Language of document : ECLI:EU:C:2012:730

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 20 de novembro de 2012 (1)

Processo C‑569/10

Comissão Europeia

contra

República da Polónia

«Ação por incumprimento ― Admissibilidade da ação ― Condições de concessão e de utilização das autorizações de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos ― Acesso não discriminatório ― Concurso público para a adjudicação da autorização ― Requisitos da concessão ― Publicação oficial do concurso ― Distinção entre direito de usufruto de concessão mineira e autorização ― Autorizações distintas para prospeção e pesquisa»





1.        Neste processo, a Comissão pede que se declare que a República da Polónia não cumpriu determinadas obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, n.° 2, do artigo 3.°, n.° 1 e do artigo 5.°, pontos 1) e 2), da Diretiva 94/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 1994, relativa às condições de concessão e de utilização das autorizações de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos (2).

2.        A República da Polónia contesta o incumprimento imputado, alegando desde logo que a ação da Comissão é inadmissível na medida em que a respetiva fundamentação difere substancialmente da invocada na fase pré‑contenciosa. Em primeiro lugar, pronunciar‑me‑ei sobre esta exceção de inadmissibilidade, para, em seguida, analisar, nalguns casos a título meramente subsidiário, as razões invocadas pela Comissão para fundamentar o pedido de condenação da República da Polónia.

3.        Por fim, a questão de mérito abordada neste processo vai permitir ao Tribunal de Justiça, no âmbito de uma legislação nacional muito específica, aprofundar a sua jurisprudência relativa ao acesso aos concursos públicos de autorizações administrativas para a exploração económica de recursos naturais que sejam propriedade pública.

I ―    Quadro legal

A ―    Direito da União Europeia: a Diretiva 94/22

4.        Nos termos do artigo 1.°, ponto 3), da Diretiva 94/22, entende‑se por «autorização», para efeitos da diretiva, «qualquer disposição legislativa, regulamentar, administrativa ou contratual, ou qualquer instrumento decorrente dessa disposição pela qual as autoridades competentes de um Estado‑Membro concedem a uma entidade o direito exclusivo de, por sua conta e risco, proceder à prospeção, pesquisa ou produção de hidrocarbonetos numa determinada área geográfica», podendo a autorização ser concedida para cada atividade em separado ou simultaneamente para várias atividades.

5.        O artigo 2.° da Diretiva 94/22 dispõe o seguinte:

«1. Os Estados‑Membros continuarão a ter o direito de determinar quais as zonas dos seus territórios onde podem ser exercidas a prospeção, a pesquisa e a produção de hidrocarbonetos.

2. Quando sejam abertas áreas ao exercício das atividades enumeradas no n.° 1, os Estados‑Membros garantirão que não haverá discriminação entre as entidades no que respeita ao acesso e ao exercício dessas atividades.

Contudo, os Estados‑Membros podem, por razões de segurança nacional, recusar o acesso a essas atividades e seu exercício a entidades efetivamente controladas por países terceiros ou por nacionais de países terceiros.»

6.        Em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, da mesma diretiva, os Estados‑Membros adotarão «as disposições necessárias para que as autorizações sejam concedidas no termo de um procedimento em que todas as entidades interessadas possam apresentar pedidos». O n.° 5, alínea b), deste mesmo artigo 3.° dispõe que não é considerada concessão de autorização na aceção do n.° 1 «a concessão de uma autorização a uma entidade titular de outra forma de autorização, quando a detenção desta última implique um direito à concessão da primeira».

7.        Nos termos do artigo 5.° da Diretiva 94/22, os Estados‑Membros adotarão as disposições necessárias para que:

«1) As autorizações sejam concedidas com base em critérios relativamente, em todos os casos:

a) Às capacidades técnicas e financeiras das entidades;

e

b) À forma como as entidades se propõem prospetar, pesquisar e/ou iniciar a produção na área geográfica em causa,

e, eventualmente:

c) Ao preço que a entidade está disposta a pagar pela autorização, se esta for colocada à venda;

d)Se, após avaliação nos termos dos critérios referidos nas alíneas a), b) e, eventualmente, c), duas ou mais autorizações tiverem igual mérito, a outros critérios relevantes, objetivos e não discriminatórios, com vista a uma escolha definitiva da proposta.

[…]

Após a sua elaboração, os critérios serão publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias antes do início do prazo para a apresentação das propostas. Os Estados‑Membros que já tiverem publicado os critérios nos respetivos jornais oficiais poderão limitar‑se a publicar no Jornal Oficial das Comunidades Europeias uma referência à publicação nos seus jornais oficiais. No entanto, qualquer alteração de critérios deverá ser integralmente publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

2) As condições e exigências relativas ao exercício ou à cessação da atividade, aplicáveis a cada tipo de autorizações por força de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas em vigor na data de apresentação das propostas, quer façam parte da autorização quer a sua aceitação prévia seja condição para a concessão, sejam definidas e permanentemente colocadas à disposição das entidades interessadas. No caso previsto na alínea a) do n.° 2 do artigo 3.°, as condições e exigências poderão ser colocadas à disposição apenas a partir da data em que os pedidos de autorização possam ser apresentados.

3) Qualquer alteração das condições e exigências no decurso do processo seja notificada a todas as entidades interessadas.

4) Os critérios, condições e exigências referidos no presente artigo sejam aplicados de forma não discriminatória.

5) Qualquer entidade cujo pedido de autorização tenha sido recusado seja informada, se o pretender, dos motivos dessa decisão.»

B ―    A legislação polaca

8.        Na sua ação por incumprimento, a Comissão alega que a lei polaca sobre a atividade geológica e de extração de 4 de fevereiro de 1994 (3) é incompatível com o direito da União.

9.        Em conformidade com o artigo 7.° dessa lei, as jazidas minerais que não entrem na composição do solo pertencem ao Tesouro Público, que pode dispor do seu direito sobre elas através da constituição de um «direito de usufruto de concessão mineira» (n.os 1 e 2).

10.      Nos termos do artigo 2.° da Lei de 2 de julho de 2004 relativa à liberdade de exercício de uma atividade económica (4), a prospeção, a pesquisa e a produção de jazidas minerais são atividades económicas por ela regidas.

11.      Segundo afirmou a República da Polónia (alegações de defesa, ponto 25), o exercício de uma atividade de prospeção, pesquisa ou produção de hidrocarbonetos exige, em aplicação das disposições conjugadas da lei relativa à liberdade de exercício de uma atividade económica e da lei sobre atividade geológica e de extração, a obtenção de uma autorização concedida pelo Ministro do Ambiente.

