Language of document : ECLI:EU:C:2017:746

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 10 de outubro de 2017 (1)

Processo C363/16

Comissão Europeia

contra

República Helénica

«Incumprimento de Estado — Auxílio estatal — Obrigação de recuperação — Artigo 108.°, n.° 2, TFUE — Medidas a adotar pelos Estados‑Membros — Processo de insolvência — Inscrição do auxílio estatal ilegal na tabela de créditos — Cessação da atividade da empresa — Suspensão das hastas públicas de venda dos bens da empresa»






1.        Em fevereiro de 2012, a Comissão Europeia adotou uma decisão (2) na qual concluiu que certas medidas de apoio financeiro adotadas pela República Helénica a favor da Têxteis Unidos SA constituíam um auxílio estatal incompatível com o mercado interno e exigiu que a República Helénica recuperasse o auxílio. Pretende agora obter a declaração, nos termos do artigo 108.°, n.° 2, TFUE, de que a República Helénica não deu cumprimento a essa decisão dentro do prazo fixado.

2.        A República Helénica alega que, uma vez que o destinatário do auxílio foi declarado insolvente por despacho judicial proferido em julho de 2012 e a sua atividade cessou, a distorção da concorrência causada pelo auxílio estatal ilegal de que o destinatário beneficiou foi eliminada. Por conseguinte, a República Helénica tomou todas as medidas necessárias para cumprir a decisão e não se está em situação de incumprimento.

 Quadro jurídico

3.        O artigo 108.°, n.° 2, TFUE dispõe:

«Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.°, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.

Se o Estado em causa não der cumprimento a esta decisão no prazo fixado, a Comissão ou qualquer outro Estado interessado podem recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia, em derrogação do disposto nos artigos 258.° e 259.°

[…]»

4.        O Regulamento n.° 659/1999 (3) estabelecia as regras de execução da legislação que regulava os auxílios estatais ilegais.

5.        O considerando 6 desse regulamento dispunha que «nos termos do artigo [4.°, n.° 3 TUE], os Estados‑Membros têm obrigação de cooperar com a Comissão e de prestar todas as informações necessárias para lhe permitir cumprir as obrigações que para ela decorrem do presente regulamento».

6.        Segundo o considerando 13:

«Considerando que, nos casos de auxílios ilegais incompatíveis com o mercado comum, deve ser restabelecida uma concorrência efetiva; que, para este efeito, é necessário que o auxílio, acrescido de juros, seja recuperado o mais rapidamente possível; que é conveniente que esta recuperação seja efetuada de acordo com o direito processual nacional; que a aplicação deste direito processual não deve, ao impedir uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão, obstar ao restabelecimento de uma concorrência efetiva; que, para obter esse resultado, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para garantir a eficácia da decisão da Comissão;».

7.        O artigo 14.° desse regulamento, com a epígrafe «Recuperação do auxílio», estabelecia:

«1.      Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário […]. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito [da União].

[…]

3.      Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça nos termos do artigo [278.° TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados‑Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação [da União].»

 Factos na origem do litígio e decisão de recuperação

8.        A Têxteis Unidos é uma empresa têxtil grega que se dedica à produção de vestuário, fibras e tecido. De acordo com os considerandos da decisão de recuperação, a sua situação tinha vindo a deteriorar‑se constantemente desde, pelo menos, 2004 e as suas unidades de produção não funcionavam desde 2008, devido a falta de capital de exploração. Praticamente todos os pagamentos respeitantes aos empréstimos bancários da empresa estavam em atraso desde 2008. Segundo os relatórios anuais da empresa, a produção tinha cessado quase completamente em março de 2009, e a negociação das suas ações na Bolsa de Atenas estava suspensa desde fevereiro de 2010 (4).

9.        Em 2007, a República Helénica concedeu à Têxteis Unidos uma garantia para o reescalonamento de um empréstimo bancário existente e a concessão de um novo empréstimo bancário (a seguir «garantia de 2007»). Em 2009, a República Helénica procedeu ao reescalonamento das dívidas da empresa à segurança social, relativas ao período 2004‑2009 (a seguir «reescalonamento de 2009») (5).

10.      Em 22 de fevereiro de 2012, a Comissão adotou a decisão de recuperação, que foi notificada à República Helénica em 23 de fevereiro de 2012. No artigo 1.°, n.° 1, dessa decisão, a Comissão declarou que a garantia de 2007 e o reescalonamento de 2009 constituíam auxílios estatais incompatíveis com o mercado interno (6). O montante total do auxílio ilegal foi estimado em 30,57 milhões de euros (7).

11.      O artigo 2.° exigia que a República Helénica recuperasse, junto da Têxteis Unidos, o auxílio estatal ilegal, acrescido de juros.

12.      O artigo 3.° dispunha que a recuperação do auxílio devia ser imediata e efetiva e que a decisão de recuperação devia ser executada no prazo de quatro meses a contar da data da sua notificação.

13.      Além disso, o artigo 4.°, n.° 1, exigia que a República Helénica apresentasse à Comissão, no prazo de dois meses a contar da notificação da decisão, os seguintes elementos:

«a)      Montante total (capital e juros) a recuperar de cada um dos beneficiários;

b)      Descrição pormenorizada das medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à [decisão de recuperação];

c)      Documentos que demonstrem que os beneficiários foram intimados a reembolsar o auxílio.»

14.      Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, «[a] Grécia deve manter a Comissão informada sobre a evolução das medidas nacionais adotadas para dar cumprimento à [decisão de recuperação], até estar concluída a recuperação dos auxílios […]. A pedido da Comissão, a Grécia deve transmitir‑lhe de imediato informações sobre as medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à [decisão de recuperação]. A Grécia deve prestar também informações pormenorizadas sobre os montantes dos auxílios e dos juros já recuperados dos beneficiários.»

