Language of document : ECLI:EU:C:2011:604

Processo C-323/09

Interflora Inc

e

Interflora British Unit

contra

Marks & Spencer plc

e

Flowers Direct Online Ltd

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division]

«Marcas – Publicidade na Internet a partir de palavras‑chave (‘keyword advertising’) – Selecção pelo anunciante de uma palavra‑chave correspondente à marca que goza de prestígio de um concorrente – Directiva 89/104/CEE – Artigo 5.°, n.os 1, alínea a), e 2 – Regulamento (CE) n.° 40/94 – Artigo 9.°, n.° 1, alíneas a) e c) – Requisito de violação de uma das funções da marca – Prejuízo causado ao carácter distintivo de uma marca que goza de prestígio (‘diluição’) – Partido indevido tirado do carácter distintivo ou do prestígio dessa marca (‘parasitismo’)»

Sumário do acórdão

1.        Aproximação das legislações – Marcas – Interpretação do Regulamento n.º 40/94 e da Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso por um terceiro de um sinal idêntico para produtos idênticos – Objectivo – Limites

[Regulamento n.º 40/94 do Conselho, artigo 9.º, n.º 1, alínea a); Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.º, n.º 1, alínea a)]

2.        Aproximação das legislações – Marcas – Interpretação do Regulamento n.º 40/94 e da Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso por um terceiro de um sinal idêntico para produtos idênticos – Publicidade no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet

[Regulamento n.º 40/94 do Conselho, artigo 9.º, n.º 1, alínea a); Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.º, n.º 1, alínea a)]

3.        Aproximação das legislações – Marcas – Interpretação do Regulamento n.º 40/94 e da Directiva 89/104 – Marca que goza de prestígio – Publicidade no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet

[Regulamento n.º 40/94 do Conselho, artigo 9.º, n.º 1, alínea c); Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.º, n.º 2]

1.        Decorre da redacção do artigo 5.°, n.° 1, da Primeira Directiva 89/104, em matéria de marcas, e do décimo considerando desta que o direito dos Estados‑Membros foi harmonizado no sentido de que o direito exclusivo conferido por uma marca oferece ao titular desta uma protecção «absoluta» contra o uso por terceiros de sinais idênticos a essa marca para produtos ou serviços idênticos, ao passo que, quando esta dupla identidade não existir, só a existência de um risco de confusão permite ao titular invocar utilmente o seu direito exclusivo. Esta distinção entre a protecção conferida pelo n.° 1, alínea a), do referido artigo e a enunciada na alínea b) do mesmo n.° 1 foi retomada, no que diz respeito à marca comunitária, pelo sétimo considerando e pelo artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 sobre a marca comunitária.

Embora o legislador da União tenha qualificado de «absoluta» a protecção contra o uso não consentido de sinais idênticos a uma marca para produtos ou serviços idênticos aqueles para os quais esta está registada, o Tribunal de Justiça pôs essa qualificação em perspectiva ao salientar que, por mais importante que possa ser, a protecção conferida pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 não visa senão permitir ao titular da marca proteger os seus interesses específicos como titular da marca, ou seja, assegurar que esta possa cumprir as suas funções próprias. O Tribunal de Justiça concluiu que o exercício do direito exclusivo conferido pela marca deve ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro afecta ou é susceptível de afectar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial, que é garantir aos consumidores a proveniência do produto.

Esta interpretação dos artigos 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1 alínea a), do Regulamento n.° 40/94 foi precisada no sentido de que as referidas disposições permitem ao titular da marca invocar o seu direito exclusivo se for causado, ou houver o risco de que seja causado, um prejuízo a uma das funções da marca, quer se trate da função essencial de indicação de origem do produto ou do serviço coberto pela marca ou de uma das outras funções desta, como a que consiste em garantir a qualidade desse produto ou desse serviço, ou as de comunicação, investimento ou publicidade.

É certo que uma marca deve, em princípio, cumprir sempre a sua função de indicação de origem, ao passo que apenas assegura as suas outras funções na medida em que o seu titular a explore nesse sentido, nomeadamente para fins de publicidade e investimento. Todavia, esta diferença entre a função essencial da marca e as suas outras funções não podem de forma alguma justificar que, quando uma marca cumpre uma ou mais das suas outras funções, as violações destas sejam excluídas do campo de aplicação dos artigos 5.°, n.° 1, alínea a) da Directiva 89/104 e 9.°, n.° 1 alínea a), do Regulamento n.° 40/94. Do mesmo modo, não se pode considerar que apenas as marcas que gozam de prestígio podem ter funções diferentes da indicação de origem.

