Language of document : ECLI:EU:C:2013:325

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 16 de maio de 2013 (1)

Processo C‑280/11 P

Conselho da União Europeia

contra

Access Info Europe

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão — Exercício dos ‘poderes legislativos’ do Conselho — Nota do Secretariado‑Geral do Conselho sobre as propostas apresentadas no âmbito da alteração do próprio Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Recusa da informação relativa à identidade dos Estados‑Membros autores das propostas»





1.        O presente recurso coloca a questão de saber se o Conselho, em aplicação do disposto no Regulamento n.° 1049/2001 (2), relativo ao acesso do público aos documentos das instituições, pode recusar a informação sobre a identidade dos Estados‑Membros que apresentaram propostas de alteração precisamente no contexto de um processo legislativo de alteração do referido regulamento.

2.        No seu acórdão de 22 de março de 2011, Access Info Europe/Conselho (3), o Tribunal Geral deu uma resposta negativa a esta questão, originando a interposição do presente recurso pelo Conselho e dando, assim, uma oportunidade ao Tribunal de Justiça para reforçar a sua jurisprudência sobre a exceção à divulgação de documentos prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001.

3.        Mais concretamente, este processo dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de especificar, pela primeira vez, o esforço especial de transparência que o Regulamento n.° 1049/2001 exige das instituições quando estas agem, não só no âmbito dos seus poderes legislativos, como acontecia no processo Suécia e Turco/Conselho (4), mas também durante o próprio processo legislativo.

I —    Quadro legal

4.        O sexto considerando do Regulamento n.° 1049/2001 declara o seguinte:

«Deverá ser concedido maior acesso aos documentos nos casos em que as instituições ajam no exercício dos seus poderes legislativos, incluindo por delegação, embora simultaneamente, preservando a eficácia do processo decisório institucional. O aceso direto a estes documentos deverá ser tão amplo quanto possível.»

5.        Nos termos do artigo 1.°, alínea a) do referido regulamento, este tem por objetivo «[d]efinir os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão […] previsto no artigo 255.° do Tratado CE, de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível».

6.        Por força do artigo 4.°, n.° 3, do mesmo Regulamento n.° 1049/2001, «[o] acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação».

II — Antecedentes

7.        A Access Info Europe (AIE) é uma associação sedeada em Madrid (Espanha) que, em 3 de dezembro de 2008, pediu ao Conselho, nos termos do Regulamento n.° 1049/2001, que lhe fosse permitido o acesso a uma nota de 26 de novembro de 2008, dirigida pelo seu Secretariado‑Geral ao «grupo de trabalho» instituído pelo Conselho no âmbito da alteração do próprio Regulamento n.° 1049/2001. Essa nota (a seguir «documento solicitado») contém as diversas propostas de alteração ou de nova redação apresentadas por vários Estados‑Membros, identificados na mesma nota, na reunião do grupo de trabalho de 25 de novembro de 2008.

8.        Em 17 de dezembro de 2008, o Conselho permitiu à recorrente o acesso parcial ao documento solicitado, eliminando as referências à identidade do Estado‑Membro autor de cada uma das propostas. Para justificar a recusa de transmitir essa informação, o Conselho afirmou que a sua divulgação podia prejudicar gravemente o processo decisório e que não era exigida por um interesse público superior, o que, em suma, permitia aplicar a exceção ao direito de acesso aos documentos, consagrada no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001.

9.        Essa deliberação foi confirmada por Decisão de 26 de fevereiro de 2009 (a seguir «decisão controvertida»).

10.      Desde já é necessário ter em conta que, no mesmo dia em que essa decisão foi adotada (26 de novembro de 2008), a organização «Statewatch» divulgou, na sua página da Internet, uma versão integral do documento solicitado. Essa divulgação não foi precedida de nenhuma autorização por parte do Conselho, que alegou desconhecer a sua existência quando adotou a decisão controvertida.

11.      A AIE interpôs, no Tribunal Geral, um recurso de anulação da decisão controvertida.

III — Acórdão do Tribunal Geral

12.      Ao recurso de anulação foi dado provimento por acórdão de 22 de março de 2011. Após recordar os princípios que regem o acesso aos documentos (n.os 55 a 58), o Tribunal Geral começa por afirmar que a exceção ao acesso só pode ser justificada se o interesse protegido por essa exceção for concreta e efetivamente prejudicado (n.os 59 e 60).

13.      Aplicando estes princípios à hipótese controvertida, o Tribunal Geral analisa as razões invocadas pelo Conselho para justificar a recusa do acesso. Em primeiro lugar, a relativa à redução da margem de manobra das delegações dos Estados‑Membros se se tornasse pública a sua tomada de posição nos trabalhos preparatórios, pois isso poderia redundar em pressões por parte da opinião pública suscetíveis de coartar a liberdade das delegações. A este respeito, o Tribunal Geral responde que o princípio de legitimidade democrática implica que respondam pelos seus próprios atos, especialmente no âmbito de um processo legislativo (n.os 68 a 74).

14.      Em segundo lugar, o Tribunal Geral considera que o caráter preliminar das discussões em curso não é determinante para apreciar um risco de prejuízo ao processo decisório (n.os 75 e 76).

15.      Em seguida, o acórdão recorrido nega que deva ser tida em conta a natureza particularmente sensível das propostas feitas pelas delegações dos Estados‑Membros. Trata‑se de propostas de alteração do Regulamento n.° 1049/2001 que se inserem naturalmente num processo legislativo democrático e cujo conteúdo é público, estando apenas em causa a oportunidade da divulgação da identidade dos seus autores (n.os 77 e 78).

