Language of document : ECLI:EU:T:2009:474

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

30 de Novembro de 2009 (*)

«Auxílios de Estado – Regime de sujeição da France Télécom ao imposto profissional durante os anos de 1994 a 2002 – Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum e ordena a sua recuperação – Vantagem – Prescrição – Confiança legítima – Segurança jurídica – Violação das formalidades essenciais – Colegialidade – Direitos de defesa e direitos processuais dos terceiros interessados»

Nos processos apensos T‑427/04 e T‑17/05,

República Francesa, representada inicialmente por G. de Bergues, R. Abraham e S. Ramet, e em seguida por G. de Bergues, S. Ramet e E. Belliard, e finalmente por G. de Bergues, E. Belliard e A.‑L. Vendrolini, na qualidade de agentes,

recorrente no processo T‑427/04,

France Télécom SA, com sede em Paris (França), representada inicialmente por A. Gosset‑Grainville e L. Godfroid, e em seguida por L. Godfroid, S. Hautbourg e M. van der Woude, advogados,

recorrente no processo T‑17/05,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Buendía Sierra e C. Giolito, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2005/709/CE da Comissão, de 2 de Agosto de 2004, relativa ao auxílio estatal concedido pela França à France Télécom (JO 2005, L 269, p. 30),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen (relator), juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Novembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1.     Regras aplicáveis aos auxílios de Estado

1        Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE, salvo disposição em contrário do Tratado CE, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

2        O artigo 88.°, n.° 2, CE dispõe que, se a Comissão das Comunidades Europeias, após ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.° CE, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.

3        O artigo 88.°, n.° 3, CE enuncia:

«Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado‑Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.»

4        Com base nas disposições do artigo 94.° do Tratado CE (actual artigo 89.° CE), o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 659/1999, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1).

5        O artigo 1.° do Regulamento n.° 659/1999 institui as seguintes definições:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)      ‘auxílio’: qualquer medida que satisfaça os critérios fixados no n.° 1 do artigo [87.°], n.° 1, [CE];

b)      ‘auxílios existentes’:

[...]

iv)      Os auxílios considerados existentes nos termos do artigo 15.°,

[...]

c)      ‘Novo auxílio’, quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes [...]

d)      ‘Regime de auxílios’, qualquer acto com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstracta e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projecto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido;

e)      ‘Auxílio individual’, um auxílio que não seja concedido com base num regime de auxílios ou que seja concedido com base num regime de auxílios, mas que deva ser notificado;

f)      ‘Auxílio ilegal’, um novo auxílio que seja executado em violação do artigo [88.°], n.° 3, [CE];

[...]

h)      ‘Parte interessada’, qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afectados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações sectoriais.»

6        Resulta do artigo 7.°, n.° 5, do Regulamento n.° 659/1999, aplicável, por força do artigo 13.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aos auxílios ilegais, que uma «decisão negativa» conclui pela incompatibilidade de tal auxílio com o mercado comum e obsta à respectiva execução.

7        O artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999, relativo à recuperação dos auxílios ilegais, dispõe o seguinte:

«1.      Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, adiante designada ‘decisão de recuperação’. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário.

2.      O auxílio a recuperar mediante uma decisão de recuperação incluirá juros a uma taxa adequada fixada pela Comissão. Os juros são devidos a partir da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição do beneficiário e até ao momento da sua recuperação.

3.      Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça nos termos do artigo [242.° CE], a recuperação será efectuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efectiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados‑Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação comunitária.»

8        A necessidade de estabelecer um prazo de prescrição expirado o qual os auxílios ilegais já não podem ser recuperados é objecto do considerando 14 do Regulamento n.° 659/1999, o qual enuncia: «considerando que, por uma questão de segurança jurídica, é conveniente fixar um prazo de prescrição de dez anos para os auxílios ilegais, no termo do qual não possa ser ordenada qualquer recuperação».

9        As regras relativas ao prazo de prescrição e às consequências da expiração deste prazo estão fixadas no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999:

«1.      Os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.

2.      O prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílio. O prazo de prescrição é interrompido por quaisquer actos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta. Cada interrupção inicia uma nova contagem de prazo. O prazo de prescrição será suspenso enquanto a decisão da Comissão for objecto de um processo no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

3.      Qualquer auxílio cujo prazo de prescrição tenha caducado será considerado um auxílio existente.»

2.     Regras relativas à adopção das decisões da Comissão

10      O artigo 219.° CE fixa as regras relativas à adopção das decisões por parte da Comissão. Dispõe o seguinte:

«As deliberações da Comissão são tomadas por maioria do número de membros previsto no artigo 213.° [CE].

A Comissão só pode reunir‑se validamente se estiver presente o número de membros fixado no seu regulamento interno.»

11      O artigo 1.° do Regulamento Interno da Comissão (JO 2000, L 308, p. 26), aplicável no presente caso, tem a seguinte redacção:

«A Comissão age colegialmente, em conformidade com as disposições do presente regulamento e seguindo as orientações políticas definidas pelo seu presidente.»

12      O artigo 4.° do Regulamento Interno da Comissão precisa o seguinte:

«As decisões da Comissão são tomadas:

a)      Em reunião

ou [...]

c)      Mediante processo de habilitação, de acordo com o disposto no artigo 13.° [...]»

13      O artigo 13.°, segundo parágrafo, do Regulamento Interno da Comissão dispõe:

«A Comissão pode [...] incumbir um ou mais dos seus membros de adoptar o texto definitivo de um acto ou de uma proposta a submeter à apreciação das restantes instituições, cujo conteúdo essencial tenha por ela sido definido aquando das suas deliberações.»

 Factos na origem do litígio

1.     Criação da France Télécom

14      A recorrente, France Télécom SA, é uma sociedade anónima de direito francês que tem nomeadamente por objecto estatutário assegurar todos os serviços de comunicações electrónicas nas relações internas e internacionais, assegurar missões de serviço público e, em especial, fornecer, quando necessário, o serviço público universal de telecomunicações e os serviços obrigatórios, criar, desenvolver e explorar todas as redes de comunicações electrónicas abertas ao público, bem como criar e explorar todas as redes que distribuem serviços de radiodifusão sonora, de televisão ou multimédia.

15      Até 1990, as actividades da France Télécom eram exercidas por uma Direcção do Ministério responsável pelos correios e telecomunicações (PTT) francês. A France Télécom foi criada, na forma de uma pessoa colectiva de direito público sui generis, a contar de 1 de Janeiro de 1991, pela Lei n.° 90‑568, de 2 de Julho de 1990, relativa à organização do serviço público dos correios e das telecomunicações (JORF de 8 de Julho de 1990, p. 8069). Por força da Lei n.° 96‑660, de 26 de Julho de 1996, relativa à empresa nacional France Télécom (JORF de 27 de Julho de 1996, p. 11398), a contar de 31 de Dezembro de 1998, a France Télécom foi transformada em empresa nacional, na qual o Estado, à data dos factos na origem do presente litígio, detinha, directa ou indirectamente, mais da metade do capital social. Assim, a France Télécom regia‑se pela Lei n.° 90‑568 e estava, além disso, sujeita, desde que não fosse contrária à referida lei, à regulamentação aplicável às sociedades anónimas.

2.     Sujeição da France Télécom ao imposto profissional

 Regime geral do imposto profissional

16      O imposto profissional é um imposto local cujas regras são fixadas por lei e estão codificadas no Código Geral dos Impostos.

17      Nos termos do artigo 1447.°‑I e do artigo 1478.°‑I do Código Geral dos Impostos, o imposto profissional é devido anualmente pelas pessoas singulares ou colectivas em contar de 1 de Janeiro exerçam a título habitual uma actividade profissional não assalariada.

18      Por força do artigo 1448.° do mesmo Código, o imposto profissional é fixado de acordo com a capacidade contributiva dos contribuintes, apreciada segundo critérios económicos em função da importância das actividades exercidas por estes no território da autarquia beneficiária.

19      Conclui‑se que o imposto profissional é um imposto cujas base tributável não é constituída pelo lucro obtido com a actividade da empresa, mas sim, à data dos factos na origem do presente litígio, por uma fracção do valor dos factores de produção – capital e trabalho – utilizados pelo contribuinte em cada autarquia em que é fixada a imposição.

20      Assim, segundo o artigo 1467.°, n.° 1, do mesmo Código, na versão em vigor para os impostos fixados relativamente aos anos de 1994 a 2002, nos casos das pessoas colectivas sujeitos passivos do imposto sobre as sociedades, a matéria colectável do imposto profissional era constituída, por um lado, pelo valor locativo das imobilizações corpóreas de que tivesse disposto o contribuinte para as necessidades da sua actividade profissional durante o período de referência e, por outro lado, por uma fracção dos salários pagos durante o período de referência.

21      Em conformidade com o artigo 1467.° A do Código Geral dos Impostos, o período de referência mencionado no n.° 20 supra é o penúltimo ano que antecede o ano da tributação, quando o exercício coincide com o ano civil, ou, quando tal não é o caso, o exercício encerrado no decurso do penúltimo ano que antecede o ano da tributação.

22      O artigo 1473.° do Código Geral dos Impostos precisa que o imposto profissional é fixado em cada autarquia em que o contribuinte disponha de instalações ou terrenos, em razão do valor locativo dos bens aí situados ou a eles agregados e dos salários pagos ao pessoal.

23      As bases de imposição devem ser declaradas pelo contribuinte por força do artigo 1477.° do Código Geral dos Impostos.

24      As taxas aplicadas às bases de imposição são votadas todos os anos pelas assembleias deliberantes das autarquias beneficiárias do imposto – a saber, principalmente, os conselhos municipais, os conselhos gerais e os conselhos regionais – nas condições previstas nos artigos 1636.° B, sexies e seguintes, do Código Geral dos Impostos.

 Regras aplicáveis à France Télécom

 Princípio da sujeição aos impostos do regime comum

25      A Lei 90‑568, da qual resulta a criação da France Télécom (v. n.° 15 supra) e a da La Poste, inclui, no seu Capítulo IV, disposições específicas em matéria de fiscalidade.

26      O artigo 18.° da referida lei dispõe que, sem prejuízo das excepções previstas nos artigos 19.° e 21.°, a France Télécom está sujeita às contribuições e impostos nas condições previstas no artigo 1654.° do Código Geral dos Impostos. Esta disposição tem por efeito sujeitar, em princípio, a France Télécom, nas condições do regime comum, a todo o tipo de contribuições e impostos a que estão sujeitas as empresas privadas que efectuam as mesmas operações.

 Imposição de montante fixo

27      O artigo 19.° introduz uma primeira derrogação, temporária, a este princípio. Com efeito, por força desta disposição, até 1 de Janeiro de 1994, a France Télécom só deveria ser sujeita às contribuições e impostos efectivamente suportados pelo Estado. Por conseguinte, a France Télécom não devia pagar, nomeadamente, o imposto sobre as sociedades nem impostos locais, como o imposto profissional. Em contrapartida, para os anos de 1991 a 1993, a France Télécom devia pagar uma contribuição fixada anualmente pela lei de finanças, no limite de um montante cuja base, antes da sua actualização, era igual ao saldo obtido pelo orçamento anexo das telecomunicações para o ano de 1989 (a seguir «imposição de montante fixo»).

 Regime especial de tributação

28      O artigo 21.° da Lei 90‑568 respeitava ao regime aplicável à France Télécom e à La Poste em matéria de impostos locais, a contar do ano de 1994.

29      Resultava das disposições do artigo 21.°, ponto I, da Lei 90‑568 que, a partir do ano de 1994, por derrogação ao artigo 1473.° do Código Geral dos Impostos (v. n.° 22 supra), a France Télécom era colectada no local do seu estabelecimento principal.

30      A imposição, cuja matéria colectável seguia, para o cálculo das bases de tributação, as regras gerais previstas no Código Geral dos Impostos (artigo 21.°, ponto I 2), era fixada por aplicação de uma taxa média ponderada a nível nacional que resultava das taxas votadas no ano anterior pelo conjunto das autarquias locais (artigo 21.°, ponto I 4).

31      À France Télécom era, além disso, aplicada uma taxa de 1,9 % em vez de 8% a título das despesas de gestão, a saber, um montante adicional cobrado pelo Estado para compensar os custos suportados pelos serviços fiscais em razão das actividades de estabelecimento das liquidações e de cobrança do imposto profissional em benefício das autarquias locais.

32      O produto da imposição devia ser entregue ao Estado, ou, relativamente à fracção que excede a contribuição paga a título do ano de 1994, ajustada anualmente em função do índice de variação dos preços ao consumo, ao Fundo Nacional de Repartição do Imposto Profissional (artigo 21.°, ponto I 6).

33      Estas modalidades especiais de tributação em imposto profissional (a seguir «regime especial de tributação») foram codificadas no artigo 1635.°, sexies, do Código Geral dos Impostos. O regime especial de tributação não previa um termo para a sua aplicação.

34      No entanto, no tocante à France Télécom, o artigo 29.° da Lei 2002‑1575, de 30 de Dezembro de 2002, que institui a lei de finanças para 2003, pôs termo ao regime especial de tributação a contar das imposições estabelecidas a título do ano de 2003.

3.     Procedimento administrativo

35      Em 13 de Março de 2001, a Associação das autarquias para o retorno ao regime comum do regime especial do imposto profissional aplicado à France Télécom e à La Poste apresentou à Comissão uma denúncia, segundo a qual o regime especial de tributação constituía um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum. A denunciante referia, nomeadamente, a perda de receitas que provocava, em certas autarquias, a aplicação de uma taxa média ponderada a nível nacional.

36      Na sequência desta denúncia, em 28 de Junho de 2001 a Comissão decidiu iniciar o procedimento de exame preliminar do regime especial de tributação e enviou à República Francesa um pedido de informações a esse respeito.

37      Por ofício de 26 de Setembro de 2001, a República Francesa respondeu a este pedido de informações, indicando que o regime especial de tributação não constituía um auxílio de Estado, pois não proporcionava qualquer vantagem à France Télécom e não provocava quaisquer perdas de receitas para o Estado.

38      Em 30 de Janeiro de 2003, a Comissão adoptou uma decisão de início do procedimento formal de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE a respeito, nomeadamente, da isenção do imposto profissional de que a France Télécom tinha beneficiado de 1991 a 1993 e do regime especial de tributação (a seguir «decisão de início»). A decisão de início foi notificada à República Francesa por ofício de 31 de Janeiro de 2003. A pedido das autoridades francesas, a Comissão procedeu, em 7 de Março de 2003, à notificação de uma versão corrigida dessa decisão. Na decisão de início, a Comissão avaliava a vantagem proporcionada à France Télécom em cerca de mil milhões de francos franceses (FRF) por ano desde 1994 (n.os 73 e 74). A decisão de início foi publicada em 12 de Março de 2003 (JO C 57, p. 5).

39      Em 4 de Abril de 2003, e seguidamente em 15 de Maio de 2003, a República Francesa apresentou observações sobre a decisão de início. As autoridades francesas contestavam nomeadamente a avaliação do montante do auxílio e alegavam que o regime fiscal especial da France Télécom devia ser considerado na sua globalidade e, portanto, que a análise da Comissão devia ter em conta o montante da imposição de montante fixo cobrada à France Télécom a título dos anos de 1991 a 1993. A República Francesa entendia, além disso, que, na sua globalidade, o regime de tributação da France Télécom não constituía uma isenção fiscal, mas uma tributação organizada de acordo com modalidades específicas, estranhas à problemática dos auxílios de Estado. Com estas observações, as autoridades francesas apresentaram igualmente uma primeira simulação (a seguir «estimativa de 15 de Maio de 2003»), fundada em extrapolações estatísticas, da qual resultava que a France Télécom tinha sido objecto de uma sobretributação de, pelo menos, 1,4 mil milhões de euros, sem actualização, durante o período de 1991‑2002.

40      Na sequência da decisão de início, a Comissão recebeu, entre 21 de Março e 30 de Abril de 2003, observações por parte de onze terceiros interessados. Em contrapartida, a France Télécom não apresentou observações escritas nesta fase. Essas observações foram comunicadas à República Francesa por carta de 16 de Maio de 2003. As autoridades francesas apresentaram comentários a seu respeito por ofícios de 30 de Junho e 29 de Julho de 2003.

41      Seguidamente, a Comissão recebeu novas informações por parte de vários terceiros interessados. Solicitou esclarecimentos suplementares à República Francesa por ofício de 11 de Setembro de 2003. As autoridades francesas responderam a este pedido por ofício de 20 de Outubro de 2003. Um novo pedido de informações foi enviado à República Francesa por ofício de 11 de Novembro de 2003, ao qual esta respondeu por ofício de 4 de Dezembro de 2003. A Comissão apresentou um novo pedido de informações por ofício de 12 de Janeiro de 2004.

42      Foi organizada uma reunião entre os representantes da Comissão, os da República Francesa e os da France Télécom foi organizada em 22 de Janeiro de 2004.

43      Por ofício de 26 de Janeiro de 2004, a República Francesa comunicou à Comissão o montante real do imposto profissional liquidado à France Télécom a título de 2003. Este montante revelou‑se inferior às avaliações com base nas quais tinha sido calculada a estimativa de 15 de Maio de 2003.

44      Por ofício de 2 de Fevereiro de 2004, a Comissão enviou um novo pedido de informações à República Francesa, ao qual esta respondeu por ofício de 16 de Fevereiro de 2004.

45      Certos terceiros interessados apresentaram novas observações entre 19 de Março e 26 de Maio de 2004. Estas observações foram comunicadas à República Francesa em 3 de Maio e 14 de Junho de 2004.

46      Em 1 de Junho de 2004, a Comissão enviou à República Francesa um pedido de informações a respeito dos eventuais impostos, para além do imposto profissional e do imposto sobre as sociedades, dos quais a France Télécom tivesse ficado isenta a título dos anos de 1991 a 1993.

47      Em 16 de Junho de 2004, numa reunião com os representantes da Comissão e os da France Télécom, os representantes da República Francesa apresentaram elementos de resposta preliminares à questão colocada no ofício de 1 de Junho de 2004.

48      A France Télécom apresentou observações em 22 de Junho de 2004.

49      Foi organizada uma reunião entre os representantes da Comissão, os da República Francesa e os da France Télécom em 23 de Junho de 2004.

