Language of document : ECLI:EU:C:2012:251

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 26 de abril de 2012 (1)

Processo C‑138/11

Compass‑Datenbank GmbH

contra

Republik Österreich

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Concorrência — Abuso de posição dominante nos termos do artigo 102.° TFUE — Conceito de ‘empresa’ — Reutilização de dados do setor público — Proibição absoluta de reutilização de dados constantes do registo das sociedades — Recusa de autorização por parte de um Estado‑Membro da transferência agrupada de dados para efeitos de posterior exploração comercial — Identificação do mercado a montante — Fornecimento de serviços essenciais ou ‘essential facilities’ — Recusa de fornecimento — Diretiva 68/151/CEE — Diretiva 96/9/CE — Diretiva 2003/98/CE»





I —    Introdução

1.        No presente processo, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça da Áustria) pretende obter esclarecimentos sobre a questão de saber se o Estado austríaco atua na qualidade de «empresa», na aceção do artigo 102.° TFUE, ao proibir a reutilização de dados constantes do seu registo público comercial (a seguir, «registo das sociedades») e a comercialização desses dados com o objetivo de ser criado um serviço de informação empresarial de maior envergadura. Em caso afirmativo, pergunta‑se ao Tribunal de Justiça se é aplicável a denominada doutrina do fornecimento de serviços essenciais, ou «essential facilities». A doutrina tem por objeto situações em que o controlo de um recurso por parte de uma empresa que exerce uma atividade no mercado a montante cria uma posição dominante no mercado a jusante.

2.        Estas questões surgem num contexto em que é relevante analisar a aplicabilidade dos princípios do direito da União relativos à proteção jurídica das bases de dados, à conservação de registos públicos de sociedades comerciais, por parte dos Estados‑Membros, e à reutilização de informações do setor público. Tal acontece porque, por um lado, a Áustria baseia a sua posição numa diretiva que lhe impõe uma obrigação de manutenção de um registo com informação sobre sociedades, outra relativa à proteção jurídica das bases de dados e uma terceira sobre reutilização de informação pública. Por outro, a Compass‑Datenbank, a sociedade que está na origem do presente processo, funda os seus argumentos relativos ao abuso de posição dominante, mais especificamente à aplicação da doutrina das «essential facilities», na diretiva sobre a reutilização de informação pública.

II — Direito da União

Diretiva 68/151/CEE (2)

3.        O artigo 3.° da Diretiva 68/151 estabelece que:

«1. Em cada Estado‑Membro será aberto um processo, seja junto de um registo central, seja junto de um registo comercial ou de um registo das sociedades, para cada uma das sociedades que aí estiverem inscritas.

2. Todos os documentos e indicações que estão sujeitos a publicidade, por força do artigo 2.°, serão arquivados no processo ou transcritos no registo. […]

3. Deve poder ser obtida, mediante pedido, cópia integral ou parcial dos documentos ou indicações mencionados no artigo 2.° A partir de 1 de janeiro de 2007 os pedidos podem ser apresentados ao registo em suporte de papel ou por via eletrónica, à escolha do requerente.

A partir de uma data a fixar por cada Estado‑Membro, mas não posterior a 1 de janeiro de 2007, as cópias referidas no primeiro parágrafo podem ser obtidas do registo em suporte de papel ou por via eletrónica, à escolha do requerente. […]

O custo da obtenção de uma cópia integral ou parcial dos documentos ou indicações mencionados no artigo 2.°, tanto em suporte de papel como por via eletrónica, não pode ser superior ao respetivo custo administrativo.

As cópias em suporte de papel fornecidas serão autenticadas, salvo se o requerente dispensar tal autenticação. As cópias em formato eletrónico não serão autenticadas, salvo se o requerente expressamente solicitar tal autenticação. […]

4. Os documentos e as indicações referidos no n.° 2 serão objeto de publicação integral ou por extrato, sob a forma de uma menção que assinale o arquivamento do documento no processo ou pela sua transcrição no registo, no jornal oficial nacional designado pelo Estado‑Membro. O jornal oficial nacional designado para esse efeito pode ser arquivado sob forma eletrónica. […]

5. Os documentos e as indicações não são oponíveis a terceiros pela sociedade antes de publicados de acordo com o n.° 4, exceto se a sociedade provar que esses terceiros tinham conhecimento deles.

Todavia, relativamente às operações efetuadas antes do décimo sexto dia seguinte ao da publicação, tais documentos e indicações não são oponíveis a terceiros, desde que estes provem não ter tido a possibilidade de tomar conhecimento deles. […]»

Diretiva 96/9/CE (3)

4.        Os considerandos quadragésimo e quadragésimo primeiro da Diretiva 96/9/CE têm a seguinte redação:

«(40) Considerando que o objetivo [do] direito sui generis consiste em garantir a proteção de um investimento na obtenção, verificação ou apresentação do conteúdo de uma base de dados durante o prazo limitado do direito; que esse investimento pode consistir na utilização de meios financeiros e/ou de ocupação do tempo, de esforços e de energia;

(41) Considerando que o objetivo do direito sui generis consiste em conceder ao fabricante de uma base de dados a possibilidade de impedir a extração e/ou a reutilização não autorizada da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo da base de dados; que é o fabricante de uma base de dados que toma a iniciativa e assume o risco de efetuar os investimentos; que isso exclui da noção de fabricante, nomeadamente, os subempreiteiros.»

5.        O artigo 7.° da Diretiva 96/9/CE, com a epígrafe «Objeto da proteção», que faz parte do Capítulo III, «Direito sui generis», prevê:

«1. Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extração e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

2. Para efeitos do presente capítulo, entende‑se por:

a) ‘Extração’: a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for;

b) ‘Reutilização’: qualquer forma de pôr à disposição do público a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base através da distribuição de cópias, aluguer, transmissão em linha ou sob qualquer outra forma. A primeira venda de uma cópia de uma base de dados na Comunidade efetuada pelo titular do direito ou com o seu consentimento esgota o direito de controlar a revenda dessa cópia na Comunidade.

[…]

3. O direito previsto no n.° 1 pode ser transferido, cedido ou objeto de licenças contratuais. […]

5. Não serão permitidas a extração e/ou reutilização e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados que pressuponham atos contrários à exploração normal dessa base, ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base.»

Diretiva 2003/98/CE (4)

6.        Os considerandos oitavo e nono da Diretiva 2003/98 têm a seguinte redação:

«(8) É necessário estabelecer um quadro geral das condições de reutilização de documentos do setor público, com vista a garantir condições justas, proporcionadas e não discriminatórias na reutilização dessa informação. Os organismos do setor público recolhem, produzem, reproduzem e divulgam documentos para cumprir as suas missões de serviço público. A utilização de tais documentos para outros fins constitui uma reutilização. As políticas dos Estados‑Membros podem ir além das normas mínimas estabelecidas na presente diretiva, permitindo assim uma reutilização mais alargada.

(9) A presente diretiva não obriga a autorizar a reutilização de documentos. A decisão de autorização ou não caberá aos Estados‑Membros ou aos organismos do setor público interessados […]. Os organismos do setor público devem ser incentivados a disponibilizar para efeitos de reutilização todos os documentos na sua posse. Os organismos do setor público devem promover e incentivar a reutilização de documentos, nomeadamente de textos oficiais de caráter legislativo e administrativo, sempre que detenham o direito de autorizar a sua reutilização.»