12.      Deste modo, na Polónia, a «autorização» para exercer estas atividades, na aceção da Diretiva 94/22, seria constituída por dois elementos: de um lado, um contrato de constituição de um «direito de usufruto de concessão mineira» e, por outro, uma autorização administrativa.

13.      Em conformidade com o artigo 9.° da lei sobre a atividade geológica e de extração, o titular do direito de usufruto, dentro dos limites estabelecidos pelo contrato e com exclusão de outrem, pode exercer atividades de prospeção, pesquisa e produção de um determinado mineral. Dentro desses limites, o usufrutuário da concessão mineira também pode «dispor do seu direito».

14.      O artigo 10.° da lei sobre a atividade geológica e de extração dispõe que a constituição do direito de usufruto de concessão mineira «terá lugar mediante um acordo, a troco de uma compensação, e está sujeito à obtenção de uma autorização» (n.° 1). O direito de usufruto da concessão mineira cessa em caso de caducidade ou revogação da autorização (n.° 3).

15.      Nos termos do artigo 11.°, n.° 2, da lei sobre a atividade geológica e de extração, «sem prejuízo do disposto no artigo 12.°, n.° 1, a constituição de um direito de usufruto de concessão mineira que abranja a prospeção, pesquisa e produção de gás natural, petróleo e seus derivados naturais […] está dependente de concurso público.»

16.      Por outro lado, o referido artigo 12.°, n.° 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração dispõe que «o empresário que tenha identificado e documentado uma jazida mineral pertencente ao Tesouro e que tenha preparado a documentação geológica com a precisão exigida para obter a concessão da extração mineira pode requerer que seja constituído a seu favor um direito de usufruto de concessão mineira preferencial». Nos termos do artigo 12.°, n.° 3, este direito de preferência cessa decorridos que sejam dois anos sobre a receção do ofício pelo qual a competente autoridade administrativa aprova a documentação geológica em causa.

17.      O artigo 15.°, n.° 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração dispõe que é exigida uma autorização para: «1) a prospeção ou pesquisa de jazidas minerais, 2) a exploração de minerais […]». O n.° 2 deste artigo remete, em tudo o que não estiver previsto nesta lei, para a lei relativa à liberdade de exercício de uma atividade económica anteriormente referida.

18.      Nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração, a concessão de uma autorização pode ser subordinada à constituição de uma garantia suscetível de fazer face a eventuais reclamações surgidas em consequência do exercício das atividades abrangidas nessa autorização, desde que tal seja justificado por um interesse do Estado ou por um interesse público particularmente importantes, designadamente um interesse ligado à proteção do ambiente.

19.      O artigo 18.°, n.° 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração refere, entre os elementos que devem instruir o pedido de concessão de uma autorização de extração, o número de inscrição do requerente no registo de empresários ou no registo de atividades económicas [ponto 2. b)]. Por outro lado, o artigo 20.°, n.° 2, estabelece que esse pedido deve conter também um comprovativo de que o requerente tem efetivamente o direito de utilizar a documentação geológica para pedir a autorização [ponto 1)].

20.      Por fim, o artigo 47.°, n.° 1, da mesma lei dispõe que «o Tesouro tem direito à informação obtida em consequência da realização de trabalhos geológicos», acrescentando, no seu n.° 2, que pode dispor desse direito nas condições do n.° 3, segundo o qual «quem tiver suportado as despesas de realização de trabalhos geológicos levados a efeito com base em decisões proferidas em aplicação da presente lei tem o direito exclusivo de utilizar, sem qualquer encargo, a informação geológica para fins científicos e de investigação e para exercer as atividades regulamentadas na lei. Este direito cessa decorridos que sejam 5 anos sobre a data em que deixou de vigorar a decisão que autorizou os trabalhos que deram lugar à existência dessa informação ou que tenha permitido o exercício de qualquer outra das atividades previstas nesta lei ou noutras regulamentações. Quem tenha direito a utilizar a informação geológica obtida deste modo pode facultar o seu acesso a outrem, salvo disposição em contrário de autorização ou decisão que aprove um programa de trabalhos geológicos».

II ― O procedimento pré‑contencioso

21.      A Comissão dirigiu à Polónia uma notificação para cumprir, datada de 23 de março de 2007, em que assinalava a falta de cumprimento das obrigações decorrentes do artigo 2.°, n.° 2, do artigo 3.°, n.° 1 e do artigo 5, pontos 1) e 2), da Diretiva 94/22. A Polónia deu resposta à notificação, por ofício de 25 de maio de 2007, alegando que a autorização prevista na Diretiva 94/22 foi transposta para o direito polaco pelas duas figuras jurídicas previstas na lei sobre a atividade geológica e de extração: «direito de usufruto de concessão mineira» e a autorização, sendo que o «direito de usufruto de concessão mineira» é um direito subjetivo cuja existência não é suficiente para exercer as atividades previstas na lei sobre a atividade geológica e de extração, enquanto a autorização relativa a uma das atividades reguladas pela referida lei é um caso de autorização para exercer um direito subjetivo consoante as modalidades determinadas.

22.      Em 31 de janeiro de 2008, a Comissão transmitiu um parecer fundamentado à República da Polónia, mantendo a totalidade dos fundamentos de incumprimento apresentados até essa data. O Governo polaco respondeu a esse parecer por ofício de 20 de março de 2008. Nesse ofício, a República da Polónia afirmava que, «no âmbito dos trabalhos preparatórios da nova lei sobre a atividade geológica e de extração, foram definidos novos princípios para a concessão de autorizações de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos na Polónia. As novas disposições suprimem as disposições que suscitam as dúvidas da Comissão Europeia no que respeita ao processo de constituição do direito de usufruto de concessão mineira».

23.      Após lhe ter enviado o projeto da nova lei sobre a atividade geológica e de extração, em 12 de junho de 2008, o Governo polaco, por ofício de 27 de abril de 2010, comunicou à Comissão que esse projeto tinha sido remetido ao Parlamento nacional em 18 de novembro de 2008, mas que, em consequência da complexidade e da duração dos debates, não foi possível aprová‑lo no decurso de 2009 (5).

III ― Tramitação do processo no Tribunal de Justiça: pedidos das partes

24.      Em 3 de dezembro de 2010, a Comissão propôs uma ação por incumprimento no Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 258.° TFUE, a que se seguiram os articulados de contestação, réplica e tréplica entre a demandante e o Estado‑Membro demandado.

25.      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

¾        Declare que a República da Polónia, não tendo adotado as medidas necessárias para garantir que não haja discriminação entre as entidades interessadas no que respeita ao acesso às atividades de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos, que as autorizações para exercer essas atividades sejam concedidas no termo de um procedimento em que todas as entidades interessadas possam apresentar pedidos com base em critérios publicados no Jornal Oficial da União Europeia antes do início do prazo para a apresentação das propostas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2, n.° 1, do artigo 3.°, n.° 1 e do artigo 5.°, pontos 1) e 2), da Diretiva 94/22.

