiência no presente processo, o Conselho invocou assim, neste sentido, uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que condenou o referido Estado‑Membro a pedir ao comité de sanções que, com urgência, retirasse o nome de duas pessoas da lista controvertida, sob pena da aplicação de uma sanção pecuniária [tribunal de primeira instância de Bruxelas (Quarta Secção), acórdão de 11 de Fevereiro de 2005 no processo Nabil Sayadi e Patricia Vinck c. Estado belga].

151    A esse respeito, deve igualmente recordar‑se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2005, Leffler, C‑443/03, Colect., p. I‑9611, n.os 49 e 50, e jurisprudência referida), na falta de regulamentação comunitária, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a protecção dos direitos que decorrem, para os cidadãos, do efeito directo do direito comunitário. O Tribunal precisou no entanto que estas modalidades não podem ser menos favoráveis do que as modalidades relativas a direitos com origem na ordem jurídica interna (princípio da equivalência) nem podem tornar impossível ou excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade). O princípio da efectividade deve, por outro lado, levar o juiz nacional a só aplicar modalidades processuais previstas pela sua ordem jurídica interna quando elas não ponham em causa a razão de ser e a finalidade do acto comunitário em causa.

152    Daqui resulta que, no âmbito de um recurso em que se alega a violação, por parte das autoridades nacionais competentes, do direito de os interessados pedirem o reexame do seu caso com vista a obter a sua exclusão da lista controvertida, cabe ao juiz nacional aplicar, em princípio, o seu direito nacional, ao mesmo tempo que zela por que seja assegurada a plena eficácia do direito comunitário, o que o pode conduzir a afastar, se necessário, uma norma nacional que a isso obste (v. acórdão Leffler, já referido no n.° 151 supra, n.° 51, e jurisprudência referida), como uma regra que exclua da fiscalização jurisdicional a recusa das autoridades nacionais de agir com vista a assegurar a protecção diplomática dos seus cidadãos.

153    No caso em apreço, o recorrente alegou, na audiência, que as autoridades irlandesas o haviam informado, por carta de 10 de Outubro de 2005, de que o seu pedido de exclusão da lista controvertida, apresentado em 5 de Fevereiro de 2004, continuava a ser apreciado por essas autoridades. Na medida em que o recorrente entende pôr assim em causa a falta de cooperação leal das autoridades irlandesas no que lhe diz respeito, cabe‑lhe recorrer, se for esse o caso, às vias jurisdicionais possíveis com base no direito interno a que acima se fez referência.

154    De qualquer forma, admitindo que essa falta de cooperação se verifica, a mesma não implica de forma alguma que o procedimento de exclusão previsto pelas directrizes seja, em si, ineficaz (v., por analogia, despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Maio de 2003, Sison/Conselho, T‑47/03 R, Colect., p. II‑2047, n.° 39, e jurisprudência referida).

155    Nestas condições, não há que pôr em causa a apreciação feita pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos Yusuf e Kadi à luz dos argumentos mais especificamente desenvolvidos pelo recorrente na audiência e relativos à alegada incompatibilidade com o jus cogens da lacuna verificada na protecção jurisdicional dos interessados.

156    Por último, na medida em que os acórdãos Yusuf e Kadi não dão resposta ao argumento do recorrente segundo o qual os Estados membros da ONU não são obrigados a aplicar como tais as medidas que o Conselho de Segurança os «insta» a adoptar, é com razão que o Reino Unido objecta que o artigo 39.° da Carta das Nações Unidas faz uma distinção entre as «recomendações», que não são obrigatórias, e as decisões, que o são. No presente caso, as sanções previstas no n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) foram efectivamente adoptadas através de uma decisão. Igualmente, no n.° 1 da Resolução 1390 (2002), o Conselho de Segurança «decidi[u]» manter as medidas «impostas» pela referida disposição. Por conseguinte, improcede também este argumento.

157    À luz das considerações antecedentes, as segunda e terceira partes do segundo fundamento devem ser julgadas improcedentes. Logo, este fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação de uma formalidade essencial

 Argumentos das partes

158    O recorrente sustenta que o Conselho violou uma formalidade essencial ao não ter exposto adequadamente as razões pelas quais considera que a adopção de regulamentação comunitária, em vez da adopção de legislações nacionais, era necessária no presente caso. O motivo mencionado a esse respeito no considerando 4 do regulamento impugnado, a saber, o objectivo de «evitar distorções de concorrência», não tem justificação de facto.