7.        O considerando vigésimo segundo da Diretiva 2003/98 estabelece que «[a] […] diretiva em nada afeta a existência ou a detenção de direitos de propriedade intelectual de organismos do setor público, nem restringe o exercício desses direitos para além dos limites estabelecidos na presente diretiva. […] No entanto, os organismos públicos devem exercer os seus direitos de autor de uma forma que facilite a reutilização».

8.        O artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2003/98, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação» tem a seguinte redação:

«1. A presente diretiva estabelece um conjunto mínimo de regras aplicáveis à reutilização e aos meios práticos de facilitar a reutilização de documentos na posse de organismos do setor público dos Estados‑Membros.»

9.        O artigo 2.°, n.° 4, da Diretiva 2003/98 define reutilização como sendo «a utilização por pessoas singulares ou coletivas de documentos na posse de organismos do setor público, para fins comerciais ou não comerciais, diferentes do fim inicial de serviço público para o qual os documentos foram produzidos. O intercâmbio de documentos entre organismos do setor público exclusivamente no desempenho das suas funções não constitui reutilização».

10.      O artigo 3.° da Diretiva 2003/98, sob a epígrafe «Princípio Geral», prevê:

«Os Estados‑Membros garantirão que, sempre que seja permitida a reutilização de documentos na posse de organismos do setor público, tais documentos sejam reutilizáveis para fins comerciais ou não comerciais, nos termos dos capítulos III e IV. Sempre que possível, os documentos serão postos à disposição através de meios eletrónicos.»

III — Litígio no processo principal, legislação nacional relevante e questões prejudiciais

A —    Registo das sociedades

11.      Nos termos dos §§ 1 e 2 do Firmenbuchgesetz (a seguir, «FBG») (5), as empresas devem depositar determinadas informações no registo das sociedades, as quais, por força das mesmas disposições, são de acesso público. De acordo com o § 3, a informação disponibilizada inclui a denominação social das empresas, a sua forma jurídica, a sede, a indicação do seu domínio de atividade, filiais, datas de constituição e poderes dos representantes, bem como dados relativos a qualquer processo de liquidação ou abertura de qualquer processo de insolvência.

12.      Até 1990, a informação detida pelo Estado austríaco era acessível ao público através dos tribunais, locais onde era mantido o registo das sociedades. Ainda é possível consultar o registo das sociedades em tribunais locais e regionais (Berzirksgerichte) ou em notários (§§ 33 e 35 do FBG), mediante o pagamento de uma taxa.

13.      A partir de 1 de janeiro de 1991, o registo das sociedades passou a ser informatizado e, no final de 1994, todos os dados sobre empresas haviam sido regravados. A partir de 1993, as buscas podiam ser feitas por qualquer pessoa através de videotextos interativos, e, desde 1999, é possível fazer pesquisas online, através da Internet, do registo das sociedades. Nos termos do § 34 do FBG, qualquer pessoa está autorizada a consultar pontualmente, por transmissão eletrónica de dados, as informações constantes do registo das sociedades, na medida em que a tecnologia e a disponibilidade do pessoal o permitam.

14.      O acesso público ao registo das sociedades, por via eletrónica, sofreu uma alteração em 1999, quando a Áustria adjudicou, inicialmente, a cinco agências de intermediação (Verrechnungsstellen) a incumbência de facultar o acesso, via Internet, ao registo comercial (6). Estas agências recebem uma taxa judicial legalmente estabelecida e uma remuneração pelos seus serviços. As taxas judiciais devidas pelo acesso a consultas rápidas e a consultas gerais são definidas pela regulamentação relativa às bases de dados dos registos das sociedades (Firmenbuchdatenbankverordnung, a seguir «FBDV» (7)). As taxas judiciais são cobradas pelas agências de intermediação e depois entregues nos cofres do Estado. São calculadas com base na natureza da informação consultada. A importância paga à parte pelo serviço prestado pelas agências de intermediação depende de aprovação do Ministro da Justiça.

15.      A base de dados do registo das sociedades é uma base de dados protegida. O titular do direito sui generis sobre a base de dados é o Estado austríaco. Nos termos do § 4, n.° 2 do FBDV, a autorização para a consulta de registos das sociedades não confere quaisquer direitos de distribuição («reutilização proibida»). Estes encontram‑se reservados ao Estado austríaco, na qualidade de produtor da base de dados, em conformidade com a legislação relevante sobre direitos de autor aprovada em transposição da Diretiva 96/9 (8).

B —    Base de Dados da Compass‑Datenbank

16.      Há mais de 130 anos que a Compass‑Datenbank GmBH (a seguir «Compass‑Datenbank») e os seus antecessores jurídicos têm tido acesso a coletâneas de informação comercial e empresarial em poder do Estado austríaco. A partir de 1995, iniciaram a exploração de uma base de dados comerciais e industriais, acessível via Internet, construída, em parte, a partir daquela informação.

17.      A base de dados da Compass‑Datenbank compreende um leque de informação adicional à constante do registo das sociedades. Inclui informação sobre participações de capital, números de telefone e fax, endereço de correio eletrónico, áreas em que as empresas listadas operam, a par de uma breve descrição das suas atividades e da identificação dos bancos onde mantêm contas. Para disponibilizar este serviço informativo, a Compass‑Datenbank precisa de ter acesso diário às atualizações dos dados constantes do registo das sociedades, que são complementadas depois com os resultados das suas próprias pesquisas.

18.      Até dezembro de 2001, a Compass‑Datenbank recebeu esta informação do Centro federal austríaco de processamento de dados sem quaisquer restrições no que toca à sua reutilização. A Compass‑Datenbank acedeu a esta informação na qualidade de editora do Zentralblatt für Eintragungen in das Firmenbuch der Republik Österreich (Jornal Central de Inscrições no Registo das Sociedades Comerciais da República da Áustria). A Compass‑Datenbank reutilizou os mesmos dados para a construção da sua própria base de dados industrial.

C —    Tramitação processual nacional

19.      Em 2001, o Estado austríaco intentou uma ação de inibição contra a Compass‑Datenbank no Handelsgericht Wien (Tribunal Comercial, Viena) que tinha por objeto, entre outros, a proibição da utilização, por parte daquela, de dados do registo das sociedades, nomeadamente para efeitos de registo, de reprodução ou de transmissão a terceiros. Por decisão de 9 de abril de 2002, o Oberster Gerichtshof julgou parcialmente procedente um pedido de medidas provisórias para este efeito e ordenou que a Compass‑Datenbank, até que fosse proferida decisão final, se abstivesse de utilizar a base de dados do registo das sociedades a fim de atualizar a sua própria base comercial e industrial e, em particular, se abstivesse de registar dados do registo das sociedades ou de os reproduzir, por qualquer forma, com vista a transmiti‑los ou a torná‑los acessíveis a terceiros, ou para lhes prestar informações com base neles, na medida em que pelos dados recebidos pela Compass‑Datenbank não tinha sido cobrada remuneração ajustada por parte do Estado austríaco. A decisão de reenvio não esclarece se foi ou não proferida, por parte dos tribunais austríacos, posterior decisão definitiva neste processo.

20.      Contudo, o representante da Compass‑Datenbank explicou, durante a audiência, que a empresa havia, apesar disso, continuado a receber dados do registo das sociedades mediante o pagamento de um valor que a Áustria entende ser demasiado baixo.