50      A France Télécom apresentou novas observações escritas em 30 de Junho e 2 de Julho de 2004.

51      Por telecópia de 5 de Julho de 2004, a República Francesa, insistindo no carácter aproximativo das suas avaliações, submeteu uma nova simulação das consequências financeiras da aplicação do regime de tributação do imposto profissional à France Télécom de 1991 a 2002 (a seguir «estimativa de 5 de Julho de 2004»). Esta nova avaliação, calculada com base na liquidação do imposto profissional à qual a France Télécom tinha sido efectivamente sujeita a título do ano de 2003, revelava que a France Télécom, no decurso desse período, tinha sido objecto de uma sobretributação superior a 1,7 mil milhões de euros, sem actualização.

52      Nos dias 13, 15, 16 e 19 de Julho de 2004, a República Francesa transmitiu duas notas explicativas e informações complementares a respeito, nomeadamente, do método utilizado para realizar a estimativa de 5 de Julho de 2004.

4.     Decisão impugnada

53      Nos dias 19 e 20 de Julho de 2004, no decurso da sua 1667.ª reunião, o colégio dos membros da Comissão aprovou um projecto de decisão em que se concluía que a France Télécom tinha beneficiado de um auxílio de Estado, em razão do regime especial de tributação, durante o período de 1994‑2002 (a seguir «auxílio em questão»), e habilitou o membro encarregado da concorrência a adoptar, em concertação com o presidente, a versão definitiva da decisão em francês, língua em que faz fé, após «revisão jurídica e linguística».

54      Em 2 de Agosto de 2004, a Comissão adoptou a Decisão C (2004) 3061 final, relativa ao auxílio estatal concedido pela França à France Télécom (a seguir «decisão impugnada»), que foi notificada à República Francesa em 3 de Agosto de 2004. A versão da decisão impugnada notificada à República Francesa apresentava certas divergências relativamente à versão aprovada pelo colégio dos membros da Comissão no dia 20 de Julho.

55      Em 8 de Setembro de 2004, a France Télécom pediu à Comissão que lhe enviasse o projecto da decisão impugnada aprovado pelo colégio dos membros da Comissão e a versão da decisão impugnada transmitida à República Francesa.

56      Por ofício de 14 de Setembro de 2004, os serviços do Secretariado‑Geral da Comissão acusaram a recepção desse pedido e informaram a France Télécom de que lhe seria transmitida uma resposta no prazo de quinze dias úteis, em conformidade com o Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43).

57      Em 28 de Outubro de 2004, na falta de resposta por parte da Comissão, a France Télécom apresentou um pedido confirmativo com base no disposto no artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1049/2001.

58      Os documentos pedidos foram comunicados à France Télécom em 11 de Novembro de 2004.

59      Em 19 de Janeiro de 2005, a Comissão notificou à República Francesa uma corrigenda através da qual restabeleceu o texto aprovado nos dias 19 e 20 de Julho de 2004.

60      A versão corrigida da decisão impugnada foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 14 de Outubro de 2005 com a referência 2005/709/CE (JO 2005, L 269, p. 30).

61      Na decisão impugnada, a Comissão começou por considerar que se podia entender que a imposição de montante fixo, prevista no artigo 19.° da Lei 90‑568 para o período entre 1991 e 1993, tinha substituído o imposto profissional que seria normalmente devido a título desses mesmos anos. Assim, a isenção do imposto profissional durante este período não constituía um auxílio de Estado (considerandos 22 a 33 e 53).

62      Em contrapartida, a Comissão entendeu que o regime especial de tributação aplicável de 1994 a 2002 instituía um auxílio de Estado representado pela diferença entre a tributação que a France Télécom deveria ter suportado nas condições do regime normal e o montante das liquidações do imposto profissional efectivamente por si suportadas (a seguir «diferença de tributação»). Este novo auxílio, que foi ilegalmente concedido em violação do artigo 88.°, n.° 3, CE, era, além disso, incompatível com o mercado comum. Por conseguinte, devia ser recuperado (considerandos 34 a 53 da decisão impugnada).

63      Para qualificar o regime especial de tributação de auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, a Comissão raciocinou do seguinte modo.

64      Em primeiro lugar, a Comissão expôs as razões pelas quais era de opinião que o argumento das autoridades francesas de que a vantagem constatada durante o período 1994‑2002 era mais que compensada pelo montante da imposição de montante fixo à qual a France Télécom tinha sido sujeita durante o período 1991‑1993 devia ser rejeitado (considerandos 35 a 41 da decisão impugnada).

65      A Comissão começou por argumentar que a Lei 90‑568 tinha instituído dois regimes de tributação sucessivos e distintos: por um lado, um regime de isenção, aplicável de 1991 à 1993, que substituiu os impostos do regime normal, entre os quais o imposto profissional, por uma imposição de montante fixo; por outro, um regime especial e derrogatório, que conduziu a um défice de tributação em matéria de imposto profissional, aplicável inicialmente a contar de 1994 e ao qual foi posto termo a partir da tributação fixada para o ano de 2003 (considerandos 36 e 38 da decisão impugnada).

66      Seguidamente, no considerando 37 da decisão impugnada, a Comissão indicou que, segundo a jurisprudência, um auxílio concedido a uma empresa não pode ser compensado por um encargo específico incidindo sobre a mesma empresa (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 357).

67      Consequentemente, a Comissão entendeu que não podia admitir a compensação entre a diferença de tributação da qual a France Télécom tinha beneficiado de 1994 a 2002 e a imposição de montante fixo paga de 1991 a 1993, a qual não estava ligada ao imposto profissional nem de modo específico pela Lei 90‑568 nem pelas suas modalidades de cálculo (considerando 38 da decisão impugnada).

68      Além disso, a Comissão considerou que a imposição de montante fixo em causa estava mais próxima da distribuição dos resultados de exploração ao proprietário do capital do que de uma imposição. Nestas condições, era unicamente a título excepcional que a Comissão podia admitir que essa imposição compensava a isenção total do imposto profissional da qual a France Télécom tinha beneficiado de 1991 a 1993. Uma aplicação normal do direito teria podido, pelo contrário, conduzir a se entender que esta isenção constituía um auxílio de Estado, cujo montante devia ter sido acrescentado ao da diferença de tributação da qual a France Télécom beneficiou a partir do ano de 1994 ao abrigo do regime especial de tributação (considerandos 38 e 39 da decisão impugnada).

69      Por último, a Comissão entendeu que o raciocínio segundo o qual havia que proceder a uma compensação entre os pagamentos efectuados pela France Télécom a favor do Estado de 1991 a 1993 e o défice de tributação da qual a France Télécom tinha beneficiado a partir de 1994 pressupunha que fosse requalificado de crédito de imposto o excedente de tributação, relativamente ao regime normal, cobrado à France Télécom de 1991 a 1993, o que não resultava da Lei 90‑568. Esta justificação teórica a posteriori também não correspondia à aplicação normal do direito fiscal francês, mas teria por única finalidade evitar a recuperação do auxílio de Estado concedido à France Télécom (considerando 40 da decisão impugnada).

70      Em segundo lugar, a Comissão entendeu que a diferença de tributação representava uma vantagem para a France Télécom, concedida mediante recursos que deveriam ter integrado o orçamento de Estado, e constituía, portanto, um auxílio de Estado (considerando 42 da decisão impugnada).

71      Em terceiro lugar, nos considerandos 43 e 44 da decisão impugnada, a Comissão indicou que não podia, na fase da decisão que declarava verificada a existência de um auxílio de Estado, tomar em consideração o argumento da República Francesa segundo o qual haveria que ter em conta a diminuição das bases do imposto sobre as sociedades a que terá conduzido o pagamento de somas mais elevadas a título do imposto profissional para determinar a vantagem líquida de que beneficiou a France Télécom (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão, T‑459/93, Colect., p. II‑1675).

72      Em quarto lugar, a Comissão, rejeitando os argumentos apresentados pela República Francesa segundo os quais o auxílio em questão não podia ser recuperado em razão da aplicação das regras de prescrição previstas pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, considerou que o auxílio em questão constituía um auxílio novo e não um auxílio existente (considerando 45).

73      A Comissão começou por indicar num primeiro momento que a expiração do prazo de prescrição previsto no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 não tinha por efeito transformar um auxílio novo num auxílio existente, mas unicamente impedir que a Comissão ordenasse a recuperação de auxílios concedidos mais de dez anos antes da data em que tinha ficado prescrita a sua acção (considerandos 46 a 48 da decisão impugnada).

74      Num segundo momento, a Comissão argumentou que a Lei 90‑568 tinha instituído um regime de auxílios e que a eventual prescrição só poderia respeitar aos auxílios concedidos no quadro deste regime e não ao próprio regime. A contagem do prazo começava, pois, no dia em que o auxílio foi efectivamente concedido à France Télécom, isto é, anualmente, na data em que o imposto profissional era devido (considerando 49 da decisão impugnada).

75      Num terceiro momento, a Comissão acrescentou que o prazo de prescrição tinha sido interrompido pelo pedido de informações enviado à República Francesa em 28 de Junho de 2001 (considerando 50 da decisão impugnada).

76      Consequentemente, a Comissão concluiu que, tendo o primeiro auxílio identificado sido concedido a respeito do ano de 1994, ou seja, menos de dez anos antes de 28 de Junho de 2001, o auxílio em questão devia ser integralmente recuperado (considerando 51 da decisão impugnada).

77      Num quinto momento, a Comissão referiu que as autoridades francesas não tinham invocado nenhum argumento preciso para estabelecer a compatibilidade do auxílio em questão com o mercado comum e que não via qualquer base jurídica com fundamento na qual este pudesse ser declarado compatível com o mercado comum (considerando 52).

78      Assim, no considerando 53 da decisão impugnada, a Comissão concluiu, em primeiro lugar, que o regime de imposto profissional aplicável à France Télécom durante o período de 1991‑1993 não constituía um auxílio de Estado e, em segundo lugar, que a diferença de tributação de que tinha beneficiado a France Télécom, durante o período de 1994‑2002, em consequência do regime especial de tributação, constituía um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum e concedido ilegalmente, o qual, portanto, devia ser recuperado.

79      Todavia, o montante exacto que devia ser recuperado não pôde ser determinado devido às informações divergentes apresentadas pelas autoridades francesas no âmbito do procedimento administrativo. A Comissão estimava que o auxílio a ser recuperado representava um montante – sem juros – compreendido entre 798 milhões e 1.140 milhões de euros (considerandos 54 a 59).

80      No considerando 54 da decisão impugnada, a Comissão fez referência a um relatório apresentado ao Parlamento francês pela Direcção‑Geral dos Impostos em Novembro de 2001, segundo o qual, «a normalização imediata das condições de tributação da France Télécom relativamente ao imposto profissional implicaria, a uma taxa inalterada, um acréscimo de tributação de cerca de 198 milhões de euros para a empresa».

81      Além disso, a Comissão apoiou‑se na estimativa de 15 de Maio de 2003, cujos resultados são apresentados na forma de um quadro no considerando 54 da decisão impugnada. Segundo os números comunicados pela República Francesa, a tributação teórica cumulada da France Télécom pelo regime normal, relativa aos anos de 1994 a 2002, seria de 8 362 mil milhões de euros. A tributação efectiva cumulada cobrada à empresa nestes mesmos anos em conformidade com o regime especial de tributação terá sido de 7 222 mil milhões de euros. A diferença de tributação da qual terá beneficiado a France Télécom durante o período de 1994‑2002 terá sido, pois, de 1 140 mil milhões de euros.

82      A Comissão referiu ainda que, por ofício de 29 de Janeiro de 2004, as autoridades francesas tinham levado ao seu conhecimento o montante da tributação cobrada à France Télécom, segundo o regime normal, a título do ano de 2003 (773 milhões de euros) e confirmado o acerto da estimativa de 15 de Maio de 2003 (considerando 55 da decisão impugnada). Foi unicamente durante as reuniões realizadas nos dias 16 e 23 de Junho de 2003 que as autoridades francesas contestaram a fiabilidade destes números (considerandos 56 e 57 da decisão impugnada).

83      Em 5 de Julho de 2004, as autoridades francesas apresentaram uma nova estimativa. Esta conduzia a resultados diferentes, reproduzidos na forma de um quadro no considerando 58 da decisão impugnada. A tributação teórica cumulada da France Télécom segundo o regime normal, para os anos de 1994 a 2002, foi recalculada em 8,02 mil milhões de euros. A diferença de tributação de que terá beneficiado a France Télécom durante o período de 1994‑2002 terá sido, pois, de 798 milhões de euros.

84      Devido às indicações contraditórias comunicadas pela República Francesa durante o procedimento administrativo, a Comissão concluiu que não lhe era possível determinar o montante a recuperar, estando este compreendido entre 798 milhões e 1.140 milhões de euros, acrescido de juros. Segundo a Comissão, o montante exacto a recuperar devia ser definido pelas autoridades francesas, em conformidade com o seu dever de cooperação leal, na fase da execução da decisão impugnada (considerandos 59 e 60 da decisão impugnada).

85      Em consequência do conjunto das precedentes considerações, o dispositivo da decisão impugnada tem o seguinte teor:

«Artigo 1.°

O auxílio estatal concedido ilegalmente pela [República Francesa], em violação do n.° 3 do artigo 88.° [...] CE, à France Télécom ao abrigo do regime do imposto profissional aplicável a esta empresa durante o período entre 1 de Janeiro de 1994 e 31 de Dezembro de 2002 [...] é incompatível com o mercado comum.

Artigo 2.°

1.      A [República Francesa] deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar junto da France Télécom o auxílio definido no artigo primeiro.

2.      A recuperação será efectuada imediatamente, segundo as formalidades do direito nacional, desde que estas permitam a execução imediata e efectiva da presente decisão.

3.      Os auxílios a recuperar incluem juros a contar da data em que foram postos à disposição dos beneficiários até à data da sua recuperação.

[...]

Artigo 3.°

A [República Francesa] informará a Comissão, num prazo de dois meses a contar da data da notificação da presente decisão, das medidas que tenciona tomar e que já tomou para lhe dar cumprimento. Para o efeito, a [República Francesa] utilizará o questionário em anexo à presente decisão.

Artigo 4.°

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»

86      Em 25 de Outubro de 2006, a Comissão intentou uma acção por incumprimento para obter do Tribunal de Justiça a declaração de que, não tendo executado a decisão impugnada no prazo fixado, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.° e 3.° desta decisão, do artigo 249.°, quarto parágrafo, CE, bem como do artigo 10.° CE.

87      Por acórdão de 18 de Outubro de 2007, Comissão/França (C‑441/06, Colect., p. I‑8887), o Tribunal de Justiça julgou procedente a acção da Comissão.

 Tramitação processual e pedidos das partes

88      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Outubro de 2004, a República Francesa interpôs um recurso, registado com a referência T‑427/04.

89      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Janeiro de 2005, a France Télécom interpôs um recurso, registado com a referência T‑17/05.

90      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Maio de 2008, a France Télécom pediu a apensação dos processos T‑427/04 e T‑17/05, para efeitos da fase oral e do acórdão, em aplicação do artigo 50.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

91      A Comissão e a República Francesa apresentaram as suas observações sobre este pedido, respectivamente em 16 e 19 de Junho de 2008.

92      Por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Setembro de 2008, os processos T‑427/04 e T‑17/05 foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão, em conformidade com o artigo 50.° do Regulamento de Processo.

93      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) submeteu às partes, por escrito, questões relativas à incidência, nos presentes processos apensos, do acórdão Comissão/França, n.° 88 supra, bem como às diligências feitas pelas partes para dar cumprimento a este acórdão, e decidiu abrir a fase oral.

94      As partes responderam às questões que o Tribunal de Primeira Instância lhes colocou por escrito nos prazos que lhes tinham sido fixados. Nomeadamente, a República Francesa indicou que renunciava ao quinto fundamento do seu recurso.

95      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões que, oralmente, o Tribunal de Primeira Instância lhe colocou na audiência de 18 de Novembro de 2008.

96      Por despacho de 24 de Março de 2009, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) reabriu a fase oral a fim de colocar questões à Comissão e de permitir às recorrentes a apresentação de observações sobre as respostas desta. A Comissão e a France Télécom apresentaram a respectiva resposta e as suas observações nos prazos que lhes tinham sido fixados.

97      A República Francesa e a France Télécom concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

98      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar os recursos improcedentes;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

1.     Resumo dos fundamentos de anulação

99      A República Francesa invoca quatro fundamentos para alicerçar o seu recurso. O primeiro é relativo ao manifesto erro de apreciação e ao erro de direito cometidos pela Comissão quando entendeu que o regime especial de tributação, em vigor de 1994 a 2002, tinha conferido uma vantagem à France Télécom. Com o seu segundo fundamento, a República Francesa alega a violação dos seus direitos de defesa. Com o seu terceiro fundamento, a República Francesa sustenta que, tendo ordenado a recuperação do auxílio em questão, a decisão impugnada violou o artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999. O quarto fundamento, apresentado a título subsidiário, é relativo à violação do princípio da protecção da confiança legítima pela decisão impugnada, na medida em que aí se ordena a recuperação do auxílio em questão.

100    A France Télécom invoca cinco fundamentos para alicerçar o seu recurso. O primeiro é relativo à violação dos seus direitos de defesa. Com o seu segundo fundamento, dividido em quatro partes, a France Télécom sustenta que a Comissão feriu a decisão impugnada de três erros de apreciação manifestos e de um erro de direito quando concluiu que tinha beneficiado de uma vantagem. O terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999. O quarto fundamento, relativo à violação do artigo 14.° do mesmo regulamento, está dividido em duas partes. A primeira parte respeita à violação do princípio da protecção da confiança legítima, posto que a medida cuja recuperação é ordenada não constitui um auxílio de Estado, e a segunda é relativa à violação do princípio da segurança jurídica, uma vez que o montante do auxílio a recuperar não pode ser calculado. Com o seu quinto fundamento, a France Télécom alega que as modificações, para além das ortográficas ou gramaticais, introduzidas pelo membro da Comissão encarregado das questões da concorrência na decisão impugnada após a sua adopção pelo colégio dos membros da Comissão constituem uma violação das regras relativas à adopção de decisões pela Comissão.

101    O Tribunal entende que é oportuno examinar em primeiro lugar o quinto fundamento invocado pela France Télécom, referente à violação das regras relativas à adopção de decisões pela Comissão.

2.     Quanto ao respeito das regras relativas à adopção de decisões pela Comissão

 Argumentos das partes

102    Com o seu quinto fundamento, a France Télécom defende que, tendo habilitado o membro encarregado das questões da concorrência a proceder a uma «revisão jurídica e linguística» do texto final da decisão impugnada e não tendo verificado o uso que foi feito desta habilitação, a Comissão violou o princípio da colegialidade.