159    O Conselho e o Reino Unido consideram que o presente fundamento se confunde com o relativo à violação do princípio da subsidiariedade e remetem para as suas observações em resposta a este último fundamento. Na medida em que o recorrente sustenta que o regulamento impugnado não expõe as razões pelas quais foi considerado que uma acção comunitária era adequada e necessária, o Reino Unido contesta que seja esse o caso, à luz dos considerandos do referido regulamento. Na medida em que o recorrente invoca mais especificamente um vício de fundamentação em relação com o objectivo alegado de evitar distorções de concorrência, o Conselho objecta que a fundamentação do regulamento impugnado deve ser apreciada globalmente, e não isolando uma única frase numa página de considerandos.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

160    Com este fundamento, o recorrente alega um duplo vício de fundamentação.

161    Em primeiro lugar, critica o Conselho por não ter exposto adequadamente as razões pelas quais considerou que a adopção de regulamentação comunitária, em vez da adopção de legislações nacionais, era necessária no presente caso.

162    Esta crítica não tem fundamento, uma vez que os vistos do regulamento impugnado remetem, por um lado, para os artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE e, por outro, para a Posição Comum 2002/402. Embora seja verdade que o Tribunal de Primeira Instância constatou, nos acórdãos Yusuf (n.° 138) e Kadi (n.° 102), que o preâmbulo do regulamento impugnado era particularmente lacónico sobre esta questão, essa fundamentação é todavia suficiente. Quanto às razões pelas quais se considerou, nessa posição comum, que era necessária uma acção da Comunidade, elas são as da União e não as da Comunidade. Logo, não tinham de ser expostas no próprio acto comunitário.

163    Em segundo lugar, o recorrente sustenta que o motivo mencionado no considerando 4 do regulamento impugnado, a saber, o objectivo de «evitar distorções de concorrência», não tem fundamento de facto.

164    É certo que o Tribunal de Primeira Instância declarou, nos acórdãos Yusuf (n.os 141 e 150) e Kadi (n.os 105 e 114), que a afirmação de um risco de distorção da concorrência, que o regulamento impugnado, segundo o seu preâmbulo, tem por objectivo prevenir, não é convincente e que, consequentemente, as medidas em causa no presente caso não podem ser justificadas pelo objectivo referido no artigo 3.°, n.° 1, alíneas c) e g), CE.

165    Contudo, como o Conselho observa com razão, a fundamentação de um regulamento deve ser apreciada globalmente. Nos termos da jurisprudência, o vício de forma que constitui para um regulamento o facto de um dos seus considerandos conter uma menção de facto errónea não pode conduzir à sua anulação se os outros considerandos fornecerem uma fundamentação ela própria suficiente (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 1987, Espanha/Conselho e Comissão, 119/86, Colect., p. 4121, n.° 51, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Janeiro de 1999, Neue Maxhütte Stahlwerke e Lech‑Stahlwerke/Comissão, T‑129/95, T‑2/96 e T‑97/96, Colect., p. II‑17, n.° 160). É o que se verifica no caso em apreço.

166    A este respeito, convém lembrar que a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio do Conselho, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões que justificaram as medidas adoptadas e possibilitar ao juiz comunitário o exercício da sua fiscalização. O respeito do dever de fundamentação deve, por outro lado, ser apreciado em razão não apenas do texto do acto, mas também do seu contexto, bem como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa. Quando se trata, como no caso vertente, de um acto de aplicação geral, a fundamentação pode limitar‑se a indicar, por um lado, a situação de conjunto que levou à sua adopção e, por outro, os objectivos gerais que se propõe atingir (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.os 66 e 67, e jurisprudência referida).

167    No presente caso, os vistos do regulamento impugnado bem como os seus considerandos 1 a 7, em particular, cumprem plenamente essas exigências, conforme resulta dos acórdãos Yusuf (n.os 158 e segs.) e Kadi (n.os 122 e segs.).

168    Por outro lado, na medida em que o regulamento impugnado designa nominalmente o recorrente, no seu Anexo I, como devendo ser objecto de uma medida individual de congelamento de fundos, está suficientemente fundamentado pela remissão, feita no artigo 2.°, para a designação correspondente por parte do comité de sanções.

169    Do que precede resulta que o terceiro fundamento é improcedente.

170    Não procedendo qualquer dos fundamentos invocados pelo recorrente em apoio do recurso, deve ser‑lhe negado provimento.

 Quanto às despesas

171    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com o pedido do Conselho.

172    Contudo, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que tenham intervindo no processo devem suportar as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O recorrente é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas do Conselho.

3)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

Pirrung

Forwood

Papasavvas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Julho de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Pirrung

Índice

Quadro jurídico

Antecedentes do litígio

Tramitação processual

Pedidos das partes

Matéria de facto

Questão de direito

1.  Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto ao mérito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a incompetência e a um desvio de poder

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos princípios fundamentais da subsidiariedade, da proporcionalidade e do respeito dos direitos do homem

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–  Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à violação do princípio da subsidiariedade

–  Quanto às segunda e terceira partes do segundo fundamento, relativas à violação dos princípios da proporcionalidade e do respeito dos direitos do homem

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação de uma formalidade essencial

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.