16.      Em quarto lugar, o Tribunal Geral rejeita o argumento de que a excecional duração do processo de alteração do Regulamento n.° 1049/2001 se deva às dificuldades decorrentes da divulgação não autorizada dos documentos de trabalho (n.° 79).

17.      Por último, e também a respeito da divulgação não autorizada, o Tribunal Geral salienta que, depois dela, o Conselho tornou público um documento no qual, além de expor as propostas de alteração do regulamento, fazia constar a identidade das delegações (n.os 82 e 83).

IV — Recurso

18.      Em 31 de maio de 2012 o Conselho interpôs recurso do acórdão do Tribunal Geral.

19.      O recurso assenta em três fundamentos.

20.      No primeiro fundamento alega‑se uma eventual violação do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001. No entender do Conselho, o Tribunal Geral não teria feito uma ponderação correta dos direitos e dos interesses em conflito.

21.      O segundo fundamento diz respeito à eventual violação da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de acesso aos documentos. Segundo o Conselho, o Tribunal Geral devia ter tido em conta a doutrina que permite invocar considerações de ordem geral para recusar a divulgação de determinadas categorias de documentos.

22.      O terceiro fundamento do recurso, relativo a um eventual erro de direito, divide‑se em três partes. Em primeiro lugar, alega‑se que o Tribunal Geral exigiu provas de um prejuízo efetivo do interesse protegido pela exceção do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001. Em segundo lugar, alega‑se que o acórdão recorrido não teve em conta a relevância da fase em que se encontravam os debates na apreciação do risco de prejuízo grave ao processo decisório representado pela divulgação da identidade das delegações. Em terceiro e último lugar, o Conselho alega que não foi tida em consideração a natureza sensível do documento solicitado.

V —    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

23.      Compareceram e apresentaram observações escritas a AIE, os Governos checo, espanhol e grego, bem como o Parlamento Europeu, tendo a AIE respondido às intervenções do Parlamento Europeu e dos Governos checo e espanhol, e o Conselho à intervenção do Parlamento Europeu.

24.      Na audiência, realizada em 21 de fevereiro de 2013, compareceram o Conselho, a AIE, os Governos checo, espanhol, francês e grego e o Parlamento Europeu.

25.      Relativamente ao primeiro fundamento do recurso, o Conselho, apoiado pelos Governos checo, espanhol, francês e grego, alega que o Tribunal Geral conferiu uma importância excessiva ao princípio da transparência em prejuízo das exigências derivadas do princípio de eficácia do processo legislativo do Conselho, que requer uma grande flexibilidade para que os Estados‑Membros possam alterar as suas posições iniciais, maximizando‑se assim a possibilidade de atingir uma posição comum. De qualquer forma, no entender dos Governos checo, francês e espanhol, o acesso ao conteúdo substantivo do documento seria suficiente para garantir o debate democrático, sendo desnecessária, para esse efeito, a divulgação da identidade das delegações. Ao anteriormente exposto a AIE responde que o Conselho, por um lado, transcreve a jurisprudência do Tribunal de Justiça e, por outro, critica os pontos do acórdão recorrido que se limitam a aplicá‑la. Na sua opinião, coincidente com a do Parlamento Europeu, o Tribunal Geral ponderou adequadamente os interesses em jogo.

26.      No que respeita ao segundo fundamento do recurso, o Conselho defende, com o apoio do Governo grego, que o raciocínio do Tribunal Geral é incompatível com a jurisprudência, que permite invocar considerações de ordem geral para recusar o acesso a certas categorias de documentos. A AIE, por seu lado, alega que este fundamento do recurso não refere expressamente nenhum ponto em concreto do acórdão recorrido, pelo que não deve ser admitido. Em todo o caso, declara, com a concordância do Parlamento Europeu, que o Conselho nunca especificou qual a presunção geral em que se baseia a recusa do acesso, não existindo disposições ou princípios alguns que permitam fundamentar uma presunção de confidencialidade no caso em análise, muito menos tratando‑se de documentos que fazem parte de um processo legislativo.

27.      Quanto ao terceiro fundamento do recurso, o Conselho, com o apoio dos Governos espanhol e grego, alega (primeira parte) que lhe foram exigidas provas de um prejuízo efetivo do interesse protegido pela exceção do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001 quando, em seu entender, seria suficiente provar o risco de um prejuízo. A AIE e o Parlamento Europeu alegam que o Tribunal Geral não exigiu provas de um prejuízo efetivo, mas que se limitou a verificar, como alegava o próprio Conselho, se o processo tinha sido efetivamente prejudicado na sequência da divulgação não autorizada da identidade das delegações.

28.      O Conselho também alega, com o apoio dos Governos francês e grego (segunda parte), que não se teve em conta a fase em que se encontravam os debates na apreciação do risco de prejuízo grave representado pela divulgação da identidade das delegações. Na sua opinião, nas fases iniciais é necessário deixar‑lhes uma ampla margem de negociação para que a respetiva discussão se possa efetuar sem a pressão da opinião pública. Ao que a AIE responde dizendo que o argumento é inadmissível por ter sido invocado pela primeira vez em segunda instância. De qualquer modo, na sua opinião, a transparência é sobretudo necessária nas primeiras fases do processo, uma vez que a discussão pública seria inútil se só fosse permitida depois de as delegações já terem chegado a um acordo. E isto, sem prejuízo da inexistência de motivos para que a identificação das delegações dificulte a alteração das suas respetivas posições.