21.      Em 21 de dezembro de 2006, a Compass‑Datenbank intentou outra ação na qual pedia que fosse ordenado ao Estado austríaco que lhe fossem disponibilizados, em conformidade com a Lei Federal relativa à reutilização de informação detida por organismos públicos (Bundesgesetz über die Weiterverwendung von Informationen öffentlicher Stellen, a seguir, «IWG») (9), de determinados documentos constantes do registo das sociedades, mediante o pagamento de uma taxa adequada. Mais concretamente, a Compass‑Datenbank requereu o acesso a documentos do registo das sociedades, sob a forma de extrato, com informação atualizada sobre dados jurídicos aí inscritos ou que daí tenham sido suprimidos no dia anterior, bem como a extratos do registo das sociedades contendo dados históricos.

22.      No âmbito do processo nacional, foi demonstrado que a IWG não confere quaisquer direitos à Compass‑Datenbank. No entanto, considerou‑se que a empresa se poderia ainda apoiar em argumentos fundados no direito da concorrência. Após várias instâncias nos órgãos jurisdicionais austríacos, o processo chegou ao Oberster Gerichtshof, que considerou necessário submeter as três questões prejudicais seguintes ao Tribunal de Justiça:

1.      Deve o artigo 102.° TFUE ser interpretado no sentido de que uma autoridade pública exerce uma atividade empresarial quando regista numa base de dados (registo das sociedades comerciais) os dados transmitidos pelas empresas em cumprimento de obrigações legais de comunicação de informações e, mediante remuneração, permite a consulta destes e/ou deles emite cópias, proibindo, contudo, atos de utilização que vão além disso?

No caso de resposta negativa à primeira questão:

2.      Constitui uma atividade empresarial o facto de a autoridade pública, invocando a proteção do seu direito sui generis na qualidade de criador de uma base de dados, proibir utilizações desses dados que vão além da permissão da sua consulta ou da emissão de cópias?

No caso de resposta afirmativa à primeira ou segunda questões:

3.      Deve o artigo 102.° TFUE ser interpretado no sentido de que os princípios consagrados pelos acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de abril de 1995, C‑241/91 e C‑242/91, Magill TV Guide e de 29 de abril de 2004, C‑418/01, I.M.S. Health (10) («doutrina das ‘essential facilities’»), também devem ser aplicados, quando não existe um «mercado a montante», porque os dados protegidos são coligidos e registados numa base de dados (registo das sociedades comerciais) no âmbito da atividade de autoridade pública?

23.      A Compass‑Datenbank, o Governo austríaco, a Irlanda, o Governo holandês, o Governo polaco, o Governo português e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. A Compass‑Datenbank, o Governo austríaco, a Irlanda e a Comissão Europeia participaram na audiência de 2 de fevereiro de 2012.

IV — Análise

A —    Observações preliminares

1.      O papel das agências de intermediação

24.      As observações das partes evidenciam que deverá ser analisado, a título de questão preliminar, o papel desempenhado pelas agências de intermediação, particularmente na medida em que possa influenciar a questão de saber se o Estado austríaco exerce ou não uma atividade económica.

25.      Tal como já foi referido no n.° 14, supra, foi criado, em 1999, um novo método de acesso ao registo das sociedades, por intermédio de agências de intermediação. Estas facultam, mediante pagamento, o acesso online ao registo das sociedades. O representante da Áustria explicou na audiência que, presentemente, qualquer empresa que preencha os requisitos de serviço e desempenho exigidos, poderá ser aceite como agência de intermediação. Existem atualmente dez agências de intermediação, uma das quais pertence ao mesmo grupo de empresas que a Compass‑Datenbank (11).

26.      A agência de intermediação estabelece, via Internet, a ligação entre o registo das sociedades e o cliente. É proibido reutilizar os dados do registo das sociedades, bem como alterar o seu conteúdo ou a apresentação da informação que foi transmitida. Está também afastada a possibilidade de alargar o seu conteúdo através de publicidade. Para além disso, é proibido aos clientes das agências reutilizar dados em moldes que violem os direitos sui generis da Áustria relativos ao registo das sociedades. Isto significa que a proibição de reutilização abrangida pelo direito sui generis é absoluta e tem sido aplicada pela Áustria numa base não discriminatória.

27.      É importante ter presente que, tendo em conta o teor dos pedidos apresentados nos tribunais nacionais, a Compass‑Datenbank pretende obter do Estado austríaco a transferência agrupada de dados atualizados do registo das sociedades, mediante pagamento de remuneração adequada, com possibilidade de reutilização dos dados para efeitos de inclusão e distribuição do serviço informativo prestado pela Compass‑Datenbank.

28.      O objetivo desse pedido é possibilitar à Compass‑Datenbank a prestação de um serviço que é construído a partir de dados que já se encontram acessíveis a todos através das agências de intermediação. Como foi assinalado pela Compass‑Datenbank na audiência, esta pretende fornecer mais do que meras cópias da informação disponibilizada pelas agências de intermediação. Pretende acrescentar valor a essa informação, complementando‑a com outro material. Para além disso, o seu modelo de negócio exige que tenha acesso a dados novos e atualizados por um preço que seja inferior à taxa judicial cobrada através das agências de intermediação. Este foi o pedido formulado no processo nacional intentado pela Compass‑Datenbank, que propôs um determinado valor correspondente ao que considera ser a remuneração adequada a pagar ao Estado austríaco.

29.      Importa manter uma perceção clara do papel das agências de intermediação por duas razões. Em primeiro lugar, para determinar se uma autoridade pública atua na qualidade de «empresa», na aceção do direito da concorrência da União, é necessário proceder a uma análise das atividades específicas da autoridade pública em causa. A autoridade será considerada uma «empresa» na medida em que essa atividade seja «económica» por natureza (12). São, por conseguinte, as atividades exercidas pelo Estado austríaco, mais do que as das agências de intermediação, que relevam para determinar em que medida o artigo 102.° TFUE é ou não aplicável ao presente litígio.

30.      A distinção é também importante porque, para determinar se uma empresa, ao recusar o fornecimento de um produto ou serviço, abusa da sua posição dominante, é necessário começar por identificar o mercado em que essa empresa detém uma posição dominante. Esta análise é, por conseguinte, mais direcionada para o Estado austríaco do que para as agências de intermediação.

31.      Em minha opinião, a análise correta dos acordos deverá ser a que segue. A Áustria concessiona um serviço público às agências de intermediação. Concluo nestes moldes porque as agências de intermediação dispõem, sujeitas à supervisão do Ministro da Justiça, de alguma liberdade para fixar o preço do acesso online ao registo das sociedades (a remuneração que acresce à taxa judicial legalmente estabelecida), recebendo esse valor de terceiros e não da entidade adjudicante (13). Os riscos comerciais decorrentes do acesso online ao registo das sociedades são suportados pelas agências de intermediação, o que evidencia que a Áustria apenas lhes atribuição uma concessão (14).

32.      Se bem que a recusa de fornecimento por parte de um Estado‑Membro, por via da concessão de um serviço, e o seu licenciamento em exclusivo, estejam sujeitas, em geral, às regras fundamentais do TUE e do TFUE, incluindo o artigo 56.° TFUE e, em particular, aos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade e, consequentemente, ao dever de transparência (15), as obrigações dos Estados‑Membros não vão para além disso. Os contratos de concessão de serviços públicos não são regulados pelas regras das diretivas sobre contratação pública (16).