¾        Condene a República da Polónia nas despesas.

26.      Por seu lado, a República da Polónia pede ao Tribunal de Justiça que:

¾        Declare a ação inadmissível na íntegra e, subsidiariamente, a julgue integralmente improcedente.

¾        Condene a Comissão Europeia nas despesas.

IV ― Quanto à admissibilidade da ação

27.      O Governo polaco suscita a questão prévia da inadmissibilidade da ação com base nas divergências consideráveis existentes, em seu entender, entre os fundamentos invocados pela Comissão na fase pré‑contenciosa e os alegados na petição da ação por incumprimento.

28.      De acordo com jurisprudência assente, o procedimento previsto no artigo 258.° TFUE delimita o objeto da ação por incumprimento, de forma que esta última deve basear‑se nos mesmos argumentos e fundamentos que o parecer fundamentado (6). Todavia, esta exigência não pode ir até ao ponto de impor em todos os casos uma coincidência perfeita entre o enunciado das acusações na parte decisória do parecer fundamentado e nas conclusões da petição quando o objeto do litígio, tal como se define no primeiro, não tenha sido ampliado ou alterado (7).

29.      Por isso, no sentido de determinar se a questão prévia invocada pelo Governo polaco deve ser apreciada, confrontarei em seguida os argumentos da Comissão constantes da petição inicial da ação com o conteúdo do parecer fundamentado (A), para depois analisar, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a eventual pertinência, para efeitos da admissibilidade da ação, das divergências invocadas (B).

A ―    Os fundamentos da ação face ao conteúdo do parecer fundamentado

1.      Primeiro fundamento da ação

30.      No primeiro fundamento da ação, relativo a uma alegada violação do artigo 2.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 94/22, que prevê o acesso não discriminatório às atividades de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos, a Comissão alega a existência de uma dupla discriminação.

31.      A Comissão começa por referir a discriminação que se verifica em relação a entidades sediadas noutros Estados‑Membros, na medida em que, ao pedido de autorização deve juntar‑se o número de inscrição no registo de empresas ou no registo de atividades económicas na Polónia (artigo 18.°, n.° 1, ponto 2. b) da lei sobre a atividade geológica e de extração). Deve dizer‑se desde já que esta primeira parte do primeiro motivo não suscita qualquer problema quanto à admissibilidade, uma vez que está expressamente contemplado no ponto 78 do parecer fundamentado.

32.      Em segundo lugar, a Comissão refere uma eventual discriminação relativamente às entidades que, estando interessadas no exercício de uma atividade de produção de hidrocarbonetos, não tenham efetuado anteriormente trabalhos de prospeção e pesquisa na mesma zona e não tenham, assim, o direito à utilização exclusiva da documentação geológica. Na ação, a Comissão alega que a conjugação dos artigos 20.°, n.° 2, ponto 1), e 47.°, n.° 3, da lei sobre a atividade geológica e de extração dificulta que essas entidades possam obter uma autorização de produção, mesmo que a sua oferta no concurso público seja a mais vantajosa.

33.      Este fundamento não se encontra expressamente contemplado enquanto tal no parecer fundamentado: com efeito, ali apenas se refere, em termos gerais, que na segunda fase do processo de concessão (a correspondente à autorização) não existe um concurso público, mencionando‑se a título incidental o requisito respeitante à prova do direito de utilização da documentação geológica (ponto 76 do parecer fundamentado), mas sem se esclarecer de que forma a valoração desse direito de utilização pode dar origem à discriminação alegada pela Comissão.

2.      Segundo fundamento da ação

34.      O segundo fundamento da ação, relativo a uma eventual violação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 94/22, onde se prevê a obrigação de adotar um procedimento de concessão das autorizações «em que todas as entidades interessadas possam apresentar pedidos», divide‑se em duas partes.

35.      Em primeiro lugar, a Comissão considera que o requisito da concessão por concurso público exigido pelo artigo 3.° da Diretiva 94/22 só é preenchido na primeira fase («direito de usufruto de concessão mineira»), mas não na segunda, uma vez que a autorização é concedida mediante um procedimento «com base em títulos». Além do mais, a preferência reconhecida pelo artigo 12 da lei sobre a atividade geológica e de extração ao titular do direito de utilização da documentação geológica também seria contrária a esta exigência de um concurso público.

36.      Por seu lado, o parecer fundamentado expõe o argumento de que o concurso público só existe no que respeita ao direito de usufruto, mas não menciona o direito de preferência do artigo 12.° nem analisa as suas eventuais consequências.

37.      Em segundo lugar, a Comissão considera que a legislação polaca não preenche o requisito de o anúncio de concurso ser publicado no Jornal Oficial da União Europeia referindo igualmente o facto de a documentação dever ser apresentada em língua polaca (artigo 53.°, n.° 4, da lei sobre a atividade geológica e de extração), o que, em seu entender, pode dar origem a uma discriminação. Este fundamento não consta do parecer fundamentado.

3.      Terceiro fundamento da ação

38.      No terceiro fundamento da ação, relativo a uma eventual violação do artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 94/22, onde se estabelecem os critérios de concessão das autorizações, a Comissão alega que, por diversas razões, os critérios de avaliação não respeitam as exigências dessa diretiva.

39.      A Comissão começa por referir que o regulamento polaco de 2005 coloca «em pé de igualdade» os critérios das capacidades técnicas, financeiras e «tecnológicas» da empresa [previstos no artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Diretiva 94/22] adotando um critério puramente económico: o preço que a empresa esteja disposta a pagar como contrapartida da autorização. O parecer fundamentado não explica este fundamento de incumprimento em concreto. De qualquer forma, a Comissão prescindiu deste fundamento durante a audiência.

40.      Em segundo lugar, a Comissão refere que a concessão da autorização pode ser subordinada, em alguns casos, à constituição de uma garantia (artigo 17.° da lei sobre a atividade geológica e de extração), o que, em seu entender, seria contrário à Diretiva 94/22. O parecer fundamentado invoca este fundamento de incumprimento nos seus pontos 68 e 73.

41.      Finalmente, a Comissão considera que a legislação polaca não transpõe adequadamente o requisito da publicação dos critérios de avaliação no JOUE (artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 94/22) nem garante que sejam «permanentemente colocadas à disposição das entidades interessadas» (artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 94/22). Este fundamento é referido indiretamente nos pontos 68 e seguintes do parecer fundamentado.