29.      Por último (terceira parte), o Conselho alega que não foi tida em consideração a natureza sensível do documento solicitado. Essa natureza resultaria do facto de as propostas das delegações versarem sobre as exceções ao princípio da transparência que deveriam integrar o novo regulamento, questão sobre a qual se pronunciaram recentemente os tribunais da União e que é objeto de discussão e de pressões por parte da opinião pública. Prova dessa sensibilidade seriam as dificuldades sentidas no processo de alteração do regulamento, adiada devido aos receios, por parte das delegações, de fugas de informação solicitada, uma vez que lhes foi muito difícil demarcarem‑se das suas posições iniciais, o que demonstra que o Conselho teve razão em recusar a sua divulgação. Por seu lado, a AIE responde que o Tribunal Geral não disse que só são «sensíveis» as situações em que esteja em causa um interesse fundamental da União ou dos seus Estados‑Membros, não tendo o Conselho, neste caso, fundamentado de forma circunstanciada a sua recusa a qual, além disso, não se refere a um parecer jurídico, mas a meras propostas de alteração de um projeto legislativo. Além do mais, a AIE considera o que resta desta parte como inadmissível por se limitar a contestar a apreciação do Tribunal Geral sobre a natureza sensível da informação. De qualquer modo, a AIE, com o apoio do Parlamento Europeu, alega que é normal os procedimentos legislativos suscitarem discussões e darem lugar a pressões, precisamente como resultado da transparência e da democracia. A AIE contesta, por último, que as fugas tenham estado na origem das dificuldades do processo de alteração do regulamento ou tenham implicado mudanças no método de trabalho.

VI — Apreciação

A —    Fundamentos do recurso

30.      Embora o recurso se divida em três fundamentos, o certo é que todos eles se reduzem, com diferenças mínimas em termos de abordagem, a um único argumento: o facto de, indevidamente, não ter sido aplicada a exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001.

31.      Com efeito, no primeiro fundamento alega‑se que o Tribunal Geral violou esse preceito por não ter ponderado devidamente os direitos e os interesses em conflito, isto é, a eficácia do processo decisório e o direito de acesso aos documentos. Por seu lado, o segundo fundamento baseia‑se no desrespeito da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao acesso a certas categorias de documentos. Por fim, o terceiro fundamento invoca um erro de direito por não se ter prestado atenção a certas características do documento e se ter entendido que a exceção do artigo 4.°, n.° 3, exige uma determinada prova.

32.      Em conclusão, tudo se resume à questão de saber se o Tribunal Geral interpretou correta ou incorretamente o referido artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001. Não obstante, seguirei a divisão do recurso nos três mencionados fundamentos, embora utilizando na respetiva abordagem, quando for pertinente e com vista a uma economia de meios, a técnica da remissão.

B —    Objeções à admissibilidade de alguns dos fundamentos de recurso

33.      Embora não tenha arguido formalmente a sua inadmissibilidade, a AIE salientou que alguns dos fundamentos do recurso podiam ser considerados inadmissíveis por falta de especificação dos pontos críticos do acórdão recorrido. Seria o caso dos dois primeiros fundamentos, nos quais, segundo a AIE, o Conselho se limita a uma crítica genérica do acórdão do Tribunal Geral, sem referir expressamente quaisquer números concretos da decisão. Por outro lado, relativamente à segunda parte do terceiro fundamento do recurso, a AIE alega que o Conselho, por um lado, não concretizou as eventuais especificidades do seu processo decisório e, por outro, invoca pela primeira vez o argumento da alteração da posição das delegações no decurso do processo decisório. Para além disso, a AIE alega ainda que, em certa medida, algumas das questões suscitadas pelo Conselho implicam que o Tribunal de Justiça aprecie novamente factos discutidos em primeira instância, designadamente no que se refere à apreciação da natureza sensível do documento solicitado e das razões que possam ter justificado uma duração excecional do processo legislativo em curso.

34.      Não obstante, na medida em que, como acabei de referir, os três fundamentos do recurso se reduzem substancialmente a um único, entendo que nenhum deles deve ser considerado formalmente inadmissível. Se for caso disso, bastará reproduzir as insuficiências dos argumentos que são agora invocados pela primeira vez, ou, desvirtuando o objetivo do recurso, implicam uma reapreciação dos factos.

C —    Quanto ao mérito

1.      Primeiro fundamento de recurso

35.      Em primeiro lugar, o Conselho alega que o acórdão recorrido implica uma violação do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001, na medida em que o Tribunal Geral não teria ponderado adequadamente os direitos e os interesses em conflito.

36.      A crítica do Conselho dirige‑se fundamentalmente ao facto de o Tribunal Geral ter feito prevalecer o princípio da transparência sobre o princípio da eficácia do processo decisório do Conselho, ignorando que o referido processo exige a garantia de uma margem de negociação que é incompatível com o grau de transparência exigido pelo Tribunal Geral.

37.      A resposta a este primeiro fundamento do recurso requer algumas considerações de princípio acerca do processo decisório do Conselho quando este age no exercício dos seus poderes legislativos. O facto de o Conselho participar num processo de natureza legislativa não pode deixar de condicionar o seu modus operandi que, normalmente, é típico de uma instituição intergovernamental.

a)      Conselho no exercício dos seus «poderes legislativos»

38.      Os factos que dizem respeito ao caso dos autos são anteriores à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, com o que este Tratado contém em termos de reforço da compreensão «legislativa» da atuação do Conselho enquanto órgão historicamente criador por excelência do direito da União. Assim, não estamos aqui perante um caso de aplicabilidade do artigo 289.° TFUE, que define agora em que «consiste» o processo legislativo e, portanto, quais os casos em que as instituições agem como poder legislativo. Consequentemente, relativamente a esta questão, as próprias instituições já não têm nenhum poder de apreciação nem discricionariedade quanto ao sentido a atribuir, em cada caso, à remissão efetuada no Tratado CE para os procedimentos regulados nos seus artigos 251.° e 252.°, nenhum dos quais é qualificado de «legislativo» (5).