15.      No seguimento da notificação da decisão de recuperação, as autoridades gregas competentes emitiram uma certidão de dívida no montante de 19 181 729,10 euros (correspondente à garantia de 2007), em 21 de junho de 2012. Em 19 de julho de 2012, por decisão do Polymeles Protodikeio Athinon (Tribunal de Primeira Instância de Atenas), a Têxteis Unidos foi declarada insolvente.

16.      Em 29 de agosto de 2012, as autoridades gregas competentes emitiram uma certidão de dívida suplementar no montante de 15 827 427,78 euros (correspondente ao reescalonamento de 2009).

17.      As dívidas foram notificadas ao registo de insolvências em 3 de agosto de 2012 (garantia de 2007) e em 4 de setembro de 2012 (reescalonamento de 2009).

18.      A primeira assembleia de credores teve lugar em 18 de dezembro de 2012. A última notificação das dívidas emergentes dos auxílios a recuperar verificou‑se em 7 de fevereiro de 2013. A tabela de créditos foi finalizada em 11 de setembro de 2013.

19.      No início de 2013, os bens da Têxteis Unidos foram vendidos em hasta pública.

20.      Entre maio de 2012 e maio de 2015, a Comissão e a República Helénica trocaram correspondência sobre a execução da decisão de recuperação e o andamento do processo de insolvência.

21.      Por mensagens de correio eletrónico de 7 e 17 de dezembro de 2015, o administrador da insolvência da Têxteis Unidos informou a Comissão de que a República Helénica estava a fazer esforços para relançar a atividade da empresa, tendo perguntado se a Comissão apoiava este projeto. Por ofício de 18 de dezembro de 2015, a Comissão pediu que a República Helénica esclarecesse se existiam planos para suspender o processo de insolvência da Têxteis Unidos e para relançar a empresa.

22.      Por ato de teor legislativo de 30 de dezembro de 2015 (a seguir «ATL»), foi decidido que «[a]s hastas públicas de venda dos bens da sociedade anónima […] “Têxteis Unidos S.A.” são suspensas por um período de seis meses a contar da data de publicação no Jornal Oficial» (8).

23.      Em 19 de janeiro de 2016, a República Helénica respondeu ao ofício da Comissão de 18 de dezembro de 2015, confirmando que a venda dos bens tinha sido suspensa. Por ofício de 11 de abril de 2016, forneceu à Comissão mais informações sobre esse assunto.

24.      A venda dos bens da empresa em hasta pública foi efetivamente suspensa a partir da data de publicação do ATL por um período de seis meses, até 30 de junho de 2016. O Governo helénico confirmou na audiência que a venda em hasta pública dos bens da Têxteis Unidos tinha sido retomada em setembro de 2016.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

25.      Em 30 de junho de 2016, a Comissão instaurou a presente ação.

26.      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo tomado, no prazo previsto, todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio estatal declarado ilegal e incompatível com o mercado interno pelo artigo 1.°, n.° 1, da decisão de recuperação, e não tendo informado suficientemente a Comissão das medidas tomadas nos termos do artigo 4.° dessa decisão, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 3.° e 4.° da referida decisão nem as que resultam do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

27.      Na audiência de 21 de junho de 2017, o Governo helénico e a Comissão apresentaram alegações orais e responderam às perguntas do Tribunal de Justiça.

28.      Na sua petição, a Comissão observou que «de um ponto de vista formal» a República Helénica não tinha assegurado o cumprimento das obrigações emergentes da decisão de recuperação à data do termo do prazo estipulado (v. n.° 39, infra). Porém, dedicou a maior parte das suas alegações escritas e orais à suspensão da venda dos bens da empresa, três anos depois, em 30 de dezembro de 2015.

29.      Quando, durante a audiência, lhe foi perguntado em que consistia concretamente o incumprimento da República Helénica, a Comissão identificou três motivos principais pelos quais, no seu entender, a República Helénica não tinha dado cumprimento à decisão de recuperação, concretamente: i) não tinha recuperado o auxílio no prazo de quatro meses estipulado na decisão (tendo a Têxteis Unidos sido declarada insolvente após o termo desse prazo); ii) não tinha informado plenamente a Comissão dos progressos registados na recuperação do auxílio estatal ilegal, na medida em que não tinha fornecido à Comissão os elementos exigidos pelo artigo 4.°, n.° 1, da decisão de recuperação no prazo dois meses a contar da notificação dessa disposição nem tinha informado a Comissão de que as hastas públicas tinham sido suspensas em dezembro de 2015; e iii) tinha suspendido, por ATL, as hastas públicas de venda dos bens da Têxteis Unidos.

 Observações preliminares

30.      É importante começar por esclarecer certos aspetos do procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE, a data relevante para a apreciação da existência de incumprimento ao abrigo desse procedimento e a natureza da obrigação imposta aos Estados‑Membros por uma decisão de recuperação.

 Procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE e ónus da prova

31.      Quando um Estado‑Membro não dá cumprimento a uma decisão de recuperação, a Comissão ou outro Estado‑Membro podem, em derrogação aos artigos 258.° e 259.° TFUE, recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2. Ao contrário do artigo 258.° TFUE, essa opção não prevê uma fase administrativa prévia (9).

32.      A escolha do procedimento a adotar em determinado caso compete à Comissão (10). O Tribunal de Justiça sustentou que o meio processual previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE não é mais do que uma variante da ação por incumprimento, adaptada especialmente aos problemas específicos que os auxílios estatais apresentam para a concorrência no mercado comum (11). No presente caso, a Comissão instaurou a ação ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2, TFUE.

33.      O recurso ao Tribunal de Justiça ao abrigo desta disposição é mais rápido e mais fácil, dado que as discussões formais com o Estado‑Membro e (se for caso disso) com outras partes interessadas já tiveram lugar no âmbito do procedimento administrativo que culminou com a adoção pela Comissão da decisão pertinente (12). A atuação de um Estado‑Membro contra o qual é instaurada uma ação ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2, deve ser apreciada unicamente à luz das obrigações que lhe foram impostas por essa decisão (13).