103    Segundo a France Télécom, o princípio de colegialidade, que decorre do artigo 219.° CE, assenta na igualdade dos membros da Comissão relativamente à participação na tomada de decisões. Portanto, após a aprovação formal da decisão pelo colégio, só poderão ser‑lhe introduzidas correcções puramente gramaticais ou ortográficas, cabendo qualquer outra alteração exclusivamente ao colégio (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o., C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555, n.° 68).

104    A France Télécom alega que estas regras não foram respeitadas no caso em apreço, revelando a comparação entre a versão aprovada pelo colégio dos membros da Comissão na sua 1667 reunião em 20 de Julho de 2004 e a versão notificada à República Francesa em 3 de Agosto de 2004 duas modificações importantes, as quais irão muito além de simples correcções ortográficas e gramaticais.

105    Em primeiro lugar, o considerando 55 da versão notificada da decisão impugnada comporta a seguinte frase, a qual não figurava na versão aprovada pelo colégio:

«A Comissão nota que o ofício de 29 de Janeiro de 2004 confirma o acerto do método estimativo desenvolvido no ofício de 15 de Maio de 2003.»

106    Em segundo lugar, no considerando 59 da versão notificada da decisão impugnada, o termo «indicativo», que se referia à margem dentro da qual se situa o montante do auxílio em questão, foi suprimido.

107    Ora, estas modificações respeitam a aspectos jurídicos fundamentais da decisão impugnada, a saber, a fiabilidade do método de avaliação seguido pela Comissão, e isto apesar de o colégio dos membros ter entendido que não podia fixar um montante, nem mesmo uma margem, de um modo definitivo. Em resposta às questões escritas do Tribunal de Primeira Instância colocadas na sequência da reabertura da fase oral, a France Télécom observou que o termo «indicativo» tinha sido expressamente acrescentado no momento da deliberação do colégio. Em contrapartida, a frase acrescentada ao considerando 55 na versão adoptada da decisão impugnada, a qual deixa subentender que a República Francesa tinha reconhecido o acerto dos métodos de avaliação da vantagem da qual terá beneficiado a France Télécom, constitui um elemento materialmente inexacto, o qual não figurava no texto aprovado pelo colégio. Foram as próprias modificações introduzidas na decisão que alteraram o respectivo sentido, em violação do «princípio da colegialidade».

108    Na sua réplica, a France Télécom alega que, por força da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, após a entrega da petição inicial, a Comissão já não podia fazer desaparecer, através de uma simples medida de regularização retroactiva, um vício substancial do qual enfermava a decisão impugnada.

109    A Comissão sustenta que as diferenças constatadas entre o texto aprovado pelo colégio e a versão notificada da decisão impugnada são irrelevantes, posto que não têm qualquer incidência no respectivo sentido. Em todo o caso, foi adoptada uma corrigenda em 19 de Janeiro de 2005 e notificada nesse mesmo dia à República Francesa, a qual alinha o texto da versão notificada da decisão impugnada com o projecto de decisão aprovado pelo colégio dos membros da Comissão na sua 1667.ª reunião.

110    Na audiência, a Comissão explicou as divergências entre o projecto de decisão aprovado pelo colégio dos membros da Comissão e a versão notificada à República Francesa com o facto de a «revisão jurídica e linguística», posterior à aprovação do projecto pelos membros, ter versado, por erro, sobre outro texto e não sobre aquele que tinha sido submetido ao colégio.

111    Em resposta às questões escritas do Tribunal de Primeira Instância colocadas na sequência da reabertura da fase oral, a Comissão alegou, em primeiro lugar, que o colégio dos seus membros tinha aprovado, nos dias 19 e 20 de Julho de 2004, um texto de princípio e habilitado o membro encarregado das questões da concorrência a fixar, em concertação com o presidente, a versão final da decisão impugnada e a adoptá‑la.

112    Sustentou, seguidamente, que, uma vez que as divergências formais entre o projecto de decisão aprovado na reunião dos dias 19 e 20 de Julho de 2004 e a versão da decisão impugnada adoptada em 2 de Agosto de 2004 não afectavam nem os elementos factuais nem o raciocínio jurídico que serviam de base à decisão impugnada, o membro encarregado das questões da concorrência não tinha exorbitado o alcance da habilitação que lhe tinha sido conferida pelo colégio.

113    Indicou por último que, posto que a decisão impugnada, na sua redacção de 2 de Agosto de 2004, tinha sido legalmente adoptada, não era juridicamente necessária qualquer rectificação. Segundo a Comissão, podia, contudo, restabelecer o texto do projecto aprovado pelo colégio em 20 de Julho de 2004, como entende ter feito por meio da corrigenda de 19 de Julho de 2005, tendo esse texto sido objecto de aprovação específica por parte do colégio.

 Apreciação do Tribunal

114    Está assente que, na sua reunião dos dias 19 e 20 de Julho de 2004, o colégio dos membros da Comissão aprovou um projecto de decisão fundamentada, que concluía pela ilegalidade e incompatibilidade com o mercado comum do auxílio em questão e ordenava a sua recuperação. Além disso, o colégio autorizou que o membro encarregado da concorrência adoptasse, em concertação com o presidente, a versão definitiva da decisão em francês, língua em que faz fé, após «revisão jurídica e linguística». Seguidamente, a decisão impugnada foi adoptada em 2 de Agosto de 2004 e notificada à República Francesa em 3 de Agosto de 2004.

115    As partes concordam em reconhecer, e resulta dos documentos dos autos, que a versão da decisão impugnada notificada à República Francesa em 3 de Agosto de 2004 apresentava, relativamente ao texto aprovado pelo colégio dos membros da Comissão na reunião dos dias 19 e 20 de Julho, certas divergências. Está também assente que estas divergências foram rectificadas por uma corrigenda, adoptada em 19 de Janeiro de 2005. No mesmo dia, ou seja, posteriormente à interposição dos presentes recursos, a Comissão notificou à República Francesa uma versão consolidada da decisão impugnada, a qual integra estas rectificações.

116    Por força do artigo 219.° CE, as deliberações da Comissão são tomadas por maioria do número dos seus membros. O princípio da colegialidade, assim estabelecido, assenta na igualdade dos membros da Comissão relativamente à participação na tomada de decisões e implica, nomeadamente, por um lado, que as decisões sejam tomadas em comum e, por outro, que todos os membros do órgão colegial sejam colectivamente responsáveis, no plano político, pelo conjunto das decisões tomadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão, 5/85, Colect., p. 2585, n.° 30).

117    Embora a Comissão possa, sem no entanto violar o princípio da colegialidade, habilitar um dos seus membros a adoptar determinadas categorias de actos de administração e de gestão (acórdão AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão, n.° 117 supra, n.° 37), as decisões através das quais a Comissão se pronuncia sobre a existência de um auxílio de Estado, sobre a sua compatibilidade com o mercado comum e sobre a necessidade de ordenar a respectiva recuperação pressupõem um exame de questões factuais e jurídicas complexas e não podem, em princípio, ser qualificadas de actos de administração e de gestão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o. /Comissão, T‑435/93, Colect., p. II‑1281, n.os 103 a 114). Assim, como a parte decisória e as razões de decisões deste tipo, que devem ser fundamentadas por força do disposto no artigo 235.° CE, constituem um todo indissociável, compete unicamente ao colégio, por força do princípio da colegialidade, aprovar uma e outra (v., por analogia, acórdão Comissão/BASF e o., n.° 103 supra, n.os 66 e 67).

118    Incumbe, pois, em princípio, ao colégio dos membros da Comissão adoptar a versão definitiva das decisões que se pronunciam sobre a existência de auxílios de Estado e sobre a sua compatibilidade com o mercado comum. Após esta adopção, só poderão ser introduzidas ao texto destas decisões correcções puramente ortográficas ou gramaticais, cabendo qualquer outra alteração exclusivamente ao colégio (v., por analogia, acórdão Comissão/BASF e o., n.° 103 supra, n.° 68).

119    Todavia, não é possível excluir que, como de resto prevê o artigo 13.°, segundo parágrafo, do Regulamento Interno da Comissão, na sua redacção aplicável à data da adopção da decisão impugnada (JO 2000, L 308, p. 26), o colégio dos membros da Comissão incumba um ou mais dos seus membros de adoptar o texto definitivo de uma decisão, cujo conteúdo essencial tenha por ele sido definido aquando das suas deliberações. Quando o colégio tenha feito uso de tal faculdade, cabe ao juiz comunitário, a quem tenha sido submetida a questão da regularidade do exercício desta habilitação, verificar se é possível considerar que foi o colégio que adoptou a decisão em causa em todos os seus elementos de facto e de direito (v., neste sentido, acórdão ASPEC e o. /Comissão, n.° 117 supra, n.° 122).

120    No caso em apreço, resulta da acta da 1667.ª reunião do colégio dos membros da Comissão, realizada nos dias 19 e 20 de Julho de 2004, que o colégio aprovou a decisão relativa ao auxílio em questão «como consta do documento C (2004) 2651/12» e «habilitou [o membro encarregado das questões da concorrência], em concertação com [o presidente], a adoptar a versão definitiva, na língua francesa em que faz fé, [da decisão] em causa, após revisão jurídica e linguística». Ora, a versão da decisão impugnada que foi adoptada em 2 de Agosto de 2004 e notificada à República Francesa no dia seguinte divergia, em pelo menos dois pontos, do projecto aprovado pelo colégio dos membros da Comissão. Importa, pois, verificar se, como sustenta a France Télécom, estas divergências têm carácter substancial, de tal modo que não se possa considerar que foi o colégio dos membros da Comissão que adoptou a decisão impugnada em todos os seus elementos de facto e de direito.

121    Por um lado, a decisão impugnada como adoptada em 2 de Agosto de 2004 comportava, no fim do considerando 55, a seguinte frase, a qual não figurava no texto aprovado pelo colégio dos membros da Comissão:

«A Comissão nota que o ofício de 29 de Janeiro de 2004 confirma o acerto do método estimativo desenvolvido no ofício de 15 de Maio de 2003.»

122    Por outro lado, no considerando 59, o termo «indicativo», que figura na parte da frase «a Comissão [...] considera que [a France Télécom] beneficiou de um auxílio estatal cujo montante indicativo se situa entre 798 […] e 1140 milhões de euros» no texto aprovado pelo colégio dos membros da Comissão, foi omitido na versão da decisão impugnada adoptada em 2 de Agosto de 2004.

123    Há, em primeiro lugar, que constatar que as divergências que existem entre a versão da decisão impugnada adoptada em 2 de Agosto de 2004 e o projecto aprovado pelo colégio dos membros da Comissão em 26 de Julho de 2004 são, segundo as declarações da Comissão na audiência, corroboradas pelos documentos que juntou em anexo às suas respostas às questões que lhe foram colocadas na sequência da audiência (v. n.° 111 supra), que a «revisão jurídica e linguística» realizada após a deliberação do colégio versou, por erro, sobre um texto diferente daquele que tinha sido aprovado pelo colégio. Porém, decorre dos próprios termos da acta da 1667.ª reunião do colégio dos membros da Comissão que este entendeu não fixar o texto definitivo da decisão impugnada, mas confiou a finalização deste texto ao membro encarregado das questões da concorrência agindo de concerto com o presidente da Comissão.

124    Importa observar a este respeito que, tomada no seu contexto, a frase introduzida no fim do considerando 55 da versão da decisão impugnada adoptada em 2 de Agosto de 2004 constitui um simples comentário que desenvolve a ideia que acabava de ser enunciada na frase precedente, segundo a qual as autoridades francesas tinham «sublinha[do] que a aplicação retroactiva deste valor nos anos anteriores confirmava e reforçava a sua posição, uma vez que mostraria o excedente de tributação da [France Télécom] em relação ao regime normal». O posterior aditamento da frase em causa não modificou substancialmente os fundamentos da decisão impugnada, nem de facto nem de direito.

125    De igual modo, a omissão do termo «indicativo» no considerando 59 da versão da decisão impugnada adoptada em 2 de Agosto de 2004 está, por si só, desprovida de alcance. Com efeito, apesar da presença da palavra «indicativo» no considerando 59 da versão rectificada da decisão impugnada, o Tribunal de Justiça declarou que o montante mínimo referido no artigo 2.° dessa decisão deve ser considerado como constituindo o montante mínimo do auxílio a recuperar. Seguidamente, o Tribunal de Justiça rejeitou o argumento segundo o qual os montantes enunciados no considerando 59 da fundamentação da decisão impugnada só têm carácter indicativo, destituído de força jurídica vinculativa (acórdão Comissão/França, n.° 87 supra, n.os 31, 33 e 35).

126    Além disso, foi erradamente que a France Télécom alegou, nas suas observações sobre as respostas da Comissão, que o colégio tinha «introduzido» o termo «indicativo» no texto que tinha aprovado. Com efeito, este termo figurava já na versão do texto submetida ao colégio, como atestam os documentos transmitidos pela Comissão na sequência das questões do Tribunal.

127    Nestas condições, a omissão do termo «indicativo» no considerando 59 da versão adoptada da decisão impugnada não contraria a vontade expressa do colégio dos membros da Comissão e não modificou de modo algum o alcance dos fundamentos da decisão impugnada.

128    Assim, uma vez que as divergências formais entre a versão da decisão impugnada adoptada em 2 de Agosto de 2004 e o texto que tinha sido aprovado pelo colégio dos membros da Comissão nos dias 19 e 20 de Julho de 2004 não tiveram qualquer incidência no alcance da decisão impugnada, é possível considerar que foi o colégio que adoptou a decisão em causa em todos os seus elementos de facto e de direito (v., neste sentido, acórdão ASPEC e o./Comissão, n.° 117 supra, n.° 122). Donde se conclui que a France Télécom não tem razão para sustentar que o membro encarregado das questões da concorrência, agindo de concerto com o presidente, exorbitou dos limites da habilitação que lhe tinha sido conferida pelo colégio e que a decisão impugnada foi, por esse facto, adoptada em violação do princípio da colegialidade.

129    Nestas condições, e apesar de a tal não estar obrigada, a Comissão podia, como fez, restabelecer, através de uma corrigenda adoptada pelo colégio dos seus membros, o texto de princípio aprovado na reunião do colégio dos dias 19 e 20 de Julho de 2004 e proceder à notificação de uma versão consolidada da decisão impugnada que integra estas rectificações, e isto mesmo após a interposição dos recursos pelos recorrentes.

130    Por conseguinte, o quinto fundamento invocado pela France Télécom deve ser julgado improcedente.

3.     Quanto ao respeito dos direitos de defesa relativamente à República Francesa

 Argumentos das partes

131    A República Francesa sustenta, com o seu segundo fundamento, que a Comissão adoptou a decisão impugnada em violação do princípio do contraditório e em violação, a seu respeito, dos direitos de defesa.

132    Lembra que, segundo jurisprudência bem assente, o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e susceptível de levar à adopção de um acto que lese os seus interesses constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser respeitado mesmo na falta de regulamentação específica. Este princípio exige que a pessoa contra a qual a Comissão instaurou o procedimento administrativo tenha sido colocada em condições de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e circunstâncias alegadas e sobre os documentos utilizados pela Comissão que servem de apoio à sua alegação da existência de uma violação do direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 40/85, Colect., p. 2321, n.° 28).

133    A República Francesa alega que a Comissão, após ter qualificado o regime instituído pelos artigos 18.° a 21.° da Lei 90‑568 de «regime fiscal derrogatório» na decisão de início, se baseou no carácter parcialmente não fiscal da imposição de montante fixo para recusar a compensação entre o período compreendido entre os anos de 1991 e 1993, por um lado, e o período decorrido entre o ano de 1994 e o ano de 2002, por outro. Ora, o argumento segundo o qual a imposição de montante fixo constituía parcialmente uma participação nos resultados não foi evocado no quadro do procedimento administrativo e não podia ser objecto de qualquer observação. Constituindo este argumento o fundamento da decisão impugnada, esta deve ser anulada.

134    Segundo a República Francesa, a circunstância de ter podido discutir, durante o procedimento administrativo, a posição provisória da Comissão nos termos da qual a imposição de montante fixo podia ser integralmente qualificada de participação nos resultados não permite rejeitar o fundamento relativo aos direitos de defesa, posto que, por um lado, na decisão impugnada, a Comissão não qualificou a imposição em causa de participação – mas considerou que se tratava em parte de um imposto e em parte de uma participação – e, por outro, que esta qualificação mista, que não pôde discutir antes da adopção da decisão impugnada, teve uma incidência determinante no resultado do procedimento.

135    A Comissão contesta estas alegações.

 Apreciação do Tribunal

136    Segundo jurisprudência bem assente, o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo dirigido contra uma pessoa e susceptível de levar à adopção de um acto que lese os interesses desta constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação específica. Este princípio exige que a pessoa interessada tenha sido colocada em condições, desde a fase do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e circunstâncias alegadas e sobre os documentos utilizados pela Comissão que servem de apoio à sua alegação da existência de uma violação do direito comunitário (acórdão Bélgica/Comissão, n.° 132 supra, n.° 28, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colect., p. II‑1885, n.° 32, e de 6 de Março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, Colect., p. II‑435, n.° 121).

137    Ora, há que recordar que a Comissão deve abrir um procedimento formal de exame sempre que, após uma investigação preliminar, tenha sérias dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado comum. Daqui resulta que a Comissão não pode ser obrigada a apresentar uma análise cabal da medida em causa na sua comunicação relativa à abertura desse procedimento. Em contrapartida, é necessário que a Comissão defina suficientemente o âmbito da sua investigação, para permitir que o Estado‑Membro contra o qual é iniciado o procedimento se pronuncie sobre o conjunto dos elementos de facto e de direito que constituem os fundamentos da decisão final da Comissão a respeito da compatibilidade da medida em causa com o mercado comum [v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Maio de 2006, Kuwait Petroleum (Nederland)/Comissão, T‑354/99, Colect., p. II‑1475, n.° 85].

138    Assim, a mera circunstância de, na decisão impugnada, a Comissão ter alterado a análise no tocante à natureza da imposição de montante fixo só seria de natureza a conduzir à violação dos direitos de defesa da República Francesa se as indicações que constam da decisão de início ou que, seguidamente, foram fornecidas no momento do debate contraditório durante o procedimento administrativo não tivessem permitido às autoridades francesas discutir utilmente o conjunto dos elementos de facto e de direito considerados na decisão impugnada. Em contrapartida, as divergências entre a decisão impugnada e a decisão de início que resultam da assunção total ou parcial, pela Comissão, dos argumentos avançados pela República Francesa não podem determinar a violação dos direitos de defesa deste Estado‑Membro.