39.      Todavia, o processo de «interiorização» das definições, da lógica e do imaginário «legislativo» já tinha sido iniciado e existia antes do Tratado de Lisboa. Com efeito, a definição de «legislativo» já tinha encontrado, desde o Tratado de Amesterdão, um lugar na linguagem da União. Assim, o artigo 207.°° CE, n.° 3, segundo parágrafo, já obrigava o Conselho a determinar «os casos em que se deve considerar que atua no exercício dos seus poderes legislativos» (6), e isto justamente para permitir o exercício do direito de acesso aos documentos garantido pelo artigo 255.° CE, n.° 1. Na minha opinião, é bastante significativo, que, no Tratado de Amesterdão, surjam simultaneamente a consagração do direito de acesso aos documentos das instituições, por um lado, e a especial consideração dos «poderes legislativos» do Conselho, por outro. E, além disso, que tal tenha sido levado a efeito de modo a que o exercício dos «poderes legislativos» apareça justamente como um contexto qualificado para o exercício do direito de acesso, fazendo assim justiça a uma estreita relação de princípio existente entre os processos legislativos e os princípios da publicidade e da transparência (7).

40.      Por conseguinte, o progresso evidente que o Tratado de Lisboa representa neste âmbito não pode fazer esquecer que a «linguagem», por assim dizer, da «legislação» não é uma novidade desse Tratado. O direito primário precedente integrava com relativa naturalidade essa linguagem e, assim, também as consequências do seu significado.

41.      Por outro lado, no âmbito do direito derivado, há que salientar que, precisamente, o próprio Regulamento n.° 1049/2001 se refere, no sexto considerando, à obrigação de «ser concedido maior acesso aos documentos nos casos em que as instituições ajam no exercício dos seus poderes legislativos». E é um desses casos que está aqui em análise, como resulta do artigo 7.° do Regulamento Interno do Conselho em vigor à data dos factos relevantes para este processo (8), nos termos do qual «[o] Conselho atua no exercício dos seus poderes legislativos, na aceção do segundo parágrafo do n.° 3 do artigo 207.° do Tratado CE, sempre que aprova normas juridicamente vinculativas nos Estados‑Membros ou para aplicação nesses Estados, por via de regulamentos, diretivas, decisões‑quadro ou decisões com base nas disposições pertinentes dos Tratados […]».

42.      Partindo do exposto não é difícil concluir que, apesar das diferenças eventualmente existentes entre a lei nacional e a «lei» da União, ou entre o legislador dos Estados e o «legislador» da União, o «processo legislativo» exigido ao Conselho pelo artigo 289.° TFUE para elaborar os seus regulamentos (e o que é observado pelo Conselho no exercício do seu «poder legislativo» ex artigo 207.° TCE) é conceptualmente muito próximo do «processo legislativo» nacional, isto é, do ponto de vista da sua ratio e, portanto, dos princípios que lhe servem de inspiração. Ao fim e ao cabo, ambos têm em comum a necessidade de satisfazer exigências indispensáveis de legitimação democrática (9).

43.      Por conseguinte, o processo normativo que está na origem do presente recurso deveria ser considerado «legislativo» no sentido próprio e cabal do direito público de raiz estatal. Neste sentido, o que importa é que o resultado do referido processo seja uma norma que, pelas suas características (caráter geral, obrigatoriedade, capacidade de afastar a aplicação de leis nacionais — resultantes de poderes verdadeiramente democráticos —), requer um determinado grau de legitimação democrática e esta só pode resultar de um processo baseado nos princípios que tradicionalmente têm presidido à atuação dos legisladores nacionais de caráter representativo.

b)      Nota do Secretariado‑Geral do Conselho ao grupo de trabalho. Conteúdo e âmbito de aplicação: Um documento interno?

44.      Esclarecido o significado da expressão «processo legislativo», é necessário analisar a natureza do documento que, nesse processo, o Conselho não acedeu em facultar na íntegra à AIE.

45.      Tal como consta do n.° 6 do acórdão recorrido, trata‑se de «uma nota […] dirigida [pelo] Secretariado‑Geral [do Conselho] ao grupo de trabalho sobre a informação dada pelo Conselho, respeitante à proposta de regulamento do Parlamento e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão». Este documento, continua o Tribunal Geral, «reúne as propostas de alteração ou de nova redação apresentadas por diversos Estados‑Membros na reunião do grupo de trabalho de 25 de novembro de 2008».

46.      Conforme explicou o próprio Conselho nas suas observações escritas (10), a nota em questão insere‑se no âmbito do procedimento observado pelo Conselho na tramitação de um «processo legislativo» (11), nos termos do previsto no seu Regulamento Interno em vigor àquela data.

47.      Em conformidade com o artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento Interno, os pontos inscritos na ordem do dia do Conselho «são objeto de análise prévia do Coreper, salvo decisão em contrário deste último. O Coreper esforçar‑se‑á por chegar a um acordo ao seu nível, para posterior apresentação ao Conselho para aprovação. O Coreper assegura uma apresentação adequada dos dossiês ao Conselho e, se for caso disso, apresenta‑lhe orientações, opções ou propostas de solução». Além disso, e de acordo com o n.° 3 do mesmo preceito, «[o] Coreper pode constituir ou dar o seu aval à constituição de comités ou grupos de trabalho, aos quais serão confiadas certas funções de preparação ou de estudo previamente definidas».