33.      Destaca‑se, a propósito, que aqui se poderá suscitar a questão de determinar se as taxas judiciais legalmente estabelecidas e/ou a remuneração acessória cobradas pelas agências de intermediação não excederão o «custo administrativo» admissível pela obtenção de cópias de documentos ou indicações conforme referido no artigo 3.°, n.° 3 da Diretiva 68/151. Todavia, a questão de saber se a Áustria está a atuar de forma não compatível com a Diretiva 68/151 não é relevante para determinar se a Áustria está a atuar na qualidade de empresa (17) ao recusar o acesso agrupado e a reutilização dos dados em causa no presente processo.

34.      Além disso, apesar de a atividade das agências de intermediação dever claramente ser considerada como económica, este ponto em nada releva para a questão de saber se a Áustria agiu de forma abusiva ao recusar conceder uma licença de acesso agrupado à Compass‑Datenbank ou a permitir a reutilização dos dados do registo das sociedades. De facto, as agências de intermediação atuam num mercado distinto e independente do mercado em que a Compass‑Datenbank pretende exercer a sua atividade. As primeiras atuam no mercado do acesso online ao registo das sociedades. Por outras palavras, elas apenas fornecem uma via eletrónica e descentralizada de interface com o cliente para que este possa aceder a informação mantida pelo Estado austríaco.

35.      A Compass‑Datenbank não está excluída deste mercado, tendo porém acesso a ele em termos não discriminatórios. Como já mencionei, uma das empresas do grupo a que pertence é, na verdade, uma agência de intermediação a operar neste mercado. A Compass‑Datenbank não pretende que lhe seja reconhecido o direito a reutilizar a informação fornecida pelas agências de intermediação, as quais também não a podem reutilizar, mas uma forma alternativa de acesso a estes dados. A Compass‑Datenbank alega um comportamento abusivo por parte da Áustria na medida em que impede o surgimento ou a continuidade do mercado na comercialização destes dados.

2.      Relevância das diretivas

36.      As observações escritas apresentadas pelos Governos austríaco e holandês suscitam outra questão preliminar sobre a qual nos devemos debruçar. Está relacionada com o modo, se é que existe, como as obrigações impostas à Áustria pelas Diretivas 68/151 e 2003/98 influenciam a consideração de que a mesma exerce atividades económicas em moldes que determinem a aplicabilidade do artigo 102.° TFUE. 

37.      Não há dúvida de que, em caso de conflito direto entre uma diretiva e uma disposição de direito primário do TEU ou do TFUE, designadamente o artigo 102.° TFUE, a segunda prevalece. Contudo, tanto na União Europeia como em qualquer entidade fundada nos princípios do constitucionalismo e do Estado de Direito, é tarefa do legislador considerar e ponderar as regras e os princípios de caráter geral e abstrato ínsitos na Constituição ou, no caso da União Europeia, nos Tratados (18).

38.      Em conformidade com a abordagem adotada, nomeadamente pelo Governo holandês nas suas observações escritas, a existência e o teor das diretivas são tão relevantes quanto os das normas nacionais para se determinar se um Estado‑Membro exerce uma atividade económica relevante para efeitos do artigo 102.° TFUE, por oposição às que, decorrendo do exercício do poder público, ficam excluídas do âmbito daquelas. Aferir se uma autoridade pública exerce ou não atividades económicas, implica fazer a análise da respetiva natureza, do objeto e das regras às quais estão sujeitas (19). Isto inclui quaisquer diretivas relevantes, tal como ficou demonstrado no processo SELEX Sistemi Integrati/Comissão (20), no qual a aplicação de uma diretiva foi pertinente para a apreciação da natureza económica ou pública das atividades do Eurocontrol.

39.      Por conseguinte. em meu entender, as diretivas não devem ser afastadas com fundamento na hierarquia das normas, já que elas são uma parte importante da apreciação que foi solicitada ao Tribunal de Justiça. As Diretivas 68/151 e 2003/98, juntamente com a Diretiva 96/9, contêm disposições que são relevantes para determinar se a Áustria, ao proibir a reutilização de dados do registo das sociedades e ao recusar licenciar o seu acesso agrupado, exerce uma atividade económica ou prerrogativas públicas.

B —    Primeira e segunda questões prejudiciais

1.      Âmbito das questões prejudiciais

40.      Pede‑se que o Tribunal de Justiça determine se, face às circunstâncias do presente processo, a Áustria é uma «empresa» para efeitos do artigo 102.° TFUE, e, em segundo lugar, se a doutrina das «essential facilities» é relevante para a resolução do litígio, face à alegada ausência de mercado a montante.

41.      Assim sendo, a tarefa do Tribunal de Justiça limita‑se, no meu entender, a dar indicações ao órgão jurisdicional nacional para decidir a questão de saber se a Áustria exerce poderes ou prerrogativas públicos que excluem a existência de uma atividade económica (21), ou se, pelo contrário, pelo menos uma das atividades em questão é uma atividade económica distinta das atividades públicas da Áustria (22). Neste último caso, o Tribunal de Justiça deverá definir os parâmetros legais do abuso de posição dominante, na forma de uma recusa de fornecimento (23), e mais especificamente as circunstâncias em que a recusa em licenciar material protegido por um direito sui generis sobre uma base de dados é abrangido pelo artigo 102.° TFUE.

42.      Considerarei os dois primeiros pontos na análise conjunta da primeira e da segunda questões prejudiciais. Discutirei o último ponto, relativo à recusa de licenciamento, aquando da análise, em separado, da terceira questão prejudicial.

43.      Tal como foi salientado pelo Governo polaco, estas questões exigem que o Tribunal de Justiça analise as três atividades específicas à luz da sua própria jurisprudência relativa às circunstâncias em que uma autoridade pública tenha atuado como uma empresa, vinculando‑se, como tal, às regras da União relativas à proibição do abuso de posição dominante nos termos do artigo 102.° TFUE. Estas atividades são as seguintes:

i)      registo numa base de dados (o registo das sociedades) de informação fornecida pelas sociedades no cumprimento de obrigações legais de reporte;

ii)      autorização de consulta e/ou emissão de cópias de registos mediante pagamento; e

iii)      proibição de reutilização da informação contida no registo das sociedades.

44.      Antes de abordar estas questões, é importante observar que a legislação austríaca relevante reflete a adoção de uma política restritiva no que toca à possibilidade de terceiros poderem vir a desenvolver negócios de prestação de serviços de informação a partir do processamento de dados contidos no registo das sociedades. Outros Estados‑Membros, tais como a Irlanda, optaram por abordagens mais liberais, e permitem, por exemplo, o licenciamento do acesso agrupado e a reutilização de tais dados para fins comerciais. Sejam quais forem os méritos de cada uma destas abordagens, a legislação da União apenas limitará as escolhas das políticas feitas por um Estado‑Membro nos casos em que este atue na qualidade de empresa.

2.      Registo de informação no registo das sociedades

45.      Em direito da concorrência, o conceito de empresa abrange todas as entidades que exerçam uma atividade económica, independentemente do seu estatuto legal e do modo como é financiada (24). Isto inclui os Estados‑Membros. É irrelevante se o Estado‑Membro age diretamente através de um organismo que integre a administração pública ou por intermédio de um organismo ao qual conferiu direitos exclusivos ou especiais (25). O que é necessário analisar é a natureza das atividades exercidas pela empresa pública ou pelo organismo em questão (26).