139    Não pode deixar de se observar que, tendo indicado, no considerando 63 da decisão de início, que a imposição de montante fixo «parecia mais um imposição sobre os resultados de gestão da [France Télécom] do que uma tributação especial ao abrigo do imposto profissional cobrada à [France Télécom]», a Comissão colocou a República Francesa na posição de poder discutir, no decurso do procedimento administrativo, a natureza da referida imposição. Decorre, aliás, das declarações prestadas pelo Governo francês na audiência que, durante o procedimento, foi abordada a questão da possibilidade de operar uma compensação entre o excedente de tributação alegado em razão desta imposição pelo Estado‑Membro, por um lado, e a isenção do imposto profissional da qual a France Télécom beneficiou de 1991 a 1993, bem como as diferenças de tributação das quais beneficiou de 1994 a 2002, por outro. Ora, na decisão de início, a Comissão tinha precisamente feito depender a impossibilidade de admitir a compensação entre a imposição de montante fixo e o imposto profissional devido pela France Télécom relativamente aos anos de 1991 a 1993 da natureza não fiscal da primeira. As indicações que constam da decisão de início permitiriam, pois, que a República Francesa contestasse a qualificação que a Comissão entendia dar nesse momento à imposição de montante fixo.

140    Nestas condições, o facto de, apesar de na decisão de início ter encarado a possibilidade de contestar qualquer carácter fiscal à imposição de montante fixo, a Comissão ter alterado a sua análise na decisão impugnada, na qual concluiu que esta imposição tinha uma natureza mista, parcialmente fiscal e parcialmente não fiscal, não pode demonstrar que a Comissão não cumpriu a sua obrigação de definir de modo bastante o quadro do seu exame a fim permitir que a República Francesa se pronunciasse sobre o conjunto dos elementos de direito e de facto que constituem os fundamentos da decisão impugnada.

141    A isto que acresce que, uma vez que contestava na decisão de início, como se acaba de referir, que a imposição de montante fixo pudesse ser considerada um tributo, a Comissão entendia, inicialmente, que não podia ser admitida à primeira vista a substituição por esta imposição do imposto profissional devido relativamente aos anos de 1991 a 1993 e que, consequentemente, a isenção total do imposto profissional da qual a France Télécom tinha beneficiado relativamente a estes mesmos anos podia ser qualificada de auxílio de Estado. Em contrapartida, a qualificação «mista», que lhe foi finalmente dada na decisão impugnada, conduziu a que a Comissão admitisse que a imposição de montante fixo tinha substituído o imposto profissional devido pela France Télécom relativamente aos anos de 1991 a 1993. Assim sendo, as diferenças entre a decisão impugnada e a decisão de início resultam da aceitação parcial dos argumentos apresentados pela República Francesa no decurso do procedimento administrativo, o que nunca poderia constituir uma violação dos direitos de defesa deste Estado‑Membro.

142    Donde se conclui que é erradamente que a República Francesa sustenta que foram violados os seus direitos de defesa e que, consequentemente, deve ser julgado improcedente o seu segundo fundamento.

4.     Quanto ao respeito dos direitos processuais da France Télécom

 Argumentos das partes

143    A France Télécom, embora reconheça que as partes interessadas num procedimento iniciado pela Comissão em matéria de auxílios de Estado não gozam dos mesmos direitos que tem o Estado‑Membro destinatário da decisão, entende que os seus direitos de defesa – cujo respeito em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e susceptível de levar à adopção de um acto que lese os interesses dessa pessoa constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação específica – foram violados.

144    Com o seu primeiro fundamento, sustenta não ter sido colocada na posição de poder apresentar utilmente as suas observações sobre a natureza «mista» da imposição de montante fixo, na qual se baseou a Comissão na decisão impugnada para estabelecer a existência do auxílio em questão (considerandos 31 a 33 da decisão impugnada). Anteriormente, nem na decisão de início, nem nos articulados ulteriores ou nas reuniões havidas no quadro do procedimento, a Comissão nunca deixou perceber que poderia vir a considerar que esta imposição tinha parcialmente carácter fiscal e parcialmente o de uma transferência em proveito do proprietário. Pelo contrário, esta imposição foi qualificada de fiscal na decisão de início e a Comissão considerava então que a Lei 90‑568 tinha instituído um regime de tributação única para o período de 1991‑2002 (n.° 33 da decisão de início). Assim, a decisão impugnada tem por base factos e apreciações sobre os quais a France Télécom não pôde apresentar o seu ponto de vista. Portanto, a Comissão não lhe pode criticar a não apresentação de observações escritas na sequência da decisão de início, sendo que as reuniões de Junho de 2004 foram consagradas, não à questão da compensação, mas ao cálculo do pretenso auxílio de Estado.

145    A Comissão contesta estas alegações.

 Apreciação do Tribunal

146    Segundo jurisprudência assente, o procedimento administrativo em matéria de auxílios de Estado é instaurado somente contra o Estado‑Membro em causa. As empresas beneficiárias dos auxílios são unicamente consideradas «interessadas» nesse procedimento [v., neste sentido, acórdãos Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, n.° 136 supra, n.° 122, e Kuwait Petroleum (Nederland)/Comissão, n.° 137 supra, n.° 80].

147    Esta jurisprudência confia essencialmente aos interessados o papel de fontes de informação para a Comissão no quadro do procedimento administrativo iniciado ao abrigo do artigo 88.°, n.° 2, CE. Daqui resulta que os interessados, longe de poderem invocar os direitos de defesa reconhecidos às pessoas contra quem está aberto um procedimento (v. n.° 136 supra), gozam exclusivamente do direito a serem associados ao procedimento administrativo na medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, Colect., p. II‑2405, n.os 59 e 60, e Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, n.° 136 supra, n.° 125).

148    Além disso, foi já enunciado que, não podendo embora a Comissão ser obrigada a apresentar uma análise cabal do auxílio em causa na sua comunicação relativa à abertura desse procedimento, é necessário, em contrapartida, que defina suficientemente o âmbito da sua investigação, para não esvaziar de sentido o direito dos interessados a apresentarem as suas observações [acórdão Kuwait Petroleum (Nederland)/Comissão, n.° 137 supra, n.° 85].

149    Contudo, o direito de informação que assiste aos interessados não excede o de ser ouvido pela Comissão. Em especial, não pode ser estendido ao direito geral de se pronunciar sobre todos as questões potencialmente capitais suscitadas no decurso do procedimento formal de exame (v. despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Abril de 2002, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, T‑198/01 R, Colect., p. II‑2153, n.° 84 e a jurisprudência aí indicada).

150    Tendo em conta estes princípios, cabe observar que a decisão de início, que identificava precisamente o auxílio em questão, foi publicada no Jornal Oficial (v. n.° 38 supra). Por conseguinte, a France Télécom foi avisada de modo bastante da existência de um procedimento de exame e colocada na posição de apresentar todas as observações que entendesse úteis.

151    Ao que acresce que, tendo indicado na decisão de início que encarava a possibilidade de considerar que a imposição de montante fixo constituía uma participação nos resultados de gestão, a Comissão colocou a France Télécom na posição de poder discutir utilmente a natureza da referida imposição (v. n.° 139 supra).

152    Quanto ao argumento relativo à pretensa contradição entre os n.os 29 e 33 da decisão de início, por um lado, e o n.° 63 da mesma decisão, por outro, também não pode prosperar. Embora seja certo que, no n.° 29 da decisão de início, a Comissão utilizou a expressão «regime de fiscalidade que exorbita do direito comum», a intenção de a Comissão excluir, na fase da abertura do procedimento formal de exame, a possibilidade de uma compensação entre a imposição de montante fixo e o imposto profissional devido pela France Télécom relativamente aos anos de 1991 a 1993 resultava claramente do conjunto da decisão. Assim, a France Télécom foi colocada na posição de poder apresentar todas as observações destinadas a que fosse admitida esta compensação.

153    Portanto, o primeiro fundamento da France Télécom deve forçosamente ser julgado improcedente.

5.     Quanto à existência de um auxílio de Estado

 Argumentos das partes

 Quanto à existência de justificações relacionadas com a economia geral do sistema fiscal

154    A France Télécom, com a primeira parte do seu segundo fundamento, alega que o regime especial de tributação se justifica por considerações que se prendem com a economia geral do sistema e que, consequentemente, não está preenchida a condição de selectividade da medida em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2002, Diputación Foral de Álava/Comissão, T‑346/99 a T‑348/99, Colect., p. II‑4259, n.° 58). De resto, na comunicação sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas que publicou em 1998 (JO C 384, p. 3), a Comissão reconheceu que as medidas «cuja racionalidade económica as torna necessárias ou funcionais em relação à eficácia do sistema fiscal» não deviam ser necessariamente consideradas auxílios de Estado.

155    Ora, o regime especial de tributação terá tido como único objectivo preservar o nível das receitas que a administração das PTT angariava para o Estado antes da sua transformação em pessoa pública e evitar que estas receitas fossem transferidas do Estado para as autarquias, tendo simultaneamente em conta a dificuldade de instituir logo a partir de 1991 uma imposição por município. Estas medidas eram, pois, justificadas pela economia do sistema fiscal e não constituíam auxílios de Estado.

156    A Comissão alega que a questão de saber se uma medida que institui uma vantagem selectiva, como o regime especial de tributação, pode ser justificada por considerações que se prendem com a natureza ou a economia do sistema requer uma análise objectiva do sistema fiscal francês em geral e do sistema do imposto profissional em particular. Nesta matéria, o ónus da prova incumbe ao Estado‑Membro. Invoca a este propósito as conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas no processo que esteve na origem do acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1999, Itália/Comissão (C‑6/97, Colect., p. I‑2981, I‑2983).

157    Ora, a República Francesa nunca sustentou, nem durante o procedimento administrativo nem no seu recurso para o Tribunal de Primeira Instância, que podia existir no caso em apreço uma justificação como a avançada pela France Télécom no quadro da primeira parte do seu segundo fundamento. A Comissão não vê, por seu turno, qualquer razão para se poder afirmar que o tratamento vantajoso concedido à France Télécom resultava de uma qualquer exigência do sistema do imposto profissional em França.

 Quanto à natureza da imposição de montante fixo

158    A República Francesa sustenta, em primeiro lugar, e a France Télécom alega igualmente, na segunda parte do seu segundo fundamento, que a imposição à qual foi sujeita a France Télécom relativamente aos anos de 1991 a 1993, por força dos artigos 18.° e 19.° da Lei 90‑568, é de natureza puramente fiscal.

159    A República Francesa e a France Télécom começam por alegar que as disposições da Lei 90‑568 relativas à imposição em proveito do orçamento geral do Estado a que foi sujeita a France Télécom no período de 1991 a 1993, a saber, os artigos 18.° e 19.° da Lei 90‑568, constam do Capítulo IV, intitulado «Fiscalidade», e não tinham outra finalidade que não fosse angariar receitas fiscais comparáveis aos recursos que proporcionavam ao orçamento do Estado os excedentes obtidos pela administração das PTT antes da criação da France Télécom.

160    Remetem para o relatório n.° 1229, de 11 de Abril de 1990, do deputado Fourré, relator em nome da Comissão da Produção e do Comércio da Assembleia Nacional, relativo ao projecto de lei na origem da adopção da Lei 90‑568. Segundo este, a derrogação ao regime normal prevista pelo artigo 19.° da Lei 90‑568 estava justificada pelo intuito de angariar, através de um imposto especial, recursos comparáveis, em proveito do orçamento do Estado, à imposição paga até à criação da France Télécom pela administração das PTT. Além do mais, este regime especial de tributação devia ser limitado ao tempo necessário, tendo em conta a esperada expansão do volume de negócios, para que a cobrança da tributação à France Télécom nos termos do direito comum proporcionasse receitas de um montante comparável ao da tributação especial.

161    A imposição de montante fixo, prevista no artigo 19.° da Lei 90‑568, tem, pois, natureza fiscal, em razão da posição que ocupa no texto da já referida lei e do seu objecto. Com efeito, substitui todos os impostos do regime normal que a France Télécom, na ausência deste regime especial de tributação, deveria ter pago. De resto, nos considerandos 28, 29 e 36 da decisão impugnada, a Comissão admitiu que a imposição especial «apresenta elementos típicos de uma tributação».

162    A República Francesa e a France Télécom criticam, seguidamente, a qualificação de «participação nos resultados de exploração» que lhe foi dada pela Comissão no considerando 27 da decisão impugnada.

163    Por um lado, a República Francesa contesta a pertinência da equivalência operada, no considerando 24 da decisão impugnada, entre o «benefício que as PTT pagavam ao Estado em 1989 e 1990» e a imposição de montante fixo.

164    Com efeito, a contribuição dos benefícios angariados pela administração das PTT para o orçamento do Estado resulta das regras orçamentais nacionais, nos termos das quais o saldo dos orçamentos anexos, como o das PTT, é imputado ao orçamento geral, sem que seja necessária uma qualquer decisão de gestão, como o pagamento de um dividendo, ou de tributação. A situação da France Télécom, pessoa pública dotada de autonomia jurídica, em contrapartida, não pode ser comparada à situação anterior, na qual as PTT eram um serviço público da administração do Estado.

165    Por outro lado, pela sua própria natureza, a imposição de montante fixo tem carácter puramente fiscal, excluindo esta qualificação que se possa tratar, mesmo parcialmente, de uma participação nos resultados de exploração.

166    Em primeiro lugar, a decisão na origem desta imposição é de natureza legislativa, tendo a instituição da tributação sido fixada pelo artigo 19.° da Lei 90‑568 e sendo o seu montante anual definido todos os anos por uma lei de finanças. Pelo contrário, uma simples distribuição de dividendos não teria exigido a adopção de uma lei.

167    Em segundo lugar, o montante de um dividendo ou de uma participação nos resultados de exploração não teria podido ser determinado antes de ser conhecido o resultado do exercício. Ora, o montante máximo da imposição de montante fixo foi determinado no momento da entrada em vigor da Lei 90‑568 e o montante efectivamente liquidado à France Télécom pelas leis de finanças dos anos de 1991 a 1993 foi, em cada ano, igual ao máximo fixado no artigo 19.° da Lei 90‑568. Pelo contrário, o montante de um dividendo dependeria do resultado efectivamente realizado no decurso do exercício.

168    Em terceiro lugar, a imposição de montante fixo foi inscrita na coluna dos encargos na contabilidade da France Télécom, o que é compatível com a natureza fiscal desta imposição. Pelo contrário, o pagamento de uma participação não teria qualquer incidência nos resultados da exploração, mas teria reduzido os fundos próprios.

169    Em quarto lugar, durante o período de 1994 a 1996, durante o qual foi operada a transformação da France Télécom em sociedade anónima, os resultados da empresa (21,2 mil milhões de FRF) duplicaram comparativamente ao período de 1991‑1993 (10,1 mil milhões de FRF). Ora, durante este mesmo período, a France Télécom nunca teve de entregar participações nos resultados.

170    Em quinto lugar, a Comissão não faz sequer um início de demonstração a respeito da alegação, que figura no considerando 31 da decisão impugnada, segundo a qual a imposição especial tinha uma natureza mista, parcialmente fiscal e parcialmente de remuneração da participação do Estado.

171    Segundo a Comissão, a questão de saber se a imposição de montante fixo era de natureza fiscal está desprovida de pertinência, posto que, mesmo supondo que tal seja o caso, não podia ser realizada a compensação entre esta imposição e a diferença de tributação constatada todos os anos de 1994 a 2002. Com efeito, as imposições liquidadas à France Télécom relativamente aos anos de 1991 a 1993, por um lado, substituiriam o conjunto dos impostos que seriam normalmente liquidados à France Télécom e, por outro, não podem ser consideradas um adiantamento relativamente às liquidações do imposto profissional a que deveria ser sujeita a France Télécom a partir do ano de 1994.

172    Quanto à natureza da imposição de montante fixo, a Comissão entende que, em todo o caso, no máximo, só parcialmente assumiria carácter fiscal, e contesta o conjunto dos argumentos das recorrentes nesta matéria.

 Quanto ao carácter indivisível do regime fiscal aplicável à France Télécom durante o período de 1991 a 2002

173    A República Francesa alega em segundo lugar, e a France Télécom sustenta, na terceira parte do seu segundo fundamento, que o regime fiscal específico da France Télécom instituído pela Lei 90‑568 tem carácter global, abrangendo o conjunto do período de 1991 a 2002, e não correspondia à vontade de os poderes públicos concederem à France Télécom a mínima vantagem.

174    Com efeito, a Lei 90‑568 fixou desde o início um regime fiscal global único, dividido em dois períodos. Durante a primeira fase, de 1991 a 1993, a fixação de uma contribuição que substituía o conjunto dos impostos directos do regime normal, em particular o imposto profissional, teve por único objectivo evitar uma perda de receitas para o orçamento do Estado. Durante a segunda fase, de 1994 a 2002, como as autoridades francesas afirmaram na sua resposta de 26 de Setembro de 2001 ao primeiro pedido de informações proveniente da Comissão (v. n.° 37 supra), a sujeição da France Télécom ao imposto profissional no local do seu principal estabelecimento apenas visou evitar uma transferência de receitas do orçamento do Estado para o das autarquias nas quais a France Télécom possuía um estabelecimento, e não, de modo algum, conferir uma vantagem à France Télécom. De resto, a existência de uma diferença de tributação durante o período de 1994 a 2002 só foi constatada a posteriori.

175    Uma vez que a Lei 90‑568 instituiu um regime fiscal único, as modalidades sucessivas de sujeição da France Télécom ao imposto profissional revestem um carácter indissociável e devem, por esse facto, ser analisadas em mútua relação. Aliás, foi assim que a Comissão procedeu, indicando, na decisão de início, que, quando se referia ao «regime» ou ao «regime derrogatório», pretendia com tal significar «o regime transitório e o regime definitivo». Não se tendo verificado uma alteração material do regime inicial, as circunstâncias do presente caso diferem do contexto no qual foi proferido o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 2002, Government of Gibraltar/Comissão (T‑195/01 e T‑207/01, Colect., p. II‑2309, n.° 111).