48.      A nota controvertida era um documento elaborado para um dos «grupos de trabalho» mencionados no n.° 3, do artigo 19.° do Regulamento Interno (12), o designado «grupo de trabalho sobre a informação», criado pelo Conselho, nota essa que reunia «as propostas de alteração ou de nova redação apresentadas por diversos Estados‑Membros» durante uma reunião do próprio grupo que tinha por objeto a análise da proposta de alteração do Regulamento n.° 1049/2001 apresentada pela Comissão (13). Tratava‑se, assim, de um documento «de trabalho» no qual se consignavam as propostas apresentadas por diversos Estados‑Membros no grupo de trabalho constituído para preparar a decisão final do Conselho relativa à proposta de alteração do Regulamento n.° 1049/2001 apresentada pela Comissão.

49.      Como facilmente se pode deduzir, a «nota» resume o equivalente ao que seria considerado «alterações» num processo legislativo nacional. É certo que, por se tratar de um documento proveniente do que, na terminologia do Conselho, se denomina por «grupo de trabalho» constituído para preparar uma decisão do Conselho, também se poderia falar de «documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobra a qual a instituição não tenha decidido», segundo refere a exceção prevista no primeiro parágrafo do n.° 3, do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001. Ou, inclusivamente, de «documentos que [contenham] pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa», tal como prevê o segundo parágrafo do mesmo n.° 3 do referido artigo 4.°

50.      Ora, esse «uso interno» ocorre no âmbito de um processo legislativo (14). Ainda que numa fase bastante inicial mas definitivamente tão «legislativa» como todas as que integram o processo completo de elaboração de uma norma como a que, eventualmente, poderia vir a alterar o Regulamento n.° 1049/2001.

51.      Há que ter em conta que a linguagem do Regulamento n.° 1049/2001, quando, ao descrever o âmbito de aplicação da exceção do artigo 4.°, n.° 3, se refere a «pareceres para uso interno», não é muito apropriada para referir um processo «legislativo». Inclusivamente, podia alegar‑se que, no contexto de um processo legislativo, não existem «pareceres internos», de tal forma a publicidade é inerente ao método de trabalho do legislador. Muito diferente é o caso dos procedimentos que antecedem o processo legislativo propriamente dito, o que acontecia, conforme já se disse, no processo Suécia e Turco/Conselho, já referido.

52.      Com isto não se pretende dizer que a exceção do artigo 4.°, n.° 3, seja a priori inaplicável às instituições quando agem no exercício propriamente dito dos seus poderes legislativos, mas antes que a relação dialética entre o «prejuízo grave» (a exceção) e o «interesse público superior» (exceção à exceção) aparece como estando um tanto «desequilibrada» em benefício deste último.

53.      Além do mais, não está aqui em causa, como acontecia no processo Suécia e Turco/Conselho, já referido, um documento de um serviço jurídico ou de um órgão de natureza técnico ou administrativa, mas de informação sobre a posição dos Estados‑Membros relativamente a uma proposta de alteração legislativa. Bem pelo contrário, trata‑se de um documento cuja informação é de natureza política e cuja autoria material cabe aos mesmos Estados‑Membros que, posteriormente, terão de adotar uma decisão no âmbito do Conselho. Assim, em termos políticos ou materiais, não há aqui nenhuma diferença entre os sujeitos que apresentam as propostas dentro do órgão de trabalho e os que tomam a decisão na qualidade de membros do Conselho.

54.      Em suma, parece claro que nos encontramos perante a hipótese referida no sexto considerando do Regulamento n.° 1049/2001, por força do qual «[d]everá ser concedido maior acesso aos documentos nos casos em que as instituições ajam no exercício dos seus poderes legislativos», como recordou o Tribunal de Justiça no processo Suécia e Turco/Conselho (15).

55.      «Maior acesso» não significa, todavia, «acesso absoluto», pois, quando se fala de um «acesso tão amplo quanto possível», já se quer referir que não se exige necessária e indiscriminadamente um acesso incondicional. Significa sobretudo que as exceções previstas no Regulamento n.° 1049/2001 devem ser objeto de uma interpretação especialmente atenta às exigências impostas pela própria natureza da atividade desenvolvida, neste caso, pelo Conselho.

56.      No entanto, a restrição não pode chegar ao extremo previsto nas «orientações» seguidas pelo Conselho na aplicação do Regulamento n.° 1049/2001, às quais fez referência nos n.os 16 a 25 das suas alegações de recurso. De acordo com essas «orientações», o Conselho recusa, normalmente, a divulgação dos nomes das delegações referidas em qualquer documento sobre o qual a instituição ainda não tenha adotado uma decisão. Pelas razões que passarei a expor, entendo que a aplicação indiscriminada desta regra, sem ter em consideração a natureza do processo em que o documento se integra, não se compadece com o sentido e os objetivos do Regulamento n.° 1049/2001.

c)      Ponderação dos interesses em confronto feita pelo Tribunal Geral

57.      Contrariamente à opinião expressa pelo Conselho naquele que é o seu argumento fundamental, entendo que o acórdão recorrido ponderou adequadamente os direitos e os interesses em conflito, isto é, a eficácia do processo decisório, por um lado, e o direito de acesso, por outro, ao concluir que não era aplicável a exceção prevista no n.° 3 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001.