46.      As entidades públicas só não serão qualificadas de empresa se exercerem atividades decorrentes de poderes e prerrogativas de natureza pública com exclusão de qualquer atividade económica (27). É por isso necessário analisar separadamente cada uma das atividades levadas a cabo pela entidade pública em questão. Se estas atividades forem divisíveis, uma entidade do setor público será considerada uma empresa na medida em que a mesma exerça uma atividade económica (28). As atividades económicas consistem, de acordo com a jurisprudência, na oferta ao mercado de bens e serviços (29).

47.      É indiscutível que o registo, numa base de dados, no caso em apreço o registo das sociedades, de informação fornecida pelas empresas no cumprimento de obrigações legais é uma atividade, pela sua natureza, fins e normas reguladoras, relacionada com o exercício de poderes públicos (30).

48.      O registo de dados no registo das sociedades, baseado no cumprimento de obrigações legais, é uma atividade exercida no interesse geral da segurança jurídica. As pessoas coletivas referidas no § 2 FBG estão obrigadas a fornecer a informação mencionada no § 3 FBG a fim de darem cumprimento às exigências de registo constantes dos §§ 4, 5, 6 e 7. Estão também obrigadas a comunicar de imediato quaisquer alterações na informação que já se encontra registada (V. § 10 FBG). O Estado austríaco pode impor sanções administrativas com vista a assegurar que a informação cujo reporte é devido seja comunicada na íntegra e dentro dos prazos estabelecidos (§ 24 FBG). Tal é relevante porque a assunção de direitos e poderes coercivos que derrogam a lei ordinária é um indicador reconhecido do exercício de poderes públicos (31).

49.      Para além disso, esta atividade está diretamente relacionada com as obrigações da Áustria que decorrem da aplicação da Diretiva 68/151 e, em particular, do respetivo artigo 3.° Este impõe aos Estados‑Membros a manutenção de um registo central, ou de um registo comercial ou de um registo de sociedades comerciais. O artigo 3.° impõe ainda que os Estados‑Membros assegurem a divulgação e o acesso, em condições razoáveis, da informação aí contida.

50.      É de notar que, apesar de os operadores privados terem a capacidade física de criar, recolher e comercializar informações relativas às empresas, eles não podem conferir‑lhes o estatuto legal que caracteriza os dados inscritos nos registos oficiais das sociedades, nomeadamente a sua oponibilidade a terceiros (32). Este efeito legal apenas pode ser criado por disposições normativas específicas. O propósito claro dos registos públicos, como os registos das sociedades, é criar uma fonte de informação que seja fiável para as relações jurídicas e que, por conseguinte, confira a necessária segurança jurídica às transações no mercado.

3.      Autorização para a consulta de registos das sociedades

51.      Esta atividade é também, inquestionavelmente, uma função pública. É evidente que os registos públicos, como os registos das sociedades, apenas cumprirão os seus fins essenciais, designadamente a criação de segurança jurídica através de uma disponibilização transparente de informação legalmente fiável, se o respetivo acesso for garantido a todos.

52.      Tal como assinalado pelo Governo holandês, o facto de se cobrar uma taxa não permite inferir que uma atividade é económica. É corrente, em atividades cuja natureza é claramente não económica, estar associada uma taxa de serviço. Um exemplo claro disto é a cobrança de custas por parte de tribunais e oficiais de justiça. O facto de uma atividade pública poder ser economicamente rentável para a entidade pública que a presta não a torna económica por natureza.

53.      O artigo 3.°, n.° 3, terceiro parágrafo, da Diretiva 68/151 prevê que o custo de obtenção de uma cópia do registo das sociedades não pode exceder o «custo administrativo». Segundo as observações escritas da Comissão e as suas alegações orais apresentadas na audiência, o Estado austríaco, ao invocar o seu direito sui generis sobre os dados do registo das sociedades, está a proteger os seus interesses económicos.

54.      Até ao momento, não existe prova de que a taxa judicial, por si ou acompanhada da remuneração cobrada pelas agências de intermediação, excede o custo administrativo da emissão de cópias de documentos ou indicações constantes do registo das sociedades, na aceção do n.° 3 do artigo 3.° da Diretiva 68/151. Caso excedesse, a tabela de preços aplicada pela Áustria poderia ser impugnada nos tribunais nacionais ou, a nível geral, num processo por infração ao abrigo do artigo 258.° TFUE.

55.      Mesmo que a consulta e/ou a emissão de cópias do registo das sociedades fosse considerada uma atividade económica, seria indissociável das funções de recolha de dados. As atividades económicas e públicas são dissociadas se a atividade económica não estiver intimamente associada à atividade pública e a ligação entre elas for meramente indireta (33). Tal como o advogado‑geral M Poiares Maduro observou, todos os casos que envolvam o exercício de autoridade pública com o objetivo de regulação do mercado, e não com vista a participar nele, não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da concorrência (34). Como resulta, em particular, do teor do artigo 3.° da Diretiva 68/151, a manutenção de um registo das sociedades está indissociavelmente ligada ao dever de assegurar, em condições razoáveis, o acesso ao mesmo.

56.      Além disso, contrariamente aos argumentos apresentados nas observações escritas da Comissão, o facto de as agências de intermediação, que fornecem a via eletrónica de acesso do público aos dados em causa, não gozarem de poderes coercivos, a par de uma certa concorrência, ainda que limitada, existente entre elas (35), não põe em causa a indissociabilidade entre o acesso aos dados e a sua recolha. A tal acresce que as agências de intermediação estão sujeitas a controlo estatal por via da supervisão que o Ministro da Justiça exerce sobre os preços por elas praticados junto dos utilizadores (36).

4.      Proibição da reutilização da informação

57.      O caso da Compass‑Datenbank é inédito, no sentido de que se funda numa obrigação de a Áustria atuar, a fim de dar cumprimento às obrigações que lhe incumbem nos termos do artigo 102.° TFUE, e não numa abstenção de ação. Chegados a este ponto, torna‑se útil relembrar os limites da obrigação de os Estados‑Membros agirem proativamente no sentido de darem cumprimento às obrigações decorrentes do direito da concorrência da União. Ainda que exista um dever geral de não praticarem atos que possam comprometer os objetivos do Tratado, incluindo ao nível da política de concorrência (37), as obrigações ativas dos Estados‑Membros permanecem limitadas.

58.      Estes princípios foram reiterados recentemente no processo AG2R Prévoyance (38), em que o Tribunal de Justiça recordou que o artigo 101.° TFUE, conjugado com o artigo 4.°, n.° 3, TUE, impõe aos Estados‑Membros que não introduzam ou mantenham em vigor medidas, sejam elas de natureza legislativa ou regulamentar, que possam retirar eficácia às regras da concorrência aplicáveis às empresas (39). Além disso, nos termos do artigo 106.°, n.° 1, TFUE, no caso de empresas públicas ou de empresas às quais os Estados‑Membros concedem direitos especiais ou exclusivos, os Estados‑Membros não podem nem aprovar nem manter em vigor medidas contrárias às normas dos Tratados, nomeadamente às constantes do artigo 18.° TFUE e dos artigos 101.° TFUE a 109.° TFUE, sem prejuízo do disposto no artigo 106.°, n.° 2, TFUE (40).