176    A Comissão entende que a questão de saber se a France Télécom foi sujeita a um regime único de tributação dividido em dois períodos ou a dois regimes sucessivos e distintos está desprovida de interesse, posto ser incontestável que as regras aplicáveis do ano de 1991 ao ano de 1993 eram diferentes das aplicáveis do ano de 1994 ao ano de 2002 e que, em todo o caso, e mesmo supondo que se tratava de um único regime, não era possível prever a compensação preconizada pela República Francesa.

 Quanto à necessidade de proceder a uma compensação

177    A República Francesa entende, em terceiro lugar, e a France Télécom sustenta, na quarta parte do seu segundo fundamento, que a Comissão deveria ter efectuado uma compensação entre o excedente de tributação ao qual foi sujeita a France Télécom do ano de 1991 ao ano de 1993 e a diferença de tributação de que esta beneficiou do ano de 1994 ao ano de 2002.

178    Em primeiro lugar, a República Francesa e a France Télécom contestam o raciocínio exposto pela Comissão nos considerandos 38 e 41 da decisão impugnada para se recusar a proceder a uma compensação entre o excedente de tributação ao qual foi sujeita a France Télécom do ano de 1991 ao ano de 1993 e a diferença de tributação de que esta última beneficiou do ano de 1994 ao ano de 2002. Alegam que a remissão feita pela Comissão para o acórdão de 19 de Maio de 1999, Itália/Comissão, n.° 156 supra, bem como para a sua Decisão 2002/581/CE, de 11 de Dezembro de 2001, relativa ao regime de auxílios estatais que a Itália concedeu aos bancos (JO 2002, L 184, p. 27), está desprovida de pertinência, uma vez que, no presente caso, a imposição de montante fixo tinha a mesma natureza que o imposto profissional ao qual foi sujeita de 1994 a 2002 e que o conjunto destas medidas foi instituído por uma mesma lei.

179    De resto, nos n.os 28, 33 e 116 da decisão de início, a própria Comissão admitiu que a Lei 90‑568 tinha instituído um regime «derrogatório» único, expressão com a qual a própria Comissão esclareceu que pretendia significar simultaneamente o regime «transitório» – a saber, as modalidades relativas à imposição de montante fixo – e o regime «definitivo» – isto é, o regime especial de tributação.

180    Em segundo lugar, as autoridades francesas e a France Télécom sustentam que a Comissão estava obrigada a proceder a uma análise global do impacto de uma medida susceptível de ser qualificada de auxílio de Estado.

181    A título liminar, a República Francesa e a France Télécom observam que a Comissão já tinha procedido, no passado, a uma compensação plurianual, tomando em consideração o conjunto dos produtos e dos encargos relativo ao mecanismo do Livret bleu [caderneta de poupança], na sua Decisão 2003/216/CE, de 15 de Janeiro de 2002, relativa ao auxílio estatal executado pela República Francesa a favor do Crédit Mutuel (JO 2003, L 88, p. 39).

182    De igual modo, na Decisão 2000/735/CE, de 21 de Abril de 1999, sobre o tratamento aplicado pelas autoridades fiscais neerlandesas ao acordo technolease entre a Philips e o Rabobank (JO 2000, L 297, p. 13), a Comissão considerou o conjunto dos efeitos no tempo do regime fiscal que examinava sem recorrer à noção de crédito de imposto.

183    Mais ainda, a própria Comissão procedeu à compensação entre encargos de natureza diferente na Decisão 1999/676/CE, de 20 de Julho de 1999, relativa a supostos auxílios concedidos pela França à Sécuripost (JO L 274, p. 37), e também mesmo na decisão impugnada, quando aceitou a compensação entre a imposição de montante fixo, que considerava ter natureza mista, fiscal e não fiscal, por um lado, e os montantes de imposto profissional devidos pela France Télécom relativamente aos anos de 1991 a 1993, por outro.

184    De um modo mais geral, a República Francesa entende que incumbe à Comissão o dever de proceder a um exame global das medidas susceptíveis de ser qualificadas de auxílio de Estado tendo em conta os critérios definidos no artigo 87.°, n.° 1, CE. Esta obrigação decorre da finalidade desta disposição. Um exame global é necessário, em especial para apreciar se a medida em causa poderá falsear a concorrência e se constitui uma vantagem. Acresce que o dever de proceder ao exame global da disciplina instituída pela Lei 90‑568 relativamente ao conjunto do período decorrido de 1991 a 2002 resulta também da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão, T‑67/94, Colect., p. II‑1, n.° 76).

185    Em terceiro lugar, a República Francesa e a France Télécom alegam que, no caso em apreço, a compensação entre as duas fases do regime fiscal revela um excedente de tributação relativamente ao direito comum no conjunto do período decorrido de 1991 a 2002 e que, consequentemente, a France Télécom não beneficiou de qualquer vantagem.

186    Após salientar que a Comissão tinha reconhecido que a France Télécom tinha sido objecto de um excedente de tributação no tocante à totalidade do período de 1991 a 2002, a República Francesa estima o respectivo montante em, no mínimo, 1,4 mil milhões de euros e, provavelmente, em mais de 1,7 mil milhões de euros. Tendo considerado que a France Télécom tinha beneficiado de uma vantagem que constituía um auxílio de Estado, a Comissão cometeu, pois, um erro de direito e um manifesto erro de apreciação que justificam que o Tribunal anule a decisão impugnada.

187    Contudo, no tocante à compensação entre os períodos, a France Télécom esclarece que «o alegado montante do défice de tributação durante o período de 1994 a 2002 resulta unicamente de uma simples simulação e não permite de modo algum estabelecer de modo seguro o montante do auxílio do qual alegadamente terá beneficiado no período de 1994 a 2002».

188    A Comissão entende que a compensação pedida pela República Francesa e pela France Télécom conduziria a abolir a necessária distinção entre as obrigações que o Estado deve assumir enquanto accionista e as obrigações que lhe podem incumbir enquanto pessoa pública.

189    Admitir a possibilidade de tal compensação, segundo a Comissão, tornaria, na prática, impossível o controlo dos auxílios concedidos às empresas públicas. A compensação pedida no presente caso pela República Francesa e pela France Télécom vai muito além da compensação entre os encargos e os produtos relacionados com uma missão de serviço público, ou seja, o que estava em causa no procedimento que conduziu à Decisão 2003/216. A teoria da República Francesa conduziria a admitir‑se a compensação de qualquer encargo com um encargo mais elevado, mas de natureza diferente. Ora, tal compensação é excluída pela jurisprudência (acórdão de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, n.° 66 supra, n.° 34).

190    Na tréplica, a Comissão contesta a interpretação da República Francesa segundo a qual já tinha procedido, no procedimento que conduziu à Decisão 2000/735, à compensação entre os efeitos a curto e a longo prazo de uma medida fiscal. A Comissão alega que, nesse procedimento, excluiu que a medida em causa pudesse ser considerada um auxílio de Estado após ter referido que o dispositivo em causa consistia na aplicação pura e simples das regras fiscais de direito comum. Consequentemente, nesse procedimento, não tinha sido preenchida a condição de selectividade.

 Apreciação do Tribunal

 Quanto à existência de uma vantagem

191    No presente caso, as partes defendem posições opostas quanto à questão de saber se a France Télécom beneficiou de uma vantagem ao abrigo do regime especial de tributação.

192    No considerando 42 da decisão impugnada, a Comissão definiu a vantagem da qual entende ter beneficiado a France Télécom como sendo constituída pela «diferença entre o imposto profissional efectivamente pago pela [France Télécom] e o que teria devido por força do regime normal entre 1 de Janeiro de 1994 e 1 de Janeiro de 2003».

193    Nos seus articulados, as recorrentes não contestam expressamente a existência de uma diferença de tributação em proveito da France Télécom durante o período de 1994 a 2002, mas criticam à Comissão ter abusivamente dissociado este período daquele durante o qual a France Télécom esteve sujeita à imposição de montante fixo (1991 a 1993) e, consequentemente, ter erradamente recusado proceder a uma compensação entre os fluxos de tributação relativos a estes dois períodos. Na audiência, em contrapartida, a France Télécom alegou a inexactidão dos cálculos em que a Comissão se baseou para a sua estimativa segundo a qual, durante o período de 1994 a 2002, a empresa tinha beneficiado de uma diferença de tributação.

194    Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE, salvo as derrogações previstas no Tratado CE, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções. Por força de jurisprudência assente, a qualificação de auxílio de Estado exige que todas as condições enumeradas no artigo 87.°, n.° 1, CE estejam cumulativamente preenchidas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, Colect., p. I‑7747, n.os 74 e 75 e jurisprudência aí indicada).

195    Quanto à noção de vantagem na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, abrange qualquer medida que isente uma empresa de um encargo que, de outro modo, deveria suportar. Com efeito, de acordo com jurisprudência assente, o conceito de auxílio é mais lato que o de subvenção, pois abrange não apenas prestações positivas, como as próprias subvenções, mas também as intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, e que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, Colect., p. I‑10901, n.° 77 e jurisprudência aí indicada).

196    Assim, uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas uma isenção fiscal que, embora não implique transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE (v. acórdãos de 19 de Maio de 1999, Itália/Comissão, n.° 156 supra, n.° 16, e de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, n.° 195 supra, e jurisprudência aí indicada).

197    Além disso, a natureza dos objectivos prosseguidos pelas medidas estatais e a sua justificação não têm qualquer incidência na sua qualificação de auxílio. Com efeito, segundo jurisprudência assente, o artigo 87.° CE não faz a distinção segundo as causas ou os objectivos das intervenções estatais, mas define‑as em função dos seus efeitos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 2003, Espanha/Comissão, C‑409/00, Colect., p. I‑1487, n.° 46 e jurisprudência aí indicada).

198    A fim de apurar no presente caso o acerto da conclusão da Comissão relativa à existência de uma vantagem em proveito da France Télécom representada pela diferença de tributação de que esta beneficiou de 1994 a 2002, convém, pois, em primeiro lugar, apreciar a questão de saber se a Comissão podia examinar o regime especial de tributação independentemente da imposição de montante fixo. Em segundo lugar, há que verificar se foi com razão que a Comissão se recusou a proceder a uma compensação entre a diferença de tributação de que beneficiou a France Télécom relativamente os anos de 1994 a 2002 e o excedente de tributação liquidado, segundo as recorrentes, à empresa relativamente aos anos de 1991 a 1993. Em terceiro lugar, importa apreciar a realidade da existência de uma diferença de tributação relativamente ao período de 1994 a 2002.

–       No que respeita à possibilidade de examinar o regime especial de tributação independentemente da imposição de montante fixo

199    Segundo a jurisprudência, a Comissão tem o dever de considerar globalmente as medidas complexas para determinar se estas conferem à empresa beneficiária uma vantagem económica que não teria obtido em condições normais de mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1996, SFEI e o., C‑39/94, Colect., p. I‑3547, n.° 60; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BP Chemicals/Comissão, T‑11/95, Colect., p. II‑3235, n.os 169 e 170).

200    Está assente que a Lei 90‑568 instituiu um regime fiscal derrogatório, aplicável nomeadamente à France Télécom, caracterizado por uma repartição em duas fases. No decurso da primeira fase, de 1991 a 1993, a France Télécom não estava sujeita a qualquer imposto ou contribuição para além da imposição de montante fixo. Durante a segunda fase, que começou em 1994 e não tinha, inicialmente, um prazo preciso para o seu termo, a France Télécom estava sujeita a todos os impostos do regime normal, mas estava‑o, relativamente aos impostos locais, entre os quais o imposto profissional, de acordo com modalidades que derrogavam o direito comum, que constituem o regime especial de tributação. Assim, é correctamente que as recorrentes alegam que o conjunto das disposições relativas às modalidades de tributação da France Télécom relativamente aos anos de 1991 a 2002 figura no mesmo capítulo da lei já referida e foi instituído por um único acto jurídico.

201    Todavia, resulta da decisão impugnada que a Comissão não considerou que o auxílio em questão era constituído pelas disposições fiscais especiais aplicáveis à France Télécom, mas pela diferença de tributação representada pela diferença entre o montante das cobranças de imposto profissional que teria sido devido pela empresa se tivesse estado sujeita ao imposto do regime normal e o que lhe foi efectivamente liquidado por força das disposições fiscais especiais a que estava sujeita (v. considerando 42 da decisão impugnada).

202    Donde resulta que, devido à anualidade do imposto profissional prevista no artigo 1447.°, ponto I, e no artigo 1478.°, ponto I, do Código Geral dos Impostos (v. n.° 17 supra), uma vantagem como a que foi definida no considerando 42 da decisão impugnada não podia ser verificada uma vez por todas num momento preciso, mas devia sê‑lo para cada ano em que era devido o imposto profissional pela France Télécom. Portanto, a Comissão não podia proceder a uma análise global e a priori do conjunto das disposições pertinentes da Lei 90‑568 em vigor de 1991 a 2002 e foi com razão que, pelo contrário, raciocinou ano a ano (v. considerandos 54 e 58 da decisão impugnada).

203    Foi igualmente com acerto que a Comissão referiu, no considerando 36 da decisão impugnada, que as regras aplicáveis à France Télécom durante o período de 1991 a 1993 (imposição de montante fixo) eram diferentes das que estiveram em vigor durante o período de 1994 a 2002 (regime especial de tributação). Assim, a Comissão entendeu que, durante o primeiro período, a imposição de montante fixo tinha integralmente substituído o montante do imposto profissional que teria sido devido anualmente pela France Télécom nos termos do direito comum (considerando 33 da decisão impugnada). Em contrapartida, segundo a Comissão, a sujeição da France Télécom ao regime especial de tributação conduziu em cada ano, durante o segundo período, a uma diferença de tributação em proveito da empresa.

204    Nestas condições, a Comissão podia, sem incumprir o seu dever de proceder a um exame global das medidas susceptíveis de instituir auxílios de Estado, distinguir, na sua análise, o regime especial de tributação do da imposição de montante fixo.

–       No que respeita à possibilidade de uma compensação

205    As recorrentes alegam que a vantagem constituída pela diferença de tributação favorável à France Télécom de 1994 a 2002 é mais do que compensada pelo montante das imposições de montante fixo às quais a empresa foi sujeita de 1991 a 1993. Para justificar que se proceda a esta compensação, a República Francesa e a France Télécom sustentam que a Lei 90‑568 instituiu um regime de tributação único e que a imposição de montante fixo era de natureza exclusivamente fiscal.

206    Por força da jurisprudência, a Comissão, quando examina uma medida susceptível de constituir um auxílio de Estado, tem o dever de tomar em consideração o conjunto dos seus efeitos para o beneficiário potencial e, nomeadamente, deduzir, eventualmente, os encargos específicos que oneram uma vantagem (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1970, França/Comissão, 47/69, Colect., p. 391, n.° 7).

207    Em contrapartida, a mera circunstância de determinada medida de isenção ser compensada, do ponto de vista do beneficiário, pelo agravamento de um encargo específico distinto e sem relação com a primeira não permite que essa primeira escape à qualificação de auxílio de Estado (acórdão de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, n.° 195 supra, n.° 34).

208    A procedência do argumento das recorrentes segundo o qual o excedente de tributação pago pela France Télécom de 1991 a 1993 devido à imposição de montante fixo compensa a diferença de tributação da qual esta beneficiou de 1994 a 2002 depende, pois, da análise das características objectivas da imposição de montante fixo e da questão de saber se pode ser considerada um encargo inerente à vantagem que, eventualmente, a France Télécom retirou da sua sujeição ao regime especial de tributação.

209    A este respeito, importa lembrar que a Lei 90‑568 instituiu um regime fiscal derrogatório, aplicável nomeadamente à France Télécom, caracterizado por uma repartição em duas fases. No decurso da primeira fase, de 1991 a 1993, a France Télécom não estava sujeita a qualquer imposto ou contribuição para além da imposição de montante fixo. Durante a segunda fase, que, inicialmente, devia começar em 1994 e não tinha um prazo preciso para o seu termo, a France Télécom estava sujeita a todos os impostos do regime normal, mas estava‑o, relativamente aos impostos locais, entre os quais o imposto profissional, de acordo com modalidades que derrogavam o direito comum, que constituem o regime especial de tributação.

210    Além disso, resulta da argumentação da República Francesa, a qual remete para o relatório sobre o projecto de lei que conduziu à adopção da Lei 90‑568, apresentado à Assembleia Nacional francesa em 11 de Abril de 1990, que a derrogação ao regime do direito comum prevista pelo artigo 19.° da referida lei – ou seja, a imposição de montante fixo – se justificava pelo intuito de angariar, por meio de um imposto especial, recursos comparáveis, em proveito do orçamento do Estado, à imposição paga até à criação da France Télécom pela administração das PTT, durante o tempo necessário, tendo em conta a esperada expansão do volume de negócios, de molde a que a cobrança da tributação à France Télécom nos termos do direito comum proporcionasse receitas de um montante comparável (v. n.° 160 supra). De resto, a imposição de montante fixo foi fixada para cada ano no montante das receitas angariadas anualmente pelo orçamento anexo das PTT até à criação da France Télécom.

211    Resulta, pois, da natureza, dos objectivos e do carácter temporário da imposição de montante fixo que esta substituiu, em cada ano em que foi cobrada à France Télécom, o conjunto das imposições fiscais normalmente devidas pela France Télécom relativamente ao ano em causa. Ora, o conjunto destas imposições incluía todos os impostos directos a que estão normalmente sujeitas as empresas – a saber, nomeadamente, não apenas o imposto profissional, mas ainda o imposto sobre as sociedades e o imposto fundiário.

212    Em contrapartida, a imposição de montante fixo, devido à sua anualidade e ao seu carácter temporário, não teve por efeito substituir os tributos evitados, eventualmente, durante os anos posteriores. Com efeito, o desaparecimento da imposição de montante fixo, a partir do ano de 1994, resulta do facto de, segundo os preceitos adoptados pelo legislador, a sujeição da France Télécom aos impostos do regime de direito comum e ao regime especial de tributação no tocante ao imposto profissional, dever proporcionar ao Estado receitas comparáveis às angariadas até 1990 pelo orçamento anexo das PTT, receitas estas que a imposição de montante fixo tinha por objecto garantir de 1991 a 1993.

213    Portanto, a imposição de montante fixo não pode ser considerada um encargo inerente à instituição do regime especial de tributação, mas antes uma modalidade especial de tributação da France Télécom instituída para os anos anteriores a 1994. Assim sendo, a Comissão não podia tomar em consideração a compensação pedida pelas recorrentes e foi de modo juridicamente correcto que procedeu a uma análise anual das consequências da sujeição da France Télécom a uma fiscalidade especial.