58.      Convém restringir a questão aqui em análise aos seus exatos termos e, portanto, não esquecer que o Conselho concordou em fornecer toda a documentação requerida pela AIE, «salvo» a identidade dos Estados‑Membros. Neste sentido, há que reconhecer que o Conselho tem vindo a efetuar um esforço por tornar a sua atuação mais transparente, designadamente quando age no exercício dos seus poderes legislativos. Todavia, a questão reside no facto de saber se o que tem sido feito é suficiente.

59.      Em termos mais substantivos, a questão em análise é, assim, a seguinte: a identificação dos Estados‑Membros que apresentaram «alterações» num «processo legislativo» é uma informação que pode ser recusada por força da exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001?

60.      Em meu entender, a resposta a esta pergunta deve ser negativa.

61.      Na minha opinião, não há outra hipótese senão concordar com a apreciação do Tribunal Geral e alegar que a divulgação da identidade dos Estados‑Membros que defenderam as diferentes propostas discutidas durante os trabalhos de alteração do Regulamento n.° 1049/2001 constitui um elemento de apreciação mínimo e imprescindível para permitir aos destinatários da futura norma exigir responsabilidades políticas. Precisamente por isso, o acesso a essa informação visa satisfazer imediatamente o fim último visado pelo processo legislativo, isto é, a legitimação democrática das normas resultantes desse processo.

62.      Admito que o Conselho tenha razão quando sublinha que a divulgação desse dado pode dificultar a estratégia de negociação dos membros do Conselho e, neste sentido, prejudicar a eficácia do processo decisório. Todavia, a questão reside no facto de esse argumento perder decididamente força quando passa a não se referir à sua atuação em contextos diferentes do normativo. Quando, como aqui acontece, o Conselho age no exercício dos seus «poderes legislativos», este argumento, que não é por si só absolutamente ilegítimo, não pode ser determinante no contexto da exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001.

63.      «Legislar» é, por definição, uma atuação normativa que, numa sociedade democrática, só pode ser desenvolvida mediante um processo de natureza pública e, neste sentido, «transparente». De outra forma, seria impossível reivindicar da «lei» a expressão da vontade daqueles que a devem cumprir, isto é, o próprio fundamento da sua legitimidade como mandato incontestável. Numa democracia representativa, e este conceito é aplicável à União, o processo legislativo deve ser acessível ao conhecimento dos cidadãos, pois, de outra forma, não poderiam exigir aos seus representantes a responsabilidade política de que se tornaram credores com o seu mandato eleitoral.

64.      No contexto desse processo público, a transparência desempenha, assim, uma função qualificada, diferente, em certa medida, da que cumpre nos processos administrativos. Se, nestes, a transparência visa especificamente a garantia da sujeição da Administração à vontade da lei, no processo legislativo visa a legitimação da própria lei e, portanto, com ela, a da ordem jurídica no seu conjunto.

65.      Pode mesmo dizer‑se que aquilo que o Conselho considera um prejuízo grave ao seu processo decisório tornar‑se‑ia na melhor garantia para o correto desenvolvimento do processo legislativo em que o Conselho participa no caso em análise. Por outras palavras, uma restrição da transparência é que, num caso como o dos autos, poderia prejudicar o processo a seguir para a alteração de um Regulamento como o n.° 1049/2001.

66.      Seguindo o raciocínio do Tribunal Geral, pode responder‑se ao Conselho que os inconvenientes decorrentes da transparência, em termos de eficácia, para a negociação e adoção de decisões talvez possam justificar que a mesma seja sacrificada quando o Conselho atua como uma instituição intergovernamental e no exercício de funções dessa natureza, mas não quando intervém num processo legislativo. Ou, dizendo de outro modo, a transparência pode ser objetivamente considerada um inconveniente no âmbito de uma «negociação» entre Estados, mas já não no decurso de uma «deliberação» entre aqueles que devem determinar o conteúdo de uma norma «legislativa». Se, no primeiro caso, o interesse prevalente pode ser, para cada Estado, o seu interesse individual, no segundo, o interesse visado deve ser o da União, ou seja, um interesse comum, baseado na concretização dos princípios que lhe servem de fundamento, entre eles a democracia (16).

67.      Por muito que, também no exercício das funções legislativas, a transparência se possa tornar num inconveniente, há que referir que nunca se defendeu que a democracia torna a legislação mais «fácil», se por fácil se entender «subtraída ao escrutínio público», na medida em que o controlo por parte da opinião pública implica um importante condicionamento para os protagonistas da legislação.

68.      Tal como foi referido pelo Tribunal de Justiça, «a possibilidade [de] os cidadãos […] conhecer[em] os fundamentos dos atos legislativos é uma condição do exercício efetivo, por estes últimos, dos seus direitos democráticos» (17). E esse conhecimento implica que os cidadãos fiscalizem «todas as informações que constituíram o fundamento de um ato legislativo» (18). Por isso, subtrair ao domínio público a identidade dos autores das propostas discutidas durante uma das fases do processo legislativo, é privar o cidadão de um elemento de apreciação necessário para o exercício efetivo de um direito democrático fundamental, como o da possibilidade efetiva de exigir responsabilidade política aos protagonistas do processo de formação da vontade pública chamada a formalizar‑se numa norma de direito.

69.      Deve insistir‑se, uma vez mais, em que os Estados‑Membros que participam num processo legislativo da União enquanto parte integrante de uma das suas instituições estão mais próximos do imaginário do legislador nacional do que do sujeito soberano, protagonista das relações regidas pelo direito internacional. A lógica da discrição, e até mesmo do segredo, justificáveis numa relação entre soberanias, não tem cabimento no âmbito da União, que, a este respeito, antes de mais e de forma progressiva, se pretende seja uma comunidade inspirada nos princípios do Estado de Direito e da democracia.