34.      Independentemente do procedimento escolhido pela Comissão, é jurisprudência constante que, no quadro de uma ação por incumprimento, «cabe à Comissão provar o incumprimento alegado. É a Comissão que deve apresentar ao Tribunal os elementos necessários para que este verifique a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção» (14). Por outro lado, uma vez estabelecida a não recuperação total ou parcial do auxílio estatal ilegal, cabe então ao Estado‑Membro justificar esse incumprimento (15).

 Data relevante para apreciação da existência de incumprimento

35.      Em casos como o presente, em que o processo nacional de recuperação do auxílio estatal ilegal dura há vários anos, é crucial determinar a data relevante para a apreciação da existência de incumprimento. A este respeito, a escolha entre o processo geral por incumprimento e o processo previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE tem consequências. Uma vez que este último não exige que a Comissão formule um parecer fundamentado, a data relevante para determinar se houve incumprimento não pode (como acontece no procedimento do artigo 258.° TFUE) ser a data fixada para dar cumprimento ao disposto nesse parecer.

36.      Ao invés, segundo jurisprudência constante, a data relevante para efeitos do processo previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE é a fixada na decisão que impõe a obrigação de recuperar o auxílio estatal ou, se for o caso, a data posteriormente fixada pela Comissão (16). Os acontecimentos posteriores à data relevante não podem ser tidos em conta para apreciar a existência ou inexistência de incumprimento (17).

37.      No presente caso, o artigo 3.°, n.° 2, da decisão de recuperação estabelecia um prazo de quatro meses a contar da data de notificação da decisão. A Comissão não fixou posteriormente um novo prazo. Consequentemente, a data relevante deverá ser 23 de junho de 2012, ou seja, quatro meses a contar da data da notificação da decisão, que ocorreu em 23 de fevereiro de 2012 (18). Uma vez que essa data é um sábado, a data relevante é 25 de junho de 2012.

38.      Além disso, o artigo 4.°, n.° 1, da decisão de recuperação exigia que a República Helénica fornecesse elementos específicos à Comissão no prazo de dois meses a contar da data de notificação, ou seja, até 23 de abril de 2012.

39.      As datas relevantes para determinar se a República Helénica violou a obrigação de informação e a obrigação de recuperação do auxílio estatal são, por conseguinte, 23 de abril de 2012 e 25 de junho de 2012, respetivamente.

40.      Na audiência, a Comissão defendeu que a suspensão das hastas públicas de venda dos bens da Têxteis Unidos pelo ATL em 30 de dezembro de 2015 é uma segunda data relevante para a apreciação da existência de incumprimento.

41.      Nesse contexto, a Comissão alegou ainda na audiência que é prática do Tribunal de Justiça declarar que um Estado‑Membro que não deu cumprimento a uma decisão que exige que recupere um auxílio estatal até à data relevante está a praticar uma infração continuada (19).

42.      Não aceito esta leitura da jurisprudência. Embora seja verdade que, em alguns desses casos, o Tribunal de Justiça referiu que o incumprimento se tinha prolongado para além da data relevante e até à audiência, a declaração efetivamente feita pelo Tribunal de Justiça limitava‑se à existência de um incumprimento no termo do prazo estipulado na decisão da Comissão (20).

43.      Resulta também claramente do acórdão Comissão/Bélgica (21)que os acontecimentos posteriores à data especificada na decisão que impõe a recuperação do auxílio estatal ilegal são irrelevantes a determinação da existência de um incumprimento ao abrigo do procedimento do artigo 108.°, n.° 2, TFUE. No entanto, o Estado‑Membro continua obrigado, após essa data, a proceder à recuperação do auxílio ilegal, por força do dever de cooperação leal (22).

 Natureza da obrigação de recuperação

44.      A obrigação de recuperar um auxílio estatal ilegal decorre do artigo 108.°, n.° 2, TFUE, conforme aplicado para efeitos do presente processo pelo Regulamento n.° 659/1999. O Tribunal de Justiça tem sistematicamente afirmado que «a eliminação de um auxílio ilegal por meio da recuperação é a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade» (23). A recuperação destina‑se a restabelecer, na medida do possível, o statusquo e a eliminar as vantagens anticoncorrenciais criadas pelos auxílios estatais ilegais (24).

45.      A obrigação de recuperação é uma obrigação de resultado (25). O Regulamento n.° 659/1999 exige que os Estados‑Membros recuperem os auxílios estatais ilegais imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional, devendo a execução da decisão de recuperação ser «imediata e efetiva» (26). Nessa matéria, segundo jurisprudência constante, os Estados‑Membros têm liberdade para escolher os meios de execução da obrigação imposta pela decisão de recuperação, desde que as medidas escolhidas não violem o alcance e a eficácia do direito da União (27).

46.      A recuperação deve ser não só integral como também pontual, ou seja, efetuada dentro do prazo estipulado na decisão (ou na data posteriormente fixada pela Comissão); uma recuperação tardia não satisfaz as exigências do TFUE (28).

47.      O Tribunal de Justiça tem sistematicamente declarado que a única justificação para a não recuperação de um auxílio estatal ilegal é a impossibilidade absoluta (29). A jurisprudência interpreta esse fundamento de defesa de forma estrita, recusando‑se a aceitar que «o simples receio de dificuldades internas» corresponda a uma impossibilidade absoluta (30). Os Estados‑Membros não podem invocar exigências do seu direito nacional, como a impossibilidade de recuperação ao abrigo do direito nacional (31); um vazio jurídico (32); dificuldades administrativas ou técnicas (33); ou as dificuldades jurídicas, políticas ou de ordem prática que a execução da decisão apresentava, sem efetuar uma verdadeira diligência junto das empresas em causa para recuperar o auxílio e sem propor à Comissão formas alternativas de execução da decisão que tivessem permitido superar essas dificuldades (34).

48.      Pode um Estado‑Membro alegar que o facto de a situação financeira do beneficiário não permitir a recuperação do auxílio constitui uma «impossibilidade absoluta» de recuperar?