214    Com efeito, mesmo supondo que, como sustenta a República Francesa, a imposição de montante fixo tenha tido, em direito francês, uma natureza exclusivamente fiscal, importa lembrar que esta substituiu, de 1991 a 1993, todas as imposições fiscais em proveito do Estado que eram devidas pela France Télécom e não apenas o imposto profissional. Ora, um desagravamento de encargos como o regime especial de tributação – o qual sujeitou a France Télécom, de 1994 a 2002, a liquidações de imposto profissional inferiores àquelas que teriam sido cobradas à empresa segundo o direito comum – não pode ser compensado pela imposição de um encargo específico diferente – a saber, no caso em apreço, um pagamento que substituiu todos os outros impostos salvo o imposto profissional, bem como, eventualmente, o pagamento de dividendos (v., neste sentido, acórdão de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, n.° 195 supra, n.° 34).

215    Acresce que a mera circunstância de a imposição de montante fixo e o regime especial de tributação terem sido ambos instituídos pela Lei 90‑568 não permite estabelecer que a sujeição da France Télécom à imposição de montante fixo era inerente à instituição do regime especial de tributação. Com efeito, o facto de a imposição de montante fixo e o regime especial de tributação terem sido instituídos pelo mesmo acto legislativo, como foi recordado no n.° 200 supra, não basta para demonstrar que a instituição do regime especial de tributação a partir de 1994 tenha tornado necessária a instituição da imposição de montante fixo de 1991 a 1993, ou que a aplicação da imposição de montante fixo durante os anos de 1991 à 1993 tenha implicado a do regime especial de tributação relativamente aos anos posteriores a 1994.

216    Além disso, tendo em conta as modalidades de determinação do montante da imposição de montante fixo, igual em cada ano às receitas até então angariadas anualmente pelo orçamento anexo das PTT, a República Francesa também não conseguiu demonstrar que as modalidades de tributação específicas ao período de 1991 a 1993 foram instituídas em previsão de uma tributação menos elevada durante o período posterior. Pelo contrário, o facto de, na origem, não ter sido previsto qualquer limite de duração à aplicação do regime especial de tributação leva a supor que o Estado‑Membro considerava suficiente o nível das receitas fiscais angariadas pelo regime especial de tributação e, por si só, contradiz a lógica segundo a qual a imposição de montante fixo destinava‑se a substituir uma tributação insuficiente a partir de 1994.

217    De resto, tal argumento entra igualmente em contradição com aquele, avançado pelas recorrentes, segundo o qual o regime especial de tributação não tinha por objecto sujeitar a France Télécom a uma fiscalidade menos pesada que a do direito comum. Em todo o caso, cabe recordar, a este propósito, que os auxílios de Estado não se caracterizam pelas suas causas ou pelos seus objectivos, mas são definidos em função dos seus efeitos (v. acórdão Espanha/Comissão, n.° 197 supra, n.° 16 e jurisprudência aí indicada).

218    Donde se conclui que foi correctamente que a Comissão se recusou a operar uma compensação entre os montantes da imposição de montante fixo pagos pela France Télécom de 1991 a 1993, por um lado, e as diferenças de tributação decorrentes, eventualmente, do regime especial de tributação relativamente aos anos de 1994 a 2002, por outro.

–       No que respeita à existência de uma diferença de tributação

219    Resulta dos considerandos 54 a 59 da decisão impugnada que, para estabelecer que a France Télécom tinha suportado uma tributação inferior àquela a que teria estado sujeita se lhe tivesse sido cobrado o imposto profissional nos termos do direito comum, a Comissão se baseou nos dados numéricos que lhe foram comunicados pela República Francesa no decurso do procedimento administrativo.

220    Com efeito, está assente que, no mínimo por três vezes durante o procedimento administrativo (v. n.os 39, 43 e 51 supra), a República Francesa comunicou à Comissão dados dos quais se retirava que, em todos os anos, de 1994 a 2002, a France Télécom tinha beneficiado de uma diferença de tributação. O montante preciso do auxílio em questão não pôde ser determinado pela Comissão devido ao carácter divergente dos dados fornecidos pelo Estado‑Membro, mas, no considerando 59 da decisão impugnada, a Comissão indicou que este montante devia estar compreendido dentro de uma margem cujos montantes mínimo e máximo constituem simplesmente uma referência aos elementos comunicados pelas autoridades francesas (v. igualmente, neste sentido, acórdão Comissão/França, n.° 87 supra, n.os 31 a 35).

221    É certo que, durante o procedimento administrativo, as autoridades francesas insistiram no carácter aproximativo das estimativas de 15 de Maio de 2003 e de 5 de Julho de 2004. Porém, tanto durante o procedimento administrativo como nos articulado que apresentaram ao Tribunal, apoiaram‑se nestes números para tentar demonstrar que a France Télécom tinha sido sujeita a uma fiscalidade mais pesada do que a que teria resultado da aplicação do direito comum durante o período 1991‑2002, tomado no seu conjunto.

222    Assim, as autoridades francesas, em resposta à decisão de início, indicaram o seguinte no seu ofício de 15 de Maio de 2003 (v. n.° 39 supra):

«Esta análise definitiva, sem prejuízo do exame dos processos da Comissão e das observações dos terceiros, confirma que a France Télécom não beneficiou, nos termos do regime fiscal que lhe foi aplicado entre 1991 e 2002, de [uma] vantagem susceptível de constituir um auxílio de Estado.

Com efeito, longe de ter beneficiado de um auxílio de Estado ao abrigo do regime específico de tributação ao qual esteve sujeita, a France Télécom pagou, pelo contrário, um excedente de tributação significativo, superior a 1,4 mil milhões de euros, sem actualização.»

223    É, pois, forçoso constatar que, durante o procedimento administrativo, as informações comunicadas à Comissão foram apresentadas como sendo aproximativas, mas não como duvidosas no que respeita à existência de uma diferença de tributação da qual beneficiou a France Télécom de 1994 a 2002.

224    Nestas condições, foi em vão que a France Télécom alegou na audiência que os dados de que partiu a Comissão na decisão impugnada provinham de extrapolações e não tinham qualquer relação com a realidade. Com efeito, a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, Colect., p. I‑2577, n.° 54 e jurisprudência aí indicada).

225    Donde se conclui que foi com acerto que a Comissão constatou que, de 1994 a 2002, a France Télécom tinha beneficiado, ano a ano, de uma vantagem selectiva, constituída pela existência, em seu proveito, de uma diferença de tributação.

 Quanto à justificação através da invocação da coerência do sistema fiscal

226    A France Télécom sustenta que a diferença de tributação de que beneficiou se justifica pela economia geral do sistema fiscal e não constitui, consequentemente, um auxílio de Estado.

227    O artigo 87.°, n.° 1, CE proíbe os auxílios que favoreçam certas empresas ou certas produções, isto é, os auxílios selectivos (acórdão de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, n.° 195 supra, n.° 94; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, C‑143/99, Colect., p. I‑8365, n.° 34).

228    Para efeitos de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, há que determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer certas empresas ou certas produções relativamente a outras empresas que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável à luz do objectivo prosseguido pela medida em causa (v. acórdão Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, n.° 227 supra, n.° 41 e jurisprudência aí indicada).

229    Todavia, é jurisprudência assente que o conceito de auxílio de Estado não abrange as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas, e que, portanto, são a priori selectivas, quando essa diferenciação resulta da natureza ou da economia do sistema de imposições em que se inscrevem (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, Colect., p. I‑7115, n.° 52; v. igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, n.° 66 supra, n.° 33, e de 15 de Dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, Colect., p. I‑11137, n.° 51).

230    A justificação baseada na natureza ou na economia geral do sistema fiscal remete para a coerência de uma medida fiscal com a lógica interna do sistema fiscal no qual se inscreve (v. acórdão Diputación Foral de Álava/Comissão, n.° 154 supra, n.° 59 e jurisprudência aí indicada).

231    No caso em apreço, o carácter a priori selectivo do auxílio em questão não suscita qualquer dúvida, pois resulta da Lei 90‑568 que o regime especial de tributação era aplicável unicamente à France Télécom e a uma outra empresa. Está, efectivamente, assente que o regime especial de tributação constitui um regime fiscal derrogatório relativamente às regras aplicáveis em matéria de imposto profissional a todas as empresas que se encontram numa situação factual e jurídica comparável à da France Télécom, vistos os objectivos prosseguidos por este imposto, estabelecido segundo a capacidade contributiva dos contribuintes, apreciada de acordo com critérios económicos em função da importância das actividades exercidas por estes no território das autarquias nas quais possuem estabelecimentos (v. n.os 16 a 24 supra).

232    Quanto à questão de saber se o regime especial de tributação encontra justificação na natureza e na economia do sistema fiscal, cabe observar, a título liminar, que tal argumento não foi aduzido pela República Francesa nem durante o procedimento administrativo nem no quadro do presente recurso. Ora, como correctamente observou a Comissão, o ónus da prova da existência de tais justificações pertence, em princípio, ao Estado‑Membro. Donde resulta que a France Télécom não pode, no quadro do presente recurso, invocar, em apoio da sua argumentação, elementos de facto dos quais a Comissão não tinha conhecimento quando adoptou a decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão Nuova Agricast, n.° 224 supra, n.° 54 e jurisprudência aí indicada).

233    Para sustentar que o regime especial de tributação está justificado pela lógica interna do sistema fiscal aplicável às empresas que exercem as suas actividades em França, a France Télécom invoca duas justificações.

234    Por um lado, o regime especial de tributação teria tido por objectivo evitar que o produto do imposto profissional devido pela France Télécom fosse «transferido» do Estado para as autarquias.

235    A este respeito, a France Télécom não demonstrou minimamente que era impossível ao Estado prever que, a partir de 1994, o imposto profissional cobrado à empresa seria liquidado nas condições do direito comum e seguidamente afectado ao orçamento do Estado em vez de o ser ao de cada autarquia em que a empresa dispunha de um estabelecimento.

236    Por conseguinte, mesmo supondo que o objectivo de afectar ao Estado o imposto profissional devido pela France Télécom possa justificar as medidas derrogatórias das quais foi objecto esta empresa, e isto, porém, apesar de o imposto profissional constituir um imposto cujo produto é afectado às autarquias, é forçoso constatar que a recorrente não demonstrou que o mesmo objectivo não teria podido ser atingido por medidas que não lhe conferissem qualquer vantagem.

237    Donde se conclui que a France Télécom não tem razão para sustentar, em todo o caso, que a vantagem selectiva de que beneficiou é a consequência necessária da afectação ao orçamento do Estado do produto do imposto profissional ao qual foi sujeita pelo regime especial de tributação.

238    Por outro lado, segundo a France Télécom, este regime derrogatório foi tornado necessário pela dificuldade de instituir logo em 1991 uma imposição por município, devido, principalmente, à inexistência de uma contabilidade adaptada à repartição das bases do imposto profissional.

239    Há, contudo, que observar que o regime especial de tributação entrou em vigor em 1994, ou seja, durante o quarto ano que se seguiu à transformação da administração das PTT em empresa. Ora, embora a France Télécom tenha indicado que, em 1990, os dados de contabilidade patrimonial necessários à determinação do imposto profissional por estabelecimento não estavam imediatamente disponíveis, em contrapartida não forneceu qualquer justificação de natureza a demonstrar que a repartição por município das bases do imposto profissional, à qual finalmente procedeu com vista à tributação estabelecida relativamente ao ano de 2003, não podia ser realizada logo no início dos anos 90. Com efeito, os dados pertinentes para a tributação estabelecida relativamente ao ano de 1994 eram os relativos ao ano de 1992, que constituía o período de referência para essa tributação (v. n.° 21 supra).

240    Portanto, nenhum dos argumentos apresentados pela France Télécom é de natureza a demonstrar que o regime fiscal derrogatório que foi aplicado e conferiu uma vantagem a esta empresa estava justificado pela natureza e a economia do sistema fiscal.

241    Resulta das precedentes considerações que nenhum dos argumentos invocados pelas recorrentes pode prosperar e que devem ser julgados improcedentes o primeiro fundamento da República Francesa e o segundo fundamento da France Télécom.

6.     No que respeita à aplicação do princípio da protecção da confiança legítima

 Argumentos das partes

242    A República Francesa, com o seu quarto fundamento, apresentado a título subsidiário, e a France Télécom, com a primeira parte do seu quarto fundamento, lembram que, nos termos do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999, a Comissão não pode exigir a recuperação de um auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário e que o princípio da protecção da confiança legítima e o princípio da segurança jurídica fazem parte dos princípios gerais do direito comunitário. No seu relatório C (2004) 434, de 9 de Fevereiro de 2004, sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas, a Comissão admitiu, aliás, que o princípio da protecção da confiança legítima podia obstar a uma decisão de recuperação em casos excepcionais, nomeadamente quando um regime análogo tivesse sido considerado como não se inserindo no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, ou tivesse sido no passado declarado compatível com o mercado comum.

243    Quanto ao alcance deste princípio, a France Télécom sustenta que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância que a possibilidade de se invocar o princípio da protecção da confiança legítima é reconhecida a qualquer operador económico em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito surgir esperanças fundadas [acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1987, Van den Bergh en Jurgens e Van Dijk Food Products (Lopik)/CEE, 265/85, Colect., p. 1155, n.° 44].

244    A France Télécom reconhece que, em princípio, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem ter confiança legítima na regularidade do auxílio se este tiver sido concedido no respeito do procedimento previsto no artigo 88.° CE e que um operador diligente deve normalmente estar na posição de se poder assegurar que este procedimento foi respeitado. Todavia, a jurisprudência não exclui a possibilidade de o beneficiário invocar circunstâncias excepcionais susceptíveis de criar na sua esfera jurídica uma confiança legítima no carácter regular do auxílio (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C‑5/89, Colect., p. I‑3437, n.° 16) e a Comissão reconheceu esta possibilidade nas suas decisões [considerando 80 da Decisão 2004/76/CE da Comissão, de 13 de Maio de 2003, relativa ao regime de auxílio estatal executado pela França a favor dos centros gerais de operações e dos centros logísticos (JO 2004, L 23, p. 1)].

245    No presente caso, a France Télécom é de opinião que existem circunstâncias excepcionais de natureza a criar na sua esfera jurídica a confiança legítima de que o regime especial de tributação não constituía uma vantagem susceptível de ser qualificada de auxílio de Estado.

246    A República Francesa e a France Télécom recordam que o regime fiscal examinado pela Comissão no caso em apreço foi o instituído pelos artigos 18.° a 21.° da Lei 90‑568, como resulta mais especificamente dos n.os 28, 32 e 61 da decisão de início e dos considerandos 17 e 21 da decisão impugnada.

247    Ora, o artigo 21.° da Lei 90‑568 tinha já sido objecto de um exame pelos serviços da Comissão, na sequência de uma denúncia, apresentada em 4 de Maio de 1990 e relativa às regras especiais de sujeição da La Poste ao imposto profissional. Na sua decisão de 8 de Fevereiro de 1995 (JO 1995, C 262, p. 11, a seguir «decisão relativa à La Poste»), a Comissão admitiu que a vantagem fiscal instituída, em proveito da La Poste, pelo artigo 21.° da Lei 90‑568 não constituía um auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão de 27 de Fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão (T‑106/95, Colect., p. II‑229). No momento do exame desta disposição, a Comissão terá necessariamente tomado conhecimento das regras relativas ao regime de imposto profissional aplicável à France Télécom. Ora, se tivesse tido uma dúvida sobre a questão de saber se este último constituía um auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, deveria ter iniciado, por força do dever de diligência que lhe incumbe, um procedimento de exame em aplicação do artigo 88.°, n.° 3, CE. Não tendo sido iniciado tal procedimento, e nas circunstâncias excepcionais do presente caso, a France Télécom e as autoridades francesas puderam legitimamente nutrir uma confiança legítima na compatibilidade do regime do imposto profissional decorrente da Lei 90‑568 com o artigo 87.°, n.° 1, CE.

248    A República Francesa e a France Télécom invocam quatro argumentos suplementares em apoio da sua tese segundo a qual o princípio da protecção da confiança legítima se opõe, no caso em apreço, à recuperação do auxílio de Estado identificado pela Comissão.

249    Em primeiro lugar, as circunstâncias do presente caso estão próximas das prevalecentes no processo na origem do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Julho de 2004, Salzgitter/Comissão (T‑308/00, Colect., p. II‑1933).

250    Em segundo lugar, a convicção das autoridades francesas e da France Télécom era tanto mais forte quanto o objectivo visado pelo regime especial de tributação não era conceder a mínima vantagem à France Télécom, mas unicamente garantir que a sujeição progressiva da France Télécom às regras fiscais do regime normal teria efeito neutro no orçamento do Estado. Diversamente dos auxílios fiscais, que são habitualmente constituídos por medidas de isenção ou de desagravamento das taxas impositivas, não havia nada de tal no presente caso. Pelo contrário, até 1999, a France Télécom e as autoridades francesas estavam persuadidas de que o regime especial de tributação provocava um excesso de tributação relativamente ao direito comum. Assim, a France Télécom não podia suspeitar que o regime especial de tributação podia constituir um auxílio de Estado.

251    Em terceiro lugar, na Decisão 2006/621/CE, de 2 de Agosto de 2004, relativa ao auxílio Estatal concedido pela França a favor da France Télécom (JO 2006, L 257, p. 11), a Comissão considerou que esta «pôde legitimamente ter confiança quanto ao facto de os comportamentos da [República Francesa] não constituírem um auxílio estatal», pelo que «ordenar a recuperação do auxílio seria contrário aos princípios gerais do direito comunitário» (considerando 264). Ora, no presente caso, a France Télécom não estava consciente do facto de que beneficiava de uma vantagem antes de terem sido estabelecidas as primeiras simulações pelas autoridades francesas. Até então, ou seja, pelo menos até ao ano 2000, a France Télécom julgava, pelo contrário, que as modalidades especiais da sua sujeição ao imposto profissional a colocavam em desvantagem concorrencial nas suas relações com as autarquias. De resto, pediu o alinhamento do seu regime especial de tributação pelo direito comum.

252    Em quarto lugar, a Comissão não seguia, na data da decisão impugnada, uma prática decisória suficientemente firmada e ainda não tinha sido considerado um auxílio de Estado qualquer regime de tributação comparável às medidas em causa no presente caso.