B ―    As divergências alegadas e a sua pertinência para efeitos da admissibilidade da ação

42.      Em face do anteriormente exposto, adianto desde já que considero serem claramente admissíveis a primeira parte do primeiro fundamento (inscrição no registo) e a segunda e terceira partes do terceiro fundamento (garantia e publicação de critérios de valoração), uma vez que constam tanto da petição inicial da ação como do parecer fundamentado e sempre nos mesmos termos.

43.      Na minha opinião, pelo contrário, não se devem admitir nem a segunda parte do primeiro fundamento nem o segundo fundamento na íntegra.

44.      Exporei em seguida as razões do que proponho.

45.      Em primeiro lugar, no que se refere à segunda parte do segundo fundamento (respeitante, como ficou dito, à falta de cumprimento do requisito da publicação do anúncio de concurso no Jornal Oficial e à apresentação da documentação em polaco), na minha opinião não deve ser considerada admissível porque, como já referi, o parecer fundamentado não contém nenhuma referência, direta ou indireta, a tais argumentos. Daqui resulta que a abordagem da Comissão implica a introdução inesperada na ação de uma acusação sobre a qual a República da Polónia não teve possibilidade de se pronunciar na fase pré‑contenciosa, nem, sobretudo, a possibilidade de adotar então as medidas que eventualmente pudessem ter evitado a formalização, nesse ponto em concreto, na ação que veio a ser interposta no Tribunal de Justiça.

46.      No que respeita à segunda parte do primeiro fundamento e à primeira parte do segundo fundamento, a abordar em conjunto, há que assinalar, em primeiro lugar, que o parecer fundamentado parte do pressuposto de que a regulamentação polaca viola a Diretiva 94/22 na medida em que o concurso só é previsto para a primeira fase do procedimento de autorização (a constituição de um «direito de usufruto de concessão mineira»), mas já não para a segunda fase (a autorização propriamente dita), onde impera um procedimento baseado em títulos. Assim sendo, e de acordo com o parecer fundamentado, o sistema polaco exigiria determinadas condições adicionais uma vez finalizada a fase efetivamente competitiva do processo de adjudicação da autorização; condições que poderiam ter como consequência que o candidato melhor classificado na primeira fase fosse excluído na segunda e última fase, isto é, a da autorização stricto sensu. (ponto 64 do parecer fundamentado).

47.      O problema identificado relativamente a este ponto do parecer fundamentado é, assim, que o candidato selecionado no concurso público organizado para a constituição do direito de usufruto de concessão mineira não tem qualquer garantia de poder vir a ter acesso ao exercício efetivo da atividade sujeita a autorização (ponto 75 do parecer fundamentado).

48.      No entanto, a ação interposta pela Comissão faz uma análise visivelmente diferente: torna a desenvolver a ideia de que a autorização é obtida sem concurso público, mas centra‑se sobretudo no facto de a lei polaca atribuir um direito de utilização exclusivo e um direito de preferência a quem tenha redigido a documentação geológica, alegando que tais disposições permitiriam subverter qualquer exigência de concurso, pois colocam o titular de um prévio direito de usufruto de concessão mineira para atividades de pesquisa e prospeção numa evidente situação de vantagem para a obtenção do direito de usufruto para a atividade de produção e, assim, para acabar por conseguir a autorização administrativa para o exercício da atividade de extração ou produção (8). Esta ideia, fundamental na ação, não consta todavia do parecer fundamentado, que nem sequer faz qualquer referência expressa aos artigos 12.° e 47.°, n.° 3, da lei sobre a atividade geológica de extração (9), normas estas que, como se disse, são ambas fundamentais na argumentação contida nos primeiro e segundo fundamentos da ação de incumprimento.

49.      Claro que, como já se referiu, a jurisprudência não exige uma coincidência perfeita entre o enunciado das acusações na parte decisória do parecer fundamentado e as conclusões da petição. Apesar disso, considero que a argumentação baseada nos artigos 12.° e 47.°, n.° 3, da lei sobre a atividade geológica e de extração é suficientemente importante na elaboração dos dois primeiros fundamentos para que se possa considerar que a sua introdução na petição implica uma alteração ou ampliação do objeto do litígio definido no parecer fundamentado. Na minha opinião, será excessivo defender que se trata simplesmente de novas explicações ou desenvolvimentos, como afirma a Comissão.

50.      Segundo a jurisprudência, o procedimento pré‑contencioso tem por objetivo «dar ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de, por um lado, dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário e de, por outro, apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão. A regularidade desse procedimento constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado não apenas para a proteção dos direitos do Estado‑Membro em causa mas também para assegurar que o eventual processo contencioso tenha por objeto um litígio claramente definido» (10).

51.      Assim, entendo que a definição do objeto do litígio foi consideravelmente alterada entre a fase pré‑contenciosa e a ação interposta no Tribunal de Justiça, o que resulta num prejuízo para a segurança jurídica e os direitos de defesa da República de Polónia, à qual, no processo pré‑contencioso não foi claramente comunicado, «de forma coerente e precisa», como exige a jurisprudência (11), que o direito de preferência e o direito exclusivo contidos nos artigos 12.° e 47.° da sua lei sobre a atividade geológica e de extração violavam os requisitos da Diretiva 94/22. E tal retirou‑lhe a possibilidade de cumprir, em tempo útil, as suas obrigações decorrentes do direito da União e de, posteriormente, apresentar os argumentos que considerasse necessários a fim de justificar a respetiva legislação.

52.      De tudo o anteriormente exposto resulta, em meu entender, que se deve julgar improcedente a questão prévia da inadmissibilidade no que respeita à primeira parte do primeiro fundamento e à segunda e terceira partes do terceiro fundamento.

53.      Em contrapartida, a referida exceção deve ser julgada procedente no que respeita à segunda parte do primeiro fundamento e à totalidade do segundo fundamento, declarando‑se a respetiva inadmissibilidade.

54.      Apesar disso, e a título meramente subsidiário no que diz respeito aos fundamentos que, na minha opinião, são inadmissíveis, analisarei em seguida os três fundamentos da ação na íntegra, com a única exceção, obviamente, da primeira parte do terceiro fundamento, do qual a Comissão expressamente prescindiu no decurso da audiência.

V ―    Análise dos fundamentos do incumprimento

A ―    Considerações prévias: descrição sumária da legislação controvertida

55.      Previamente à análise dos fundamentos do incumprimento, parece ser imprescindível analisar em pormenor a descrição da legislação polaca, nos termos em que deu origem à ação por incumprimento.

56.      O regime polaco de acesso às atividades de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos era fundamentalmente regulado, à data do parecer fundamentado, na lei sobre a atividade geológica e de extração de 4 de fevereiro de 1994 e suas posteriores alterações.