49.      O Tribunal de Justiça entendeu que essa situação não constitui prova de que a execução é impossível, uma vez que a liquidação da empresa também permite alcançar o objetivo de supressão do auxílio (35). A inexistência de ativo recuperável é a única forma de demonstrar a impossibilidade absoluta de recuperar o auxílio, e compete ao Estado provocar a liquidação judicial da empresa para invocar os seus créditos sobre o ativo, se o houver e se a prioridade dos seus créditos o permitir (36).

50.      O argumento da impossibilidade absoluta aplica‑se ao resultado a alcançar: a recuperação do auxílio ilegal. Se pudesse ser invocado relativamente ao modo como a recuperação foi efetuada, seria demasiado fácil um Estado‑Membro optar por um procedimento de recuperação do auxílio ilegal que se revelasse impossível e, assim, afirmar que estava dispensado da sua obrigação de recuperar o auxílio (37).

51.      Caso se deparem com dificuldades na recuperação do auxílio, os Estados‑Membros estão sujeitos a certos deveres complementares. Um Estado‑Membro só pode invocar a impossibilidade absoluta se tiver comunicado esses problemas à Comissão e se tiver tentado superar as dificuldades que enfrenta (38). Assim, um Estado‑Membro que se depare com dificuldades imprevistas e imprevisíveis ou tome consciência de consequências não previstas pela Comissão deve submeter esses problemas à apreciação desta última, propondo alterações adequadas à decisão em causa. Nesse caso, a Comissão e o Estado‑Membro devem, por força da regra que impõe aos Estados‑Membros e às instituições da União um dever recíproco de cooperação leal, que inspira, nomeadamente, o artigo 4.°, n.° 3, TUE, colaborar de boa‑fé com vista a superar essas dificuldades (39).

 Incumprimento de obrigações

 Obrigação de recuperar o auxílio estatal

 Argumentos das partes

52.      Na sua petição, a Comissão alega que a República Helénica não recuperou o auxílio ilegal dentro do prazo estipulado.

53.      Segundo a Comissão, quando a recuperação integral do auxílio estatal ilegal não é possível porque a empresa está em dificuldades ou em estado de insolvência, o Estado‑Membro deve exigir a inscrição do crédito relativo ao reembolso do auxílio na tabela de créditos dessa empresa no contexto do processo de insolvência. A empresa deve cessar definitivamente a sua atividade. No presente caso, a República Helénica não cumpriu essas obrigações até ao termo do prazo estipulado, ou seja, 25 de junho de 2012.

54.      A República Helénica alega que a Têxteis Unidos foi declarada insolvente em 19 de julho de 2012 e cessou a sua atividade. A distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial de que beneficiou o destinatário do auxílio foi, assim, eliminada, em conformidade com a decisão de recuperação.

 Apreciação

55.      Num caso como o presente, em que a empresa em causa não possui os fundos necessários para reembolsar o auxílio estatal ilegal, continua a existir uma obrigação de recuperação. Com efeito, encontra‑se firmemente estabelecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça que a obrigação de recuperar um auxílio estatal ilegal abrange a recuperação junto de destinatários em dificuldades ou insolventes, como é o caso da Têxteis Unidos (40).

56.      Nesse caso, «a reposição da situação anterior e a eliminação da distorção da concorrência resultante dos auxílios ilegalmente pagos podem, em princípio, realizar‑se mediante a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios em causa» (41). Se necessário, o próprio Estado‑Membro — na qualidade de credor ou de acionista da empresa — deve dar início ao processo de liquidação (42).

57.      Se as autoridades dos Estados‑Membros não puderem recuperar o montante total do auxílio, a inscrição do crédito na tabela de créditos não é, por si só, suficiente. O processo de insolvência deve «conduzir à liquidação da empresa beneficiária dos auxílios ilegais, isto é, à cessação definitiva da sua atividade» (43).

58.      Daí decorre que, quando o Estado não possa recuperar o montante total do auxílio ilegal em virtude da situação financeira da empresa, i) a empresa deve ser declarada insolvente, e ii) o crédito relativo à restituição do auxílio em causa deve ser inscrito na tabela de créditos. Quando continue a ser impossível recuperar o montante total do auxílio, o processo de insolvência deve conduzir à liquidação da empresa e à cessação definitiva da sua atividade. Só então a obrigação de recuperação poderá ser considerada cumprida.

59.      Uma outra questão diz respeito ao prazo para dar cumprimento à decisão de recuperação. Afigura‑se pouco provável que, em regra, as várias fases do processo de insolvência, desde o pedido de insolvência à declaração de insolvência, e desde a liquidação do beneficiário até à cessação definitiva da sua atividade, estejam concluídas no prazo de quatro meses habitualmente fixado pela Comissão para a recuperação do auxílio ilegal. Nessas circunstâncias, o que poderá ser razoavelmente exigido a um Estado‑Membro que pretende cumprir integral e pontualmente a decisão de recuperação?

60.      O Tribunal de Justiça considera que a inscrição do crédito resultante do auxílio estatal ilegal na tabela de créditos é o meio adequado para eliminar a distorção da concorrência e exige que essa inscrição seja efetuada dentro do prazo estipulado pela decisão de recuperação (44).

61.      Assim, é de esperar que o Estado‑Membro dê início ao processo de insolvência (se nenhum outro credor o tiver já feito), notifique os seus créditos ao administrador da insolvência e providencie a respetiva inscrição na tabela de créditos em conformidade com as formalidades do direito nacional, dentro do prazo estipulado pela decisão de recuperação.

62.      É possível que, num caso específico, haja circunstâncias ou motivos relacionados com formalidades internas que impeçam o Estado‑Membro de inscrever o crédito na tabela de créditos dentro do prazo estipulado. Nesse caso, o Estado‑Membro deve, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, submeter essa dificuldade à apreciação da Comissão, propondo alterações adequadas à decisão em causa. Tanto o Estado‑Membro como a Comissão devem respeitar o dever de cooperação leal e colaborar de boa‑fé (45).