253    Na sua réplica, a República Francesa contesta o argumento da Comissão de que não pode invocar o princípio da protecção da confiança legítima por não ter notificado o regime em causa. Assim, têm a possibilidade de invocar este princípio tanto o beneficiário de um auxílio como o Estado‑Membro que o concedeu. O alcance da jurisprudência invocada pela Comissão está limitado ao âmbito da acção por incumprimento e esta jurisprudência não se opõe a que um Estado‑Membro se prevaleça do respeito deste princípio no tocante ao beneficiário do auxílio no quadro de um recurso de anulação.

254    A Comissão alega, em primeiro lugar, que um Estado‑Membro não pode invocar o princípio de protecção da confiança legítima nem a seu respeito nem a respeito do beneficiário de um auxílio caso se tenha abstido de proceder à notificação à Comissão de um novo auxílio. Por conseguinte, na ausência de notificação das medidas controvertidas pela República Francesa, o princípio de protecção da confiança legítima não se poder opor à obrigação de recuperar um auxílio ilegalmente concedido (acórdãos do Tribunal de Justiça Comissão/Alemanha, n.° 244 supra, n.os 14 e 17, e de 11 de Novembro de 2004, Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, C‑183/02 P e C‑187/02 P, Colect., p. I‑10609, n.° 44; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T‑126/96 e T‑127/96, Colect., p. II‑3437, n.° 69, e de 10 de Abril de 2003, Scott/Comissão, T‑366/00, Colect., p. II‑1763, n.° 61).

255    A Comissão alega, em segundo lugar, que, na decisão relativa à La Poste, nem examinou nem tomou posição sobre as disposições da Lei 90‑568 relativas ao regime de imposto profissional aplicável à France Télécom. Ora, não tendo estas disposições sido notificadas, o silêncio da Comissão não podia ser interpretado como uma aprovação (acórdão Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, n.° 254 supra, n.° 52).

256    Em todo o caso, a Comissão entende que, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância, no acórdão FFSA e o./Comissão, n.° 247 supra, declarou que as disposições da Lei 90‑568 que respeitavam à La Poste constituíam auxílios compatíveis com o mercado comum, a República Francesa não podia ter confiança legítima no facto de as disposições aplicáveis à France Télécom não constituírem auxílios. Nestas condições, as autoridades francesas deveriam ter notificado as disposições em causa (acórdão Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, n.° 254 supra, n.os 48 a 50).

257    A Comissão sustenta, em terceiro lugar, que a referência à Decisão 2006/621 é inoperante, sendo diferentes as circunstâncias do presente processo e as do processo no qual foi tomada essa decisão.

258    A Comissão alega, em quarto lugar, que, com a adopção da decisão impugnada, não operou uma alteração da sua política a respeito dos auxílios de natureza fiscal, mas aplicou à situação do caso em apreço as regras objectivas previstas no artigo 87.°, n.° 1, CE.

 Apreciação do Tribunal

259    Segundo jurisprudência assente, mesmo na ausência de um texto, o direito de exigir a protecção da confiança legítima é extensivo a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulta que um instituição, ao fornecer‑lhe garantias precisas, criou na sua esfera jurídica expectativas fundadas [v. acórdão Van den Bergh en Jurgens e Van Dijk Food Products (Lopik)/CEE, n.° 243 supra, n.° 44, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Julho de 1998, Mellett/Tribunal de Justiça, T‑66/96 e T‑221/97, ColectFP p. I‑A‑449 e II‑1305, n.° 104 e jurisprudência aí indicada].

260    Constituem garantias dessa natureza, independentemente da forma como sejam comunicadas, informações precisas, incondicionais e concordantes, que emanem de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode alegar violação deste princípio se não houver garantias precisas fornecidas pela Administração (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Fevereiro de 2006, TEA‑CEGOS e o./Comissão, T‑376/05 e T‑383/05, Colect., p. II‑205, n.° 88 e jurisprudência aí indicada).

261    Decorre deste princípio, especialmente aplicável em matéria do controlo dos auxílios de Estado por força do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999, que a protecção da confiança legítima do beneficiário do auxílio pode ser invocada (acórdão Comissão/Alemanha, n.° 244 supra, n.° 16), na condição de este dispor de garantias suficientemente precisas, resultantes de uma acção positiva da Comissão, que lhe permitam concluir que uma medida não constitui um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Em contrapartida, na ausência de posição expressa da Comissão sobre uma medida que lhe tenha sido notificada, o silêncio da instituição não pode, com base no princípio da protecção da confiança legítima da empresa beneficiária de um auxílio de Estado, opor‑se à recuperação desta (v., neste sentido, acórdão Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, n.° 254 supra, n.° 44).

262    Contudo, tendo em conta o carácter imperativo do controlo dos auxílios de Estado efectuado pela Comissão nos termos do artigo 88.° CE, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem, em princípio, ter confiança legítima na regularidade de um auxílio se este tiver sido concedido no respeito do procedimento previsto no referido artigo. Com efeito, um operador económico diligente deve normalmente estar na posição de se assegurar que este procedimento foi respeitado. Consequentemente, de igual modo, um Estado‑Membro cujas autoridades concederam um auxílio em violação das regras de processo previstas no artigo 88.° CE não pode invocar a confiança legítima dos beneficiários para se subtrair à obrigação de tomar as medidas necessárias com vista à execução de uma decisão da Comissão que lhe ordena a recuperação do auxílio (v. acórdãos do Tribunal de Justiça Comissão/Alemanha, n.° 244 supra, n.os 14 e 17, e de 19 de Junho de 2008, Comissão/Alemanha, C‑39/06, não publicado na Colectânea, n.° 24 e jurisprudência aí indicada).

263    É certo que a possibilidade, para um beneficiário de um auxílio ilegal, de invocar circunstâncias excepcionais que legitimamente tenham podido fundar a sua confiança no carácter regular deste auxílio, e de se opor, por conseguinte, ao seu reembolso, não pode ser excluída [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância BFM e EFIM/Comissão, n.° 254 supra, n.° 70, e de 5 de Agosto de 2003, P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, T‑116/01 e T‑118/01, Colect., p. II‑2957, n.os 201 e 204].

264    No presente caso, está assente que o auxílio em questão não foi notificado, pois foi examinado pela Comissão na sequência de uma denúncia apresentada após ter sido concedido o primeiro elemento do auxílio – a saber, a diferença de tributação da qual beneficiou a France Télécom relativamente ao ano de 1994. Portanto, cabe concluir que, em princípio, nem a República Francesa nem a France Télécom podem invocar o princípio da protecção da confiança legítima do beneficiário do auxílio em questão para se oporem à decisão de recuperação, salvo se demonstrarem a existência de circunstâncias excepcionais que tenham podido fundar a confiança legítima da France Télécom no carácter regular do auxílio em questão.

265    A circunstância excepcional invocada neste sentido pela República Francesa e pela France Télécom consiste no exame do artigo 21.° da Lei 90‑568 pela Comissão, no termo do qual esta concluiu, na decisão relativa à La Poste, que a redução da matéria colectável para 85% do seu valor, aplicável à La Poste – mas não à France Télécom – por força do artigo 21.°, ponto I 3, não constituía um auxílio de Estado. As recorrentes observam que o regime especial de tributação foi instituído pelo mesmo artigo e que este era igualmente aplicável à La Poste. Ora, a Comissão, por ocasião do seu exame, não concluiu que este regime constituía um auxílio de Estado.

266    Em primeiro lugar, importa salientar, a este respeito, que, como admitem as próprias recorrentes, a Comissão não tomou qualquer posição sobre o regime especial de tributação. Ora, a possibilidade de invocar o princípio da protecção da confiança legítima pressupõe que o beneficiário possa referir as garantias precisas provenientes da Administração (v. n.° 260 supra).

267    Em segundo lugar, resulta dos próprios termos da decisão relativa à La Poste que as outras disposições do artigo 21.° da Lei 90‑568, nomeadamente as relativas ao imposto profissional e ao regime especial de tributação, não foram examinadas. O silêncio da Comissão a respeito do regime especial de tributação na decisão relativa à La Poste não podia, pois, ser suficiente para fundar a confiança legítima da La Poste, nem a fortiori da France Télécom, em que este regime fiscal não constituía um auxílio de Estado (v., neste sentido, acórdão Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, n.° 254 supra, n.° 44).

268    Em terceiro lugar, como alega a Comissão em sua defesa, a apreciação que figura na decisão relativa à La Poste, segundo a qual a redução da matéria colectável em causa nesse procedimento não constituía um auxílio de Estado, foi infirmada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão FFSA e o./Comissão, n.° 247 supra. Com efeito, nos n.os 167 e 168 desse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância enunciou que as disposições em causa do artigo 21.° da Lei 90‑568 instituíam um auxílio de Estado inserido no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, embora fosse compatível com o mercado comum devido à derrogação prevista no artigo 86.°, n.° 2, CE a favor das empresas públicas. O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso de que este acórdão foi objecto (despacho de 25 de Março de 1998, FFSA e o./Comissão, C‑174/97 P, Colect., p. I‑1303). Assim, mesmo supondo que a decisão relativa à La Poste tivesse podido conduzir a que a República Francesa e a France Télécom esperassem que as medidas previstas no artigo 21.° da Lei 90‑568 não constituíssem auxílios de Estado, tais esperanças revelaram‑se mal fundadas e não se contavam, pois, entre aquelas cujo respeito permite garantir o princípio da protecção da confiança legítima.

269    Em quarto lugar, importa observar que, em todo o caso, à data em que deveria ter sido feita a notificação do auxílio em questão – ou seja, antes da data em que o pagamento do imposto profissional liquidado à France Télécom relativamente ao ano de 1994 se tornou exigível – a Comissão ainda não tinha adoptado a decisão relativa à La Poste.

270    Consequentemente, há que constatar que a República Francesa e a France Télécom não demonstraram a existência de circunstâncias excepcionais que lhes permitam invocar o princípio de protecção da confiança legítima.

271    Nenhum dos outros argumentos das recorrentes é de natureza a pôr em causa esta apreciação.

272    Com efeito, em primeiro lugar, a República Francesa remete para o relatório C (2004) 434, de 9 de Fevereiro de 2004, sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas. Mesmo supondo que a recorrente pretende sustentar que este relatório vincula a Comissão, basta referir que este indica, em especial, que «o facto de se autorizar uma parte de um regime em nada prejudica o exame da conformidade às regras do Tratado dos outros aspectos deste mesmo regime». Assim, os próprios termos deste relatório excluem que se possa retirar um argumento da aprovação da medida instituída no artigo 21.°, ponto I 3, da Lei 90‑568 para concluir pela autorização das medidas instituídas pelo conjunto das outras disposições do mesmo artigo.

273    Em segundo lugar, também não pode ser acolhido o argumento da República Francesa segundo o qual as circunstâncias dos presentes processos são próximas das prevalecentes no processo na origem do acórdão Salzgitter/Comissão, n.° 249 supra. Com efeito, no processo em causa, o Tribunal de Primeira Instância enunciou que a circunstância de o beneficiário de um auxílio não poder invocar o princípio da protecção da confiança legítima, não tendo o auxílio sido notificado, não o privava da possibilidade de invocar a violação do princípio da segurança jurídica.

274    Ora, o processo que conduziu ao acórdão Salzgitter/Comissão, n.° 249 supra, caracterizava‑se por circunstâncias especiais, entre as quais a existência de uma decisão de não levantar objecções contra a disposição com base na qual o auxílio em questão tinha sido concedido, a revogação parcial e tácita desta decisão, uma alteração da análise pela Comissão, uma incerteza quanto à questão de saber se as novas aplicações da disposição em causa deviam ser objecto de notificações e uma inacção prolongada da Comissão, embora conhecesse perfeitamente a existência dos auxílios em causa.

275    Em comparação, nos presentes processos, as disposições da Lei 90‑568 nas quais se fundava o regime especial de tributação não foram notificadas à Comissão e não puderam, pois, ser objecto de uma decisão de não levantar objecções.

276    A este propósito, e em terceiro lugar, o argumento das recorrentes segundo o qual a República Francesa se podia abster de notificar o regime especial de tributação, uma vez que era evidente que o legislador francês não tinha a intenção de conceder um auxílio de Estado à France Télécom, não pode ser admitido. Efectivamente, por um lado, a intenção do Estado‑Membro não tem incidência na existência de um auxílio de Estado (v. n.° 197 supra). Por outro lado, a notificação de uma medida susceptível de proporcionar uma vantagem a uma empresa é o meio, previsto no Tratado, que permite aos Estados‑Membros assegurarem‑se de que não concedem um auxílio de Estado ilegal e às empresas que não beneficiam de tal auxílio. Ora, uma vez que o regime especial de tributação constituía uma modalidade de sujeição ao imposto profissional que derrogava o direito comum e relativa a duas empresas, não se podia excluir a priori que se tratasse de um auxílio de Estado. Está, assim, assente que o regime especial de tributação não foi notificado à Comissão. A este respeito, cabe lembrar que, na ausência de circunstâncias excepcionais, quando a um auxílio é dada execução sem notificação prévia à Comissão, pelo que é ilegal por força do artigo 88.°, n.° 3, CE, o beneficiário do auxílio não pode ter, nesse momento, uma confiança legítima na sua concessão (v., neste sentido, acórdão Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, n.° 254 supra, n.° 44).

277    Em quarto lugar, como alega a Comissão, as condições em que pode ser reconhecida a protecção da confiança legítima são próprias a cada processo. Assim, a circunstância de a Comissão ter reconhecido que a France Télécom podia invocar este princípio no processo que conduziu à Decisão 2006/621 é, por si só, desprovida de pertinência relativamente à questão de saber se a empresa pode beneficiar desta protecção no caso em apreço.

278    Finalmente, em quinto lugar, o argumento da República Francesa segundo o qual a Comissão não tinha na matéria uma prática decisória firmada está igualmente votado ao insucesso. Com efeito, uma tal ausência de prática, supondo‑a estabelecida, não seria susceptível de alicerçar a tese segundo a qual as recorrentes podiam legitimamente confiar que o regime especial de tributação não instituía um auxílio de Estado.

279    Resulta das precedentes considerações que os argumentos das recorrentes não podem ser acolhidos e que, por conseguinte, deve ser julgado improcedente o quarto fundamento apresentado pela República Francesa e a primeira parte do quarto fundamento apresentado pela France Télécom.

7.     No que respeita à possibilidade de ordenar a recuperação de um auxílio de montante indeterminado e o respeito do princípio da segurança jurídica

 Argumentos das partes

280    A France Télécom, na segunda parte do seu quarto fundamento, sustenta que a possibilidade de determinar com exactidão o montante de um auxílio incompatível com o mercado comum constitui uma condição para a sua recuperação e entende que o carácter hipotético do montante a recuperar é contrário ao princípio da segurança jurídica.

281    A France Télécom indica que o princípio da segurança jurídica não pode ser limitado às condições exigidas para o nascimento de confiança legítima na esfera do beneficiário do auxílio (acórdão Salzgitter/Comissão, n.° 249 supra) e que este princípio exige que qualquer acto administrativo que produza efeitos jurídicos seja claro e preciso, a fim de que o interessado possa conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, Langnese‑Iglo/Comissão, C‑279/95 P, Colect., p. I‑5609, n.° 78). Assim, em conformidade com este princípio, a Comissão estava obrigada a fornecer à República Francesa informações que permitissem determinar sem dificuldade excessiva o montante do auxílio a recuperar e, nomeadamente, fixar o parâmetro que permitisse medir a amplitude das vantagens anticoncorrenciais das quais beneficiou a France Télécom (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1973, Comissão/Alemanha, 70/72, Colect., p. 813; de 13 de Julho de 1988, França/Comissão, 102/87, Colect., p. 4067, n.° 33, e de 12 de Outubro de 2000, Espanha/Comissão, C‑480/98, Colect., p. I‑8717, n.° 25).

282    Ora, a Comissão limitou‑se a definir uma margem com carácter indicativo, sem precisar os parâmetros necessários para o cálculo do montante do auxílio a recuperar. Portanto, não se pode considerar que a decisão impugnada produziu efeitos jurídicos claros e precisos, e isto em violação do princípio da segurança jurídica.

283    De facto, revela‑se impossível calcular com exactidão o montante da diferença entre os montantes do imposto profissional liquidados à France Télécom relativamente aos anos anteriores a 2003 e o montante dos impostos que a France Télécom deveria ter pago se tivesse sido tributada nas condições do direito comum.

284    Com efeito, a France Télécom não dispõe de uma contabilidade analítica que permita repartir as bases de tributação por município, respeitando os primeiros dados disponíveis ao ano de 2001, o qual constitui, em conformidade com o artigo 1467.° A do Código Geral dos Impostos, o período de referência para o estabelecimento da tributação devida relativamente ao ano de 2003 (v. n.° 21 supra). A France Télécom dispõe de cerca de 19.000 implantações, que conheceram variações significativas entre 1991 e 2000, o que torna impossível qualquer repartição real das bases de tributação relativamente aos anos anteriores a 2001.

285    Acresce que a impossibilidade de repartir as bases de tributação para calcular o montante do imposto que a France Télécom deveria normalmente ter pago tem como consequência ser igualmente impossível determinar as taxas locais reais aplicáveis, as quais, de resto, já não estão disponíveis. Assim, os montantes comunicados à Comissão em Maio de 2003 foram obtidos, no tocante aos anos de 1994 a 1999, a partir de uma taxa média nacional de tributação da France Télécom, calculada par extrapolação linear a partir da taxa média ponderada nacional.

286    Os dados transmitidos em Julho de 2004 revestem um carácter mais fiável, pois foram estabelecidos a partir do montante efectivamente liquidado à France Télécom em conformidade com o direito comum relativamente ao ano de 2003, mas repousam igualmente, no tocante aos anos anteriores, numa reconstituição fictícia por extrapolação.

287    Nestas condições, os dados transmitidos pela República Francesa durante o procedimento administrativo apenas podiam ter carácter indicativo e fortemente aproximativo, tendo a Comissão sido devidamente advertida desse facto. De resto, a Administração teve‑o em conta, como testemunha a acta da reunião do colégio dos membros da Comissão no decurso da qual a decisão impugnada foi adoptada. Assim, será impossível calcular o montante exacto da vantagem de que a France Télécom terá beneficiado a partir dos parâmetros definidos na decisão impugnada. Ora, nas decisões 2003/216 e 2006/621, a Comissão deduziu da impossibilidade de calcular o montante dos auxílios que tinha identificado que não era possível ordenar a sua recuperação.