70.      Neste contexto, sendo certo que o Conselho forneceu à AIE toda a informação solicitada exceto a identidade dos autores das propostas, não se pode aceitar que tal tenha sido suficiente para satisfazer plenamente o princípio da transparência. A AIE pôde, com efeito, conhecer os «pareceres» dos Estados‑Membros, mas não a identidade daqueles que os apoiavam. É certo que um parecer pode perfeitamente valer por si próprio no terreno da discussão intelectual, mas num contexto político vale também, e sobretudo, na medida em que seja o parecer de alguém.

71.      Por isso, não é possível partilhar da tese dos Governos checo, francês e espanhol no sentido de que a transparência e, portanto, o debate democrático ficam garantidos com o acesso ao mero conteúdo material do documento. Tal pode eventualmente garantir o debate em abstrato sobre as propostas discutidas, mas, de qualquer modo, sem o valor acrescentado representado pela identidade dos que as defendem ou criticam. O debate político democrático é, sobretudo, um debate responsável, sendo que, para exigir responsabilidade, é indispensável poder identificar os que nele participam e, especialmente, os termos em que o fazem.

72.      Como o Tribunal Geral refere, com razão, no n.° 69 do acórdão recorrido, «num sistema baseado no princípio da legitimidade democrática», os autores das propostas apresentadas «no âmbito de um processo em que as instituições agem na qualidade de legislador» «devem responder pelos seus atos perante a opinião pública», por isso, devendo ser conhecidos. Os prejuízos invocados pelo Conselho a este respeito, como observa o Tribunal Geral nos n.os 70 a 72 do seu acórdão, refletem sobretudo um prejuízo pouco fundamentado relativo à incapacidade de os cidadãos e as instituições entenderem nos seus precisos termos o sentido último do debate democrático e, em concreto, o facto de ser natural a alteração de posições e estratégias como fruto, precisamente, de uma discussão racional entre sujeitos responsáveis.

73.      Em suma, o Tribunal Geral ponderou adequadamente os direitos e os interesses em conflito, pelo que deve ser rejeitado o primeiro fundamento de recurso.

2.      Segundo fundamento de recurso

74.      Com o segundo fundamento de recurso, o Conselho alega o desrespeito da jurisprudência do Tribunal de Justiça que permite invocar «considerações de ordem geral» para recusar a divulgação de certas categorias de documentos (19).

75.      É certo que a referida doutrina do Tribunal de Justiça admite, relativamente a determinadas categorias de documentos, uma presunção de que, em princípio, a sua divulgação pode prejudicar o procedimento em que se inserem. De qualquer forma, essa presunção assenta na premissa de que esse procedimento institui um regime específico de acesso a tais documentos. A existência do referido regime permite presumir que, em princípio, a divulgação de tais documentos podia prejudicar o objetivo a que se destina o procedimento em que se inserem.

76.      Não se trata, em caso algum, de una presunção iuris et de iure, pois «[e]sta presunção geral não exclui o direito [de os] interessados» (id est, daqueles que não dispõem do direito de acesso à documentação nos procedimentos de controlo) «demonstrarem que um dado documento […] não está coberto por tal presunção ou que existe um interesse público superior que justifica a divulgação do documento» (20).

77.      Neste caso, todavia, embora o Conselho diga ter invocado perante o Tribunal Geral a existência de uma presunção geral favorável à não divulgação da identidade dos Estados‑Membros solicitada pela AIE, o certo é que aquilo que efetivamente invocou, como decorre do n.° 49 das alegações de recurso, é que o documento em causa se referia a questões particularmente sensíveis e que o processo decisório se encontrava numa fase muito incipiente, motivo pelo qual podia ser gravemente prejudicado pela respetiva divulgação.

78.      Em meu entender, o anteriormente exposto não pressupõe que tenha sido invocada a existência de um regime específico de acesso, diferente do previsto no Regulamento n.° 1049/2001, mas sim que foram indicadas razões para recusar, em concreto, o acesso à informação solicitada. Razões às quais, no meu entender, o Tribunal Geral já deu uma resposta fundamentada e suficiente nos n.os 68 a 78 do acórdão recorrido, salientando reiteradamente o caráter excessivamente abstrato das alegações do Conselho. Neste ponto, na minha opinião, há que concordar com o parecer da AIE no que respeita à improcedência de um fundamento de recurso com o qual, na realidade, se pretende que Tribunal de Justiça reveja a valoração dos factos efetuada pelo Tribunal Geral.

3.      Terceiro fundamento de recurso

79.      Invocando um eventual erro de direito, o Conselho divide em três partes o terceiro e último fundamento do seu recurso.

80.      Em primeiro lugar, o Conselho alega que o Tribunal Geral lhe exigiu indevidamente provas de um prejuízo efetivo do interesse protegido pela exceção do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001. Em meu entender, a censura é injustificada. Longe de ter exigido uma prova dessa natureza, o Tribunal Geral limitou‑se a rebater os argumentos com os quais o Conselho pretendia precisamente demonstrar que a divulgação da identidade dos Estados‑Membros tinha prejudicado o processo decisório.

81.      Na verdade, quando, nos n.os 73 e 74 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirma, segundo alega o Conselho no n.° 57 da sua petição, que o conteúdo da discussão havida entre os representantes de um governo e uma comissão parlamentar não permite identificar um prejuízo para o processo decisório, o que o Tribunal Geral faz, na realidade, é dar resposta à afirmação do próprio Conselho no sentido de que a divulgação não autorizada da identidade dos Estados‑Membros pela Statewatch tinha provocado um prejuízo efetivo no processo decisório. Por conseguinte, se o Tribunal Geral se debruçou sobre a matéria de facto foi apenas porque o Conselho o instou a fazê‑lo.