63.      Consequentemente, se um Estado‑Membro se deparar com dificuldades para respeitar o calendário estabelecido pela decisão de recuperação devido a particularidades do processo de insolvência, deve informar plenamente a Comissão da situação e pedir um prazo adicional para dar cumprimento à decisão, justificando devidamente esse pedido. Em meu entender, impende então sobre a Comissão, que também está sujeita ao dever de cooperação leal, a obrigação de conceder uma prorrogação razoável do prazo para a recuperação, se as circunstâncias do caso assim o exigirem.

64.      No presente caso, é pacífico que a Têxteis Unidos só foi declarada insolvente em 19 de julho de 2012. Os montantes a recuperar foram notificados ao registo de insolvências em 3 de agosto de 2012 (garantia de 2007) e em 14 de setembro de 2012 (reescalonamento de 2009). A República Helénica declarou na audiência que a última notificação de um crédito relativo ao auxílio estatal ilegal ocorreu em 7 de fevereiro de 2013. A tabela de créditos foi finalizada em 11 de setembro de 2013. Todos estes acontecimentos tiveram lugar após a data relevante de 25 de junho de 2012.

65.      Apesar de todas as medidas destinadas a dar cumprimento à decisão de recuperação (a declaração de insolvência da Têxteis Unidos, a notificação dos créditos ao registo de insolvências e a elaboração da tabela de créditos, incluindo os créditos resultantes do auxílio estatal ilegal) terem sido tomadas após o prazo para recuperação estabelecido pela Comissão, a República Helénica não pediu à Comissão mais tempo para executar a referida decisão em conformidade com as formalidades do direito nacional. Assim, as medidas de execução tiveram lugar após a data relevante.

66.      Está, portanto, estabelecida a existência de incumprimento.

 Obrigação de manter a Comissão informada

 Argumentos das partes

67.      A Comissão defende que a República Helénica não lhe forneceu informações suficientes sobre as medidas adotadas para dar cumprimento à decisão de recuperação. Alega que a República Helénica não a informou antecipadamente da suspensão das hastas públicas de venda dos bens da Têxteis Unidos pelo ATL. Além disso, a República Helénica não forneceu quaisquer informações sobre a evolução do caso desde o ofício de 11 de abril de 2016.

68.      A República Helénica alega que manteve a Comissão suficientemente informada das medidas adotadas para dar cumprimento à decisão de recuperação.

 Apreciação

69.      O artigo 4.° da decisão de recuperação impunha obrigações de informação específicas à República Helénica. Em primeiro lugar, a República Helénica estava obrigada a fornecer três elementos de informação específicos no prazo de dois meses a contar da data de notificação da decisão (artigo 4.°, n.° 1). Em segundo lugar, a República Helénica estava sujeita a uma obrigação contínua de manter a Comissão informada sobre a evolução das medidas adotadas para recuperar o auxílio até que este tivesse sido integralmente recuperado (artigo 4.°, n.° 2).

70.      O Tribunal de Justiça sustentou que um Estado‑Membro, ao não tomar as medidas necessárias para recuperar o auxílio estatal dentro do prazo estipulado, também não cumpre a obrigação de informar a Comissão das medidas adotadas (46). Uma vez que a República Helénica não tomou quaisquer medidas para dar cumprimento à decisão de recuperação até 23 de abril de 2012, também não poderá ter informado a Comissão sobre as mesmas.

71.      Consequentemente, está também estabelecido o incumprimento dessa obrigação.

72.      Devo referir aqui que o Governo helénico confirmou na audiência que os três elementos de informação especificamente exigidos pelo artigo 4.°, n.° 1, da decisão de recuperação não foram fornecidos até 23 de abril de 2012. Além disso, a correspondência trocada entre as partes revela que o Governo helénico só contactou a Comissão em maio de 2012 —mais uma vez, já depois de terminado o prazo.

73.      Quanto à obrigação de manter a Comissão informada da evolução das medidas adotadas para recuperar o auxílio até à integral recuperação do mesmo (artigo 4.°, n.° 2, da decisão de recuperação), as partes apresentaram ao Tribunal de Justiça alguns ofícios que revelam uma correspondência frequente entre a República Helénica e a Comissão desde maio de 2012. Nesses ofícios, a República Helénica informou a Comissão da evolução do processo de insolvência da Têxteis Unidos. Contudo, a República Helénica não a informou antecipadamente da adoção do ATL que suspendeu as hastas públicas de venda dos bens dessa empresa. Só depois de a Comissão (por ofício de 18 de dezembro de 2015) ter pedido à República Helénica para clarificar a situação é que esta a informou (por ofício de 19 de janeiro de 2016) de que tinha suspendido as hastas públicas de venda dos bens da Têxteis Unidos por um período de seis meses, a fim de estudar um plano para relançar a empresa.

74.      No meu entender, isso configura uma violação do artigo 4.°, n.° 2, da decisão de recuperação.

75.      Concluo, portanto, que a República Helénica não manteve a Comissão suficientemente informada das medidas adotadas para recuperar o auxílio ilegal, conforme exigido pelo artigo 4.° da decisão de recuperação.

 Suspensão das hastas públicas e possibilidade de relançar a atividade da Têxteis Unidos

76.      A suspensão das hastas públicas de venda dos bens da Têxteis Unidos ocorreu após a data relevante para a apreciação da existência de incumprimento (v. n.os 35 a 43, supra). Por conseguinte, não pode ser tida em conta a este respeito. Porém, uma vez que uma parte importante das alegações das partes incide sobre este tópico, abordá‑lo‑ei sucintamente por uma questão de exaustividade.