57.      O regime previsto na referida lei é desde logo caracterizado pela presença de dois títulos distintos (o «direito de usufruto de concessão mineira» e a autorização) ― de cuja junção resultaria a «autorização» nos termos previstos na Diretiva 94/22 ―, bem como pelo facto de atribuir alguma preferência na concessão da autorização de produção à empresa que previamente tenha efetuado as pesquisas e documentado uma determinada jazida.

58.      Assim sendo, para o exercício de atividades de prospeção, de pesquisa ou de produção de hidrocarbonetos é necessário obter tanto um direito de usufruto de concessão mineira como uma autorização. Estes dois títulos são inseparáveis, no sentido de que, por exemplo, se a autorização for revogada ou caducar, extingue‑se também o usufruto (artigo 10.°, n.° 3, da lei sobre a atividade geológica e de extração).

59.      O contrato de constituição do «direito de usufruto de concessão mineira» é uma espécie de «título civil». Regra geral, é concedido mediante o correspondente concurso público (artigo 11.°, n.os 1 e 2, da lei sobre a atividade geológica e de extração). Com exceção, todavia, do facto de a empresa que efetuou as pesquisas e redigiu a documentação geológica sobre uma determinada jazida (presumivelmente no exercício de uma prévia autorização de prospeção e pesquisa) poder, durante dois anos, requerer que se lhe seja concedido preferencialmente (e com exclusividade) o direito de usufruto de concessão mineira para a produção de hidrocarbonetos nessa jazida (artigo 12.° da lei sobre a atividade geológica e de extração) (12).

60.      De qualquer forma, parece claro que a empresa a quem se tenha sido concedido o direito de usufruto de concessão mineira não pode exercer imediatamente essa atividade, devendo para tanto requerer um «título administrativo», isto é, a autorização.

61.      Por seu lado, a concessão da autorização não é precedida de qualquer concurso público. Na verdade, apenas pode ser pedida pela empresa à qual tenha sido concedido o direito de usufruto, de modo que o procedimento subsequente limita‑se assim à verificação dos requisitos e da documentação exigida pela legislação polaca para o exercício de atividades de extração. Entre esses requisitos cumpre salientar a aqui impugnada inscrição prévia da entidade requerente no registo de empresas ou no registo de atividades económicas (artigo 18.°, n.° 1, ponto 2, alínea b), da lei sobre a atividade geológica e de extração) e, em alguns casos, a constituição, também objeto do presente litígio, de uma garantia (artigo 17.° da lei sobre a atividade geológica e de extração).

62.      Além disso, no caso de ter sido pedida uma autorização de produção, é necessário que a empresa seja titular do direito de utilização da documentação geológica anteriormente referida (artigo 20.°, n.° 2, ponto 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração). Neste sentido, e nos termos da legislação polaca, geralmente, a documentação geológica pertence ao Tesouro (artigo 47.°, n.° 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração), mas a empresa requerente pode ter o direito de utilização exclusiva dessa documentação na sequência de uma prévia atividade de pesquisa. No caso de esta empresa não pretender explorar por si própria a jazida, pode vender o seu direito de utilização exclusiva da documentação geológica a outra empresa. Passados cinco anos, esse direito de utilização reverte para o Tesouro (artigo 47.°, n.° 3, da lei sobre a atividade geológica e de extração).

B ―    Primeiro fundamento da ação: Violação do artigo 2.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 94/22, que prevê o acesso não discriminatório às atividades de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos

63.      O primeiro fundamento da ação divide‑se em duas partes:

1.      Primeira parte do primeiro fundamento

64.      Na primeira parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que, ao exigir, no artigo 18.°, n.° 2, ponto 2, alínea b), da lei sobre a atividade geológica e de extração, que ao pedido de autorização seja junto o número de inscrição no registo de empresas ou no registo de atividades económicas na Polónia, a legislação polaca dá origem a uma situação de discriminação em relação a entidades sedeadas noutros Estados‑Membros, que não poderão pedir a concessão de uma autorização se não estiverem previamente inscritas na Polónia.

65.      A Comissão invocou a este respeito o acórdão de 22 de dezembro de 2010, Yellow Cab Verkehrsbetrieb (13). Neste, o Tribunal de Justiça afirmou que «exigir que um operador económico, estabelecido noutro Estado‑Membro e pretendente a uma autorização de exploração de uma linha regular de transporte de passageiros em autocarro no Estado‑Membro de acolhimento, disponha de uma sede ou de outro estabelecimento no território deste último Estado, mesmo antes de a exploração desta linha lhe ser concedida, comporta um efeito dissuasivo. Com efeito, um operador económico normalmente prudente não está disposto a fazer investimentos, eventualmente importantes, na total incerteza quanto à obtenção dessa autorização» (14). Por tal motivo, e na medida em que esta exigência não se afigurava de maneira nenhuma justificada pelos objetivos então invocados pelo Governo austríaco, o Tribunal de Justiça decidiu que a mesma constituía uma restrição à liberdade de estabelecimento, a não ser que fosse aplicada após a concessão da autorização e antes de o empresário iniciar a exploração da linha (15).

66.      No presente caso, o mencionado artigo da lei sobre a atividade geológica e de extração dispõe que a inscrição deve ser comprovada juntamente com o pedido de autorização. A República da Polónia alegou que no momento do pedido já é praticamente «seguro» que se venha a exercer a atividade, porque o processo de concessão da autorização é uma mera formalidade sendo que o pedido só é apresentado por quem já tenha obtido, em concurso público prévio, o direito de usufruto à concessão mineira.

67.      No entanto, o certo é que, embora já tendo obtido esse direito de usufruto, a empresa que pretenda exercer uma atividade de extração tem ainda que preencher outros requisitos para obter a autorização. Assim, e como já tivemos oportunidade de expor, o da constituição de uma garantia ou, no caso das atividades de extração, o de comprovar o direito à utilização da documentação geológica. Na medida em que a empresa requerente possa não cumprir estes requisitos, devemos pensar que nesta fase se mantém um grau de incerteza suficiente para que não se possam considerar afastados os efeitos dissuasivos a que se refere o acórdão Yellow Cab.

68.      Consequentemente, entendo que deve proceder a primeira parte do primeiro fundamento da ação.

2.      Segunda parte do primeiro fundamento

69.      Na segunda parte do primeiro fundamento da ação, a Comissão alega que também existe discriminação relativamente às entidades que, estando interessadas em exercer uma atividade de produção de hidrocarbonetos, não tenham efetuado anteriormente quaisquer trabalhos de pesquisa na zona e carecem, portanto, do direito de utilização exclusiva da documentação geológica. E isto é assim porque, na sua opinião, a conjugação dos artigos 20.°, n.° 2, ponto 1, e 47.°, n.° 3, da lei sobre a atividade geológica e de extração faz com que a detenção dessa documentação geológica apareça como um requisito necessário ao pedido de autorização.