(cf. n.os 36 a 38, 40)

2.        Os artigos 5.°, n.° 1, da Primeira Directiva 89/104, em matéria de marcas, e 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, sobre a marca comunitária devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca está habilitado a proibir um concorrente de, a partir de uma palavra chave idêntica a essa marca que este concorrente, sem o consentimento do referido titular, seleccionou no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, fazer publicidade a produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a referida marca está registada, quando esse uso for susceptível de prejudicar uma das funções da marca. Tal uso:

– prejudica a função de indicação de origem da marca quando a publicidade exibida a partir da palavra chave não permite ou permite dificilmente ao internauta normalmente informado e razoavelmente atento saber se os produtos ou os serviços identificados pelo anúncio provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este ou, pelo contrário, de um terceiro;

– não prejudica, no âmbito de um serviço de referenciamento como o Adwords, a função de publicidade da marca, e

– prejudica a função de investimento da marca se perturbar de maneira substancial a utilização, pelo referido titular, da sua marca para adquirir ou conservar uma reputação susceptível de atrair e de fidelizar consumidores.

Quando o anúncio do terceiro sugere a existência de uma relação económica entre esse terceiro e o titular da marca, deve concluir‑se que a função de indicação de origem foi prejudicada. De igual modo, quando o anúncio, embora não sugerindo a existência de uma relação económica, é de tal forma vago sobre a origem dos produtos ou dos serviços em causa que um internauta normalmente informado e razoavelmente atento não consegue determinar, com base no link publicitário e na correspondente mensagem comercial, se o anunciante é um terceiro relativamente ao titular da marca ou, pelo contrário, se está economicamente ligado a este, deve igualmente concluir‑se que a referida função da marca é prejudicada.

No que respeita à função da publicidade, o simples facto de o uso, por um terceiro, de um sinal idêntico a uma marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais essa marca está registada obrigar o titular dessa marca a intensificar os seus esforços publicitários para manter ou aumentar a sua visibilidade junto dos consumidores, não é suficiente, em todos os casos, para concluir que a função de publicidade da referida marca fica prejudicada. A este respeito, embora a marca constitua um elemento essencial do sistema de concorrência não falseada que o direito da União pretende criar, não tem, contudo, como objectivo proteger o seu titular contra práticas inerentes ao jogo da concorrência. Ora, a publicidade na Internet a partir de palavras‑chave correspondentes a marcas constitui uma dessas práticas, na medida em que tem, regra geral, como único fim propor aos internautas alternativas em relação aos produtos ou aos serviços do referido titular.

No que respeita à função de investimento, não se pode admitir que o titular de uma marca se possa opor a que um concorrente faça uso, em condições de concorrência leal e respeitadora da função de indicação de origem da marca, de um sinal idêntico a essa marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta está registada, se esse uso tiver como única consequência obrigar o titular dessa marca a adaptar os seus esforços para adquirir ou conservar uma reputação susceptível de atrair e de fidelizar os consumidores. Da mesma forma, a circunstância de o referido uso conduzir certos consumidores a afastarem‑se dos produtos ou serviços provenientes da referida marca não pode ser utilmente invocada pelo titular desta.

(cf. n.os 45, 57 e 58, 62, 64, 66, disp.1)

3.        Os artigos 5.°, n.° 2, da Primeira Directiva 89/104, em matéria de marcas, e 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, sobre a marca comunitária, devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca que goza de prestígio está habilitado a proibir um concorrente de fazer publicidade a partir de uma palavra chave correspondente a essa marca que este concorrente, sem o consentimento do referido titular, seleccionou no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, quando o referido concorrente tira assim indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca (parasitismo) ou quando a referida publicidade prejudica esse carácter distintivo (diluição) ou esse prestígio (degradação).

Uma publicidade a partir de uma tal palavra‑chave prejudica o carácter distintivo da marca comunitária (diluição), nomeadamente se contribuir para a desvirtuação dessa marca através da sua transformação num termo genérico.

Em contrapartida, o titular de uma marca que goza de prestígio não está habilitado a proibir, nomeadamente, publicidades exibidas por concorrentes a partir de palavras‑chave correspondentes a essa marca e que proponham, sem oferecer uma simples imitação dos produtos ou dos serviços do titular dessa marca, sem causar uma diluição ou uma degradação e sem violar as funções da referida marca que goza de prestígio, uma alternativa aos produtos ou aos serviços do titular desta.

(cf. n.os 93 a 95, disp. 2)