77.      A Comissão alega que a recuperação deve ser efetuada de acordo com as formalidades do direito nacional e que deve ser imediata e efetiva. Quando não seja possível a recuperação integral do auxílio estatal ilegal e o Estado‑Membro opte pela via do processo de insolvência, esse processo deve, in fine, conduzir à liquidação da empresa e à cessação definitiva da sua atividade. Em seu entender, a suspensão das hastas públicas de venda dos bens da Têxteis Unidos interrompeu o processo de liquidação da empresa, que supostamente deveria ser irreversível, e atrasou a recuperação do auxílio estatal ilegal.

78.      A República Helénica alega que a Têxteis Unidos tinha cessado a sua atividade e que, consequentemente, a vantagem concorrencial de que tinha beneficiado tinha sido eliminada. Nem a jurisprudência nem a prática da Comissão exigem que o processo de insolvência conduza inevitavelmente à liquidação e à dissolução da empresa em causa. A suspensão das hastas públicas durou apenas seis meses, tendo sido subsequentemente retomado o processo de liquidação. Além disso, o projeto para relançar a atividade da Têxteis Unidos contemplava a recuperação imediata do auxílio estatal.

79.      Pode um Estado‑Membro que pretende recuperar um auxílio estatal ilegal no contexto de um processo de insolvência suspender esse processo a fim de estudar um plano para relançar a atividade do beneficiário?

80.      Para responder a essa pergunta, importa ter em conta vários princípios.

81.      Em primeiro lugar, a recuperação deve ser efetuada imediatamente e a execução da decisão de recuperação deve ser imediata e efetiva (47).

82.      Em segundo lugar, os Estados‑Membros têm liberdade para escolher os meios para executar a sua obrigação de recuperação, desde que as medidas escolhidas não violem o alcance e a eficácia do direito da União e não tornem a recuperação, na prática, impossível. As medidas adotadas pelos Estados‑Membros devem ser adequadas ao restabelecimento das condições normais de concorrência que foram falseadas pela concessão do auxílio ilegal (48).

83.      Em terceiro lugar, as obrigações específicas em matéria de recuperação de auxílios estatais e o dever mais geral de cooperação leal previsto no artigo 4.°, n.° 3, TUE, estão estreitamente interligados, definindo este último a forma como um Estado‑Membro deve agir durante o processo de recuperação (49).

84.      Por último, o objetivo global da recuperação do auxílio estatal ilegal, ou seja, a eliminação da distorção da concorrência (50), deve ser ponderado em conjunto com os objetivos gerais da União, estabelecidos no artigo 3.° TUE, em especial um crescimento económico equilibrado e uma economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego, como pilares do desenvolvimento sustentável da União (51).

85.      Nesse cenário, discordo do entendimento expresso pela Comissão na audiência de que a recuperação através de um processo de insolvência é uma via de sentido único que tem de conduzir inevitavelmente à liquidação do beneficiário.

86.      Em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça refere expressamente que, para que seja cumprida a obrigação de recuperação, o processo de insolvência deve «conduzir à liquidação da empresa beneficiária dos auxílios ilegais, isto é, à cessação definitiva da sua atividade»; mas essa obrigação só existe «no caso de as autoridades estatais não poderem recuperar a totalidade do montante dos auxílios» (52). A contrario, caso a totalidade do montante do auxílio possa ser recuperada durante o processo de insolvência, deixa de ser exigida a liquidação da empresa e a cessação definitiva da sua atividade.

87.      Em segundo lugar, a ideia de que as regras sobre auxílios estatais, no quadro de um sistema que visa o crescimento económico e o pleno emprego, deveriam automaticamente impor a cessação da atividade de empresas que, de outro modo, se poderiam revelar viáveis, com a consequente perda de postos de trabalho, é intrinsecamente chocante.

88.      Em terceiro lugar, como observa corretamente a República Helénica, a própria Comissão declarou que «[c]aso seja proposto […] um plano de insolvência que preveja a continuação das atividades do beneficiário, as autoridades nacionais responsáveis pela execução da decisão de recuperação só podem aceitar este plano se garantir que o auxílio é reembolsado na íntegra dentro dos prazos previstos na decisão de recuperação da Comissão» (53). É verdade que a Comissão acrescenta que «[e]m especial, o Estado‑Membro não pode renunciar a parte do montante a recuperar, nem pode aceitar outra solução que não tenha por consequência a cessação imediata das atividades do beneficiário. Caso o auxílio ilegal e incompatível não seja reembolsado na íntegra e imediatamente, as autoridades nacionais responsáveis pela execução da decisão de recuperação devem tomar todas as medidas disponíveis para se oporem à adoção de um plano que preveja a continuação das atividades do beneficiário e devem insistir para que estas cessem dentro do prazo fixado na decisão de recuperação» (54). Tal não altera o facto de a própria Comissão considerar aceitável um plano de insolvência que conduza à recuperação integral e pontual do auxílio estatal ilegal anteriormente concedido.

89.      Por conseguinte, considero que, em princípio, um Estado‑Membro pode contemplar o relançamento da atividade do beneficiário de um auxílio estatal ilegal em circunstâncias como as do presente caso.

90.      No entanto, entendo que, pelo menos, teriam de ser respeitadas as seguintes condições mínimas: i) o projeto deve permitir a recuperação integral do montante do auxílio estatal ilegal; ii) o procedimento deve estar em conformidade com o direito nacional; iii) a Comissão deve ser integralmente informada com antecedência; iv) o dever de cooperação leal e o princípio da efetividade do direito da União devem ser respeitados; v) a Comissão deve aprovar o projeto e fixar um calendário vinculativo para a sua execução; e vi) o Estado‑Membro deve respeitar o prazo estabelecido pela Comissão.

91.      No presente caso, a suspensão do processo de insolvência pelo ATL tinha unicamente por objeto as hastas públicas de venda dos bens da Têxteis Unidos. Não afetava a inscrição do crédito na tabela de créditos nem a cessação da atividade da empresa (55). Consequentemente, não prolongava, ela mesma, a vantagem anticoncorrencial da Têxteis Unidos.