70.      Esta segunda parte do primeiro fundamento coincide parcialmente com a primeira parte do segundo, pelo que analisarei ambas em conjunto.

C ―    Segundo fundamento da ação: Violação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 94/22, que prevê a obrigação de adotar um procedimento para a concessão das autorizações em que todas as entidades interessadas possam apresentar pedidos

71.      Este segundo fundamento também se divide em duas partes:

1.      Primeira parte do segundo fundamento (parcialmente coincidente com a segunda parte do primeiro fundamento)

72.      Na primeira parte do segundo fundamento, a Comissão alega que o requisito da concessão mediante concurso prévio exigido pelo artigo 3.° da Diretiva 94/22 apenas é respeitado na primeira fase (constituição do «direito de usufruto de concessão mineira»), mas já não na segunda, uma vez que a autorização é concedida através de um processo «baseado em títulos». Além disso, a Comissão considera que a preferência atribuída ao titular do direito de utilização da documentação geológica também é contrária a esta exigência de concurso prévio.

73.      A este respeito, a Comissão admite que nada impede que a autorização seja concedida em duas fases desde que cada uma delas seja decidida por concurso público.

74.      A República da Polónia responde que é suficiente a existência de adjudicação para a constituição do direito de usufruto de concessão mineira, uma vez que o processo de concessão da autorização não é mais do que uma espécie de «formalidade», embora obrigatória, em que apenas participa a empresa a favor de quem foi constituído o direito de usufruto.

75.      Com base nisso, o Governo polaco entende que nada impede a existência de uma autorização com duas fases e que, na segunda delas, intervenha um direito de preferência. Na sua opinião, essa possibilidade seria abrangida pelo artigo 3.°, n.° 5, alínea b), da Diretiva 94/22, nos termos do qual «não é considerada concessão de autorização» (não exigindo, assim, concurso) «a concessão de uma autorização a uma entidade titular de outra forma de autorização, quando a detenção desta última implique um direito à concessão da primeira».

76.      A Comissão argumenta que esse preceito se refere a uma hipótese completamente diferente: o de uma autorização de produção de hidrocarbonetos concedida através de um «ato jurídico de caráter geral que abrange muitas entidades, como por exemplo uma lei ou um regulamento» e uma série de «autorizações individuais posteriores contidas nas decisões administrativas adotadas com base no regulamento/na lei anteriores», que decorrem da primeira e que, assim, não exigem concurso público para a sua concessão.

77.      A Comissão não teve oportunidade de esclarecer na audiência quais as circunstâncias em que se pode verificar um caso deste género pelo que, na minha opinião, a sua argumentação a este respeito não é suficientemente convincente. Seja como for, não creio que o artigo 3.°, n.° 5, alínea b), da diretiva, se possa aplicar neste caso, na medida em que a dupla preferência prevista pela lei polaca, como veremos em seguida, faz com que nem sequer na primeira fase do processo seja garantida a existência de concurso público.

78.      Efetivamente, os artigos 12.°, 20.°, n.° 2, ponto 1), e 47.°, n.° 3, da lei sobre a atividade geológica e de extração polaca preveem uma preferência e um direito de utilização exclusiva a favor de quem tenha realizado previamente atividades de pesquisa e prospeção. Por um lado, a lei atribui a preferência na obtenção do direito de usufruto de concessão mineira ao empresário que redigiu a documentação geológica (artigo 12.°, n.° 1); e, por outro lado, a lei confere‑lhe ainda um direito exclusivo à utilização dessa documentação (artigo 47.°, n.° 3), sem a qual não é possível sequer pedir a autorização necessária às atividades de pesquisa (artigo 20.°, n.° 2, ponto 1).

79.      Com efeito, o artigo 12.° da lei sobre a atividade geológica e de extração atribui preferência ― durante dois anos e perante qualquer outra entidade ― para pedir a constituição do usufruto de concessão mineira a quem tenha identificado e documentado uma jazida mineral e redigido a respetiva documentação geológica.

80.      Por outro lado, nos termos do artigo 47.°, n.° 3, da lei, a empresa que custeou as despesas dos trabalhos geológicos de prospeção e pesquisa tem direito de utilização exclusiva, durante cinco anos, a documentação geológica por ela redigida. Em consequência, durante este período a referida entidade tem praticamente assegurada a autorização, pois, de acordo com o artigo 20.°, n.° 2, ponto 1), da lei, o direito de utilização da documentação geológica é um requisito indispensável para apresentar o correspondente pedido de concessão da autorização. Só quem detém essa documentação é que pode, afinal, aceder efetivamente à segunda fase do processo de autorização.

81.      Deste modo, embora o direito de usufruto de concessão mineira pudesse ser constituído a favor de outra empresa através de concurso público convocado para esse efeito (16), na prática, a conjugação dos artigos 47.°, n.° 3, e 20.°, n.° 2, ponto 1, da lei faz com que, nesse período de cinco anos, a empresa usufrutuária só possa obter a autorização se o empresário que detém o direito de utilização exclusiva da documentação geológica concordar em disponibilizar‑lha. Neste sentido há que salientar que, tal como foi possível constatar na audiência, esse direito de utilização exclusiva pode ser objeto de um contrato de compra e venda. Por fim, e no que aqui interessa, não se verificando nenhuma destas duas situações, de nada serviria àquela empresa o direito de usufruto de concessão mineira obtido na adjudicação.

82.      O governo polaco pretende justificar esta consequência com o argumento de que o direito de utilização exclusiva da documentação geológica e o direito de preferência atribuído ao seu titular constituem uma justa remuneração pelos investimentos efetuados na fase prévia de prospeção e pesquisa.

83.      Na minha opinião este argumento não pode ser aceite.

84.      Por mais que seja de considerar justificada a atribuição de uma remuneração a quem tenha suportado as despesas decorrentes da elaboração da documentação geológica, em caso algum esse investimento pode ser remunerado por forma a desvirtuar o procedimento de autorização até ao ponto de tornar ilusório o concurso público exigido pela Diretiva 94/22.

85.      E é isto que sucede ― ou, pelo menos, pode suceder ― ao abrigo do modelo polaco. O conjunto de preferências e direitos de utilização exclusiva previsto pela lei sobre a atividade geológica e de extração pode dar origem a casos em que o titular do direito de utilização exclusiva da documentação geológica obtenha o direito de usufruto de concessão mineira sem que tenha existido um verdadeiro concurso público. Esta será efetivamente inexequível se a preferência prevista pelo artigo 12.°, n.° 1, implica ― como o termo «preferência» parece prima facie indicar ― um verdadeiro direito preferencial na constituição do usufruto.