59.      Nenhum destes princípios é útil no processo Compass‑Datenbank. As disposições relevantes da lei austríaca não afetam a eficácia das regras de concorrência da União Europeia. Nada existe nesta jurisprudência que vá ao ponto de forçar um Estado‑Membro a revelar dados aos operadores económicos ou, doutro modo, a facilitar a criação de novos mercados, na falta de medidas de mercado interno destinadas a abrir a concorrência a setores que eram tradicionalmente geridos como monopólios estatais (41).

60.      Nem os factos deste processo correspondem àqueles em que foram atribuídos a uma empresa direitos especiais ou exclusivos. Pelo contrário, a proibição de reutilização e comercialização dos dados constantes dos registos das sociedades, para além da atividade das agências de intermediação que consiste em disponibilizar o acesso online à base de dados, aplica‑se a todos e não apenas à Compass‑Datenbank. Com efeito, no estado atual do direito da União Europeia, «a pessoa que constituiu a base de dados pode‑se reservar um direito de acesso exclusivo à sua base ou reservar o acesso à mesma a determinadas pessoas […] ou ainda sujeitar esse acesso a determinadas condições, por exemplo, de ordem financeira» (42). Como já referi, a Diretiva 2003/98 «não prevê nenhuma obrigação» de os Estados‑Membros «permitirem a reutilização de documentos» (43).

61.      Os Governos austríaco, holandês e português também se apoiam no artigo 7.° da Diretiva 96/9 relativa à proteção jurídica de bases de dados e no direito sui generis de proteção dessa base de dados (44). Contudo, e na minha opinião, este aspeto é irrelevante para determinar se, nos termos do artigo 102.° TFUE, a proibição da reutilização de dados é uma atividade pública ou económica. Parece claro que as entidades públicas podem invocar os seus poderes de direito privado para fazerem valer as suas missões de serviço público, como será o caso, na qualidade de proprietárias, da proibição de entrada numa base militar. Mas o direito sui generis aplica‑se no contexto da terceira questão prejudicial, ou seja, para determinar se e quando o titular de um direito de propriedade intelectual poderá ser obrigado a emitir uma licença.

62.      Proponho, em conclusão, que o Tribunal de Justiça responda negativamente à primeira e à segunda questões prejudiciais.

C —    Terceira questão prejudicial

63.      Uma vez que respondi em termos negativos às duas primeiras questões prejudiciais, não seria necessário responder à terceira. No entanto, farei algumas observações que poderão vir a revelar‑se úteis para o Tribunal de Justiça caso este entenda que a Áustria exerceu, de facto, uma atividade económica ao recolher dados do registo das sociedades, ou ao disponibilizá‑los ao público, ou ambos.

64.      Com esta questão, solicita‑se que o Tribunal de Justiça precise os princípios referidos nos acórdãos Magill e IMS Health («doutrina das ‘essential facilities’») e sobre a sua aplicabilidade quando não exista «mercado a montante», já que os dados protegidos são recolhidos e registados numa base de dados (registo das sociedades) no âmbito do exercício de atividades de autoridade pública. Esta questão é relevante apenas se se considerar que a Áustria atuou na qualidade de empresa nas circunstâncias apresentadas no processo principal.

65.      Será necessário começar por identificar o mercado a montante (45). Assim é, porque a falta de posição dominante neste mercado determina que não possa haver abuso no mercado a jusante, o qual é por vezes designado de mercado vizinho ou derivado. No caso em apreço, existe um mercado paralelo no acesso online aos dados em bruto contidos no registo das sociedades, operacionalizado pelas agências de intermediação, mas não existe mercado a montante no acesso agrupado aos dados do registo das sociedades que se encontra legalmente disponível para reutilização, e com base nos quais a Compass‑Datenbank poderia criar um produto de valor acrescentado. Ao invés, o que existe a montante são duas funções: uma, que envolve a recolha e o registo de dados e, outra, que assegura o acesso aos mesmos. Os dois acórdãos que se revelam essenciais para a resolução do presente litígio, Magill e IMS Health, eram bastante diferentes.

66.      No processo Magill, as empresas que se considerou terem abusado da sua posição dominante por recusarem o licenciamento da sua programação, impedindo, assim, o aparecimento no mercado de guias televisivos mais abrangentes, eram inquestionavelmente dominantes no mercado da informação a montante relativo a programas de TV através de um monopólio de facto sobre a informação usada para compilar as listagens para programas televisivos (46). Esta posição dominante a montante permitiu‑lhes tirar proveito de um potencial mercado a jusante onde se encontravam os seus potenciais concorrentes. No processo Magill, a RTE e a ITP pretendiam reservar a exploração comercial das programações para os seus licenciados a operar no mercado a montante, eliminando, no mercado a jusante, o aparecimento de guias televisivos mais abrangentes.

67.      Do mesmo modo, no processo IMS Health, a empresa contra a qual se pretendia a emissão de uma licença obrigatória exercia uma atividade económica no mercado relevante, no qual detinha uma posição dominante, nomeadamente pela apresentação a empresas farmacêuticas de dados sobre vendas regionais de produtos farmacêuticos. As «estruturas modulares», protegidas pelo direito de autor, através das quais a empresa apresentava os dados das vendas, tornaram‑se no padrão da indústria e colocaram a empresa numa posição dominante. O Tribunal de Justiça sustentou que a recusa da empresa dominante em licenciar a estrutura modular a um concorrente consubstanciava um comportamento abusivo apenas em circunstâncias excecionais (47). O que é exigido, em todos os casos de exercício de uma licença exclusiva, é o preenchimento cumulativo de três condições: i) a recusa deve impedir o aparecimento de um novo produto para o qual existe potencial procura de mercado; ii) a recusa é injustificada; e iii) a recusa deve ser suscetível de excluir completamente a concorrência no mercado secundário (48).

68.      Voltando ao caso em apreço, existe falta de informação na decisão de reenvio sobre o mercado relevante a jusante. Sabemos que a Compass‑Datenbank pretende comercializar e complementar os dados em bruto contidos no registo das sociedades detido pelo Estado austríaco, sob a forma de um negócio melhorado de prestação de serviços de informação. No entanto, nada sabemos sobre a posição da Compass‑Datenbank neste tipo de mercado e em aspetos cruciais como a sua quota de mercado e como esta se compara com a quota de outros operadores, se é que eles existem. Como o Tribunal de Justiça observou, «a delimitação do mercado relevante em termos de produto e de área geográfica, bem como o cálculo das quotas de mercado detidas pelas diferentes empresas que operam neste mercado, constituem o ponto de partida de qualquer apreciação de uma situação de facto face ao direito da concorrência» (49). Se o Tribunal de Justiça não conseguir fazer esta apreciação, declarará a decisão de reenvio inadmissível (50).

69.      Não consta do pedido de decisão prejudicial qualquer informação sobre se existem concorrentes significativos no mercado a competir com a Compass‑Datenbank na oferta deste tipo de serviços informativos relativos às empresas. Não havendo, a Compass‑Datenbank deterá uma posição dominante, obviamente decorrente da sua posição histórica como editora da Zentralblatt. A Compass‑Datenbank tem também conseguido receber os dados de que necessita desde a decisão do Oberster Gerichtshof de 2002, cuja fundamentação legal não vem aliás explicitada na decisão de reenvio, por um preço que a Áustria considera demasiado baixo. Porém, no presente litígio, a Compass‑Datenbank pretende, no essencial, obter acesso privilegiado aos dados do registo das sociedades em condições económicas e legais que são mais favoráveis do que as aplicáveis aos demais. Por estas razões há, neste processo, uma certa indeterminação factual sobre se o alegado abuso é relativo ao preço, à recusa em prestar um serviço ou no acesso a uma «essential facility».