82.      No que respeita à segunda parte, o Conselho alega que o acórdão recorrido não teve em conta a importância da fase em que se encontravam os debates para apreciar o risco de prejuízo grave que a divulgação da identidade das delegações podia implicar para o processo decisório.

83.      Sem prejuízo das razões apresentadas pelo Tribunal Geral nos n.os 75 e 76 do acórdão recorrido, considero que basta aqui a remissão para a consideração exposta no n.° 50 destas conclusões no sentido de que a lógica dos princípios orientadores do processo legislativo deve estender‑se proporcionalmente a todas e a cada uma das fases em que se divide.

84.      Em terceiro e último lugar, o Conselho alega que não foi tida em conta a natureza sensível do documento solicitado. A este respeito, além de remeter novamente para as considerações de ordem geral desenvolvidas nos n.os 63 a 71, considero suficiente salientar que, mais uma vez, as críticas do Conselho apenas incidem sobre a sua divergência relativamente à apreciação da matéria de facto levada a efeito pelo Tribunal Geral.

85.      Em face de tudo o anteriormente exposto, proponho igualmente ao Tribunal de Justiça que seja negado provimento aos restantes fundamentos do recurso.

VII — Despesas

86.      Em conformidade com o artigo 184.°, n.° 1, e com o artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, proponho ao Tribunal de Justiça que o Conselho seja condenado nas despesas.

VIII — Conclusão

87.      Em face do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que decida:

1)      Negar provimento ao recurso.

2)      Condenar o Conselho nas despesas.


1 —      Língua original: espanhol.


2 —      Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43).


3 —      Processo T‑233/09.


4 —      Acórdão de 1 de julho de 2008, processos apensos C‑39/05 P e C‑52/05 P (Colet., p. I‑4723). O documento controvertido era então um parecer do Serviço Jurídico do Conselho relativo a uma proposta de diretiva do próprio Conselho. Por conseguinte, tratava‑se de um documento de natureza interna e anterior a um processo legislativo.


5 —      Neste sentido, pode afirmar‑se que, recorrendo a definições tão significativas como «processo legislativo» (artigo 289.° TFUE), o Tratado de Lisboa chama a si toda o peso conceptual evocado por esse tipo de expressões. Quando o Conselho elabora ou participa na elaboração de normas de caráter geral, obrigatórias e diretamente aplicáveis (artigo 288.° TFUE), cria, no direito da União, o equivalente normativo a uma lei nacional. Prevendo os Tratados que esse tipo de normas seja elaborado através de um processo designado como «legislativo» (artigo 289.° TFUE), deve deduzir‑se que esse processo será inspirado nos princípios que caracterizam este tipo de processos nas ordens jurídicas nacionais. Em geral, sobre os procedimentos do Conselho e a sua organização interna após o Tratado de Lisboa, Lenaerts, K., e van Nuffel, P. — European Union Law, 3ª ed., 2011, 13‑047 a 13‑060.


6 —      Sublinhado meu


7 —      Sobre a génese da construção do direito de acesso no âmbito da União, v. Guichot, E. — Transparencia y acceso a la información en el Derecho europeo, Cuadernos Universitarios de Derecho Administrativo, Editorial Derecho Global, Sevilha, 2011, pp. 77 a 104.


8 —      Adotado por Decisão do Conselho 2006/683/CE, de 15 de setembro de 2006 (JO L 285, p. 47).


9 —      Neste sentido, Suécia e Turco/Conselho, já referido, n.° 46.


10 —      N.os 10 a 20.


11 —      Idem, n.° 11.


12 —      Preceito que autoriza o Coreper a «constituir ou dar o seu aval à constituição de comités ou grupos de trabalho, aos quais serão confiadas certas funções de preparação ou de estudos previamente definidas», cujas reuniões, nos termos do disposto no n.° 5 do mesmo artigo 19.°, «serão presididas por um delegado do Estado‑Membro que exerce a presidência das […] reuniões do Conselho» de cuja preparação se trate em cada caso.


13 —      COM (2011) 137.


14 —      Com efeito, verifica‑se a hipótese prevista no artigo 7.° do Regulamento Interno, referido no ponto 41: «O Conselho atua no exercício dos seus poderes legislativos […] sempre que aprova normas juridicamente vinculativas nos Estados‑Membros ou para aplicação nesses Estados, por via de regulamentos, diretivas […]».


15 —      Já referido, n.° 46. No mesmo sentido se manifesta o Tribunal Geral no n.° 69 do acórdão recorrido.


16 —      Curtin, D. — «Judging EU secrecy», Cahiers de Droit Européen 2/2012, Bruylant, pp. 459‑490 [461], refere‑se à importância que continua a ter na União a lembrança do tempo em que a respetiva forma de governo era a «diplomacia» e não a «democracia».


17 —      Suécia e Turco/Conselho, n.° 46.


18 —      Loc. ult. cit.


19—      Assim, acórdão Suécia e Turco/Conselho, n.° 50; acórdão de 29 de junho de 2010 Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau (C‑139/07 P, Colet., p. I‑5885, n.° 54); e acórdão de 21 de julho de 2011, Suécia/MyTravel e Comissão (C‑506/08 P, Colet., p. I‑6237, n.° 74).


20—      Acórdão Comissão/Technische Glaswerk Ilmenau, já referido, n.° 62.