86.      Diferente é a questão de saber se essa «preferência» se traduz na previsão de que o investimento efetuado para redigir a documentação geológica constitui um mérito a ter em conta no concurso público; um mérito de extrema importância, por assim dizer, mas nunca ao ponto de determinar o resultado do concurso. Adequadamente ponderado, esse mérito pode constituir uma remuneração razoável do esforço de investimento, sem haver necessidade de chegar ao limite defendido pelo Governo polaco.

87.      Neste sentido, é preciso ter em conta, além do mais, que a detenção do direito de utilização exclusiva da documentação geológica não pode ser tão relevante no procedimento de autorização como decorre do sistema polaco. A titularidade desse direito comprova, desde logo, a detenção de uma aptidão necessária à elaboração da documentação geológica. No entanto, é óbvio que essa aptidão não pode ser suficiente, por si só, para comprovar as aptidões exigidas para efeitos da concessão de uma autorização de exploração de recursos minerais. Resumindo, parece claro que no modelo polaco se dá uma importância exagerada à posição das empresas aptas sobretudo a elaborar a documentação geológica, subordinando inteiramente aos seus interesses os daquelas que, além disso, possam fazer prova da capacidade para a exploração mineira.

88.      Finalmente, o regime polaco da «autorização» na aceção da Diretiva 94/22 desdobra‑se em duas fases (constituição do direito de usufruto e autorização propriamente dita) cujo destino pode depender inexoravelmente do exercício de um direito de utilização exclusiva da documentação geológica necessária para que a produção dos recursos minerais possa ser efetivamente autorizada. Direito de utilização exclusiva que é reconhecido a quem tenha obtido documentação geológica com base em atividades de pesquisa e análise que, de acordo com o artigo 33.°, n.° 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração, nem sempre exigem uma autorização e, por conseguinte, também não resultam de concurso público.

89.      Consequentemente, dado que a legislação polaca permite que, em determinadas circunstâncias, a autorização necessária para as atividades de prospeção, pesquisa e produção seja concedida através um procedimento em que não há um verdadeiro concurso, entendo que deve proceder integralmente a primeira parte do segundo fundamento e a segunda parte do primeiro fundamento da ação da Comissão.

2.      Segunda parte do segundo fundamento

90.      Na segunda parte do segundo fundamento da ação, a Comissão alega que a legislação polaca não satisfaz o requisito da publicação do anúncio do concurso público no Jornal Oficial da União Europeia. Além disso, defende que o facto de a documentação desse procedimento dever ser apresentada em língua polaca pode gerar discriminação.

91.      No que respeita à publicação, parece efetivamente que esta exigência se verifica relativamente à constituição do direito de usufruto de concessão mineira. O procedimento para a adjudicação da autorização, por seu lado, não é objeto dessa publicação, provavelmente por não ter, justamente, caráter competitivo. Em todo o caso, a falta de publicação (e, em suma, a falta de transparência) própria deste procedimento constitui, por si só, outro incumprimento da diretiva que o Tribunal de Justiça também deve, na minha opinião, declarar.

92.      No que se refere ao requisito da língua da documentação do concurso, o Governo polaco recorda que o direito da União não impõe aos organismos nacionais a obrigação de aceitarem documentação numa língua que não seja a oficial do Estado‑Membro, argumento que não posso deixar de subscrever.

93.      Assim, entendo que deve proceder a segunda parte do segundo fundamento da ação da Comissão no ponto em que se alega que o procedimento para a adjudicação da autorização não é objeto de publicação no Jornal Oficial da União.

D ―    Terceiro fundamento da ação: Violação do artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 94/22, no qual se estabelecem os critérios de concessão das autorizações

94.      Este terceiro fundamento da ação dividia‑se inicialmente em três partes, tendo a Comissão desistido expressamente da primeira na audiência, pelo que me limitarei, nestas conclusões, à segunda e terceira partes que, como já ficou dito, não apresentam, em meu entender, qualquer problema de admissibilidade.

1.      Segunda parte do terceiro fundamento: constituição da garantia

95.      A Comissão verifica que, em conformidade com o artigo 17.° da lei sobre a atividade geológica e de extração polaca, a concessão da autorização pode ser subordinada, nalguns casos, à constituição de uma garantia, exigência que, na sua opinião, não é abrangida pela Diretiva 94/22.

96.      Por um lado, a Comissão entende que a exigência de uma garantia não pode considerar‑se justificada pelo facto de que, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 94/22, os Estados‑Membros devem valorar a capacidade económica dos concorrentes nos procedimentos de concessão. A Comissão afirma, designadamente, que a lei polaca enferma de uma certa falta de precisão na exigência deste requisito, que a autoridade competente pode impor sempre que tal seja justificado por «um interesse do Estado ou por um interesse público particularmente importantes, designadamente um interesse ligado à proteção do ambiente» (artigo 17.°, n.° 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração).

97.      Por outro lado, a Comissão alega que o artigo 6.°, n.° 2, da diretiva, que permite aos Estados‑Membros impor, em determinadas circunstâncias (razões de segurança nacional, segurança pública, saúde pública, proteção do ambiente, etc.), «condições e exigências [relativas ao exercício]» das atividades sujeitas a autorização, também não é suficiente para, ao seu abrigo, permitir a imposição de uma exigência económica deste género. Na opinião da Comissão, este preceito refere‑se às condições de exercício das atividades, não aos requisitos necessários para a adjudicação da autorização.

98.      Em meu entender, embora seja certo que o teor literal do artigo 6.°, n.° 2, da Diretiva 94/22 é suscetível de criar confusão (na medida em que faz referência a «condições e exigências [relativas ao exercício» das atividades sujeitas a autorização]), uma leitura conjunta deste preceito e do artigo 6.°, n.° 1, leva a concluir que, afinal, se trata de exigências destinadas a garantir a capacidade do requerente da autorização para desenvolver a atividade.

99.      O artigo 6.°, n.° 1, efetivamente, remete para as condições referidas no artigo 5.°, n.° 2, da diretiva, que fala em «condições e exigências relativas ao exercício […] da atividade aplicáveis a cada tipo de autorizações por força de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas em vigor na data de apresentação das propostas, que façam parte da autorização quer a sua aceitação prévia seja condição para a concessão» (17), e não parece que o artigo 6.°, n.° 2, queira referir‑se exclusivamente a exigências que surjam posteriormente, quando a adjudicação da autorização já tenha ocorrido.