70.      Coloca‑se outro problema no que toca à questão de saber a que corresponde a «essential facility» relevante detida pelo Estado austríaco. Os dois candidatos óbvios são o direito sui generis sobre o banco de dados do registo das sociedades ou o acesso aos dados do registo das sociedades ainda não divulgados. De qualquer modo, o serviço essencial ao qual terá sido negado acesso não poderá ser o acesso aos dados em bruto, em si, uma vez que estes são disponibilizados a toda a gente, em condições não discriminatórias, pelas agências de intermediação (51).

71.      Tinha já chegado à conclusão de que uma proibição de reutilização não discriminatória corresponde à execução de uma política governamental, a qual encontra cobertura no considerando nono e no artigo 3.° da Diretiva 2003/98. Contudo, não se pode negar que a recusa da Áustria em disponibilizar dados novos e atualizados, bem como a sua proibição de reutilização impedem a prestação de um serviço para o qual parece haver uma assinalável procura de mercado. Todavia, como salientou o advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Bronner, um pedido sobre um direito de propriedade intelectual, «quer seja entendid[o] como uma aplicação da doutrina das ‘essential facilities’ ou, de forma mais tradicional, como uma resposta à recusa de fornecer bens ou serviços, só pode justificar‑se, no plano da política da concorrência, nos casos em que a empresa dominante tem, verdadeiramente, à mercê o mercado conexo» (52).

72.      É duvidoso afirmar que, no caso em apreço, a recusa para fornecer e a proibição de reutilização excluem qualquer concorrência no mercado secundário. Teoricamente, se a proibição de reutilizar fosse efetivamente aplicada, o que parece não ter sido o caso até agora, impediria a existência de um mercado secundário e, por conseguinte, de qualquer concorrência, assumindo que a reutilização dos dados do registo das sociedades era indispensável, na aceção dada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (53), para a prestação de um serviço significativo de informações sobre empresas. Contudo, a recusa de fornecimento, sob a forma de acesso agrupado a dados novos e atualizados, não é, como tal, suscetível de excluir a concorrência no mercado secundário. Provoca apenas atraso na apresentação de produtos mais atuais, como é o caso dos fornecidos pela Compass‑Datenbank, além de aumentar o custo do seu fornecimento.

V —    Conclusão

73.      Com fundamento nas razões expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof nos seguintes termos:

«O artigo 102.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma autoridade pública não atua na qualidade de empresa quando regista numa base de dados (registo das sociedades) os dados transmitidos pelas empresas em cumprimento de obrigações legais de comunicação de informações. Também não atua na qualidade de empresa a autoridade pública que permita a consulta e a emissão de cópias desses dados, mas proíba outras utilizações desses dados, invocando a proteção do seu direito sui generis na qualidade de criadora de uma base de dados ou com outro fundamento.»


1 – Língua original: inglês.


2 –      Primeira Diretiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 58.° do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1968 L 65, p. 8, EE 17 F1 p. 3), com as alterações introduzidas pela Diretiva 2003/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2003, que altera a Diretiva 68/151/CEE do Conselho, no que diz respeito aos requisitos de publicidade relativamente a certas categorias de sociedades (JO 2003 L 221, p. 13).


3 –      Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados (JO 1996 L 77, p. 20).


4 –      Diretiva 2003/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro de 2003, relativa à reutilização de informações do setor público (JO 2003 L 345, p. 90).


5 – BGBl. n.° 10/1991.


6 – O representante da Áustria explicou na audiência que a única razão pela qual se adotou esta solução foi porque o Estado não dispunha da infraestrutura necessária para proceder à faturação eletrónica das consultas eletrónicas ao registo das sociedades e para receber pagamentos por esta via.


7 – BGBl. II, n.° 240/1999.


8 – Segundo as observações escritas da Compass‑Datenbank, o Estado austríaco não gozava, antes de 1998, de proteção jurídica ao abrigo da legislação relativa aos direitos de autor no que se refere aos registos públicos.


9 – BGBl. I n.° 135/2005. Esta questão não se encontra devidamente esclarecida na decisão de reenvio nem na disposição relevante que citei. Contudo, é de notar que o § 7 do IWG estabelece que a remuneração a cobrar pelas autoridades na reutilização de dados do setor público não deverá exceder o valor dos custos relacionados, acrescidos de uma margem de lucro razoável.


10 –      C‑241/91 P e C‑242/91 P, Colet., p. I‑743, e C‑418/01, Colet., p. I‑5039.


11 – Foi afirmado na audiência que esta agência de intermediação é uma empresa‑irmã da Compass‑Datenbank.


12 – V. acórdãos de 23 de abril de 1990, Höfner and Elser, C‑41/90, Colet., p. I‑1979, n.° 21, de 16 de março de 2004, AOK Bundesverband e o., processos apensos C‑264/01, C‑306/01, C‑354/01 e C‑355/01, Colet., p. I‑2493, n.° 59, e de 19 de janeiro de 1994, SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, C‑364/92, Colet., p. I‑43, n.° 18.


13 – V. acórdãos de 10 de setembro de 2009, Eurawasser, C‑206/08, Colet., p. I‑8377, n.os 53 a 57, e de 10 de março de 2011, Privater Rettungsdienst und Kranentransport Stadler, C‑274/09, Colet., p. I‑1335, n.os 24 e 25. De acordo com o direito derivado da União, uma concessão de serviços é um contrato da mesma natureza que um contrato de serviço público com a diferença de que a prestação dos serviços envolve apenas o direito a explorar o serviço ou a explorá‑lo acompanhado de um pagamento.


14 – Acórdão Eurawasser, já referido, supra, n.os 67 e 68. Acórdão Privater Rettungsdienst und Kranentransport Stadler, já referido, supra, n.° 26.


15 – Acórdão de 3 de junho de 2010, Sporting Exchange, C‑203/08, Colet., p. I‑4695, n.° 39.


16 – Sporting Exchange, já referido, supra, n.° 39.


17 – Por outro lado, a questão de saber se a taxa legal para a consulta do registo das sociedades fixada pela Áustria, ao abrigo do seu direito sui generis sobre os bancos de dados, é fixada em valores tão elevados que torna a sua atividade económica por natureza, exige análise mais detalhada.


18 – Por esta razão, os atos legislativos da União Europeia não podem deixar de ser aplicados, a não ser quando o Tribunal de Justiça tenha concluído pela existência de incompatibilidade com os Tratados no decurso de um processo em que a validade de uma norma de direito derivado é examinada. V. acórdão de 22 de outubro de 1987, Foto‑Frost, 314/85, Colet., p. 4199.


19 – V. acórdão SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, já referido, supra, n.° 30. A ênfase é minha.


20 – Processo T‑155/04, Colet. p. II‑4797, da qual coube recurso para o Tribunal de Justiça (SELEX Sistemi Integrati/Comissão, acórdão de 26 de março de 2009, C‑113/07 P, Colet., I‑2207).