288    A Comissão sustenta, a título liminar, que pode, ao abrigo de jurisprudência assente, limitar‑se a verificar a obrigação de restituição dos auxílios e deixar às autoridades nacionais a tarefa de calcular o montante preciso dos auxílios a restituir.

289    A Comissão alega, seguidamente, que a falta de dados contabilísticos exactos não obsta à recuperação de um auxílio, quando este pode ser precisamente identificado. Ora, na decisão impugnada, o auxílio em questão foi precisamente definido como a diferença de tributação correspondente à diferença entre o montante do imposto profissional que teria recaído sobre a France Télécom se tivesse estado sujeita ao direito comum e a tributação efectivamente suportada por esta empresa de 1994 a 2002. A quantificação exacta do auxílio em questão não tem incidência na legalidade da decisão impugnada, mas respeita à fase da sua execução, a qual assenta no dever de cooperação leal entre a Comissão e os Estados‑Membros prevista pelo artigo 10.° CE.

290    A este respeito, em primeiro lugar, é admissível a utilização de um método de extrapolação a partir dos dados disponíveis. De resto, este método foi utilizado pela República Francesa durante o procedimento administrativo e conduziu às duas séries de resultados utilizados na decisão impugnada para fixar a margem indicativa dentro da qual se situa o montante a recuperar.

291    O carácter indicativo destes montantes foi também tomado devidamente em consideração pelo colégio dos membros da Comissão [Acta (2004) 1667 final, de 19 e 20 de Julho de 2004, ponto 20.1, p. 34] e, consequentemente, o termo «indicativo» foi acrescentado ao considerando 59 da decisão impugnada por uma corrigenda adoptada em 19 de Janeiro de 2005 [C (2005) 75 final] e notificada nesse mesmo dia à República Francesa.

292    Em segundo lugar, a impossibilidade de reconstituição dos montantes da tributação que a France Télécom deveria ter suportado se tivesse estado sujeita ao direito comum não é alegada com seriedade.

293    Em primeiro lugar, as autoridades francesas basearam‑se sucessivamente em duas séries de dados, submetidos em 15 de Maio de 2003 e em 29 de Janeiro de 2004, que apresentaram como sendo suficientemente credíveis, para tentar estabelecer a inexistência de uma vantagem para a France Télécom durante o período de 1991‑2002. Ora, foi apenas quando percebeu que a Comissão se preparava para se recusar a admitir o argumento relativo à compensação entre a imposição de montante fixo cobrada à France Télécom relativamente ao período compreendido entre os anos de 1991 e 1993 e a diferença de tributação resultante do regime especial de tributação relativamente aos anos de 1994 a 2002 que a República Francesa, pela primeira vez, sustentou que as suas estimativas não eram fiáveis.

294    Em segundo lugar, estão completamente desprovidas de fundamento as alegações segundo as quais não estão disponíveis as informações necessárias à determinação dos montantes do imposto profissional que deveria normalmente recair sobre a France Télécom relativamente aos anos de 1994 a 2002.

295    Com efeito, é inverosímil que a France Télécom não possa conhecer com suficiente precisão a implantação geográfica dos seus activos relativamente a um período pouco longínquo. Quanto às taxas de imposição votadas nos anos em causa pelas autarquias no território das quais a France Télécom possuía estabelecimentos, trata‑se de dados públicos cujo desaparecimento é absolutamente inexplicável.

 Apreciação do Tribunal

296    Importa recordar, a título liminar, que, em resposta às questões que lhe foram colocadas pelo Tribunal, a República Francesa indicou que, na sequência do acórdão Comissão/França, n.° 93 supra, retirava o quinto fundamento do seu recurso, com o qual sustentava que a impossibilidade de calcular o montante exacto do auxílio em questão se opunha à execução da obrigação de recuperação do mesmo e que tinha procedido à execução provisória do artigo 2.° da decisão impugnada. Nestas condições, só serão tomados em consideração os argumentos apresentados pela France Télécom.

297    Nos termos de jurisprudência assente, a Comissão não está obrigada a indicar, na decisão que ordena a recuperação de um auxílio ilegal, o montante preciso do auxílio a restituir. Com efeito, as exigências do direito comunitário na matéria limitam‑se a que, por um lado, a recuperação dos auxílios ilegalmente concedidos conduza ao restabelecimento da situação anterior e, por outro, que esta restituição seja efectuada segundo as modalidades previstas pelo direito nacional, sem que a aplicação das disposições deste último possa prejudicar o alcance e a eficácia do direito comunitário (v. acórdão Ladbroke Racing/Comissão, n.° 184 supra, n.° 187, e jurisprudência aí indicada).

298    Basta, pois, que o cálculo do montante do auxílio a recuperar possa ser efectuado, vistas as indicações que figuram na decisão, sem dificuldade excessiva (acórdão de 13 de Julho de 1988, France/Comissão, n.° 281 supra, n.° 33).

299    Assim, a Comissão pode limitar‑se a verificar a obrigação de restituição do auxílio em questão e deixar às autoridades nacionais a tarefa de calcular o montante preciso do auxílio a restituir, especialmente quando este cálculo exija a tomada em consideração de regimes de imposição ou de segurança social cujas modalidades são fixadas pela legislação nacional aplicável (acórdãos de 12 de Outubro de 2000, Espanha/Comissão, n.° 281 supra, n.° 26, e Ladbroke Racing/Comissão, n.° 184 supra, n.° 188).

300    Porém, a liberdade reconhecida à Comissão, de se abster de indicar o montante preciso do auxílio a recuperar, não pode permitir à instituição ignorar o respeito do princípio da segurança jurídica, o qual exige que qualquer acto administrativo que produza efeitos jurídicos seja claro e preciso, a fim de que o interessado possa conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (acórdão Langnese‑Iglo/Comissão, n.° 281 supra, n.° 78).

301    No caso em apreço, cabe lembrar que a Comissão indicou, no considerando 59 da decisão impugnada, que o montante do auxílio em questão se devia situar entre 798 milhões e 1.140 milhões de euros. Daqui resulta que o montante de 798 milhões de euros deve ser considerado o montante mínimo do auxílio a recuperar, em conformidade com o disposto no artigo 2.° da decisão impugnada. O dispositivo de uma decisão em matéria de auxílios estatais é, com efeito, indissociável da fundamentação desta, pelo que a mesma deve ser interpretada, se for necessário, tendo em conta os motivos que conduziram à sua adopção. Não tendo os montantes que constituem a margem dentro da qual o montante do auxílio em questão está compreendido carácter indicativo, a decisão impugnada comporta as indicações adequadas que permitem à própria República Francesa determinar, sem dificuldade excessiva, o montante definitivo do auxílio a recuperar (v., neste sentido, acórdão Comissão/França, n.° 87 supra, n.os 31 a 40 e jurisprudência aí indicada).

302    Efectivamente, por um lado, no considerando 42 da decisão impugnada, o auxílio em questão foi precisamente identificado como sendo «a diferença entre o imposto profissional efectivamente pago pela [France Télécom] e o que teria devido por força do regime normal entre 1 de Janeiro de 1994 e 1 de Janeiro de 2003».

303    Por outro lado, nos considerandos 54 a 60 da decisão impugnada, a Comissão apresentou as estimativas que lhe tinham sido comunicadas pela República Francesa durante o procedimento administrativo e baseou‑se nestes dados para estabelecer o montante do auxílio em questão. Ao fazê‑lo, a Comissão, de modo juridicamente correcto, indicou que os métodos para um cálculo aproximado do montante do auxílio em questão, como os utilizados no presente caso, podiam ser admitidos, sem prejuízo de o Estado‑Membro e a empresa poderem proceder a um cálculo exacto da vantagem da qual beneficiou a France Télécom.

304    Assim, uma vez que o cálculo do montante do auxílio a recuperar podia ser efectuado, vistas as indicações que figuram na decisão impugnada, sem dificuldade excessiva, a Comissão era livre de indicar, nos considerandos 59 e 60 da referida decisão, que o montante exacto do auxílio a recuperar seria definido pelas autoridades francesas durante a fase de execução desta mesma decisão.

305    Donde se conclui que é sem razão que a France Télécom sustenta que, devido à impossibilidade de calcular o montante do auxílio em questão, a obrigação de proceder à sua recuperação viola o princípio da segurança jurídica. Consequentemente, deve ser julgada improcedente a segunda parte do quarto fundamento da France Télécom.

8.     No que respeita à aplicação das regras de prescrição

 Argumentos das partes

306    Com o seu terceiro fundamento, a República Francesa e a France Télécom recordam que, nos termos do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, os poderes da Comissão em matéria de recuperação do auxílio estão sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos e que o prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílios.

307    Tanto a República Francesa como a France Télécom contestam a análise da Comissão segundo a qual os auxílios em causa foram concedidos no quadro de um regime de auxílios e segundo a qual o prazo de prescrição começa a contar na data em que o primeiro auxílio foi efectivamente concedido à France Télécom, ou seja, em 1 de Janeiro de 1994.

308    Entendem, pelo contrário, que, em conformidade com o princípio da segurança jurídica, o prazo começa a contar na data em que um compromisso jurídico vinculativo instituiu a medida em causa, a saber, em 2 de Julho de 1990, data em que foi promulgada e entrou em vigor a Lei 90‑568, cujo artigo 21.° fixou de modo claro e preciso as modalidades especiais de tributação aplicáveis à France Télécom a partir de 1994. Para alicerçar esta tese, avançam seis argumentos.

309    Em primeiro lugar, a Comissão entende que os Estados‑Membros infringem a sua obrigação de notificação dos novos auxílios que resulta do artigo 88.°, n.° 3, CE quando, independentemente de qualquer pagamento, assumam um compromisso jurídico vinculativo a respeito de um auxílio.

310    Em segundo lugar, no tocante igualmente à notificação dos novos auxílios, a jurisprudência confirma a prática da Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Janeiro de 2004, Fleuren Compost/Comissão, T‑109/01, Colect., p. II‑127, n.° 74).

311    Em terceiro lugar, o facto de o pretenso auxílio ter sido concedido anualmente não releva para o cálculo do prazo de prescrição, não contendo o Regulamento n.° 659/1999 qualquer regra comparável à aplicável às infracções continuadas em matéria de concorrência.

312    Em quarto lugar, as disposições fiscais da Lei 90‑568 não constituem um regime de auxílios na acepção da regulamentação sobre os auxílios de Estado, uma vez que o dispositivo só respeitava a uma única empresa, foi instituído por uma única medida estatal, que não foi objecto de qualquer alteração antes da sua revogação, não havia necessidade de qualquer medida de aplicação ulterior e não tinha por finalidade conceder uma vantagem à empresa.

313    Em quinto lugar, o artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 fixa a contagem do prazo de prescrição na data em que o auxílio foi «concedido» e não na data em que foi «pago», e isto em todas as versões linguísticas (por exemplo, «concedido» em espanhol, «granted» em inglês, «gewährt» em alemão, «vienne concesso» em italiano). Acresce que os termos do artigo 15.° se distinguem dos do artigo 14.° do mesmo Regulamento, que fixam o início da contagem dos juros a partir da data em que o auxílio foi «colocado à disposição». A tomada em consideração da data em que é aprovado o princípio da concessão do auxílio é, por último, conforme à prática decisória da Comissão [Decisão 2002/14/CE, de 12 de Julho de 2000, relativa ao auxílio estatal concedido pela França à Scott Paper SA/Kimberly‑Clark (JO 2002, L 12, p. 1)], confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (acórdão Scott/Comissão, n.° 254 supra).

314    Em sexto lugar, a tese da Comissão segundo a qual se deve considerar que o auxílio é concedido na data a partir da qual pode ser calculado é fonte de insegurança jurídica, não podendo ser identificada qualquer data certa com base nesta teoria.

315    Ora, as autoridades francesas e a France Télécom sustentam que o primeiro pedido de informações proveniente da Comissão está datado de 28 de Junho de 2001, ou seja, mais de dez anos após 2 de Julho de 1990. Estando prescrita a recuperação do auxílio em questão, a decisão impugnada deve, por esse motivo, ser anulada.

316    Na réplica, a República Francesa contesta a pertinência da jurisprudência referida pela Comissão na sua contestação e a pertinência da questão de saber se o auxílio em questão constituía um auxílio existente independentemente da aplicação do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999. As autoridades francesas acrescentam que a teoria da Comissão segundo a qual há que distinguir, no caso de um regime de auxílios, a data em que é assumido o compromisso jurídico relativo ao auxílio, por um lado, da data em que cada auxílio pode ser calculado, por outro, não está alicerçada e não resulta do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999.

317    A Comissão contesta estas alegações.

 Apreciação do Tribunal

318    Nos termos do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, os poderes da Comissão em matéria de recuperação do auxílio estão sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.

319    O artigo 15.°, n.° 2, do mesmo regulamento dispõe:

«O prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílio. O prazo de prescrição é interrompido por quaisquer actos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta. Cada interrupção inicia uma nova contagem de prazo. O prazo de prescrição será suspenso enquanto a decisão da Comissão for objecto de um processo no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.»

320    Decorre das disposições do artigo 15, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999 referidas supra que o ponto de partida da contagem do prazo de prescrição é a data em que se considera que o auxílio cuja recuperação foi ordenada pela Comissão foi concedido, ou seja, quando a concessão do auxílio depende da adopção de actos jurídicos vinculativos, a data de adopção destes actos (acórdão Fleuren Compost/Comissão, n.° 310 supra, n.° 74; v. igualmente, neste sentido, acórdão Scott/Comissão, n.° 254 supra, n.os 3 e 57).

321    No caso em apreço, a República Francesa e a France Télécom entendem que o acto jurídico vinculativo que concedeu o auxílio em questão é a Lei 90‑568, que tem a data de 2 de Julho de 1990. O prazo de prescrição terá, pois, expirado em 1 de Julho de 2000 e nenhuma medida tomada pela Comissão terá vindo interromper este prazo, pois o primeiro pedido de informações enviado à República Francesa data de 28 de Junho de 2001.

322    Porém, no considerando 42 da decisão impugnada, a Comissão definiu a vantagem constitutiva de um auxílio de Estado como representando «a diferença entre o imposto profissional efectivamente pago pela [France Télécom] e o que teria devido por força do regime normal entre 1 de Janeiro de 1994 e 1 de Janeiro de 2003». Portanto, a Comissão não considerou que o auxílio em questão era constituído pelas disposições fiscais especiais aplicáveis à France Télécom, mas pela diferença de tributação representada pela diferença entre o montante das cobranças de imposto profissional que teria sido devido pela empresa se tivesse estado sujeita ao imposto do regime normal e o que lhe foi efectivamente liquidado por força das disposições fiscais especiais às quais estava sujeita (v. n.° 201 supra).

323    Ora, resulta da anualidade do imposto profissional (v. n.° 202 supra) que a existência de uma vantagem em proveito da France Télécom dependia cada ano da questão de saber se o regime especial de tributação conduzia a liquidar à France Télécom um imposto profissional inferior àquele à qual teria sido sujeita nos termos do direito comum. Cabe observar que esta questão dependia de circunstâncias externas ao regime especial de tributação e, nomeadamente, do nível das taxas de tributação votadas anualmente pelas autarquias no território das quais a France Télécom possuía estabelecimentos.

324    Por esta razão, o auxílio em questão não pode ser considerado como tendo sido concedido, na acepção do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, antes do ano de 1994, posto que foi então que foram adoptados os actos jurídicos vinculativos que permitiam, pela primeira vez, verificar a existência de uma diferença de tributação. A este respeito, não pode ser admitida a tese das recorrentes, pois implicaria, nos casos em que um acto jurídico instaura um regime especial aplicável no futuro, que o prazo de prescrição comece a correr numa data em que é impossível determinar com certeza se este regime especial institui uma vantagem susceptível de constituir um auxílio de Estado.

325    Assim sendo, o prazo de prescrição previsto no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 não estava expirado à data de 28 de Junho de 2001, na qual um pedido de informações foi enviado à República Francesa. Portanto, o prazo de prescrição recomeçou a correr nessa mesma data e não estava expirado em 2 de Agosto de 2004, data da adopção da decisão impugnada.

326    Donde se conclui que deve ser julgado improcedente o terceiro fundamento apresentado pela República Francesa e pela France Télécom.

327    Resulta do conjunto das precedentes considerações que não pode ser acolhido qualquer dos fundamentos das recorrentes e que, consequentemente, há que negar provimento aos seus pedidos de anulação da decisão impugnada.

 Quanto às despesas

328    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Francesa e a France Télécom sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      A República Francesa e a France Télécom SA são condenadas nas despesas.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Novembro de 2009.

Assinaturas

Índice


Quadro jurídico

1.  Regras aplicáveis aos auxílios de Estado

2.  Regras relativas à adopção das decisões da Comissão

Factos na origem do litígio

1.  Criação da France Télécom

2.  Sujeição da France Télécom ao imposto profissional

Regime geral do imposto profissional

Regras aplicáveis à France Télécom

Princípio da sujeição aos impostos do regime comum

Imposição de montante fixo

Regime especial de tributação

3.  Procedimento administrativo

4.  Decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

1.  Resumo dos fundamentos de anulação

2.  Quanto ao respeito das regras relativas à adopção de decisões pela Comissão

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

3.  Quanto ao respeito dos direitos de defesa relativamente à República Francesa

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

4.  Quanto ao respeito dos direitos processuais da France Télécom

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

5.  Quanto à existência de um auxílio de Estado

Argumentos das partes

Quanto à existência de justificações relacionadas com a economia geral do sistema fiscal

Quanto à natureza da imposição de montante fixo

Quanto ao carácter indivisível do regime fiscal aplicável à France Télécom durante o período de 1991 a 2002

Quanto à necessidade de proceder a uma compensação

Apreciação do Tribunal

Quanto à existência de uma vantagem

–  No que respeita à possibilidade de examinar o regime especial de tributação independentemente da imposição de montante fixo

–  No que respeita à possibilidade de uma compensação

–  No que respeita à existência de uma diferença de tributação

Quanto à justificação através da invocação da coerência do sistema fiscal

6.  No que respeita à aplicação do princípio da protecção da confiança legítima

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

7.  No que respeita à possibilidade de ordenar a recuperação de um auxílio de montante indeterminado e o respeito do princípio da segurança jurídica

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

8.  No que respeita à aplicação das regras de prescrição

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


** Língua do processo: francês.