92.      No entanto, a República Helénica só forneceu informações sobre o ATL à Comissão depois da sua adoção e a pedido desta última. Rejeito o argumento da República Helénica de que não poderia ter informado imediatamente a Comissão do projeto, uma vez que este ainda se encontrava em fase de avaliação. Além disso, dos autos não consta nenhuma indicação de que a República Helénica envolveu a Comissão no processo, como impõe o dever de cooperação leal.

93.      Por conseguinte, considero que, ao suspender as hastas públicas através do ATL a fim de estudar um plano para relançar a atividade da Têxteis Unidos, a República Helénica violou as obrigações que lhe incumbiam ao abrigo da decisão de recuperação e do dever de cooperação leal a ela subjacente, em especial, ao artigo 4.°, n.° 3, TUE.

 Quanto às despesas

94.      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a outra parte o tiver requerido. Uma vez que a Comissão requereu a condenação da República Helénica e tendo esta sido vencida, deve ser condenada nas despesas.

 Conclusão

95.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que se digne:

1)      Declarar que, não tendo tomado no prazo previsto todas as medidas necessárias para recuperar junto do beneficiário o auxílio estatal declarado ilegal e incompatível com o mercado interno pelo artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2012/541/UE da Comissão, de 22 de fevereiro de 2012, relativa ao auxílio estatal SA.26534 (C 27/10 ex NN 6/09) executado pela Grécia a favor da Enoméni Klostoÿfanturgía AE (Têxteis Unidos SA), e não tendo informado suficientemente a Comissão Europeia das medidas tomadas nos termos do artigo 4.° da Decisão 2012/541, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 3.° e 4.° dessa decisão.

2)      Condenar a República Helénica nas despesas.


1      Língua original: inglês.


2      Decisão 2012/541/UE da Comissão, de 22 de fevereiro de 2012, relativa ao auxílio estatal SA.26534 (C 27/10 ex NN 6/09) executado pela Grécia a favor da Enoméni Klostoÿfanturgía AE (Têxteis Unidos SA) (JO 2012, L 279, p. 30) (a seguir «decisão de recuperação»).


3      Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1). Este regulamento foi entretanto revogado e substituído pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9). Na data em que a decisão de recuperação foi adotada e na data relevante para a apreciação do incumprimento estava em vigor o primeiro regulamento. O segundo regulamento entrou em vigor em 14 de outubro de 2015. Em qualquer caso, o teor do artigo 16.° do segundo regulamento é, com exceção da numeração das disposições, idêntico ao do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999.


4      Considerandos 11 a 15 da decisão de recuperação.


5      Considerandos 18 a 21 da decisão de recuperação.


6      Artigo 1.°, n.° 1, da decisão de recuperação.


7      Considerandos 98 e 99 da decisão de recuperação.


8      Artigo 17.° do ATL. A base jurídica da adoção desse ato era o artigo 44.°, n.° 1, da Constituição helénica, que dispõe que «[e]m circunstâncias extraordinárias de necessidade urgente e imprevisível, o Presidente da República pode, sob proposta do Governo, adotar atos de teor legislativo».


9      Acórdão de 3 de julho de 2001, Comissão/Bélgica (C‑378/98, EU:C:2001:370, n.° 26).


10      Acórdão de 26 de junho de 2003, Comissão/Espanha (C‑404/00, EU:C:2003:373, n.° 25 e jurisprudência aí referida). Por conseguinte, não posso aceitar a alegação aduzida pela Comissão na audiência no sentido de que a única opção nos casos em que um Estado‑Membro não tenha dado cumprimento a uma decisão adotada ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2, TFUE é recorrer ao Tribunal de Justiça ao abrigo dessa disposição.


11      Acórdão de 3 de julho de 2001, Comissão/Bélgica (C‑378/98, EU:C:2001:370, n.° 24 e jurisprudência aí referida).


12      Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Comissão/Alemanha (C‑527/12, EU:C:2014:90, n.° 26).


13      Acórdão de 2 de fevereiro de 1988, Comissão/Países Baixos (213/85, EU:C:1988:39, n.° 8). É a decisão de recuperação que delimita o objeto do procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE (execução integral e pontual). Outras considerações, como o comportamento posterior de um Estado‑Membro, devem ser analisadas à luz do artigo 258.° TFUE (após a formulação de um parecer fundamentado) ou do artigo 260.° TFUE (quando o Tribunal de Justiça tenha já declarado o incumprimento de um Estado‑Membro) em conformidade com o procedimento aí descrito.


14      Acórdão de 26 de junho de 2003, Comissão/Espanha (C‑404/00, EU:C:2003:373, n.° 26 e jurisprudência aí referida).


15      V., nesse sentido, acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França (C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90, n.° 71).


16      Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Comissão/Itália (C‑411/12, não publicado, EU:C:2013:832, n.° 30 e jurisprudência aí referida). As decisões em causa diziam respeito à obrigação de recuperação. No meu entender, o dever de fornecer informações à Comissão rege‑se por princípios semelhantes.


17      V., nesse sentido, acórdão de 3 de julho de 2001, Comissão/Bélgica (C‑378/98, EU:C:2001:370, n.° 28).


18      Por exemplo, no acórdão de 9 de julho de 2015, Comissão/França (C‑63/14, EU:C:2015:458), o Tribunal de Justiça declarou que a decisão foi notificada em 3 de maio de 2013 (n.° 14) e que a data relevante era 3 de setembro de 2013 (n.° 46). V., também, acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França (C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90), em que a decisão foi notificada em 29 de janeiro de 2009 (n.° 15) e a data relevante para apreciar o incumprimento da decisão foi fixada em 29 de maio de 2009 (n.° 58).


19      Os três acórdãos invocados pela Comissão em apoio desta tese são os acórdãos de 9 de julho de 2015, Comissão/França (C‑63/14, EU:C:2015:458); de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França (C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90); e de 13 de outubro de 2011, Comissão/Itália (C‑454/09, não publicado, EU:C:2011:650).