100. Por outro lado, uma distinção deste género carece totalmente de sentido num contexto jurídico como o que aqui está em causa. Na minha opinião, portanto, a previsão do artigo 17.°, n.° 1, da lei sobre a atividade geológica e de extração pode constituir uma aplicação legítima do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), ou do artigo 6.°, n.° 2, da Diretiva 94/22, na medida em que a exigência da constituição de uma garantia deve ser justificada por razões de interesse público (globalmente previstas neste último preceito).

101. De resto, a exigência de uma garantia destinada a cobrir a responsabilidade que possa decorrer do exercício da atividade é, na minha opinião, adequada ao objetivo de garantir que a entidade tem a «capacidade económica» suficiente e para fazer face à necessidade de proteger um interesse público «particularmente importante».

102. Assim, entendo que deve improceder a segunda parte do terceiro fundamento da ação.

2.      Terceira parte do terceiro fundamento

103. Por último, a Comissão considera que a legislação polaca não transpõe adequadamente o requisito da publicação dos critérios de avaliação no Jornal Oficial da União Europeia «antes do início do prazo para a apresentação das propostas» (artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 94/22), nem garante que «as condições e exigências relativas ao exercício ou à cessação da atividade» sejam «permanentemente colocadas à disposição das entidades interessadas» (artigo 5.°, n.° 2, da diretiva).

104. Por um lado, a Comissão entende que a República da Polónia não adotou as medidas necessárias para garantir uma publicação clara e eficaz dos critérios de avaliação das propostas no Jornal Oficial da União Europeia, pois, embora exista uma disposição regulamentar que prevê expressamente essa publicação, na prática, o Governo polaco limitou‑se a dar cumprimento à referida disposição publicando «as três categorias de critérios de avaliação das propostas», remetendo a determinação concreta do conteúdo desses critérios para um documento designado por «condições detalhadas do concurso público relativo à constituição de direitos de usufruto de concessão mineira para a prospeção e exploração de jazidas de petróleo e de gás natural em certas zonas concessionadas», que podia ser pedido ao departamento competente do Ministério do Ambiente.

105. Por outro lado, a Comissão alega que a comunicação de informações específicas sobre as condições de exercício da atividade económica objeto da autorização só tem lugar após a abertura do procedimento para a concessão da autorização. Essa comunicação seria, portanto, ineficaz, pois a entidade adjudicatária do direito de usufruto de concessão mineira (que, segundo o Governo polaco, será automaticamente beneficiária da autorização) não teria tido a possibilidade de conhecer todas as condições de exercício da atividade no momento do concurso.

106. Não posso deixar de considerar procedentes estes argumentos da Comissão.

107. No que respeita, designadamente, ao incumprimento da obrigação de transpor o requisito da publicação dos critérios de avaliação no Jornal Oficial da União Europeia (artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 94/22), entendo que a legislação polaca não é suficientemente clara neste ponto, o que, na prática, deu origem a um cumprimento pouco rigoroso do requisito da publicação, que se resumiu a um enunciado das categorias dos critérios de avaliação em vez de conter uma exposição mais pormenorizada do conteúdo desses critérios.

108. Entendo, portanto, que se deve julgar procedente a terceira parte do terceiro fundamento da ação.

VI ― Despesas

109. Em conformidade com o artigo 138.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal deve determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

VII ― Conclusão

110. Assim, proponho ao Tribunal de Justiça que decida este processo nos seguintes termos:

Julgar inadmissível a segunda parte do primeiro fundamento da ação e o segundo fundamento na íntegra.

A título subsidiário, declarar que, não tendo adotado as medidas necessárias para garantir que o acesso às atividades de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos se verifique no termo de um concurso público em que todas as entidades interessadas possam apresentar pedidos com base em critérios publicados no Jornal Oficial da União Europeia antes do início do prazo para apresentação dessas propostas, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, n.° 1, do artigo 3.°, n.° 1, e do artigo 5.°, pontos 1) e 2), da Diretiva 94/22.

Determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.


1 ―      Língua original: espanhol.


2 ―      JO L 164, p. 3.


3 ―      Alterada pela Lei de 22 de abril de 2005, a fim de transpor para a ordem jurídica polaca as disposições da Diretiva 94/22 após a adesão da Polónia à União Europeia (Dz. U. 2005 n.° 228, posição 1947).


4 ―      Dz. U. 2007 n.° 155, posição 1095.


5 ―      Finalmente, a nova lei foi aprovada em 9 de junho de 2011.


6 ―      V., por todos, acórdão de 8 de dezembro de 2005, Comissão/Luxemburgo (C‑33/04, Colet., p. I‑10629, n.° 36).


7 ―      Acórdãos de 11 de junho de 2002, Comissão/Espanha (C‑139/00, Colet., p. I‑6407, n.° 19); de 14 de julho de 2005, Comissão/Alemanha (C‑433/03, Colet., p. I‑6985), n.° 28); e de 7 de setembro de 2006, Comissão/Reino Unido (C‑484/04, Colet., p. I‑7471, n.° 25).


8 ―      V., por exemplo, os pontos 41 a 51 e 64 a 68 da petição inicial da Comissão.


9 ―      Na ação apenas se fazem algumas referências gerais aos «artigos 7.° a 29.°» e «15.° a 21.°» da lei sobre a atividade geológica e de extração (respetivamente, pontos 26 e 59 da petição inicial da Comissão).


10 ―      Acórdão de 16 de junho de 2005, Comissão/Itália (C‑456/03, Colet., p. I‑5335, n.os 36 e 37).


11 ―      V., por todos, o acórdão de 18 de dezembro de 2007, Comissão/Espanha (C‑186/06, Colet., p. I‑12093, n.° 18). Este acórdão declarou a inadmissibilidade de um dos fundamentos da ação interposta pela Comissão, na medida em que este alterou as acusações enunciadas no procedimento pré‑contencioso, violando as exigências de coerência e precisão já referidas.


12 ―      Existem, além do mais, uma série de áreas geográficas nas quais o direito de usufruto de concessão mineira é concedido sem necessidade de concurso público. Tal não foi posto em questão na presente ação e parece estar em conformidade com o artigo 3.°, n.° 3, da diretiva.


13 ―      Processo C‑338/09, Colet., p. I‑3927.


14 ―      N.° 37.


15 ―      N.os 38 a 40 do acórdão.


16 ―      Situação que, na realidade, só se pode verificar se o empresário que tenha redigido a documentação geológica decide não concorrer e, portanto, não beneficiar da preferência que lhe é reconhecida durante dois anos pelo artigo 12.°, n.° 1.


17 ―      O sublinhado é meu.