21 – V. acórdão SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, já referido, supra, n.° 30; acórdão de 18 de março de 1997, Calì & Figli/Servizi Ecologici Porto di Genova, C‑343/95, Colet., p. I‑1547, n.os 22 e 23; e acórdão SELEX Sistemi Integrati/Comissão, já referido, supra, n.° 70.


22 – V. acórdão SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, já referido, supra, n.° 28; acórdão de 12 de dezembro de 2000, Aéroports de Paris, T‑128/98, Colet., p. II‑3929, n.° 108, o princípio da separabilidade foi firmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris, C‑82/01 P, Colet., p. I‑9297, n.° 81.


23 – V. acórdão de 5 de outubro de 1988, CICRA e o./Renault, 53/87, Colet., p. 6039; acórdão de 5 de Outubro de 1988, Volvo/Veng, 238/87, Colet., p. 6211; RTE and ITP («Magill»), já referido, supra; acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, Colet., p. I‑7791; acórdão IMS Health, já referido, supra; acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colet., p. II‑3601.


24 – V. SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, já referido, supra, n.° 18.


25 – V. Calì & Figli/Servizi Ecologici Porto di Genova, já referido, supra, n.° 17.


26 – V. Calì & Figli/Servizi Ecologici Porto di Genova, já referido, supra, n.° 18


27 – V. SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, já referido, supra, n.os 27 a 30; Calì & Figli/Servizi Ecologici Porto di Genova, já referido, supra, n.° 22; e de 26 de março de 2009, SELEX Sistemi Integrati/Comissão, C‑113/07 P, já referido, supra, n.° 70.


28 – V. SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, já referido, supra, n.° 28.


29 – V. acórdãos Aéroports de Paris, T‑128/98, já referido, supra, n.° 107; Aéroports de Paris, C‑82/01 P, já referido, supra, n.° 79; de 11 de julho de 2006, FENIN/Comissão, C‑205/03 P, Colet., p. I‑6295, n.° 25; de 3 de março de 2011, AG2R Prévoyance, C‑437/09, Colet., p. I‑973, n.° 42. Mesmo quando a atividade é desenvolvida numa base não lucrativa, pode ainda assim haver participação relevante no mercado. V. conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro proferidas no processo FENIN/Comissão, já referido, supra, n.° 14; acórdão SELEX Sistemi Integrati/Comissão, C‑113/07 P, já referido, supra, n.° 115.


30 – V. acórdãos Calì & Figli/Servizi Ecologici Porto di Genova, já referido, supra, n.° 23; SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, já referido, supra, n.° 30.


31 – V. SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, já referido, supra, n.° 24.


32 – V. artigo 3.°, n.° 5 da Diretiva 68/151.


33 – V. acórdão SELEX Sistemi Integrati/Comissão, C‑113/07 P, já referido, supra, n.os 76 e 77.


34 – V. conclusões do advogado‑geral M Poiares Maduro, proferidas no processo FENIN/Comissão, já referido, supra, n.° 15.


35 – V. acórdão AOK‑Bundesverband e o., já referido, supra, n.° 56.


36 – V. acórdão Calì & Figli/Servizi Ecologici Porto di Genova, já referido, supra, n.° 24. Esse acesso a uma atividade pública pode depender da utilização de «gate‑keepers» cuja atividade é económica por natureza, como é demonstrado inter alia pelas disposições que impõem que as partes em juízo sejam representadas por advogados. Veja‑se, a título de exemplo, o artigo 19.°, n.° 3, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.


37 – V. acórdão de 18 de junho de 1991, ERT/DEP, C‑260/89, Colet., p. I‑2925.


38 – Citado supra, n.os 24 e 25.


39 – V., inter alia, acórdão AGR2 Prévoyance, já referido, supra, n.° 24; acórdão de 21 de setembro de 1999, Brentjens’, processos apensos C‑115/97 a C‑117/97, Colet., p. I‑6025, n.° 65; acórdão 21 de setembro de 1999, Drijvende Bokken, C‑219/97, Colet., p. I‑6121, n.° 55.


40 – V. acórdão AGR2 Prévoyance, já referido, supra, n.° 25.


41 – Como ocorreu, por exemplo, no setor das telecomunicações.


42 – V. acórdão de 9 de outubro de 2008, Directmedia Publishing, C‑304/07, Colet., p. I‑7565, n.° 52. V. também acórdão de 9 de novembro de 2004, British Horseracing Board e o., C‑203/02, Colet., p. I‑10415, n.° 55. Tanto o quadragésimo sétimo considerando como o artigo 13.° da Diretiva 96/9 tornam claro que o direito sui generis não prejudica as regras da União relativas, designadamente, ao abuso de posição dominante (v. acórdão Directmedia Publishing, n.° 56). Contudo, como conclui que a Áustria não exercia uma atividade económica que justificasse ser considerada de «empresa», na aceção do direito da concorrência da União, não se levantam questões de violação das normas de direito da concorrência da União Europeia.


43 – V. nono considerando da Diretiva 2003/98. V. também artigo 3.° da Diretiva 2003/98 que esclarece que o âmbito de aplicação da diretiva se limita às situações em que o Estado‑Membro «autorizou», de sua livre vontade, a «reutilização de documentos detidos por organismos do setor público». Tal evidencia que a proibição de reutilização de dados corresponde ao exercício legítimo de uma política governamental e, logo, de uma função pública, e não de uma atividade económica.


44 – Para o âmbito da proibição da reutilização sem autorização ao abrigo do artigo 7.° da Diretiva 96/9, v. acórdão British Horseracing Board e o., já referido, supra, n.° 61. Para a definição de bases de dados protegidas, v. acórdão British Horse Racing Board e acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑46/02, Colet., p. I‑10365.


45 – V. acórdão IMS Health, já referido, supra, n.° 45: «[…] é determinante que possam ser identificados dois estádios de produção diferentes, ligados pelo facto de o produto a montante ser um elemento indispensável para o fornecimento do produto a jusante».


46 – V. acórdão RTE e ITP («Magill»), já referido, supra, n.° 47.


47 – V. acórdão IMS Health, já referido, supra, n.° 35.


48 – V. acórdão IMS Health, já referido, supra, n.° 38. Mais recentemente, v. acórdão Microsoft/Comissão, já referido, supra, n.os 331 a 335, no qual o Tribunal de Primeira Instância fornece um sumário conciso da legislação sobre a recusa de emissão de uma licença e sobre o abuso de posição dominante.


49 – Acórdão de 17 de fevereiro de 2005, Viacom Outdoor, C‑134/03, Colet., p. I‑1167, n.° 27.


50 – V. acórdão Viacom Outdoor, já referido, supra, n.° 29.


51 – Neste aspeto, o processo é similar ao que deu origem ao acórdão de 12 de junho de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão, T‑504/93, Colet., p. II‑923, n.° 124, no qual o Tribunal de Justiça observou que, não tendo sido concedida licença a ninguém no mercado geográfico relevante, não houve lugar a qualquer tipo de discriminação. Aqui não há discriminação porque o acesso ao registo das sociedades está disponível para toda a gente através das agências de intermediação.


52 – V. conclusões do advogado‑geral no Processo Bronner, já referido, supra, ponto 65.


53 – V. acórdãos Bronner, já referido supra, n.os 41 a 46, e IMS Health, já referido, supra, n.os 28, 45 e 49.