20      Por exemplo no seu acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França (C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90), o Tribunal de Justiça observou, em relação à obrigação de manter a Comissão informada da recuperação do auxílio ilegal, que o Estado‑Membro não tinha comunicado todas as informações exigidas, nem no prazo de dois meses inicialmente fixado na decisão nem posteriormente antes da audiência perante o Tribunal de Justiça (n.° 88).


21      Acórdão de 3 de julho de 2001, Comissão/Bélgica (C‑378/98, EU:C:2001:370, n.° 28); v. n.° 36 das presentes conclusões.


22      V. n.° 80 e segs., infra, especialmente n.° 83.


23      V. acórdão de 9 de julho de 2015, Comissão/França (C‑63/14, EU:C:2015:458, n.° 44).


24      V., nesse sentido, acórdão de 14 de abril de 2011, Comissão/Polónia (C‑331/09, EU:C:2011:250, n.° 56), e minhas conclusões no processo Comissão/França (C‑214/07, EU:C:2008:343, n.° 39).


25      Nesse aspeto, concordo com o advogado‑geral N. Wahl nas suas conclusões no processo Comissão/Alemanha (C‑527/12, EU:C:2014:90, n.os 31 a 38).


26      Considerando 13 e artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 659/1999.


27      Acórdão de 11 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha (C‑527/12, EU:C:2014:2193, n.° 40 e jurisprudência aí referida).


28      Acórdão de 9 de julho de 2015, Comissão/França (C‑63/14, EU:C:2015:458, n.° 45).


29      Acórdão de 26 de junho de 2003, Comissão/Espanha (C‑404/00, EU:C:2003:373, n.° 45 e jurisprudência aí referida).


30      Acórdão de 29 de janeiro de 1998, Comissão/Itália (C‑280/95, EU:C:1998:28, n.os 14 a 16).


31      Acórdão de 21 de março de 1991, Itália/Comissão (C‑303/88, EU:C:1991:136, n.° 60).


32      Acórdão de 17 de outubro de 2013, Comissão/Grécia (C‑263/12, não publicado, EU:C:2013:673, n.° 36).


33      Acórdão de 29 de janeiro de 1998, Comissão/Itália (C‑280/95, EU:C:1998:28, n.os 18 a 26).


34      Acórdão de 5 de maio de 2011, Comissão/Itália (C‑305/09, EU:C:2011:274, n.° 33). Sobre o conceito de «impossibilidade absoluta», v., também, Karpenschif, M., Droit européen des aides d’État, Bruylant, Bruxelas, 2015, pp. 383 a 387.


35      V., nesse sentido, acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha (C‑499/99, EU:C:2002:408, n.os 37 e 38 e jurisprudência aí referida).


36      Acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha (C‑499/99, EU:C:2002:408, n.° 37).


37      V. minhas conclusões no processo Comissão/França (C‑214/07, EU:C:2008:343, n.° 44).


38      Acórdãos de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Grécia (C‑419/06, não publicado, EU:C:2008:89, n.° 40), e de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França (C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90, n.° 67 e jurisprudência aí referida).


39      Acórdão de 26 de junho de 2003, Comissão/Espanha (C‑404/00, EU:C:2003:373, n.° 46).


40      Acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha (C‑610/10, EU:C:2012:781, n.° 71 e jurisprudência aí referida).


41      Acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha (C‑610/10, EU:C:2012:781, n.° 72 e jurisprudência aí referida).


42      V. acórdão de 6 de dezembro de 2007, Comissão/Itália (C‑280/05, não publicado, EU:C:2007:753, n.° 28 e jurisprudência aí referida).


43      Acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha (C‑610/10, EU:C:2012:781, n.° 104 e jurisprudência aí referida).


44      Acórdãos de 13 de outubro de 2011, Comissão/Itália (C‑454/09, não publicado, EU:C:2011:650, n.os 38 a 42); de 14 de abril de 2011, Comissão/Polónia (C‑331/09, EU:C:2011:250, n.os 60 a 65); e de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha (C‑610/10, EU:C:2012:781, n.os 73 a 75).


45      V. n.° 51 e nota 38 das presentes conclusões.


46      V., entre outros, acórdão de 9 de julho de 2015, Comissão/França (C‑63/14, EU:C:2015:458, n.os 62 e 63).


47      V. n.° 45 das presentes conclusões.


48      Acórdão de 11 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha (C‑527/12, EU:C:2014:2193, n.os 40 a 42).


49      V., entre outros, acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França (C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90, n.° 67), e minhas conclusões no processo Comissão/França (C‑214/07, EU:C:2008:343, n.° 48).


50      V. n.° 44 das presentes conclusões.


51      Artigo 3.°, n.° 3, TUE.


52      Acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha (C‑610/10, EU:C:2012:781, n.° 104 e jurisprudência aí referida).


53      Comunicação da Comissão, «Para uma aplicação efetiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados‑Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis» (JO 2007, C 272, p. 4, n.° 67).


54      Comunicação da Comissão, «Para uma aplicação efetiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados‑Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis»(JO 2007, C 272, p. 4, n.° 67).


55      A Comissão não apresentou ao Tribunal de Justiça nenhuma prova da continuação da atividade da Têxteis Unidos. Pelo contrário, a decisão de recuperação refere, no considerando 13, que as unidades de produção da empresa deixaram de funcionar em 2008 por falta de capital de exploração. Por seu turno, a República Helénica alega que, quando uma empresa é declarada insolvente, só poderá continuar a exercer a sua atividade, nos termos do direito grego, mediante autorização do tribunal que conhece da insolvência ou por decisão da assembleia de credores. Por ofícios de 12 de novembro de 2014 e de 15 de maio de 2015, as autoridades helénicas informaram a Comissão de que não era esse o caso. Neste cenário, considero que as alegações aduzidas pela Comissão na audiência quanto a uma possível continuação de facto da atividade da Têxteis Unidos não são suficientes para satisfazer o ónus da prova que recai sobre ela (v. n.° 34 das presentes conclusões).